Diálogo interconvicções

O Diálogo de Interconvicções – Rita Macedo Grassi – IHU: 16 Agosto 2019

O diálogo de interconvicções é fruto de um movimento europeu contemporâneo, que começou com um grupo francês chamado G3i [Groupe de travail Interculturel, International et Interconvictionnel (d’où le nom G3I)], composto por “pessoas de diferentes religiões, convicções e culturas“, com o objetivo de “refletir sobre os problemas da coesão social e da laicidade, numa Europa multicultural e multiconvicções“. (QUELQUEJEU, 2012, p.1*). Além de pessoas que se declaram participantes de diversas tradições religiosas, também inclui ateus, sem-religião, agnósticos, humanistas, etc. Segundo Bernard Quelquejeu, um dos fundadores do movimento:

Muito rapidamente, durante nossos encontros, entendemos que a expressão “diálogo inter-religioso” não nos convinha, pois excluía aqueles de nós que não se reconhecem como pertencentes ou referentes a uma religião estabelecida: começamos a falar sobre nossas respectivas convicções, de grupos de convicções e a nos compreender como praticantes de um “diálogo de interconvicções“. (QUELQUEJEU, 2012, p.2).

De acordo com François Becker, a expressão “interconvicções” também vai mais além do “inter-religioso, porque esses confrontos dizem respeito a pessoas que podem ter convicções muito distantes de qualquer forma de religião, porque podem estar em campos políticos, sociais ou culturais muito diversos“. Ao mesmo tempo, afirma não ser apenas uma “constatação estática” da existência de uma multiplicidade cultural ou de cultos. Descrito como ‘inter’ e não ‘pluri’, consiste em estimular encontros, debates e práticas que permitam às diferentes convicções expressarem-se, através de trocas e de confrontos, tendo como única condição o respeito recíproco dos interlocutores. (François Becker, p. 7). Isso quer dizer que a prática, o exercício dialógico, a própria ação, é uma característica importante desse movimento, que não se satisfaz com o diálogo pelo diálogo, mas consiste em ter um objetivo, um impacto social.

A palavra convicção, no sentido proposto, encontra-se no limite entre uma “‘certeza inabalável[…] e uma concordância ponderada’, ao fim de uma análise ou de um exame atento, firme o suficiente para justificar o engajamento a uma causa, mas sem excluir totalmente qualquer sombra de dúvida ou pelo menos a possibilidade de se questionar“. (QUELQUEJEU, 2012, p. 22). É uma palavra que sugere sempre a possibilidade de mudança, de movimento, o que lhe confere um aspecto muito importante nos contextos de dogmatismos ou de fundamentalismos religiosos, e de radicalização e autoritarismo políticos, que estamos vivenciando atualmente no mundo inteiro. Para James Barnett, “as convicções são mais suscetíveis ao desenvolvimento e à evolução do que as certezas, e a interconvicção é mais inclusiva do que o inter-religioso”. (BARNETT, In: BECKER, p.20)

* QUELQUEJEU, Bernard. Les convictions partagées dans l’espace politique: quelques discernements sémantiques et sociologiques. In: BECKER, François (Org.). Devenir citoyens et citoyennes d’une Europe plurielle. Conseil de l’Europe, Strasbourg, 24 janvier 2012.

 

Diálogo interconvicções. A multiplicidade no pano da vida – IHU On-Line – Edição 546 | 16 Dezembro 2019

Diz o Editorial:

Fiar a vida e juntar os pontos. Devagar, unindo as múltiplas cores e origens dos fios. Ajustar, alinhar e tecer. Eis a multiplicidade do pano da vida, que tanto mais belaDiálogo interconvicções. A multiplicidade no pano da vida - IHU On-Line - Edição 546 | 16 Dezembro 2019 quanto mais plural for a hospitalidade à diferença. Não se trata de impor ou aceitar a convicção alheia, mas de tecer a vida por um respeito e diálogo com a diversidade política, filosófica e religiosa. O Diálogo interconvicções, debate oriundo do campo acadêmico francês nos últimos anos, tem, justamente, no contato com o Outro um campo fértil de relação com o plano real da vida, com vistas à consciência humana sobre as próprias convicções e a necessidade concreta de respeito e convívio com o mundo contemporâneo, pleno de desafios, contradições e possibilidades.

Faustino Teixeira, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais – PPCIR-UFJF, discute as teias da vida. “Não basta dizer ‘viva o múltiplo’, é necessário desvendar as malhas desta viva relação que constitui a tessitura do real, em que cada coisa, cada ser, está referenciado ao outro, entrelaçado como um dom”, sugere.

Sergio Costa, professor de Sociologia na Freie Universität Berlin (Universidade Livre de Berlim, Alemanha), retoma o pensamento de Ivan Illich ao propor que “com a convivialidade abre-se a possibilidade de incorporar essa multiplicidade de formas sociais que queremos entender e, com o perdão da redundância, conviver em absoluta liberdade com essas diferentes formas sociais”.

Rita Macedo Grassi, mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC-Minas, debate a emergência do diálogo interconvicções e seu impacto político. “Não se trata de um diálogo que tenha como objetivo encontrar uma harmonia ou a paz entre as convicções”, ressalta.

Carlos Roberto Drawin, doutor em Filosofia e professor aposentado do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFMG, discute as formas da tolerância e intolerância nas sociedades contemporâneas. “Quando as pessoas se reúnem não em nome de si mesmas e sim da experiência comum do sagrado, elas podem trazer para a vida concreta aquela posição terceira que possibilita reconhecer o outro em nós”, pontua.

Marcelo Camurça, antropólogo, professor colaborador do Departamento de Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, pensa as dimensões religiosas para além de uma perspectiva pessoal. “Passamos então de uma estrutura de plausibilidade monista e açambarcadora da totalidade da pré-modernidade religiosa a múltiplas estruturas de plausibilidade e experiências de religiosidade em competição entre si, por ‘corações e mentes’”, frisa.

Mauro Lopes, jornalista e editor do site e canal no YouTube Paz e Bem, pensa o caminho de busca da bondade, apesar de seus desafios. “Grande desafio foi o de – não sem custo para mim – abdicar de uma visão de catolicismo que estava impregnada pelos limites da institucionalidade”, pontua.

Também pode ser lida nesta edição a entrevista de Paulo Suess, doutor em Teologia Fundamental, “’Nova Teologia Política’ – Teologia Pública que se intromete nos conflitos concretos e que dá ao grito dos pobres uma memória”, publicada em Notícias do Dia, na página eletrônica do IHU, por ocasião da morte de Johann Baptist Metz, um dos mais importantes teólogos do século XX. E, também, o calendário de eventos do IHU para 2020, uma concisa retrospectiva da revista IHU On-Line em 2019 e o comentário de João Ladeira, sobre o filme O Irlandês, de Martin Scorsese

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