E, de repente, estamos no ano de 1177 a.C. No Egito, o faraó Ramsés III estava em seu oitavo ano de governo. E foi então que eles chegaram. Chegaram por terra, chegaram por mar. Grupos de origem e culturas diferentes, não havendo uma vestimenta padrão. Alguns usavam capacetes, outros turbantes. Túnicas longas ou saiotes curtos. Espadas, lanças, arcos e flechas. Chegaram em barcos, carroças, carros de boi e carros de combate. Às vezes, só guerreiros, às vezes, famílias inteiras. Embora 1177 a.C. seja uma data aqui usada como referência, eles chegaram em ondas ao longo de vários e vários anos.
Nós os chamamos, desde o século XIX, de “povos do mar”. Nome cunhado por Emmanuel de Rougé e popularizado por Gaston Maspero, ambos egiptólogos franceses.
Os egípcios, os hititas e a cidade de Ugarit os chamaram, em seus textos, pelos estranhos nomes de Lukka, Sherden/Shardana, Eqwesh, Teresh, Shekelesh, Karkisha, Weshesh, Denyen/Danuna, Tjekker/Sikila, Peleset.
O registro mais famoso, com texto em hieróglifos e detalhadas imagens, é o de Ramsés III nas paredes do templo funerário de Medinet Habu, onde se narra a batalha vitoriosa do faraó ao impedir a invasão do Egito pelos “povos do mar”.
Ele diz:
Os países estrangeiros fizeram uma conspiração em suas ilhas. De uma só vez as terras foram eliminadas e as pessoas dispersas no conflito. Nenhum país foi capaz de resistir às suas armas, de Hatti, Qode, Karkemish, Arzawa e Alashiya eles foram [eliminados] imediatamente. Um acampamento foi montado em uma localidade de Amurru. Humilharam seu povo, e sua terra nunca tinha enfrentado uma situação como essa. Eles se moveram em direção ao Egito e uma barreira de fogo foi colocada diante deles. Sua confederação era formada pelos Peleset, Tjekker, Shekelesh, Danuna e Weshesh, terras que se uniram. Eles puseram suas mãos sobre estas terras, com corações confiantes e esperançosos: ‘Nossos planos terão sucesso’.
E continua o faraó:
Eles alcançaram a fronteira de minhas terras, mas sua semente não existe mais, e seus corações e almas terminaram para sempre e definitivamente. Aqueles que avançaram juntos no mar tinham uma grande chama diante deles na foz do rio, e toda uma barreira de lanças os cercava na praia. Eles foram arrastados para a praia, cercados e vencidos, mortos e despedaçados da cabeça aos pés. Os navios afundaram e as mercadorias caíram na água.
De onde veem os “povos do mar”? Talvez da Sicília, da Sardenha, da Grécia e de outros lugares do mundo mediterrâneo. De fato, os Shekelesh lembram a Sicília, os Shardana podem ser da Sardenha, enquanto Danuna poderiam ser, segundo alguns, os Dânaos da Ilíada de Homero. Alguns deles podem ser originários da Ásia Menor, outros talvez de Chipre. Contudo, até hoje nenhuma localidade antiga pôde ser apontada, com segurança, como sua origem ou ponto de partida.
Apenas um grupo foi identificado com mais precisão: os Peleset são os filisteus, que, segundo a Bíblia Hebraica, vieram de Caftor, possivelmente a ilha de Creta.
Um estudo moderno reforça esta ideia. Em 2019, foi divulgado que uma equipe de pesquisadores extraiu DNA de amostras antigas de ossos humanos encontrados durante escavações feitas em Ascalon, na costa palestina.
Com a análise dos dados genômicos de pessoas que ali viveram durante as Idades do Bronze Recente e do Ferro (cerca de 1550 a 900 a.C.), foi constatado que uma proporção substancial de seus ancestrais era derivada de uma população europeia. Essa ancestralidade derivada da Europa foi introduzida em Ascalon na época da chegada estimada dos filisteus no século XII a.C.
Os povos do mar nas fontes egípcias
Dinastia | Faraó | Povos do Mar | Textos |
---|---|---|---|
XVIII | Amenófis III/IV | Denyen/Danuna | Cartas de Tell el-Amarna |
XVIII | Amenófis IV | Lukka | Cartas de Tell el-Amarna |
XVIII | Amenófis III/IV | Sherden/Shardana | Cartas de Tell el-Amarna |
XIX | Ramsés II | Karkisha | Inscrição de Kadesh |
XIX | Ramsés II | Lukka | Inscrição de Kadesh |
XIX | Ramsés II | Sherden/Shardana | Inscrição de Kadesh; Estela de Tânis; Papiro Anastasi I |
XIX | Merneptah | Eqwesh | Grande Inscrição de Karnak; Estela Athribis |
XIX | Merneptah | Lukka | Grande Inscrição de Karnak |
XIX | Merneptah | Shekelesh | Grande Inscrição de Karnak; Coluna do Cairo; Estela Athribis |
XIX | Merneptah | Sherden/Shardana | Grande Inscrição de Karnak; Estela Athribis; Papiro Anastasi II |
XIX | Merneptah | Teresh | Grande Inscrição de Karnak; Estela Athribis |
Final da XIX - Começo da XX | - | Sherden/Shardana | Estela de Setemhebu |
XIX - XXII | - | Sherden/Shardana | Estela de Padjesef |
XX | Ramsés III | Denyen/Danuna | Medinet Habu; Papiro Harris |
XX | Ramsés III | Peleset (Filisteus) | Medinet Habu; Papiro Harris; Estela Retórica (Capela C em Deir el-Medina) |
XX | Ramsés III | Shekelesh | Medinet Habu |
XX | Ramsés III | Sherden/Shardana | Medinet Habu; Papiro Harris |
XX | Ramsés III | Teresh | Medinet Habu; Estela Retórica (Capela C em Deir el-Medina) |
XX | Ramsés III | Tjekker/Sikila | Medinet Habu; Papiro Harris |
XX | Ramsés III | Weshesh | Medinet Habu; Papiro Harris |
XX | Ramsés V | Sherden/Shardana | Papiro Wilbour |
XX | Ramsés IX | Sherden/Shardana | Papiro Adoption |
XX | - | Sherden/Shardana | Papiro Amiens |
Final da XX | - | Sherden/Shardana | Papiro BM 10326; Papiro Turim 2026; Papiro BM 10375 |
Final da XX até XXII | - | Denyen/Danuna | Onomástico de Amenope |
Final da XX até XXII | - | Lukka | Onomástico de Amenope |
Final da XX até XXII | - | Peleset (Filisteus) | Onomástico de Amenope |
Final da XX até XXII | - | Sherden/Shardana | Papiro BM 10326; Papiro Turim 2026; Papiro BM 10375 |
Final da XX até XXII | - | Tjekker/Sikila | Onomástico de Amenope |
Começo da XXI | - | Sherden/Shardana | Papiro Moscou 169 (Onomástico Golénischeff) |
XXII | Osorkon II | Sherden/Shardana | Estela Donation |
XXII | - | Peleset (Filisteus) | Inscrição Pedeset |
XXII | - | Tjekker/Sikila | Relato de Wen-Amon |
Fonte: ADAMS, M. J. ; COHEN, M. E. Appendix: The “Sea Peoples” in Primary Sources. In: KILLEBREW, A. E.; LEHMANN, G. (eds.) The Philistines and Other “Sea Peoples” in Text and Archaeology. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2013, p. 645-664. Conferir também as tabelas das páginas 2-5.