O PSDB não gosta da Petrobras. Nem do Brasil

:: “O PSDB não gosta da Petrobras. Nem do Brasil” – Carta Maior: 16/05/2009
“Em entrevista concedida ao Correio da Cidadania, em janeiro deste ano, o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, alertava para uma nova campanha de desmoralização da empresa diante do público. Entre outras coisas, ele recorda que a gestão do PSDB governando o país foi responsável pela quebra do monopólio do petróleo, pela venda de 36% das ações da Petrobras na Bolsa de Nova York por menos de 10% do seu valor real. Para Siqueira, o governo depende da participação popular para defender o nosso petróleo”. Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader em 20/01/2009: Para manter Lei do Petróleo e controlar o Pré-Sal, lobbies buscam desmoralizar a Petrobras.

:: A CPI da Petrobrax e a tucanalhada – Blog do Emir: Emir Sader, em 16/05/2009
“Os tucanos queriam privatizar a Petrobras. Não conseguiram. Seu ímpeto entreguista durou menos de 24 horas diante do clamor nacional. Agora, na calada da noite, organizaram uma CPI sobre a Petrobras para tentar impor os danos que consigam à maior empresa brasileira”.

:: A CPI da Petrobras e o tiro no pé dos tucanos – O Biscoito Fino e a Massa: Idelber Avelar, em 18/05/2009
…”Não gosto de fazer previsões em política, mas acho que o PSDB acaba de dar o maior tiro no pé da sua curta história. A Petrobras ocupa, no imaginário do povo brasileiro, um lugar incomparável ao de qualquer outra estatal, mesmo o Banco do Brasil. Temos orgulho dela. Fizemos, faz muito pouco tempo — 50 anos, em história, não é nada –, uma campanha gigantesca para defender nosso petróleo. O PSDB, de olho nas eleições – e o papel de um partido político é ficar de olho nas eleições, não há nada de errado nisso –, acaba de criar as condições para ser definitivamente associado ao entreguismo”.

:: A udenização do PSDB – Notícias: IHU On-Line: 19/05/2009
“”Se há um sentimento que tem animado o espírito político conservador hoje no Brasil, este é o do antipetismo (e uma variante sua, o antilulismo). E nenhuma outra agremiação tem incorporado melhor este papel de anti-PT e anti-Lula do que o PSDB (com a sugestiva exceção mineira). Ao tornar-se estuário deste conservadorismo social e político, os tucanos têm adotado – sobretudo na cena nacional – um discurso e uma postura cada vez mais conservadores e elitistas'”, escreve Cláudio Gonçalves Couto, cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP, em artigo publicado no jornal Valor, 19/05/2009.

Certa feita, o ex-governador Leonel Brizola disse que “o PT é a UDN de macacão”. Essa frase não se explicava apenas pela notória destreza verbal do caudilho gaúcho e pela histórica rivalidade de seu trabalhismo decadente com o obreirismo emergente do PT.

Ela também se justificava pela crítica à postura de oposicionismo contumaz e desleal, associada a um empedernido moralismo, que marcava o partido de Lula na época em que a conquista do governo federal ainda se encontrava algo distante.

Chegava-se ao ponto de que mesmo nos estados e municípios em que o partido conquistava governos, certos petistas reivindicavam que se fizessem “governos de oposição” à administração federal do dia – priorizando a desestabilização dos adversários no plano nacional em detrimento da condução de sua própria administração.

Poder-se-ia concordar com Brizola e notar neste traço uma real semelhança com a velha UDN. Afinal, o partido de Magalhães Pinto, Milton Campos e, sobretudo, Carlos Lacerda, não poupava esforços na desestabilização de seus adversários varguistas no governo federal – em particular o próprio Vargas, levado ao suicídio.

Mas a orientação para o oposicionismo contumaz do PT – afora o mesmíssimo oportunismo na busca do poder – provinha de uma matriz ideológica distinta daquela da UDN.

Tinha a ver com um vezo revolucionário de matriz socialista, difusamente marxista, que coloca em segundo plano a democracia dita burguesa na busca dos objetivos políticos. Já os udenistas se nutriam num elitismo liberal-conservador (mais conservador do que liberal, aliás), que também dava pouca importância à democracia, tendo na desestabilização conspiratória de seus adversários um método para alcançar o poder.

Talvez nada represente melhor essa estratégia de oposicionismo desleal da antiga UDN do que a frase de Lacerda dirigida aos recém-eleitos Juscelino Kubitschek e João Goulart: “Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, nem tomarão posse.”

Mas a UDN e suas lideranças não atuavam de forma isolada nesta sua estratégia de oposicionismo desleal. Elas contavam com a sustentação política de setores da sociedade que se identificavam com sua perspectiva elitista liberal-conservadora.

Para esses setores, Vargas e o favorecimento dos setores mais pobres da população por meio de políticas sociais eram anátemas: cumpria extirpar a eles e às práticas imorais de trato da coisa pública que supostamente lhes acompanhariam.

Mas essa não era tarefa das mais fáceis, de modo que apesar da participação de alguns udenistas em governos de herdeiros do varguismo (e mesmo do próprio Vargas) entre 1945 e 1960, a UDN como tal não conseguia entrever como tarefa fácil a sua chegada ao poder.

Para piorar, quando a UDN parece finalmente chegar ao poder pelas mãos de Jânio Quadros (um “udenista novo” nos termos de Sílvio Tendler), a experiência não dura mais do que sete conturbados meses.

Foi essa constante frustração na busca do poder nacional que alimentou o oposicionismo contumaz, a desqualificação virulenta dos adversários e a conspiração golpista que, ao fim e ao cabo, se consumou em 1964.

Tudo isto fez com que o udenismo entrasse para a história como o sinônimo de um hipocritamente moralista conservadorismo social, descompromissado de qualquer lealdade democrática.

Se é possível identificar hoje algum partido que seja legitimamente herdeiro da tradição udenista, este certamente não é o PT (apesar da frase de Brizola), pelas profundas diferenças históricas, organizacionais, ideológicas e sociais da agremiação. Seria, na verdade, o PFL, hoje rebatizado de DEM – já que o PDS, hoje PP, mal é um arremedo do que outrora foi a ARENA, partido oficial do regime que Tancredo Neves denominou como “Estado Novo da UDN”.

O DEM bem que tenta viabilizar-se como o ocupante do espaço principal à direita de nosso espectro político partidário. Logrou inclusive alguns sucessos nessa empreitada: sua recente repaginação, adotando novo nome, rejuvenescendo suas lideranças nacionais e capitaneando uma importante derrota do governo num tema caro ao liberalismo-conservador – a redução de impostos (na votação da CPMF).

Todavia, o partido tem perdido força nas disputas estaduais e não conta com um nome nacional que pudesse entrar de forma competitiva na disputa presidencial. Tem-se visto irremediavelmente a reboque de seu parceiro mais ao centro, o PSDB, mesmo onde obteve importante vitória eleitoral – em São Paulo.

Com isto e com o declínio das lideranças e partidos conservadores mais tradicionais, que sucumbiram ao fisiologismo rasteiro, tornando-se inclusive base de sustentação do governo Lula, o eleitorado mais consistentemente conservador viu-se órfão. E fez sua opção mais de forma negativa que positiva.

Se há um sentimento que tem animado o espírito político conservador hoje no Brasil, este é o do antipetismo (e uma variante sua, o antilulismo). E nenhuma outra agremiação tem incorporado melhor este papel de anti-PT e anti-Lula do que o PSDB (com a sugestiva exceção mineira).

Ao tornar-se estuário deste conservadorismo social e político, os tucanos têm adotado – sobretudo na cena nacional – um discurso e uma postura cada vez mais conservadores e elitistas. É a forma encontrada de reter o novo eleitor – esse direitista “tucano novo”.

O curioso disto é que talvez nenhum partido seja mais próximo do PT em sua origem histórica e no perfil de seus formuladores do que o PSDB. Mas a disputa eleitoral da democracia prega peças: ela força os partidos para onde os eleitores estão. Isto talvez explique o processo de udenização pelo qual passam os tucanos.

Simpósio Internacional sobre Paulo

Paul in His Jewish Matrix – Paolo nella sua matrice giudaica

International Symposium organized by the Cardinal Bea Centre in collaboration with the Pontifical Biblical Institute, the Hebrew University of Jerusalem, the Catholic University of Leuven and the Basilica of St. Paul Outside the Walls from May 20 to 22, 2009.

Roma, 20-22 maggio 2009: Convegno Internazionale con la partecipazione dei maggiori studiosi del settore, ebrei e cristiani. La tematica riguarda le origini dei rapporti tra il nascente Cristianesimo e l’Ebraismo e va al cuore della complessa relazione tra la Chiesa e il mondo ebraico. Organizzato dal Centro Cardinal Bea per gli Studi Giudaici della Pontificia Università Gregoriana, il convegno si svolge in tre sedi: Pontificio Istituto Biblico, Pontificia Università Gregoriana e Basilica Papale di San Paolo fuori le Mura.

Entre os palestrantes, que abordarão vários temas paulinos, anoto:
. Joseph Sievers, Pontifício Instituto Bíblico e Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália – The Pontifical Biblical Institute & The Pontifical Gregorian University
. Serge Ruzer, Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel – The Hebrew University of Jerusalem
. Antonio Pitta, Pontifícia Universidade Lateranense, Roma, Itália – The Pontifical Lateran University
. E. P. Sanders, Universidade Duke, Carolina do Norte, USA – Duke University, North Carolina, USA
. Pasquale Basta, Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália- The Pontifical Biblical Institute
. Adriana Destro & Mauro Pesce, Universidade de Bolonha, Itália – University of Bologna
. Reimund Bieringer & Emmanuel Nathan, Universidade Católica de Leuven, Bélgica – The Catholic University of Leuven
. Didier Pollefeyt & David Bolton, Universidade Católica de Leuven, Bélgica – The Catholic University of Leuven
. Shaye J. D. Cohen, Universidade de Harvard, USA – Harvard University
. Daniel R. Schwartz, Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel – The Hebrew University of Jerusalem
. Emanuel Tov, Universidade Hebraica de Jerusalém e Pontifícia Universidade Gregoriana, Israel e Itália – The Hebrew University of Jerusalem & the Pontifical Gregorian University
. Paula Fredriksen, Universidade de Boston e Universidade Hebraica de Jerusalém, USA e Israel – Boston University & The Hebrew University of Jerusalem
. Justin Taylor, Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém, Israel – École Biblique et Archéologique Française, Jerusalem

A mídia conservadora e a luta pelo poder

Recomendo a leitura. Fiquei impressionado. Talvez seja o típico limite imposto por minha ignorância na área, mas nunca tinha visto uma análise tão consistente do papel político da mídia conservadora brasileira.

 

Veja criminaliza a política brasileira

“Entre o campo jurídico e o campo midiático há uma cumplicidade estrutural que, em última e principal instância, termina servindo ao disciplinamento das classes subalternas”, constata Roberto Efrem Filho, ao avaliar a revista Veja, tema de sua dissertação de mestrado, concluída neste ano. O pesquisador analisou 578 edições da publicação, entre o período de 1997 a 2008, correspondente aos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Na entrevista que se segue, concedida com exclusividade, por e-mail, à IHU On-Line, Efrem Filho diz que “o campo midiático encontra na ‘corrupção midiatizada’ um significativo modus operandi de empreender a luta política”. Assim, “a melodramatização jornalística”, continua, prefere “o combate ao debate, a polêmica à dialética, o enfrentamento entre as pessoas em detrimento do confronto entre seus argumentos”. Roberto Efrem Filho é mestre em Direito pela UFPE, professor substituto da mesma instituição de ensino e assessor jurídico popular.

 

A entrevista

IHU On-Line – Na pesquisa de mestrado o senhor analisou edições da revista Veja entre 1997 e 2008. O caráter da revista se modificou ao longo desses anos?

Roberto Efrem Filho – O primeiro dado trabalhado em minha dissertação diz respeito à presença de membros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas páginas amarelas de Veja. Do dia 4 de junho de 1997 ao dia 27 de agosto do ano de 2008, Veja publicou 578 edições. Em quase todas elas, em 569, há uma pessoa entrevistada escolhida de acordo com critérios estabelecidos pela revista. Neste período, quatro ministros e uma ministra do STF concederam entrevistas às páginas amarelas da revista. De 569 pessoas, nesses mais de dez anos, cinco eram membros do STF. Dessas, três delas se deram num lapso de menos de quatro meses, mais precisamente de março de 2008 a julho do mesmo ano. Essa sobre-representação do STF em Veja no ano de 2008, a meu ver, poderia suscitar duas hipóteses, as quais tento desconstruir de antemão. A primeira delas é a hipótese do “acaso”. Acidentalmente, por acaso, fortuitamente, o ano de 2008 foi “o ano dos ministros”. Para combater essa primeira – e, propositadamente, inocente hipótese -, recorri a dados relativos à participação de entrevistados(as) norte-americanos(as) nas mesmas páginas amarelas.

De janeiro a julho do mesmo ano de 2008, Veja publicou trinta edições, por conseguinte, trinta entrevistas. Dessas, um total de dez foram realizadas com convidados(as) estadunidenses. As demais entrevistas foram feitas com brasileiros(as) – dentre eles(as), os três membros do STF – e com um venezuelano chamado Yon Goicoechea, um estudante que, segundo a publicação, “por sua luta em prol da democracia” e contra o governo de Chávez, recebeu quinhentos mil dólares do instituto norte-americano (sic.) Cato, sediado em Washington. Um terço das entrevistas não é com norte-americanos por acaso. Assim como a imensa maioria de imagens de pessoas reproduzidas nas ilustrações da revista ser de homens brancos e mulheres brancas – e não negros(as), ou pardos(as) – não é acidental. Entre Veja e Estados Unidos processa-se uma hegemonia homóloga. Por certo, sujeitos franceses, senegaleses, sul-africanos ou indianos teriam muito a dizer àquelas páginas amarelas. Todavia, a mais importante revista semanal brasileira, com seus quase um milhão de assinantes e duzentos mil compradores(as) em bancas e supermercados, com sua circulação equivalente ao dobro da de todas as outras revistas semanais de informação, aproxima de si não qualquer outro país, mas a maior potência econômica mundial. Hegemônicos em seus campos de atuação e no espaço social como um todo, considerados os latifúndios que lhe cabem nesta pequena parte do universo que é o Planeta Terra, Veja e Estados Unidos sustentam, cada qual a seu modo, as hegemonias um do outro.

Interesses no conflito

A segunda hipótese a ser desconstruída é a da importância, segundo a qual, se os Estados Unidos são o país mais importante do mundo, mais teriam eles de estar nas páginas de Veja, afinal é ela um órgão de imprensa que, como tal, precisa refletir o cenário social. É de se notar ser essa “importância” um bem simbólico sob conflito. Outras “importâncias” ocorreram na história sem que a revista as tivesse representado. Dá-se que há importâncias mais importantes, enquanto outras podem ser negadas. Veja, por exemplo, nunca trouxe às suas páginas amarelas os responsáveis pela extinção do analfabetismo em Cuba, na Bolívia e na Venezuela, muito embora por diversas vezes tenha declarado seus interesses na “educação”. Há interesses diversos no conflito pelo o que é mais importante. Na hegemonia homóloga entre Veja e Estados Unidos saltam aos olhos os interesses de classe (falo de classes sociais, segundo a tradição marxista). No entanto, esses interesses de classe não repercutem diretamente nos campos específicos, como o midiático, senão através da necessária mediação. No caso do Jornalismo – e isso ocorre também com o Direito -, o interesse mais caro é o desinteresse. A importância de um fato é desinteressadamente construída nas páginas de uma revista. A presença do STF em Veja é, então, desinteressadamente atribuída ao “fato” – concebido pela revista como um mero dado desprovido de historicidade – de o Supremo Tribunal ter sua participação aumentada no espaço social. Segundo a persistência da hegemonia homóloga, entretanto, a escolha de Veja pelos membros do STF atravessa caminhos ideológicos e interesses “desinteressados” em comum. O STF, portanto, não está representado nas páginas do veículo por acaso, ou por sua “importância”. Mas sim – e aqui reside minha pessoal hipótese – porque entre o campo jurídico e o campo midiático há uma cumplicidade estrutural que, em última e principal instância, termina servindo ao disciplinamento das classes subalternas.

IHU On-Line – Que relações o senhor percebe entre os meios de comunicação brasileiros, em especial a revista Veja, e o Poder Judiciário brasileiro? O que o senhor quer dizer com a construção histórica de uma cumplicidade estrutural material e simbólica entre ambos?

Roberto Efrem Filho – O direito e a mídia compartilham artifícios simbólicos de legitimação. O “desinteresse” do qual falei é um deles. Na edição de 17 de outubro de 2007, Veja afirma já ter sido acusada, ao longo de sua história, de ser de direita e de esquerda. Sua resposta para essas acusações é sobremaneira emblemática: “Nunca é demais relembrar que Veja só tem um lado: a defesa intransigente do Brasil”. Recorrer à defesa intransigente do país não constituiu mais do que a negação das disputas sociais pelo o que seria defender o país. A revista se põe numa abóbada celestial, livre dos conflitos sociais, acima de quaisquer contendas, numa posição purificada e desinteressada. Os importantes lucros materiais e simbólicos gerados durante essa “defesa intransigente” certamente não são citados pela revista. O Judiciário age de um modo análogo quando fundamenta seus interesses pretensamente desinteressados na defesa “da Constituição”, “do Estado Democrático”, “do interesse público” etc. A “defesa da Constituição” remonta àquela “defesa intransigente do Brasil”, ou seja, à negação dos conflitos sociais, à fabricação de consensos próprios da hegemonia e a uma autolegitamação no espaço social.

Na composição desses artifícios de legitimação estão palavras como “neutralidade”, “imparcialidade”, “objetividade” e, nesta última, o amparo simbólico nos “fatos” tidos como dados inquestionáveis. Tais palavras – também artifícios – são compartilhadas pelo direito e pela mídia como modo de garantir a si a competência para lidar com “a” verdade. Os meios de comunicação revelam “a” verdade, o Poder Judiciário decide “a” verdade. Aqui também os conflitos sociais são negados e “a” verdade – consagrada a partir de relações de poder – é considerada como única e invariável. “A” verdade é um mecanismo de dominação exercido por direito e mídia como componente de sua autolegitimação. O Supremo Tribunal Federal e a revista Veja, assim sendo, compartilham mais do que certa importância no atual contexto histórico. Suas importâncias são arquitetadas sobre uma cumplicidade que os aproxima seja pela hegemonia homóloga, seja pelos artifícios simbólicos citados. É de se notar ainda a importância conferida por um sujeito ao outro. Veja pauta o STF ao mesmo tempo em que o STF pauta a Veja. Não há um membro sequer do Supremo Tribunal concedendo entrevistas ao Jornal Brasil de Fato ou à Agência Carta Maior. A presença de um(a) ministro(a) nas páginas amarelas de Veja fortifica a revista mas igualmente garante ao/à ministro(a) um aumento em seu capital simbólico.

IHU On-Line – O senhor analisou a revista em dois momentos políticos: quando o paí¬s era governado por Fernando Henrique Cardoso e depois por Lula. Percebe diferenças no tratamento dos governos por parte da revista? Em que sentido isso ocorre?

Roberto Efrem Filho – Analisei, a propósito da dissertação, a presença da corrupção – ou do envolvimento de membros do campo político com organizações criminosas – nas capas da revista Veja nos dois últimos anos do primeiro mandato de cada um dos presidentes, ou seja, entre 1997 e 1998, no que tange a Fernando Henrique Cardoso, e entre 2005 e 2006, no que concerne a Luís Inácio Lula da Silva. Entre 1997 e 1998, contei sete capas atinentes à corrupção, três no primeiro ano e quatro no segundo. Entre 2005 e 2006, a seu tempo, Veja publicou trinta e duas capas acerca dessa temática. Só no ano de 2005 foram vinte e uma capas. Conseguintemente, o ano de 2006 ficou com onze dessas capas. Na produção total das edições da revista, os números apresentados consistem em percentuais relevantes: entre 1997 e 1998, aproximadamente 7% das capas das edições da revista tratavam daquele envolvimento de membros do campo político com o crime, porém, entre 2005 e 2006 chega perto de 30% das capas. Ano por ano, as porcentagens aproximadas são de 6% em 1997, 8% em 1998, 40% em 2005 e 21% em 2006. No ano de 2005, nota-se um dado específico: de maio a setembro, são dezesseis capas seguidas sobre corrupção. 2005 era, como notório, o ano anterior à campanha pela reeleição.

A priori, poder-se-ia chegar ao seguinte raciocínio: se o Governo Lula foi mais “corrupto”, natural é que Veja reproduza mais esse tema em suas capas. Todavia, nada de natural existe entre a “importância” do que ocorre no mundo e a “importância” qualificada pela revista para o que deve ou não compor suas matérias de capas. O “importante”, como já dito, é um bem simbólico sob conflito. No caso de Veja e da grande maioria dos meios de comunicação – todos partidos políticos, nas palavras de Gramsci -, a corrupção se torna importante porque se mostra como uma eficiente estratégia de disputa do Estado. O campo midiático encontra na “corrupção midiatizada” um significativo modus operandi de empreender a luta política. Dá-se, entretanto, que o jornalismo impõe uma visão particular da política. A melodramatização jornalística, a qual cria “vilões” e “mocinhos” passíveis de manejo simbólico, prefere, segundo Pierre Bourdieu, o combate ao debate, a polêmica à dialética, o enfretamento entre as pessoas em detrimento do confronto entre seus argumentos. Os mecanismos de incidência do campo jornalístico sobre o campo política produzem uma visão cínica sobre o último. “Políticos” surgem como sujeitos merecedores de desconfiança, cheios de interesses não “desinteressados”, como os de Veja ou do STF. A corrupção ingressa nesse contexto como um reforço simbólico em conjunturas peculiares e encontra nele uma arena estruturalmente fecunda à sua reprodução. Certamente, o campo político não pode ser ingenuamente concebido como mera vítima desse processo. O modo como o campo político exerce censura ao limitar o universo do discurso político aos sujeitos iniciados e a forma como a “democracia” redunda num mercado eleitoral ratificam a incidência dessa visão cínica sobre a política. É a partir da edificação dessa conjuntura e como membro dominante do campo jornalístico que Veja garante tamanha “importância” à corrupção. Isso, notadamente, quando da derrota do PSDB nas urnas e da consequente perda por Veja de seus aliados históricos no Governo Federal.

Não quero dizer com isso que o governo Lula tenha sido mais ou menos “corrupto” que o governo FHC. Sobre a análise das capas, a meu ver, isso pouco “importa”: importa mais a predisposição estrutural de Veja em pautar a corrupção, fenômeno que melhor se manifesta no instante em que, no governo, a revista encontra adversários históricos.

IHU On-Line – O senhor percebe uma criminalização da política em nosso paí¬s? Qual a participação da revista Veja nesse sentido?

Roberto Efrem Filho – A criminalização da política é um artifício simbólico de deslegitimação da política. Esses artifícios se tornam eficazes sobremaneira se a hegemonia do campo político, tradicionalmente ocupada por membros das classes dominantes como Veja, é ameaçada por outros setores sociais, como é o caso do “Partido dos Trabalhadores”. Este, por mais que não se identifique diretamente com as classes populares e mais se aproxime de uma prática pequeno-burguesa burocratizada, como afirma Mauro Iasi, não pode ser confundindo com o PSDB, o PFL, ou o que os valha. Ao criminalizar a política em 2005, no ano em que Lula é a imagem da política nacional, Veja intenta mais ou menos (in)conscientemente deslegitimar Lula, o Governo e o Partido dos Trabalhadores, conduzindo a corrupção para o centro dessa imagem.

Criminologia da denúncia

Veja desenvolve aquilo que Juarez Cirino dos Santos chama de “criminologia da denúncia”. Os interesses desinteressados da revista na temática do crime de colarinho branco enfocam o comportamento das elites para demonstrar que os sujeitos que fazem as leis são, também, os maiores violadores dessas leis. Trata-se de um “jornalismo exposé”, de origem pequeno-burguesa – bem por isso se aplica tão facilmente ao PT junto às classes medianas -, que alimenta os índices sobre o colarinho branco sem obter deles uma compreensão apta a reconhecer os elos entre a corrupção e as estruturas do espaço social. Seu resultado é aquilo que Santos define como “agonia resignada”, ou “espasmos de resignação moral”. O denuncismo de Veja, por exemplo, raramente alcança os membros das grandes corporações criminosas. O “mensalão”, alvo das capas do ano de 2005, nada atinge senão a pequena burguesia praticante de uma dimensão inferior da criminalidade do colarinho branco e, evidentemente, o público consumidor da publicação. A eficácia simbólica do mensalão está muito mais em chocar as classes médias urbanas e seus intelectuais do que em extirpar o fenômeno criminal. Faz-se como prestação de contas morais para com as classes sociais educadas sob os princípios liberais. Não deixa de ser um meio eficaz de criação de soluções fáceis para os problemas sociais com os quais o espírito humanitário do iluminismo se desconforta. No fim, procede-se a uma mistificação das correlações de forças que atravessam e sustentam o Estado, de modo a fazer identificar a corrupção com o sujeito corrupto – recriando assim a figura do “vilão”, uma justificativa do estabelecido – quando seus determinantes sociais vão muito além da desonestidade de um ou outro Delúbio Soares .

IHU On-Line – Como define a postura da revista Veja no cenário nacional?

Roberto Efrem Filho – A revista Veja é um sujeito pertencente às classes dominantes. Faço questão de notar a palavra “sujeito” porque entre as esquerdas têm-se caído no equívoco de conceber Veja como um mero “instrumento” dessas classes, coisa advinda, sobretudo, de certa tradição intelectual mecanicista, vulgarizadora do marxismo e incapaz de discutir os meandros da arquitetura hegemônica das classes dominantes. Veja é um membro dessas classes cuja dominância no campo jornalístico é tanta que ela já não tem certos pudores – comumente necessários às mediações sociais – em ofender alguns emblemáticos símbolos das esquerdas. Na edição de 3 de outubro de 2007, por exemplo, a revista publicou uma das mais polêmicas matérias de capa de sua história, que tinha como título “Che. Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa”. Entre as declarações de Che sobre o revolucionário, encontramos esta: “Como homem de carne e osso, com suas fraquezas, sua maníaca necessidade de matar pessoas, sua crença inabalável na violência política e a busca incessante da morte gloriosa, foi um ser desprezível”. Numa matéria sobre o ensino escolar privado no Brasil, de 20 de agosto de 2008, Veja afirma que os/as nossos(as) professores(as) “idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”. Mais tarde, na mesma matéria, a revista demonstra indignação diante do fato de que entre os/as professores(as) brasileiros(as), Freire é mais popular que Einstein, quem Veja apresenta como “talvez o maior gênio da história da humanidade”, não citando que, conquanto “genial”, Einstein foi também comunista – dado este comprovado por István Mészáros no seu O poder da ideologia.

As afirmações de Veja a respeito de Che e Paulo Freire são emblemáticas porque alcançam sujeitos cuja importância para a esquerda brasileira é inquestionável, mas ainda mais porque tanto Che quanto Freire vêm sendo sistematicamente absorvidos pelo discurso hegemônico. A “heroificação” do mito de Guevara sofreu uma cooptação tal que de símbolo da revolução, entre as esquerdas, Che se transformou em objeto de consumo pela indústria cultural. Paulo Freire, por sua vez, foi hegemonicamente transformado em referência basilar para qualquer discurso ligado à lógica do “terceiro setor”, ou da “caridade social”, coisas bastante distintas do socialismo da “Pedagogia do oprimido”. Veja, ao contrário, não se dá sequer ao trabalho de corresponder ao modo como a indústria cultural – campo que a revista também compõe – lida com esses sujeitos. A autonomia historicamente conquistada pelo veiculo, autonomia esta resultante de seus números de vendas e também das lutas simbólicas das quais sai vitoriosa, engendra uma maior liberdade para traçar com suficiente clareza aliados e adversários, ao mesmo tempo em que ainda consegue se legitimar como a defensora intransigente do Brasil. Como resultado, quem defende o Brasil, não pode defender Che, Freire ou o Partido dos Trabalhadores, embora seja necessário notar que para cada um desses sujeitos Veja exerce uma tática simbólica específica.

IHU On-Line – Recorrendo a obras de Jesús Martin-Barbero e Walter Benjamin, que relações o senhor estabelece entre os meios de comunicação, as mediações sociais e o crime?

Roberto Efrem Filho – Antes de falar propriamente do crime, julgo fundamental discutir um pouco sobre a correlação entre a corrupção midiatizada e aquela homologia estrutural entre o campo jurídico e o campo midiático. Concluí, nos desfechos da dissertação, que o aumento da aparição do Supremo Tribunal Federal nas páginas de Veja está umbilicalmente vinculado ao aumento da tematização da corrupção nessas páginas. Por certo, nem sempre o assunto que leva o Tribunal a Veja é a corrupção, mas a conjuntura política em que a revista exerce a valorização do direito é a mesma em que a revista criminaliza a política. A capa de 5 de setembro de 2008 diz muito a esse respeito. Veja define o ministro Joaquim Barbosa, o membro do STF relator do caso do mensalão, como um herói nacional. Dedica boa parte da correlata matéria à vida do ministro, aos seus 700 CDs de música clássica, ao preparo do seu café da manhã, aos seus ternos comprados em Los Angeles e Paris etc. Como é próprio dos meios de comunicação, Veja converte o ministro numa estrela e o julgamento num espetáculo, dimensões nas quais a mídia é inclusive mais habilidosa. Se a política é criminalizada e, portanto, “vilanizada” e é o Judiciário o competente para punir o crime, a valorização do direito torna-se mais compreensível.

Política de combate ao crime

A política de combate ao crime, ou seja, da defesa social, constitui-se inexoravelmente como uma política classista de controle social. A melodramatização do crime levada a cabo pela indústria cultural recria o disciplinamento tratado por Foucault em Vigiar e punir. Diante da televisão, das páginas da revista, do símbolo enfim, as massas – dentre as quais está a classe trabalhadora – são disciplinadas. Porém, aqui a disciplina não é o contrário do suplício. Ironicamente, o suplício tornado estética e imagem disciplina as massas, auxilia na criação de delinquentes e da ideologia da ameaça permanente responsável pela reprodução da desconfiança universal. Os aparelhos de repressão são valorizados e a mídia encontra lugar entre eles. Os meios de comunicação jogam com o panóptico, são vistos pela massa no que não lhes compromete, mantendo-se capazes de enxergar essa massa. Tudo isso se dá, todavia, através de mediações sociais. A melodramatização das relações, a criação de vítimas, vilões e heróis é a prática por meio da qual as relações de poder se reanimam. Estruturalmente, a sociedade capitalista requer heróis – nenhum desses heróis, contudo, foge à fabricação dos consensos necessários à hegemonia.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 09/05/2009

Teologia e Literatura: Bem e Mal em G. Rosa

Na Revista IHU On-Line, edição 292, de 11.05.2009

 

A fundição do bem e do mal em Guimarães Rosa

Graziela Wolfart

Literatura e Teologia se aproximam ao tentar captar o drama humano no mistério da vida na mais recente obra organizada por Eliana Yunes e Maria Clara Bingemer

YUNES, E.; BINGEMER, M. C. L. (org.) Bem e Mal em Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Uapê, 2009Recentemente lançado pela Editora da PUC-Rio e pela UAPÊ, ambas do Rio de Janeiro, a obra Bem e mal em Guimarães Rosa reúne uma coletânea de artigos sobre o autor mineiro e foi organizada pelas professoras da PUC-Rio Eliana Yunes e Maria Clara Bingemer. A IHU On-Line entrevistou por e-mail a professora Eliana Yunes. Ela argumenta que “Guimarães Rosa, nos seus textos, se desvencilha das dicotomias porque vê a complexidade do humano excedendo os paradigmas fechados”. Para ela, “ele escapa a toda e qualquer linearidade e simplificação para vivificar o contraditório, o paradoxal da condição humana, em que bondade e maldade não se excluem, em que a beleza e a verdade podem estar no seu avesso, assim como a loucura e o bom senso”. Yunes ainda acrescenta que Guimarães Rosa, trabalhando intensamente com a oralidade, “sofisticou a escrita, sem fazer concessões senão ao que buscava expressar como cerne e casca do Homem, tão regional quanto universal, tão sertanejo, quanto urbano”.

Professora e coordenadora da Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, Eliana Yunes possui graduação em Filosofia e Letras, pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira, mestrado e doutorado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e pós-doutorado pela Universidade de Colônia, da Alemanha. É autora de, entre outros, Pecados (Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2001) e Virtudes (Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2001).

 

A entrevista

IHU On-Line – De que maneira o encontro da literatura com a teologia é valioso no sentido de analisar o bem e o mal na obra Guimarães Rosa?

Eliana Yunes – O encontro entre teologia e literatura é da esfera da interdisciplinaridade e se aplica a obras e temas diversos. No caso do presente livro, o que se registra é o curso de pós-graduação que as organizadoras apresentaram, assim como a pesquisa e a produção dos doutorandos de letras e teologia que focaram a questão enunciada muitas vezes na própria narrativa rosiana, em torno do bem & mal na obra de Guimarães Rosa com ênfase no Grande sertão: veredas. O método faz aparecerem possibilidades de interpretação e construção de sentido inéditas, valorizando a potência multisignificante de uma das obras mais extraordinárias do século XX.

IHU On-Line – O que caracteriza a leitura teológica feita dos textos de Guimarães Rosa?

Eliana Yunes – A leitura exercitada procura fazer não uma abordagem teológica, mas compreender como a literatura pode ser uma forma não-teórica de teologia. O que se procura encontrar está no plano das linguagens de uma e outra área do conhecimento – elas se aproximam ao tentar captar o drama humano no mistério da vida. Este esforço metodológico logra expor a dimensão do diálogo imanente/transcendente que atravessa seus romances e estórias (como ele preferiu grafar), sem qualquer profissão de fé, nem laivos catequéticos. A leitura revela uma escrita da perplexidade que irrompe no sem fronteiras do ser-tão.

IHU On-Line – Qual a contribuição que a obra do escritor oferece para a realização de uma leitura da Teologia?

Eliana Yunes – Guimarães Rosa, nos seus textos, se desvencilha das dicotomias porque vê a complexidade do humano excedendo os paradigmas fechados. Ele escapa a toda e qualquer linearidade e simplificação para vivificar o contraditório, o paradoxal da condição humana, em que bondade e maldade não se excluem, em que a beleza e a verdade podem estar no seu avesso, assim como a loucura e o bom senso. Obras com este propósito desarraigado de ideologias retomam as crenças numa perspectiva que não se confunde com doutrinas, mas catapultam o homem para dimensões apenas entrevistas.

IHU On-Line – O que caracteriza a linguagem criada por Rosa e que marcou para sempre a Literatura Brasileira?

Eliana Yunes – Os narradores de Guimarães Rosa se despem de automatismos, do falar padrão e da gramática regrada. Como bem o assinalou Roland Barthes, Literatura é uma linguagem que faz dobrar a língua e para obrigá-la a dizer o que se quer e não o que ela habitualmente diz, é preciso desarranjá-la, inventar de novo a fala, que rompe com a norma sem perder de vista o sistema, na ponderação do linguista Coseriu. A poética tem licenças autoconcedidas que produzem desconforto e admiração simultaneamente. Guimarães Rosa, trabalhando intensamente com a oralidade, sofisticou a escrita, sem fazer concessões senão ao que buscava expressar como cerne e casca do Homem, tão regional quanto universal, tão sertanejo quanto urbano.

IHU On-Line – Quais os mistérios que envolvem a eterna luta entre o bem e o mal apresentada por Guimarães Rosa tanto no sertão transformado em campo de batalha quanto dentro do coração humano?

Eliana Yunes – Para o escritor mineiro, o sertão é o mundo e o homem sua manifestação mais vívida. Sua epopéia, contudo, esconde um drama irredutível que aponta continuamente para uma luta entre o bem e o mal, sem que o mistério ao menos se localize, dentro ou fora do homem. Rosa, numa percepção extremamente arguta, entende que não há resposta acabada: “eu conto e o senhor ponha o ponto” onde enfim achar que deva. A perspicácia para inferir a dor humana independente de cultura ou idade se associa à sabedoria que descarta a opção (ou) e promove a interação (e) rompendo as expectativas, como postulava Iser. Em Guimarães Rosa bem e mal trocam de posição constantemente até se fundirem fazendo com que a angústia provocada pelo mal seja transfigurada em ética, justiça – valores da beleza, o que enfim, deve prevalecer.

IHU On-Line – Quais seriam hoje, a partir da inspiração de Guimarães Rosa, os grandes pactos de que vive o homem? Deus e o diabo, eu e o outro, iguais e diferentes continuam afligindo o ser humano contemporâneo?

Eliana Yunes – As aflições humanas, desde que o homem se pôs de pé e pode olhar para o alto, liberando as mãos e a cabeça para criar e contemplar, não mais para garantir a locomoção segura, mostram que a grande viagem ao redor de si mesmo ainda não se completou. A exploração dos mares e das estrelas não esgota as perguntas sobre a vida e muito frequentemente as respostas, convenientes segundo um tempo e lugar, apenas dão a ilusão de verdade e de conforto logo evanescentes. Os dilemas fazem oscilar os valores enquanto presos a modelos e práticas consolidadas. Deste ajuste, a prosa rosiana liberta suas personagens, provocando o maravilhoso e o terrível a um só tempo, fazendo que ingressem numa experiência inexprimível em termos usuais. A linguagem deriva, então, fazendo da morte a vida plena, do mal o bem maior. O herói de Rosa só tem todo poder quando já abriu mão de qualquer poder.

IHU On-Line – O centenário de nascimento de Guimarães Rosa foi comemorado no ano passado. Como entender sua atualidade?

Eliana Yunes – A atualidade de Guimarães Rosa não depende de festivos, nem de datas redondas. Assim como acontece com Cervantes, Shakespeare, Machado ou Camões, o escritor brasileiro visitou a alma humana e da viagem fez emergir o esboço em permanente construção que nos seduz, o ser que nunca é definitivo. Ninguém lê Rosa uma vez, ninguém o lê para encontrar a resposta – todas são provisórias, mesmo as mais complexas. Suas perguntas não calam.

 

O livro

YUNES, E.; BINGEMER, M. C. L. (org.) Bem e Mal em Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Uapê, 2009, 146 p. – ISBN 9788585666804

Diz a editora:
O livro, organizado por Maria Clara Lucchetti Bingemer [Teologia – PUC-Rio] e Eliana Yunes [Letras – PUC-Rio], promove o encontro da literatura com a teologia em artigos de grandes especialistas dessas duas áreas do conhecimento humano. No livro, produzido em uma perspectiva interdisciplinar, encontram-se uma leitura teológica de textos de Guimarães Rosa e uma leitura da Teologia a partir da obra do escritor, cujo centenário de nascimento foi comemorado em 2008. Através de diferentes análises sobre o discurso rosiano, os autores convidam o leitor a refletir sobre a angústia humana, gerada pela necessidade de tomar decisões éticas. Diante de personagens e situações criados por Guimarães Rosa, tentam desvendar os mistérios da eterna luta entre o bem e o mal, apresentada tanto no sertão transformado em campo de batalha quanto dentro do coração humano. Passam, também, pelos pactos de que vive o homem: Deus e o diabo, eu e o outro, iguais e diferentes. No prefácio, Vilma Guimarães Rosa, filha de João, apresenta uma curta biografia do pai, revelando peculiaridades presentes no cotidiano de um escritor que, em sua travessia entre o particular e o público, criou uma linguagem que marcou para sempre a Literatura Brasileira. Novas e instigantes imagens de Grande Sertão: Veredas são reveladas a partir das leituras do grande clássico presentes nos textos de Cleide Maria de Oliveira, Delambre Ramos de Oliveira, Josias da Costa Junior, Leonardo Vieira de Almeida, Marco Antonio G. Bonelli e Maria Clara Lucchetti Bingemer. Os artigos de Eliana Yunes e Stella Caymmi trazem análises sobre dois contos de Guimarães Rosa: A hora e a vez de Augusto Matraga, publicado em Sagarana, e A terceira margem do rio, publicado em Primeiras Estórias.

 

IHU On-Line fala da América Latina hoje

A Revista IHU On-Line, edição 292, de 11.05.2009, tem como tema de capa: América Latina, hoje

“O quadro político da América Latina, considerando os últimos anos, é de mudança. Nós temos 11 presidentes que foram eleitos nesse período, alguns deles reeleitos, e que deslocam as elites do poder, trazendo uma agenda nova, muitas vezes calcada nas demandas da maioria. Em alguns casos, essa maioria é composta por uma maioria étnica, como são os indígenas na região Andina, no Equador e Bolívia. Então, temos um quadro político que felizmente rompeu com a uniformidade calcada no neoliberalismo e que hoje permite à América Latina repensar o seu futuro, o seu projeto de desenvolvimento e as suas formas de integração.” A constatação é do cientista social Silvio Caccia Bava, na entrevista publicada nesta edição da revista IHU On-Line, que tem como tema de capa “América Latina, hoje”.

Além de Caccia Bava, contribuem na descrição do atual panorama político, econômico, social e religioso da América Latina, Adrián Padilla Fernández, da Universidade Simon Rodriguez, na Venezuela, Alfredo Molano, sociólogo e jornalista colombiano, Héctor-León Moncayo, economista colombiano, Raúl Zibechi, jornalista uruguaio, René Cardozo, jesuíta, politólogo boliviano, o paraguaio José Maria Blanch e Eleazar López Hernández, teólogo indígena mexicano.

 

Leia:
. Silvio Caccia Bava: As mudanças estão acontecendo na América Latina
. Adrián Padilla: Venezuela e o bolivarianismo. A busca de um modelo socialista
. Héctor-León Moncayo: América Latina: em busca de uma nova integração?
. Raúl Zibechi: Um giro à esquerda na América Latina? Se há, só na Bolívia
. Alfredo Molano: Movimento indígena: “mais organizado e combativo”
. José Maria Blanch: O desafio de reconstruir o país
. René Cardozo: Bolívia: um governo apoiado nos movimentos sociais

Resenhas na RBL – 09.05.2009

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

John Ashton
Understanding the Fourth Gospel
Reviewed by Craig R. Koester

Yitzhak Berger
The Commentary of Rabbi David Kimhi to Chronicles: A Translation with Introduction and Supercommentary
Reviewed by Amos Frisch

Reimund Bieringer, Emmanuel Nathan, and Dominika Kurek-Chomycz
2 Corinthians: A Bibliography
Reviewed by Victor Paul Furnish

Michael F. Bird
Jesus and the Origins of the Gentile Mission
Reviewed by Andreas J. Kostenberger

James K. Bruckner
Exodus
Reviewed by Brian D. Russell

Billie Jean Collins
The Hittites and Their World
Reviewed by Willemijn Waal

Cornelia B. Horn and Robert R. Phenix Jr., eds. and trans.
John Rufus: The Lives of Peter the Iberian, Theodosius of Jerusalem, and the Monk Romanus
Reviewed by Ilaria L. E. Ramelli

Dirk J. Human, ed.
Psalms and Mythology
Reviewed by Jeffery M. Leonard

Patricia A. Kirkpatrick and Timothy Goltz, eds.
The Function of Ancient Historiography in Biblical and Cognate Studies
Reviewed by Ernst Axel Knauf

Ilana Pardes
Melville’s Bibles
Reviewed by Michael Kaler

Stanley E. Porter, ed.
Dictionary of Biblical Criticism and Interpretation
Reviewed by Christoph Stenschke

Blazej Strba
Take Off Your Sandals from Your Feet! An Exegetical Study of Josh 5, 13-15
Reviewed by Ovidiu Creangă

Daniel J. Treier
Introducing Theological Interpretation of Scripture: Recovering a Christian Practice
Reviewed by Edward W. Klink III

Robert L. Webb and Betsy Bauman-Martin, eds.
Reading First Peter with New Eyes: Methodological Reassessments of the Letter of First Peter
Reviewed by Bonnie Howe

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Resenhas na RBL – 30.04.2009

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

William S. Campbell, Peter S. Hawkins, and Brenda Deen Schildgen, eds.
Medieval Readings of Romans
Reviewed by Francis Dalrymple-Hamilton

Adrian Curtis
Oxford Bible Atlas
Reviewed by George Athas

Lois M. Farag
St. Cyril of Alexandria, a New Testament Exegete: His Commentary on the Gospel of John
Reviewed by Hennie Stander

Terence E. Fretheim
Abraham: Trials of Family and Faith
Reviewed by Hallvard Hagelia

Susan Haber; edited by Adele Reinhartz
“They Shall Purify Themselves”: Essays on Purity in Early Judaism
Reviewed by Joshua Schwartz

Justin K. Hardin
Galatians and the Imperial Cult: A Critical Analysis of the First-Century Social Context of Paul’s Letter
Reviewed by Mark D. Nanos

Susan R. Holman, ed.
Wealth and Poverty in Early Church and Society
Reviewed by Preston M. Sprinkle

Cornelia B. Horn and Robert R. Phenix Jr., eds. and trans.
John Rufus: The Lives of Peter the Iberian, Theodosius of Jerusalem, and the Monk Romanus
Reviewed by Pauline Allen

Henry Ansgar Kelly
Satan: A Biography
Reviewed by James A. Metzger

Dale B. Martin
Pedagogy of the Bible: An Analysis and Proposal
Reviewed by Renate Viveen Hood

R. J. R. Plant
Good Figs, Bad Figs: Judicial Differentiation in the Book of Jeremiah
Reviewed by C.A. Strine

RRENAB
Regards croisés sur la Bible: Études sur le point de vue (Actes du IIIe colloque international du Réseau de recherche en narrativité biblique Paris, 8-10 juin 2006)
Reviewed by Jean-François Racine

Kenneth Schenck
Cosmology and Eschatology in Hebrews: The Settings of the Sacrifice
Reviewed by Jason A. Whitlark

F. Scott Spencer
The Gospel of Luke and Acts of the Apostles
Reviewed by Gregory E. Sterling

Ivar Vegge
2 Corinthians-A Letter about Reconciliation: A Psychagogical, Epistolographical and Rhetorical Analysis
Reviewed by Laurence Welborn

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Gripe suína chega ao Brasil

Epidemia de despreparo

Por Rogerio Tuma – médico

“A falta de preparo, o desconhecimento e a influência econômica interferem no discurso de autoridades sanitárias no mundo todo. Em vez de alertar a população, acabam por alarmá-la, provocando mais estragos que o próprio surto virótico.

A gripe suína é provocada por um tipo de vírus influenza, da mesma família que pode provocar a gripe comum e a aviária. Esta espécie é o mais frequente motivo de infecção de vias aéreas por vírus em humanos, porcos e aves, podendo causar desde um simples resfriado até uma grave pneumonia.

É provocada mais frequentemente pelo vírus influenza tipo A, subtipo H1N1. A infecção passa de um porco doente para outro por contato com secreções de espirros, gotículas de saliva e contato físico íntimo. Vez ou outra um desses vírus sofre mutação genética, o que permite a contaminação das vias aéreas de outros animais, principalmente humanos. Além de criá-los em cativeiro com pouco espaço, o que facilita a contaminação, somos muito parecidos geneticamente com os porcos.

Muitos tecidos vivos utilizados na medicina para substituir os nossos provêm de porcos. Por conta dessa semelhança e proximidade, não é raro uma epidemia de gripe suína atingir humanos e vice-versa. Outro vírus que também pode provocar a gripe suína, o influenza A H3N2, é originário de gripes humanas.

No caso da influenza suína, a morbidade é muito alta. Traduzindo: depois de passar do porco para o humano, é muito fácil a transmissão de um homem para outro, mas a sua mortalidade é baixa, isto é, o risco de uma gripe se transformar em pneumonia letal é de 1% a 4 %. Esta característica é a que melhor difere a atual epidemia da gripe aviária, em que o vírus é muito mais estranho aos humanos e atingiu mortalidade de 20%.

O mundo todo, todo ano e o ano todo tem gripe. Algumas são mais graves, pois toda infecção viral provoca uma resposta do organismo infectado com a produção de anticorpos e inflamação. Algumas vezes, a reação é tão intensa que passa a ser perigosa por si só.

Isto é mais comum quando o vírus é muito mais estranho ao organismo que infecta e, portanto, muito mais antigênico. A cepa específica que provoca a epidemia no México tem pedaços de genes da influenza aviária, humana e suína. É a primeira vez que uma mutação tão complexa é identificada. Se o fenômeno se traduz em reação inflamatória mais intensa e maior risco de morte, ainda está por ser definido.

Quando estamos diante de uma epidemia, a melhor conduta é evitar o lugar onde ela começou e onde existem mais casos clínicos. É medida errada do governo não sugerir às pessoas deixarem de viajar para os lugares por turismo até que a situação esteja controlada. Todo o prejuízo das companhias de turismo e da economia local compensa ao se poupar uma vida que seja. Além disso, como as mudanças virais são muito rápidas, ninguém colocaria um familiar na região onde um vírus com alto poder de infecção está se espalhando. Mesmo que a chance de morrer em decorrência seja muito baixa, ela não é nula.

As epidemias ocorrem por erro dos países que não vacinam seus animais e não têm programa educativo ou de orientação para os criadores de porcos e aves. Em alguns lugares o porco doente é abatido e servido na mesa do criador.

É alarmante o desserviço prestado pelos governantes e autoridades ao comentar fatos com desconhecimento e falta de bom senso (…) O risco de ocorrer uma epidemia no Brasil não é baixo, por causa da intimidade que temos com o México. Precisamos estar alerta (…) não precisamos nos alarmar. O que devemos fazer agora é ter bom senso e educação. Por exemplo, lavar as mãos e cobrir a boca ao tossir ou espirrar”.

Fonte: CartaCapital 30/04/2009