Mario Liverani: homenagem e bibliografia

Nos dias 20 e 21 de abril de 2009, o assiriólogo Mario Liverani, que também escreveu uma interessante História de Israel, traduzida para o português no ano passado, será homenageado com uma Conferência em Roma. Veja o programa:

Convegno in onore di Mario Liverani: Antico Oriente: nonsolostoria — The Ancient Near East: not-only-history – International Conference in Honour of Mario Liverani

Sua importante bibliografia pode, por outro lado, ser vista em:

:: Bibliografia completa di Mario Liverani – Full bibliography of Mario Liverani

:: Mario Liverani’s 1990-1999 articles available in English

:: Mario Liverani’s Publications Available in English: Monographs

Dica de John Hobbins em seu blog Ancient Hebrew Poetry, organizador desta bibliografia a pedido do próprio Mario Liverani.

Resenhas na RBL – 09.04.2009

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Jacques Cazeaux
La contre-épopée du désert: Essai sur Exode-Lévitique Nombres
Reviewed by Philippe Guillaume

Craig A. Evans and Emanuel Tov, eds.
Exploring the Origins of the Bible: Canon Formation in Historical, Literary, and Theological Perspective
Reviewed by Everett Ferguson

Travis L. Frampton
Spinoza and the Rise of Historical Criticism of the Bible
Reviewed by Seán P. Kealy

John Goldingay
The Message of Isaiah 40-55: A Literary-Theological Commentary
Reviewed by Francis Landy

Robert P. Gordon, ed.
The God of Israel
Reviewed by Bruce A. Power

Daniel M. Gurtner and John Nolland, eds.
Built upon the Rock: Studies in the Gospel of Matthew
Reviewed by J. Christopher Edwards

Norman C. Habel and Peter Trudinger, eds.
Exploring Ecological Hermeneutics
Reviewed by Johan Buitendag

Justin K. Hardin
Galatians and the Imperial Cult: A Critical Analysis of the First-Century Social Context of Paul’s Letter
Reviewed by Wilhelm Pratscher

John Jarick
2 Chronicles
Reviewed by Louis C. Jonker

Leonid Kogan, Natalia Koslova, Sergey Loesov, and Sergei Tishchenko, eds.
Babel und Bibel 3: Annual of Ancient Near Eastern, Old Testament and Semitic Studies
Reviewed by Lena-Sofia Tiemeyer

Larry J. Kreitzer
Philemon
Reviewed by Torrey Seland

Carmel McCarthy, ed.
Biblia Hebraica Quinta: Deuteronomy
Reviewed by Mark McEntire

Jacob Neusner and Alan J. Avery-Peck, eds.
Encyclopedia of Religious and Philosophical Writings in Late Antiquity: Pagan, Judaic, Christian
Reviewed by Mark D. Nanos

Mikeal C. Parsons
Body and Character in Luke and Acts: The Subversion of Physiognomy in Early Christianity
Reviewed by Glenn E. Snyder

Judith Perkins
Roman Imperial Identities in the Early Christian Era
Reviewed by Ilaria Ramelli

Ephraim Radner
Leviticus
Reviewed by Leigh Trevaskis

Walther Sallaberger
Das Gilgamesch-Epos: Mythos, Werk und Tradition
Reviewed by Gerhard Karner

Patrick E. Spencer
Rhetorical Texture and Narrative Trajectories of the Lukan Galilean Ministry Speeches: Hermeneutical Appropriation by Authorial Readers of Luke-Acts
Reviewed by Stephan Witetschek

David T. Sugimoto
Female Figurines with a Disk from the Southern Levant and the Formation of Monotheism
Reviewed by Aren Maeir

David Andrew Thomas
Revelation 19 in Historical and Mythological Context
Reviewed by David L. Barr

Steven J. Voris
Preaching Parables: A Metaphorical Interfaith Approach
Reviewed by Ernest van Eck

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Manuscritos do Mar Morto: bibliografia atualizada

Para os interessados nos Manuscritos do Mar Morto e/ou essênios, agora que o assunto voltou aos noticiários – veja aqui e aqui -, observo que atualizei a bibliografia no final de meu artigo Os Essênios: a Racionalização da Solidariedade.

Ainda é óbvio o que anotei em 23 de abril de 2007 aqui:
De repente, dei-me conta de que nossa bibliografia em português está defasada em cerca de 10 anos. Nossas editoras simplesmente pararam no tempo. Não traduziram nenhuma das grandes obras que saíram no final do século XX, quando eram comemorados os 50 anos da descoberta dos Manuscritos. Agora, já são 60 anos desde a descoberta e vejo um grande vazio bibliográfico em português nos últimos dez anos.

Com a soma de mais dois anos às datas acima, a coisa até piora… Pergunto: não há mercado no Brasil para este tipo de publicação? Quais seriam os motivos de nossa carência bibliográfica?

Ainda: minha bibliografia, de modo algum, pretende ser completa, é apenas uma seleção de livros que considero úteis. Há milhares de artigos e livros sobre os Manuscritos do Mar Morto, sobre Qumran e sobre os Essênios. Literalmente.

Bibliografia mais ampla? Veja The Orion Center for the Study of the Dead Sea Scrolls and Asssociated Literature.

Resenhas na RBL – 03.04.2009

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Piotr Bienkowski, Christopher Mee, and Elizabeth Slater, eds.
Writing and Ancient Near Eastern Society: Papers in Honour of Alan R. Millard
Reviewed by Raymond Person

Gerald L. Borchert
Worship in the New Testament: Divine Mystery and Human Response
Reviewed by Tony Costa

Thomas L. Brodie
Proto-Luke: The Oldest Gospel Account: A Christ-Centered Synthesis of Old Testament History Modelled Especially on the Elijah-Elisha Narrative
Reviewed by Gerbern S. Oegema

Stephanie Lynn Budin
The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity
Reviewed by Mayer Gruber
Reviewed by Lena-Sofia Tiemeyer

Roland Deines
Die Gerechtigkeit der Tora im Reich des Messias: Mt 5,13-20 als Schlüsseltext der matthäischen Theologie
Reviewed by Stephan Witetschek

Neil Elliott
The Arrogance of Nations: Reading Romans in the Shadow of Empire
Reviewed by Glenn E. Snyder
Reviewed by Graydon F. Snyder
Reviewed by Ben Witherington III

Weston W. Fields
The Dead Sea Scrolls: A Short History
Reviewed by Eric F. Mason

Benjamin Fiore
The Pastoral Epistles: First Timothy, Second Timothy, and Titus
Reviewed by Matthew D. Montonini

Joseph A. Fitzmyer
First Corinthians: A New Translation with Introduction and Commentary
Reviewed by Anthony C. Thiselton

Matthew E. Gordley
The Colossian Hymn in Context: An Exegesis in Light of Jewish and Greco-Roman Hymnic and Epistolary Conventions
Reviewed by Vincent Pizzuto

Wouter J. Hanegraaf, ed.
Dictionary of Gnosis and Western Esotericism
Reviewed by David E. Aune

Edith M. Humphrey
And I Turned to See the Voice: The Rhetoric of Vision in the New Testament
Reviewed by Greg Carey

Matthias Köckert
Die Zehn Gebote
Reviewed by Paul Sanders

Andreas J. Kostenberger and Scott R. Swain
Father, Son and Spirit: The Trinity and John’s Gospel
Reviewed by Mary Coloe

Oded Lipschits, Gary N. Knoppers, and Rainer Albertz, eds.
Judah and the Judeans in the Fourth Century B.C.E.
Reviewed by Allen Kerkeslager

Linda M. MacCammon
Liberating the Bible: A Guide for the Curious and Perplexed
Reviewed by Martin Meiser

Chaim Miller, ed.
The Gutnick Edition Chumash: With Rashi’s Commentary, Targum Onkelos and Haftaros with a Commentary Anthologized from Classic Rabbinic Texts and the Works of the Lubavitcher Rebbe
Reviewed by Jason Kalman

Eckart Reinmuth
Anthropologie im Neuen Testament
Reviewed by Christoph Stenschke

Robert Rezetko
Source and Revision in the Narratives of David’s Transfer of the Ark: Text, Language, and Story in 2 Samuel 6 and 1 Chronicles 13, 15-16
Reviewed by Terrance A. Clarke

Eric A. Seibert
Subversive Scribes and the Solomonic Narrative: A Rereading of 1 Kings 1-11
Reviewed by Ralph K. Hawkins


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Terremoto in Abruzzo: 6 aprile 2009

Eu estava em Roma no dia 6 de maio de 1976, quando um terremoto de 6,5 graus na escala Richter atingiu o Friuli, na costa nordeste italiana, matando quase mil pessoas e deixando em torno de 70 mil desabrigados.

O que mais me impressionou naquela ocasião foi a comoção que inicialmente tomou conta de todos nós, seguido pela percepção de que todos os recursos disponíveis no país convergiam rapidamente para a área da tragédia.

Hoje vejo por todo lado – na TV, na Internet, nos jornais – as manchetes, as fotos e os relatos do terremoto desta madrugada na região de Abruzzo, com trágicas consequências, e a lembrança daquela experiência de 1976, para mim inédita, volta com força…

Leia sobre o terremoto, em português, aqui e aqui. E veja as muitas fotos, vídeos e informações, em italiano, no Corriere della Sera, em Terremoto in Abruzzo.

Deixo registrada, neste modesto espaço, minha solidariedade aos colegas italianos.

Terremoto in Abruzzo – Corriere della Sera: 07 aprile 2009

Abruzzo in ginocchio – Corriere della Sera: 08 aprile 2009

A importância da Bíblia na luta pela humanização

O Evangelho, o homem, a religião. Artigo de Enzo Bianchi

Artigo do monge fundador e prior da Comunidade Monástica de Bose, na Itália, Enzo Bianchi, publicado no jornal La Stampa em 03/04/2009 e reproduzido por IHU On-Line de 04/04/2009.

 

Na situação atual, muitos esperam um cristianismo vivido segundo o paradigma da religião forte e encarnado em minorias ativas e eficazes, capazes de assegurar identidades e visibilidades que se impõem, porque pensadas em uma estratégia defensiva e de concorrência. Para mim, considero que apenas vivendo a diferença cristã na companhia dos homens pode-se introduzir uma dinâmica que abale a indiferença à fé cristã e às suas exigências próprias também a muitos falsos católicos.

Acredito que, em vista de uma recuperação do primado da fé, da espera pelas coisas últimas e por uma arte da comunicação autêntica, ainda são indispensáveis a leitura e o conhecimento do Evangelho entre aqueles que compõem a comunidade cristã.

De fato, se é verdade que o cristianismo não é uma religião do Livro, é também verdade que só o Evangelho permite o conhecimento de Jesus Cristo, centro e coração do cristianismo. “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”, afirmava São Girolamo, retomado não por acaso pelo Concílio Vaticano II.

Que figura de cristão pode emergir sem um conhecimento direto de Jesus Cristo e da sua humanidade exemplar como a que pode vir da leitura e da familiaridade com os Evangelhos? Como um cristianismo em que o Evangelho não inspira a vida, a esperança e a linguagem dos fiéis conseguirá não se tornar ritual, devocional e se reduzir a um fato cultural ou social, ou até mesmo um fenômeno folclórico ou supersticioso? Só com a leitura pessoal e direta da Bíblia – e, em primeiro lugar, dos Evangelhos – o cristão pode nutrir a sua fé e robustecer a sua capacidade de testemunhá-la.

Nesse sentido, seria portanto desejável um percurso de sério aprofundamento na comunidade cristã que leve em consideração, em síntese, duas exigências. A primeira é a de colocar o acento no Evangelho, sobre o texto que o Concílio quis e soube devolver nas mãos dos católicos na sua inteireza e riqueza depois de séculos de exílio da Escritura da catequese e da pregação: alguns se admiram, outros lamentam frente ao dado que nem um quinto dos italianos afirma ter lido os quatro Evangelhos.

Como é possível, sem conhecer o Evangelho, conhecer Jesus Cristo e senti-lo como Senhor? Como se pode compreender a sua humanidade exemplar para nós, homens, o ser feito homem de Deus “para nos ensinar a viver como homens neste mundo”, segundo a expressão de São Paulo? Como perceber que o objetivo da humanização de Deus é a autêntica humanização do homem?

A segunda exigência é a escuta da humanidade de hoje, homens e mulheres: uma escuta que deve ocorrer por meio da emergência da dimensão antropológica. Sim, ao manter juntos o Evangelho e o homem, a fé e a dimensão antropológica, está em jogo o futuro da fé cristã. Se houve e se há um fracasso, é o da transmissão, da “tradição” da fé, mas o antídoto consiste apenas no restabelecer o primado do Evangelho e da escuta do humano.

Em um período em que tudo é colocado em discussão – a concepção da relação com o próprio corpo, com o outro sexo, com o sofrimento, com o tempo, com a natureza… – é preciso elaborar respostas de sabedoria que digam o que é o ser humano e como ele pode se humanizar por meio de uma qualidade de vida pessoal e de convivência.

A religião precisa do exercício da razão para não cair em formas paganizadoras, mágicas ou supersticiosas, mas também precisa que esse exercício racional ocorra não sem os outros, mas com os outros, todos habitantes da mesma pólis. Juntos, cristãos e não cristãos, devemos nos colocar a questão antropológica: o que é o homem? Para onde ele vai? Como pode viver em uma sociedade que luta contra a barbárie e em favor da humanização?

Das respostas que cada um souber dar, obtendo-as do próprio patrimônio espiritual, depende certamente o nosso futuro, mas também, já hoje, a qualidade da nossa vida pessoal e da convivência civil.

Marx e os problemas do século XXI

Carta Maior lança debate: o Marxismo e o Século XXI
A Carta Maior lança a partir de hoje [01/04/2009] um seminário virtual sobre a obra de Karl Marx e os problemas que afetam a humanidade neste início do século XXI. Diante da grave crise econômica, política e social, decorrente das políticas do modelo neoliberal implementado nas últimas décadas no mundo, o pensamento do autor alemão voltou à ordem do dia. A nova editoria terá a curadoria do professor Francisco de Oliveira, que escreverá e convidará, mensalmente, intelectuais para abordar o tema num debate que se estenderá até o final do ano e procurará oferecer respostas à pergunta: o que Marx tem a dizer sobre os problemas do século XXI?

 

O marxismo seguramente foi a doutrina mais importante do século XX, no amplo sentido de um “campo” (Bourdieu) ou ainda no sentido de ideologia (Gramsci) e não no dos próprios Marx e Engels.(como doutrina dominante da classe dominante.) A tal ponto que se pode dizer que o século XX foi o século do marxismo.

A partir das formulações originais da dupla Marx-Engels, o marxismo foi se constituindo numa concepção de história, numa visão de mundo, numa prática de luta, numa política, diretamente na crítica ao capitalismo, seu inimigo figadal. Desde o século XIX, formações partidárias nitidamente operárias criaram-se inspiradas nas idéias da dupla, tais como o prestigioso Partido Social-Democrata alemão, do qual o próprio Engels foi militante e dirigente, e o Partido Socialista Operário Espanhol. Todos os demais partidos de origem operária na Europa Ocidental, e mesmo na Índia, tinham o marxismo como sua orientação teórico-prática mais consistente.

Deve-se dizer, sem apologia acrítica, que esse vasto campo construiu-se cheio de contradições, que fizeram sua riqueza, até que a mão pesada do Partido Bolchevique, vitorioso na Revolução de 1917, em seguida Partido Comunista da URSS, converteu o marxismo num dogma, e matou, em grande medida, sua capacidade criadora, que requer, antes de tudo, sua própria autocrítica. O marxismo havia chegado à Rússia pelas mãos de teóricos do calibre de Plekhanov, e deu origem imediatamente a um movimento político que tomou explicitamente a forma de partido lutando pela Revolução e pelo poder, com seus dirigentes que se transformaram em condotiere mundiais, Lênin e Trotsky, para citar apenas estes.

Karl Marx (1818-1883)Todos os partidos de origem operária o tinham como sua referência principal, salvo, talvez, e ironicamente, o Partido Trabalhista britânico onde o fabianismo e a rejeição à revolução logo dominaram a cena trabalhista inglesa, na contramão de Marx que havia pensado que o crescimento do operariado faria aparecer um pensamento e uma prática revolucionárias. Mas nunca deixou de haver não só uma fração de trabalhistas ingleses marxistas, como uma tradição teórica sobretudo na área da História, como o prova até hoje, Hobsbawm, e ontem, Laski, na teoria política. Mas a contribuição do velho Labour para a formação das políticas do Estado do Bem-Estar talvez tenha sido a mais importante. Esse vasto movimento chegou até às ex-colônias. O Brasil conheceu a formação de seu Partido Comunista já em 1922.

Mesmo refluindo das posições revolucionárias, os partidos de origem social-democrata mais que influenciar, de fato, inseriram as lutas sociais para sempre na política. Todo o vasto movimento do Estado do Bem-Estar radicou na capacidade de operação dos partidos de origem operária, a socialização da política a que aludia Gramsci, o que elevou o nível de vida nos países do Ocidente capitalista a níveis que deixaram o programa inicial de Lênin como mero exercício teórico. Aliás, o “pequeno grande sardo” é um dos marxistas mais originais e criativos, que contribuiu poderosamente para que o próprio marxismo entendesse e explicasse as democracias ocidentais.

Recusando-se a fazer da política uma dedução da economia – o que, infelizmente, ocorre hoje – Gramsci, nos cárceres do fascismo mussolinista, deu as diretrizes que tornaram o então Partido Comunista Italiano o mais original e o mais capacitado a dirigir a nova Itália democrática. Aqui, mais uma vez, a história pregou uma peça: o progresso italiano, de que o partido de Gramsci foi o avalista em parceria – o “compromisso histórico” – com os cristãos do Partido da Democracia Cristã, terminou por solapar as bases sociais de ambos, e o PCI mergulhou numa longa decadência da qual há apenas vestígios em meio às ruínas das grandezas de Roma.

Mas o marxismo carrega nas costas o pesado fardo do estalinismo e do terror soviético, sem que os marxistas tenham, até hoje, revelado a capacidade de explicar, marxisticamente, a tragédia em que desembocou a revolução mais radical da era moderna. Não é suficiente a explicação materialista-vulgar de que todas as grandes revoluções comeram seus próprios filhos; tampouco justificar a cruel ditadura do georgiano – que na verdade já se ensaiava sob Lenin – pelas realizações técnico-científicas da ex-URSS: todos os marxistas nunca deveriam esquecer a lição do próprio Marx e dos frankfurtianos de que “progresso e barbárie” sempre formaram na história universal uma terrível unidade.

A partir de certo momento, ficou muito evidente que o “marxismo soviético” (a expressão é de Marcuse) não era outra coisa senão uma doutrina de grande potência arrogantemente usurpadora das tradições marxistas. Mesmo a crítica trotkysta, que cedo viu a “degeneração burocrática” do Partido, e a também ainda mais precoce crítica de Rosa Luxemburgo, junto com a postura de Kautsky, não foram suficientes – nem o poderiam ser, já que o terror estalinista mal havia mostrado suas garras já sob a criação da temível e terrível Cheka sob Lênin.

Nos fins do século que acabou, talvez nas pegadas da explicação de Perry Anderson para o que ele chamou de “marxismo ocidental”, a combinação da desestruturação produtiva, com a revolução técnico-científica e paradoxalmente o próprio progresso levado a cabo pelo Estado do Bem-Estar desbarataram a própria classe operária e seus partidos social-democratas e comunistas; o “marxismo ocidental” descolou a reflexão teórica da perspectiva revolucionária. Deixou de influenciar a política e, pois, a luta de classe organizada, e refugiou-se nos trabalhos acadêmico-científicos. Mesmo assim, na universidade, que apenas durante um curto período – uns 40 anos , se tanto – abriu-se para o marxismo, o movimento também refluiu.

Mas, surpreendentemente, a força criadora do marxismo abriu novas fronteiras , mesmo em terrenos que lhe eram anteriormente hostis e com os quais, ele mesmo, teve relações conflitivas e lhes dirigiu anátemas dogmáticos. É o caso das religiões- antes o “ópio do povo”, da psicanálise ,-uma ciência do inconsciente da justificação burguesa dos seus próprios crimes -, da própria literatura (nos caminhos já originalmente pensados por Lukacs), na critica da cultura e da modernidade – os frankfurtianos – da hegemonia norte-americana, Gramsci e seu “americanismo e fordismo”. Esses terrenos todos foram imensamente fecundados pelo marxismo, que lhes ampliou os horizontes.

A pergunta que essa curadoria quer fazer é direta: e o século XXI e no século XXI ? O que o marxismo pode vir a ser, o que o marxismo tem a dizer? O século abriu-se com a maior crise econômica, mundial, global, desde os dias da Grande Depressão de Trinta. Mesmo sobre esta, o que o marxismo disse “no calor da hora” não honrou muito as tradições da economia política marxista, que é seu terreno e sua certidão de nascimento. Economistas como Ievguin Varga passaram a certidão de óbito do capitalismo na crise de 1929. E agora, que crise é esta? François Chesnais tem dado orientações teóricas muito férteis, sobre a transição para um regime de acumulação à dominância financeira. E que mais ?

Não há marxismo sem marxistas; estes não são muitos, hoje, no Ocidente. No Brasil, às vezes tem-se a impressão de que o marxismo floresce sobretudo na universidade, na área de humanas, e ilumina muitos nichos da crítica. Mas nos partidos de esquerda, o marxismo é quase sempre um indesejado e no operariado ele é mais, é desconhecido. Operariado aliás, hoje multifacetado, reduzido nos locais produtivos, abundante nos locais de serviço, milhões nos trabalhos informais, uma grande classe não-classe. Será possível combinar reflexão criadora, novas interpretações do mundo, descoladas do trabalho?

As explorações sobre essas intrigantes questões não se farão com um marxismo ensimesmado, sectário e doutrinário; mas não se trata de proclamar um ecletismo despolitizado: as interrogações partem da tomada de posição de que o marxismo pode ainda alimentar as lutas pela transformação social e política, senão com a transcendência e abrangência mostradas no século XX, pelo menos com uma postura crítica que não se deixará seduzir nem pelo apocalipse nem pelo conformismo. Em suma, um marxismo dialógico e dialético.

Leia Mais:
A Sociologia Marxista (um dos itens de meu texto O Discurso Sócio-Antropológico: Origem e Desenvolvimento)