O Sequestro da História e da Bíblia pela Mídia

Quem não está lembrado da farsa dos códices de chumbo do começo do cristianismo e de sua enorme repercussão na mídia a partir de março deste ano?

Pois um bom artigo sobre o papel irresponsável da grande mídia no caso pode ser lido em The Bible and Interpretation.

Quem escreve é Thomas S. Verenna, do blog The Musings of Thomas Verenna, onde o artigo está também anunciado.

Recomendo:

Artifacts and the Media: Lead Codices and the Public Portrayal of History [Artefatos e Mídia: os Códices de Chumbo e a banalização da História]

Alguns trechos:
:: “Two months ago an article hit the media streams hard and fast, announcing that new artifacts had been discovered by a Bedouin containing the earliest known Christian writings, possibly even the words of the figure of Jesus himself. With a headline like that, anyone with even a modicum of academic interest in the historicity of the figure of Jesus would have looked over the article for any mention of a peer reviewed journal where they could read about the discovery, any translations of the script, or any dating methods used. To their dismay, they would have found nothing of the sort”.

Thomas Verenna está dizendo que, em março deste ano, a mídia anunciou o grande achado: artefatos arqueológicos descobertos por um beduíno, contendo os mais antigos escritos cristãos. Algo tão importante, que remontaria, possivelmente, ao próprio Jesus. Mas, quando os estudiosos da área, diretamente interessados no assunto, foram em busca de uma análise séria em revista acadêmica, onde seria possível conhecer as circunstâncias da descoberta, alguma tradução, mesmo que parcial, dos textos ou os métodos de datação utilizados… ficaram frustrados: nada.

Ao mesmo tempo em que Thomas Verenna critica a irresponsabilidade da velha mídia, ele explica como a comunidade biblioblogueira relatou a “descoberta”, pediu, inicialmente, cautela quanto ao seu significado e, aos poucos, foi mostrando as contradições existentes no caso (cf. o subtítulo: The Investigation: Bibliobloggers to the Rescue).

E ele explica:
:: “What this treatment illustrates, more than the deception behind the lead codices, is the hijacking of history and the Bible by the media. This isn’t a new problem; it is one that has existed for decades (…) But with the internet, the media has the ability to spread memes much more quickly than it had before and those memes are likely to last longer and remain available longer than inaccuracies presented in the past”.

O que este caso ilustra, para além da frustração com os códices de chumbo, é o sequestro da História e da Bíblia pela mídia. Embora este não seja um problema novo. Nova é a capacidade da mídia, especialmente criada pela Internet, de disseminar boatos muito rapidamente e em grande escala.

E ele assevera:
:: “More scandalous is the complete lack of journalistic integrity, honest research, and thorough fact-checking. These codices might never have been heard of if the authors of the reports for BBC and Fox News (among others) had just checked with the academic community before publishing the ‘find’. At the very least, the journalists might have used less authoritative language, expressed more caution, and exposed the controversy rather than simply stating, as if doing so made it fact, that these codices were ‘the earliest Christian texts’ and that they held ‘early images of Jesus.'”

Mais escandalosa ainda é a completa ausência de integridade jornalística, de investigação honesta e de minuciosa verificação dos fatos. Talvez nunca ter-se-ia ouvido falar destes códices, se os autores das reportagens para a BBC e Fox News (entre outros) tivessem consultado a comunidade acadêmica antes de publicar a “descoberta”. Os jornalistas poderiam ter usado, no mínimo, uma linguagem menos assertiva, tido mais cautela, e apresentado a controvérsia ao invés de simplesmente afirmar, sem mais, que estes códices eram os mais antigos textos cristãos, e que eles traziam o mais antigo retrato de Jesus…

Enfim, é um bom relato do que aconteceu no caso dos códices de chumbo. E do que, de algum tempo para cá, vem acontecendo com muitas “descobertas arqueológicas bíblicas” estrondosamente anunciadas pela mídia e avidamente consumidas pelo público…

Leia Mais:
Códices de chumbo do começo do cristianismo?
Links para textos sobre os códices de chumbo
Os códices de chumbo na blogosfera

1 comentário em “O Sequestro da História e da Bíblia pela Mídia”

  1. Seria esperável que os veículos de imprensa aprendessem a ser mais cuidadosos com base em problemas semelhantes ocorridos no passado. Mas, ao contrário, o que se vê é uma pressa absurda, talvez motivada pela disputa, que leva à publicação de reportagens elaboradas sem a devida averiguação das fontes. E no caso das questões religiosas e bíblicas é ainda pior. Parece que todos estão sempre esperando para noticiar uma bomba que mude as concepções de forma drástica! Afinal, descobrir algo gigante instantaneamente seria mais fácil e noticiável que a nossa lenta lida com os textos e dados arqueológicos.

    Muito útil esta postagem.

    Um abraço,

    Cesar

Os comentários estão encerrados.