… qualquer pessoa de esquerda sabe que quando um problema político vem embrulhado como se fosse um problema moral, são os defensores do status quo, os poderosos e as forças conservadoras que se beneficiam, escreve Idelber Avelar, em O Biscoito Fino e a Massa, no post A esquerda e o unicameralismo, em 17/07/2009 – 13h41
Já dei uns palpites sobre isso, em outro contexto, mas acho a frase acima a coisa mais acertada do mundo.
E meu colega da PUC-Campinas e amigo Luiz Roberto Benedetti já escrevia em sua tese de doutorado – Templo, Praça, Coração: a articulação do campo religioso católico. São Paulo: Humanitas/USP/FAPESP, 2000 – ISBN 8586087750 – que é mais do que evidente na classe média sua insegurança e, sobretudo, seu ressentimento social, mas que aparece, geralmente, disfarçado como indignação moral. Este é um mecanismo sob medida para a classe média desobrigar-se de um compromisso social efetivo, reduzindo os problemas do mundo a problemas morais [veja a citação em meu texto acima mencionado].
É o que mais se vê no modo como a grande mídia repercute a atual (atual?) “crise” (crise?) política brasileira.
politica
Leituras
:: A Satiagraha atinge o alvo
A denúncia do procurador De Grandis das falcatruas do orelhudo [Daniel Dantas] confirma o acerto da operação conduzida pelo delegado Protógenes e a ser julgada pelo juiz De Sanctis.
Fonte: CartaCapital, edição 554 – 15/07/2009
:: Agronegócio quer acabar com a Amazônia. Entrevista exclusiva com Marina Silva
Mulher, negra, pobre. Alfabetizada aos 16 anos. Do interior do Acre ao planalto central. De seringueira a ministra do Meio Ambiente. As muitas lutas de Marina Silva ao longo de sua vida parecem ser pequenas se comparadas à que trava atualmente: impedir que a mentalidade predatória de desenvolvimento que dita as regras no Brasil e no mundo não termine por destruir de vez o planeta Terra. A hoje senadora pelo PT define a recente investida ruralista para flexibilizar a legislação ambiental do Brasil como um “conjunto de mudanças que representam um retrocesso. Está se armando uma bomba de efeito retardado que não poderá ser contida na hora em que o país voltar a crescer”. Como principal exemplo, a Medida Provisória 458, editada pelo Executivo e sancionada no dia 25 de junho pelo presidente Lula, que pretende regularizar áreas de até 1500 hectares na Amazônia. Segundo Marina, a medida premiará a grilagem. “É um processo de privatização de 67 milhões de hectares de floresta”. A senadora Marina Silva conta porque que vive um dos piores momentos de sua vida, período em que o país enfrenta uma “operação desmonte da legislação ambiental”, encabeçada pelos ruralistas.
Fonte: Caros Amigos, Ano XIII, número 148 – Julho de 2009
:: Diretor da CIA diz que vice de Bush “quase” deseja novo atentado
O diretor da CIA (agência de inteligência americana), Leon Panetta, disse à revista “The New Yorker” que o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Dick Cheney parece querer outro atentado terrorista para mostrar que está certo ao criticar o atual governo…
Fonte: Folha Online: 14/06/2009 – 17h59
Fatos e Dados: Blog da Petrobras
Quer saber o que é o Blog da Petrobras Fatos e Dados?
Pois leia: O blog da Petrobras e o desespero da mídia
Escrito por Idelber Avelar em O biscoito fino e a massa em 08/06/2009 às 07:23.
Começa assim:
Não há dúvidas: o blog da Petrobras é a grande novidade da semana. A ideia em si é bastante banal. Uma empresa faz uso de uma plataforma gratuita de publicação online – o WordPress – para abrir um blog e se comunicar diretamente com o público. Não há nessa ideia, tomada isoladamente, nada que justifique maior festa ou grandes reações de repúdio. Mas chegou a tal ponto a revolta com a manipulação da mídia brasileira e sua visível campanha de ataques à Petrobras que a inauguração do blog tem sido tratada, pela grande maioria, como uma verdadeira revolução e, por uma minoria ligada à mídia, como uma espécie de trapaça, de alteração das regras do jogo. Se a Petrobras agora publica a íntegra das perguntas que recebe, junto com suas respostas, os jornalões vão fazer o quê? Como vão esconder a fábrica de linguiças? Neste contexto, o Animot está corretíssimo: o blog da Petrobras é um marco.
O PSDB não gosta da Petrobras. Nem do Brasil
:: “O PSDB não gosta da Petrobras. Nem do Brasil” – Carta Maior: 16/05/2009
“Em entrevista concedida ao Correio da Cidadania, em janeiro deste ano, o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, alertava para uma nova campanha de desmoralização da empresa diante do público. Entre outras coisas, ele recorda que a gestão do PSDB governando o país foi responsável pela quebra do monopólio do petróleo, pela venda de 36% das ações da Petrobras na Bolsa de Nova York por menos de 10% do seu valor real. Para Siqueira, o governo depende da participação popular para defender o nosso petróleo”. Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader em 20/01/2009: Para manter Lei do Petróleo e controlar o Pré-Sal, lobbies buscam desmoralizar a Petrobras.
:: A CPI da Petrobrax e a tucanalhada – Blog do Emir: Emir Sader, em 16/05/2009
“Os tucanos queriam privatizar a Petrobras. Não conseguiram. Seu ímpeto entreguista durou menos de 24 horas diante do clamor nacional. Agora, na calada da noite, organizaram uma CPI sobre a Petrobras para tentar impor os danos que consigam à maior empresa brasileira”.
:: A CPI da Petrobras e o tiro no pé dos tucanos – O Biscoito Fino e a Massa: Idelber Avelar, em 18/05/2009
…”Não gosto de fazer previsões em política, mas acho que o PSDB acaba de dar o maior tiro no pé da sua curta história. A Petrobras ocupa, no imaginário do povo brasileiro, um lugar incomparável ao de qualquer outra estatal, mesmo o Banco do Brasil. Temos orgulho dela. Fizemos, faz muito pouco tempo — 50 anos, em história, não é nada –, uma campanha gigantesca para defender nosso petróleo. O PSDB, de olho nas eleições – e o papel de um partido político é ficar de olho nas eleições, não há nada de errado nisso –, acaba de criar as condições para ser definitivamente associado ao entreguismo”.
:: A udenização do PSDB – Notícias: IHU On-Line: 19/05/2009
“”Se há um sentimento que tem animado o espírito político conservador hoje no Brasil, este é o do antipetismo (e uma variante sua, o antilulismo). E nenhuma outra agremiação tem incorporado melhor este papel de anti-PT e anti-Lula do que o PSDB (com a sugestiva exceção mineira). Ao tornar-se estuário deste conservadorismo social e político, os tucanos têm adotado – sobretudo na cena nacional – um discurso e uma postura cada vez mais conservadores e elitistas'”, escreve Cláudio Gonçalves Couto, cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP, em artigo publicado no jornal Valor, 19/05/2009.
Certa feita, o ex-governador Leonel Brizola disse que “o PT é a UDN de macacão”. Essa frase não se explicava apenas pela notória destreza verbal do caudilho gaúcho e pela histórica rivalidade de seu trabalhismo decadente com o obreirismo emergente do PT.
Ela também se justificava pela crítica à postura de oposicionismo contumaz e desleal, associada a um empedernido moralismo, que marcava o partido de Lula na época em que a conquista do governo federal ainda se encontrava algo distante.
Chegava-se ao ponto de que mesmo nos estados e municípios em que o partido conquistava governos, certos petistas reivindicavam que se fizessem “governos de oposição” à administração federal do dia – priorizando a desestabilização dos adversários no plano nacional em detrimento da condução de sua própria administração.
Poder-se-ia concordar com Brizola e notar neste traço uma real semelhança com a velha UDN. Afinal, o partido de Magalhães Pinto, Milton Campos e, sobretudo, Carlos Lacerda, não poupava esforços na desestabilização de seus adversários varguistas no governo federal – em particular o próprio Vargas, levado ao suicídio.
Mas a orientação para o oposicionismo contumaz do PT – afora o mesmíssimo oportunismo na busca do poder – provinha de uma matriz ideológica distinta daquela da UDN.
Tinha a ver com um vezo revolucionário de matriz socialista, difusamente marxista, que coloca em segundo plano a democracia dita burguesa na busca dos objetivos políticos. Já os udenistas se nutriam num elitismo liberal-conservador (mais conservador do que liberal, aliás), que também dava pouca importância à democracia, tendo na desestabilização conspiratória de seus adversários um método para alcançar o poder.
Talvez nada represente melhor essa estratégia de oposicionismo desleal da antiga UDN do que a frase de Lacerda dirigida aos recém-eleitos Juscelino Kubitschek e João Goulart: “Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, nem tomarão posse.”
Mas a UDN e suas lideranças não atuavam de forma isolada nesta sua estratégia de oposicionismo desleal. Elas contavam com a sustentação política de setores da sociedade que se identificavam com sua perspectiva elitista liberal-conservadora.
Para esses setores, Vargas e o favorecimento dos setores mais pobres da população por meio de políticas sociais eram anátemas: cumpria extirpar a eles e às práticas imorais de trato da coisa pública que supostamente lhes acompanhariam.
Mas essa não era tarefa das mais fáceis, de modo que apesar da participação de alguns udenistas em governos de herdeiros do varguismo (e mesmo do próprio Vargas) entre 1945 e 1960, a UDN como tal não conseguia entrever como tarefa fácil a sua chegada ao poder.
Para piorar, quando a UDN parece finalmente chegar ao poder pelas mãos de Jânio Quadros (um “udenista novo” nos termos de Sílvio Tendler), a experiência não dura mais do que sete conturbados meses.
Foi essa constante frustração na busca do poder nacional que alimentou o oposicionismo contumaz, a desqualificação virulenta dos adversários e a conspiração golpista que, ao fim e ao cabo, se consumou em 1964.
Tudo isto fez com que o udenismo entrasse para a história como o sinônimo de um hipocritamente moralista conservadorismo social, descompromissado de qualquer lealdade democrática.
Se é possível identificar hoje algum partido que seja legitimamente herdeiro da tradição udenista, este certamente não é o PT (apesar da frase de Brizola), pelas profundas diferenças históricas, organizacionais, ideológicas e sociais da agremiação. Seria, na verdade, o PFL, hoje rebatizado de DEM – já que o PDS, hoje PP, mal é um arremedo do que outrora foi a ARENA, partido oficial do regime que Tancredo Neves denominou como “Estado Novo da UDN”.
O DEM bem que tenta viabilizar-se como o ocupante do espaço principal à direita de nosso espectro político partidário. Logrou inclusive alguns sucessos nessa empreitada: sua recente repaginação, adotando novo nome, rejuvenescendo suas lideranças nacionais e capitaneando uma importante derrota do governo num tema caro ao liberalismo-conservador – a redução de impostos (na votação da CPMF).
Todavia, o partido tem perdido força nas disputas estaduais e não conta com um nome nacional que pudesse entrar de forma competitiva na disputa presidencial. Tem-se visto irremediavelmente a reboque de seu parceiro mais ao centro, o PSDB, mesmo onde obteve importante vitória eleitoral – em São Paulo.
Com isto e com o declínio das lideranças e partidos conservadores mais tradicionais, que sucumbiram ao fisiologismo rasteiro, tornando-se inclusive base de sustentação do governo Lula, o eleitorado mais consistentemente conservador viu-se órfão. E fez sua opção mais de forma negativa que positiva.
Se há um sentimento que tem animado o espírito político conservador hoje no Brasil, este é o do antipetismo (e uma variante sua, o antilulismo). E nenhuma outra agremiação tem incorporado melhor este papel de anti-PT e anti-Lula do que o PSDB (com a sugestiva exceção mineira).
Ao tornar-se estuário deste conservadorismo social e político, os tucanos têm adotado – sobretudo na cena nacional – um discurso e uma postura cada vez mais conservadores e elitistas. É a forma encontrada de reter o novo eleitor – esse direitista “tucano novo”.
O curioso disto é que talvez nenhum partido seja mais próximo do PT em sua origem histórica e no perfil de seus formuladores do que o PSDB. Mas a disputa eleitoral da democracia prega peças: ela força os partidos para onde os eleitores estão. Isto talvez explique o processo de udenização pelo qual passam os tucanos.
IHU On-Line fala da América Latina hoje
A Revista IHU On-Line, edição 292, de 11.05.2009, tem como tema de capa: América Latina, hoje
“O quadro político da América Latina, considerando os últimos anos, é de mudança. Nós temos 11 presidentes que foram eleitos nesse período, alguns deles reeleitos, e que deslocam as elites do poder, trazendo uma agenda nova, muitas vezes calcada nas demandas da maioria. Em alguns casos, essa maioria é composta por uma maioria étnica, como são os indígenas na região Andina, no Equador e Bolívia. Então, temos um quadro político que felizmente rompeu com a uniformidade calcada no neoliberalismo e que hoje permite à América Latina repensar o seu futuro, o seu projeto de desenvolvimento e as suas formas de integração.” A constatação é do cientista social Silvio Caccia Bava, na entrevista publicada nesta edição da revista IHU On-Line, que tem como tema de capa “América Latina, hoje”.
Além de Caccia Bava, contribuem na descrição do atual panorama político, econômico, social e religioso da América Latina, Adrián Padilla Fernández, da Universidade Simon Rodriguez, na Venezuela, Alfredo Molano, sociólogo e jornalista colombiano, Héctor-León Moncayo, economista colombiano, Raúl Zibechi, jornalista uruguaio, René Cardozo, jesuíta, politólogo boliviano, o paraguaio José Maria Blanch e Eleazar López Hernández, teólogo indígena mexicano.
Leia:
. Silvio Caccia Bava: As mudanças estão acontecendo na América Latina
. Adrián Padilla: Venezuela e o bolivarianismo. A busca de um modelo socialista
. Héctor-León Moncayo: América Latina: em busca de uma nova integração?
. Raúl Zibechi: Um giro à esquerda na América Latina? Se há, só na Bolívia
. Alfredo Molano: Movimento indígena: “mais organizado e combativo”
. José Maria Blanch: O desafio de reconstruir o país
. René Cardozo: Bolívia: um governo apoiado nos movimentos sociais
A escandalização do irrelevante
Em Luis Nassif Online – 20/04/2009. Também aqui.
O grande festival de irrelevâncias
O festival de irrelevâncias que assola a mídia só é relevante pela dimensão. Ontem, o Globo abre manchete para o desvendamento do caixa dois de políticos. Um assessor do senador Gerson Camata, do Espírito Santo, dizendo que funcionários assinavam notas para justificar despesas bancadas pelo Congresso. Virou manchete principal, algo que Daniel Dantas jamais conseguiu no jornal nos últimos doze meses. O Estadão dizendo que agora Protógenes está perdido m-e-s-m-o porque descobriram que ele viajou para palestras com passagens da cota do PSOL. A Folha volta com gastos com passagem de avião pelo TCU – como se fiscalização de obras pudesse ser feito de forma virtual.
O que é essa mixaria perto dos acordos que estão sendo fechados entre governos estaduais e editoras jornalísticas, forma direta de comprar apoio ou proteção? Falta de vontade de pesquisar? Que nada, o material sobre Daniel Dantas está dando sopa. Esse pessoal consegue fazer alarde até em relação a fotos pornôs em computadores de agentes da ABIN e são incapazes de pesquisar a grande corrupção nacional.
Esse tipo de retórica tende a se esvaziar à medida que os leitores passam a entender melhor o jogo. A escandalização do irrelevante, da tapioca, da passagem aérea, em um momento em que as grandes mazelas nacionais estão aí, documentadas, sob inquérito, é a maneira torta de tentar convencer o leitor sobre o papel fiscalizador da imprensa, liberando-a para o jogo”.
Por que acho que biblistas e teólogos devem ler isto?
Para não perdermos o passo com o nosso país…
Descoberto o autor da crise econômica mundial
Finalmente! Veja aqui.
Tomou as dores… então deve ser ele. Que “alega ter se sentido pessoalmente ofendido pela declaração de…”
Marx e os problemas do século XXI
Carta Maior lança debate: o Marxismo e o Século XXI
A Carta Maior lança a partir de hoje [01/04/2009] um seminário virtual sobre a obra de Karl Marx e os problemas que afetam a humanidade neste início do século XXI. Diante da grave crise econômica, política e social, decorrente das políticas do modelo neoliberal implementado nas últimas décadas no mundo, o pensamento do autor alemão voltou à ordem do dia. A nova editoria terá a curadoria do professor Francisco de Oliveira, que escreverá e convidará, mensalmente, intelectuais para abordar o tema num debate que se estenderá até o final do ano e procurará oferecer respostas à pergunta: o que Marx tem a dizer sobre os problemas do século XXI?
O marxismo seguramente foi a doutrina mais importante do século XX, no amplo sentido de um “campo” (Bourdieu) ou ainda no sentido de ideologia (Gramsci) e não no dos próprios Marx e Engels.(como doutrina dominante da classe dominante.) A tal ponto que se pode dizer que o século XX foi o século do marxismo.
A partir das formulações originais da dupla Marx-Engels, o marxismo foi se constituindo numa concepção de história, numa visão de mundo, numa prática de luta, numa política, diretamente na crítica ao capitalismo, seu inimigo figadal. Desde o século XIX, formações partidárias nitidamente operárias criaram-se inspiradas nas idéias da dupla, tais como o prestigioso Partido Social-Democrata alemão, do qual o próprio Engels foi militante e dirigente, e o Partido Socialista Operário Espanhol. Todos os demais partidos de origem operária na Europa Ocidental, e mesmo na Índia, tinham o marxismo como sua orientação teórico-prática mais consistente.
Deve-se dizer, sem apologia acrítica, que esse vasto campo construiu-se cheio de contradições, que fizeram sua riqueza, até que a mão pesada do Partido Bolchevique, vitorioso na Revolução de 1917, em seguida Partido Comunista da URSS, converteu o marxismo num dogma, e matou, em grande medida, sua capacidade criadora, que requer, antes de tudo, sua própria autocrítica. O marxismo havia chegado à Rússia pelas mãos de teóricos do calibre de Plekhanov, e deu origem imediatamente a um movimento político que tomou explicitamente a forma de partido lutando pela Revolução e pelo poder, com seus dirigentes que se transformaram em condotiere mundiais, Lênin e Trotsky, para citar apenas estes.
Todos os partidos de origem operária o tinham como sua referência principal, salvo, talvez, e ironicamente, o Partido Trabalhista britânico onde o fabianismo e a rejeição à revolução logo dominaram a cena trabalhista inglesa, na contramão de Marx que havia pensado que o crescimento do operariado faria aparecer um pensamento e uma prática revolucionárias. Mas nunca deixou de haver não só uma fração de trabalhistas ingleses marxistas, como uma tradição teórica sobretudo na área da História, como o prova até hoje, Hobsbawm, e ontem, Laski, na teoria política. Mas a contribuição do velho Labour para a formação das políticas do Estado do Bem-Estar talvez tenha sido a mais importante. Esse vasto movimento chegou até às ex-colônias. O Brasil conheceu a formação de seu Partido Comunista já em 1922.
Mesmo refluindo das posições revolucionárias, os partidos de origem social-democrata mais que influenciar, de fato, inseriram as lutas sociais para sempre na política. Todo o vasto movimento do Estado do Bem-Estar radicou na capacidade de operação dos partidos de origem operária, a socialização da política a que aludia Gramsci, o que elevou o nível de vida nos países do Ocidente capitalista a níveis que deixaram o programa inicial de Lênin como mero exercício teórico. Aliás, o “pequeno grande sardo” é um dos marxistas mais originais e criativos, que contribuiu poderosamente para que o próprio marxismo entendesse e explicasse as democracias ocidentais.
Recusando-se a fazer da política uma dedução da economia – o que, infelizmente, ocorre hoje – Gramsci, nos cárceres do fascismo mussolinista, deu as diretrizes que tornaram o então Partido Comunista Italiano o mais original e o mais capacitado a dirigir a nova Itália democrática. Aqui, mais uma vez, a história pregou uma peça: o progresso italiano, de que o partido de Gramsci foi o avalista em parceria – o “compromisso histórico” – com os cristãos do Partido da Democracia Cristã, terminou por solapar as bases sociais de ambos, e o PCI mergulhou numa longa decadência da qual há apenas vestígios em meio às ruínas das grandezas de Roma.
Mas o marxismo carrega nas costas o pesado fardo do estalinismo e do terror soviético, sem que os marxistas tenham, até hoje, revelado a capacidade de explicar, marxisticamente, a tragédia em que desembocou a revolução mais radical da era moderna. Não é suficiente a explicação materialista-vulgar de que todas as grandes revoluções comeram seus próprios filhos; tampouco justificar a cruel ditadura do georgiano – que na verdade já se ensaiava sob Lenin – pelas realizações técnico-científicas da ex-URSS: todos os marxistas nunca deveriam esquecer a lição do próprio Marx e dos frankfurtianos de que “progresso e barbárie” sempre formaram na história universal uma terrível unidade.
A partir de certo momento, ficou muito evidente que o “marxismo soviético” (a expressão é de Marcuse) não era outra coisa senão uma doutrina de grande potência arrogantemente usurpadora das tradições marxistas. Mesmo a crítica trotkysta, que cedo viu a “degeneração burocrática” do Partido, e a também ainda mais precoce crítica de Rosa Luxemburgo, junto com a postura de Kautsky, não foram suficientes – nem o poderiam ser, já que o terror estalinista mal havia mostrado suas garras já sob a criação da temível e terrível Cheka sob Lênin.
Nos fins do século que acabou, talvez nas pegadas da explicação de Perry Anderson para o que ele chamou de “marxismo ocidental”, a combinação da desestruturação produtiva, com a revolução técnico-científica e paradoxalmente o próprio progresso levado a cabo pelo Estado do Bem-Estar desbarataram a própria classe operária e seus partidos social-democratas e comunistas; o “marxismo ocidental” descolou a reflexão teórica da perspectiva revolucionária. Deixou de influenciar a política e, pois, a luta de classe organizada, e refugiou-se nos trabalhos acadêmico-científicos. Mesmo assim, na universidade, que apenas durante um curto período – uns 40 anos , se tanto – abriu-se para o marxismo, o movimento também refluiu.
Mas, surpreendentemente, a força criadora do marxismo abriu novas fronteiras , mesmo em terrenos que lhe eram anteriormente hostis e com os quais, ele mesmo, teve relações conflitivas e lhes dirigiu anátemas dogmáticos. É o caso das religiões- antes o “ópio do povo”, da psicanálise ,-uma ciência do inconsciente da justificação burguesa dos seus próprios crimes -, da própria literatura (nos caminhos já originalmente pensados por Lukacs), na critica da cultura e da modernidade – os frankfurtianos – da hegemonia norte-americana, Gramsci e seu “americanismo e fordismo”. Esses terrenos todos foram imensamente fecundados pelo marxismo, que lhes ampliou os horizontes.
A pergunta que essa curadoria quer fazer é direta: e o século XXI e no século XXI ? O que o marxismo pode vir a ser, o que o marxismo tem a dizer? O século abriu-se com a maior crise econômica, mundial, global, desde os dias da Grande Depressão de Trinta. Mesmo sobre esta, o que o marxismo disse “no calor da hora” não honrou muito as tradições da economia política marxista, que é seu terreno e sua certidão de nascimento. Economistas como Ievguin Varga passaram a certidão de óbito do capitalismo na crise de 1929. E agora, que crise é esta? François Chesnais tem dado orientações teóricas muito férteis, sobre a transição para um regime de acumulação à dominância financeira. E que mais ?
Não há marxismo sem marxistas; estes não são muitos, hoje, no Ocidente. No Brasil, às vezes tem-se a impressão de que o marxismo floresce sobretudo na universidade, na área de humanas, e ilumina muitos nichos da crítica. Mas nos partidos de esquerda, o marxismo é quase sempre um indesejado e no operariado ele é mais, é desconhecido. Operariado aliás, hoje multifacetado, reduzido nos locais produtivos, abundante nos locais de serviço, milhões nos trabalhos informais, uma grande classe não-classe. Será possível combinar reflexão criadora, novas interpretações do mundo, descoladas do trabalho?
As explorações sobre essas intrigantes questões não se farão com um marxismo ensimesmado, sectário e doutrinário; mas não se trata de proclamar um ecletismo despolitizado: as interrogações partem da tomada de posição de que o marxismo pode ainda alimentar as lutas pela transformação social e política, senão com a transcendência e abrangência mostradas no século XX, pelo menos com uma postura crítica que não se deixará seduzir nem pelo apocalipse nem pelo conformismo. Em suma, um marxismo dialógico e dialético.
Leia Mais:
A Sociologia Marxista (um dos itens de meu texto O Discurso Sócio-Antropológico: Origem e Desenvolvimento)
Na visita a Luis Nassif Online vi: Protógenes
Faça uma visita aqui e aqui e veja (?!) o tamanho dessa barafunda dantesca…
Bem, quem não gostar de barafunda, pode escolher aqui outra qualificação…
Ditabranda? Existe isso?
O conceito de “ditabranda”, tão falso quanto uma nota de R$ 3, foi repudiado por centenas leitores da Folha e personalidades como a professora Maria Victória Benevides e o jurista Fábio Konder Comparato.
Pois é. Confira aqui…
Folha classifica regime militar como “ditabranda”
Publicado por Paulo Kautscher em 20 fevereiro 2009
Limites a Chávez, diz Folha em editorial
Editorial da Folha de S. Paulo (*)
Apesar da vitória eleitoral do caudilho venezuelano, oposição ativa e crise do petróleo vão dificultar perpetuação no poder
O ROLO compressor do bonapartismo chavista destruiu mais um pilar do sistema de pesos e contrapesos que caracteriza a democracia. Na Venezuela, os governantes, a começar do presidente da República, estão autorizados a concorrer a quantas reeleições seguidas desejarem.
Hugo Chávez venceu o referendo de domingo, a segunda tentativa de dinamitar os limites a sua permanência no poder. Como na consulta do final de 2007, a votação de anteontem revelou um país dividido. Desta vez, contudo, a discreta maioria (54,9%) favoreceu o projeto presidencial de aproximar-se do recorde de mando do ditador Fidel Castro.
Outra diferença em relação ao referendo de 2007 é que Chávez, agora vitorioso, não está disposto a reapresentar a consulta popular. Agiria desse modo apenas em caso de nova derrota. Tamanha margem de arbítrio para manipular as regras do jogo é típica de regimes autoritários compelidos a satisfazer o público doméstico, e o externo, com certo nível de competição eleitoral.
Mas, se as chamadas “ditabrandas” -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente.
Em dez anos de poder, Hugo Chávez submeteu, pouco a pouco, o Legislativo e o Judiciário aos desígnios da Presidência. Fechou o círculo de mando ao impor-se à PDVSA, a gigante estatal do petróleo.
A inabilidade inicial da oposição, que em 2002 patrocinou um golpe de Estado fracassado contra Chávez e depois boicotou eleições, abriu caminho para a marcha autoritária; as receitas extraordinárias do petróleo a impulsionaram. Como num populismo de manual, o dinheiro fluiu copiosamente para as ações sociais do presidente, garantindo-lhe a base de sustentação.
Nada de novo, porém, foi produzido na economia da Venezuela, tampouco na sua teia de instituições políticas; Chávez apenas a fragilizou ao concentrar poder. A política e a economia naquele país continuam simplórias -e expostas às oscilações cíclicas do preço do petróleo.
O parasitismo exercido por Chávez nas finanças do petróleo e do Estado foi tão profundo que a inflação disparou na Venezuela antes mesmo da vertiginosa inversão no preço do combustível. Com a reviravolta na cotação, restam ao governo populista poucos recursos para evitar uma queda sensível e rápida no nível de consumo dos venezuelanos.
Nesse contexto, e diante de uma oposição revigorada e ativa, é provável que o conforto de Hugo Chávez diminua bastante daqui para a frente, a despeito da vitória de domingo.
(*) Editorial da Folha de S. Paulo publicado na edição de 17/02/09
Em resposta ao editorial da Folha, publicado no último dia 17, em que classificou o regime militar vigente no Brasil entre 1965 e 1984 como uma “ditabranda”, um grupo de intelectuais lançou, no último sábado (21), um manifesto e abaixo-assinado em “repúdio à arbitrária e inverídica revisão histórica”