Morreu Alan Segal

No dia 13 próximo passado, faleceu prematuramente Alan F. Segal, conhecido especialista norte-americano em Judaísmo Antigo e Origens Cristãs. Vi a notícia hoje, no NT Blog de Mark Goodacre.

Em 4 Enoch, leio:

American Professor, and friend of the Enoch Seminar, Alan F. Segal (1945-2011) passed away on Feb 13. His premature death is very sad news for all those who had the privilege of knowing him, and a great loss for the entire community of specialists in Second Temple Judaism and Christian Origins. Our thoughts are with his family. May his memory be a blessing.

J. Alberto Soggin: 1926-2010

Morreu na quarta-feira, 27 de outubro de 2010, um dos mais interessantes professores com quem estudei no Pontifício Instituto Bíblico de Roma: J. Alberto Soggin.

Possuidor de uma enorme cultura, ele era um brilhante estudioso da Bíblia. Com ele trabalhei temas como as tradições patriarcais no Gênesis e os Cantos do Servo de Iahweh no Dêutero-Isaías.

No site do PIB, leio:

Prof. Alberto SOGGIN (1926-2010)

Il 27 ottobre 2010 è deceduto a Roma all’età di 84 anni, il Prof. Alberto SOGGIN, pastore della chiesa valdese.

Professore di Antico Testamento alla Facoltà Valdese di Teologia di Roma e di lingua e letteratura ebraica all’Università di Roma «La Sapienza», era stato professore invitato all’Istituto Biblico dal 1970 al 1999.

Aveva concluso la sua collaborazione con l’Istituto il 13 novembre 1999 con una conferenza pubblica (https://www.biblico.it/doc-vari/conferenza_soggin.html). In quella occasione il Decano della Facoltà Biblica, P. Stephen Pisano, presentò la collaborazione del prof. Soggin con il Biblico con queste parole:

Il Professore Soggin ha cominciato la sua collaborazione con noi nel 1970-71 con un corso sull’Introduzione al Pentateuco. E da quel momento, fino all’anno accademico scorso [1998-99], ha insegnato ben 27 corsi semestrali all’Istituto. Se si guardano i titoli dei vari corsi si può avere un’idea della grande varietà dei suoi interessi accademici, sempre nel campo dell’esegesi dell’Antico Testamento e della Storia d’Israele. Fra i suoi corsi tenuti al Biblico si trovano: «Le tradizioni su Abramo», «Introduzione ai Profeti d’Israele prima dell’Esilio», «Osservazioni sui testi del Servo di Jahwe nel Deutero- e nel Trito-Isaia», «Introduzione alle origini d’Israele», «Esegesi del libro dei Giudici», «Il profeta Amos» solo per menzionare alcuni dei temi trattati da lui in questi ultimi quasi trent’anni.

La sua gentile e competente collaborazione non si è però fermata solo al livello dell’insegnamento. Ha sempre partecipato attivamente alla vita accademica e sociale dell’Istituto. È stato uno dei più fedeli partecipanti al raduno annuale dei professori alla fine di quasi ogni anno accademico, e la sua presenza lì, spesso accompagnata dalla gentile Signora Soggin, ci ha dato l’occasione di uno scambio professionale e fraterno. La sua presenza tra noi e questo scambio hanno sempre significato per l’Istituto anche un contatto e un dialogo con la grande tradizione valdese.

Leia mais sobre Soggin no biblioblog de John F. Hobbins, que conviveu com ele bem mais do que eu: In Memoriam Jan Alberto Soggin (1926-2010). E no blog de Jim West: J. Alberto Soggin has Died e The Memorial Service for Jan Alberto Soggin.

Veja uma lista de algumas das publicações de J. Alberto Soggin aqui.

O biblista Carlos Mesters está se recuperando

Frei Carlos Mesters está se recuperando

Depois de se submeter a tratamento quimioterápico, frei Carlos Mesters, fundador do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), recupera-se, informou o teólogo e biblista Francisco Orofino.

“Neste último tempo estivemos numa ampla vigília de orações acompanhando a saúde de frei Carlos”. A razão da preocupação era “a fragilidade de seu quadro clínico bem como a dureza do tratamento quimioterápico”. Frei Carlos fez uma sessão de quimioterapia na última semana de julho. No início de agosto fez novos exames. “Diante do quadro atual, o médico receitou uma sexta e última sessão de quimioterapia para a última semana de agosto. Ao que tudo indica, o tumor está desaparecendo”, informou Orofino. Frei Carlos, que se recupera em São Paulo, poderá retornar às atividades “na medida do possível”, segundo prescrição médica. Orofino dirigiu-se a todos os integrantes do CEBI assinalando que “tudo isto é motivo para nos alegrarmos e também para elevarmos nossas preces agradecidas a Deus, Mãe e Pai da Vida Plena, que nos cura e regenera, que nos anima e renova nossas forças”. Ele agradeceu a todos e todas pelo apoio dado a Mesters neste tempo de provação e de cura.

 

Morreu o escritor José Saramago (1922-2010)

Ganhador do Nobel de Literatura de 1998, Saramago morreu nesta sexta-feira, 18 de junho de 2010, em sua casa em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde morava com sua mulher, a espanhola Pilar del Río.

Na página da Fundação José Saramago, li:
Hoje, sexta-feira, 18 de Junho, José Saramago faleceu às 12.30 horas na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila – Fundação José Saramago: 18 de Junho de 2010.

Hoy viernes 18 de Junio, José Saramago ha fallecido a las 12:30 horas en su domicilio de Lanzarote, a los 87 años de edad, a consecuencia de un fallo multiorgánico después de una larga enfermedad. El escritor murió acompañado de su familia, despidiéndose de una forma serena y plácida – Fundación José Saramago: 18 de junio de 2010.

“É urgente voltar à filosofia e à reflexão”
É a melhor despedida que um escritor pode ter. Leitores e amigos de todos os cantos do mundo fazem suas homenagens, compartilhando a certeza de haverá sempre muito para ler e reler. E reler, como ensinou José Saramago, é uma das armas para enfrentar a presença e o avanço da barbárie no mundo. A melhor maneira de homenagear Saramago e honrar o seu legado é mantendo suas palavras vivas, circulando pelo mundo. É essa a homenagem que a Carta Maior quer prestar neste momento, dedicando o editorial desta semana à palavra e ao exemplo de vida deixado pelo escritor português (Editorial – Carta Maior: 18/06/2010)

:: José Saramago: El escritor que nunca se escondió – El País.com: 18/06/2010

:: Morre aos 87 anos o escritor português José Saramago – Folha.com: 18/06/2010

:: José Saramago (1922-2010) – Especial da Folha.com

:: O Caderno de Saramago segundo o Times

:: O blog vai iluminando o caminho do seu autor. É essa a sua virtude, diz Saramago

:: Veja todos os livros publicados por Saramago – Folha.com: 18/06/2010 – 11h10

:: Conheça livros de José Saramago (1922-2010) publicados no Brasil – Folha.com: 18/06/2010 – 9h44

:: Portugueses lamentam morte do “único Nobel” – Folha.com: 18/06/2010 – 12h55

:: Saramago conseguiu a proeza de ser um grande romancista moderno – Leyla Perrone-Moisés – Especial para a Folha: 19/06/2010 – 06h49

Morreu o biblista Erich Zenger

O professor Erich Zenger, nascido em 5 de julho de 1939, faleceu no domingo passado, 4 de abril de 2010, aos 70 anos de idade.

Erich Zenger, renomado exegeta católico alemão, especialista em Antigo Testamento, lecionava na Universidade de Münster (Westfälische Wilhelms-Universität Münster), Alemanha.

Conhecido também por seu diálogo com o judaísmo, este exegeta tem um de seus livros mais populares traduzido no Brasil:

ZENGER, E. et al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, 560 p. – ISBN 9788515023288.

Costumo indicar este livro como bibliografia básica em minha Introdução à S. Escritura, disciplina que leciono no Primeiro Ano de Teologia.

Por enquanto, só encontrei a notícia em alemão. Assim, leio na página da Universidade de Münster:

Prof. Dr. Erich Zenger gestorben
Der Exzellenzcluster „Religion und Politik“ trauert um sein aktives Mitglied Prof. Dr. Erich Zenger, dessen inspirierende und engagierte Mitarbeit uns allen unvergesslich bleiben wird. Erich Zenger gehörte schon zu der kleinen Gruppe von Wissenschaftlern, die unseren Antrag vor den internationalen Gutachtern in Bonn vertraten. Obgleich bereits emeritiert, nützte uns sein wissenschaftliches Renommee wie sein Engagement, mit dem er stets auch persönlich beeindruckte. Der Exzellenzcluster fühlt sich seiner Art, Wissenschaft zu betreiben und zugleich den Dialog mit der Öffentlichkeit zu suchen, aufs Tiefste verbunden.
Gerd Althoff, Sprecher

E o comunicado da Universidade de Münster à imprensa:

Angefügt die Pressemitteilung der Universitätspressestelle der WWU Münster vom 5. April 2010:
“Prof. Dr. Erich Zenger, einer der renommiertesten alttestamentlichen Bibelwissenschaftler im deutschsprachigen Raum, ist am Oster-Wochenende im Alter von 70 Jahren verstorben. Der Wissenschaftler der Universität Münster hat sich insbesondere um den christlich-jüdischen Dialog verdient gemacht. Im vergangenen Jahr erhielt er dafür die Buber-Rosenzweig-Medaille. Der Deutsche Koordinierungsrat (DKR) der Gesellschaften für Christlich-Jüdische Zusammenarbeit würdigte mit der Verleihung seine ‘jahrzehntelangen Verdienste’.

Hervorgetreten ist Prof. Zenger unter anderem durch seine Arbeiten am Psalmenbuch. Seine ‘Einführung in das Alte Testament’ gilt als Standardwerk der Bibelwissenschaften. Der Theologe war Mitglied im Gesprächskreis ‘Juden und Christen’ beim Zentralkomitee der Deutschen Katholiken und in der Arbeitsgruppe ‘Fragen des Judentums’ der Deutschen Bischofskonferenz. Mit seinen wissenschaftlichen Arbeiten zum hebräischen Teil der Bibel habe er weit über den katholischen Raum hinaus ‘bleibende und zukunftsweisende Perspektiven eröffnet und kräftige Impulse gegeben’ habe. Zenger stehe auch überkonfessionell ‘für den Weg der Erneuerung der Christen in ihrem Verhältnis zu den Juden’, so der DKR.

Erich Zenger wurde am 5. Juli 1939 geboren. Er studierte Katholische Theologie und Altorientalische Sprachen in Rom – wo er 1964 zum Priester geweiht wurde -, Jerusalem, Heidelberg, Münster und Würzburg. 1971 wurde er in Würzburg promoviert und 1972 an die kirchliche Theologische Hochschule in Bayern berufen. Von 1973 bis zu seiner Emeritierung 2004 leitete er das Seminar für Zeit- und Religionsgeschichte des Alten Testaments der Universität Münster. Im Laufe dieser Jahre engagierte er sich in zahlreichen Gremien der akademischen Selbstverwaltung. Auch nach seiner Emeritierung wirkte er an Forschungsprojekten, zum Beispiel dem DFG-Projekt ‘Wissenschaftlicher Kommentar zum Buch der Psalmen’ mit”.

Leio também o que saiu em alguns jornais alemães, a partir da agência de notícias ddp:
Der Münsteraner Theologe Erich Zenger ist tot. Er starb am Osterwochenende im Alter von 70 Jahren, wie eine Sprecherin der Universität Münster mitteilte. Zenger galt als einer der renommiertesten alttestamentlichen Bibelwissenschaftler im deutschsprachigen Raum. Er hatte sich vor allem um den christlich-jüdischen Dialog verdient gemacht. Im vergangenen Jahr erhielt er dafür die Buber-Rosenzweig-Medaille. Zengers “Einführung in das Alte Testament” gilt als Standardwerk der Bibelwissenschaften. Der Theologe war Mitglied im Gesprächskreis Juden und Christen beim Zentralkomitee der Deutschen Katholiken und in der Arbeitsgruppe Fragen des Judentums der Deutschen Bischofskonferenz (ddp – Deutscher Depeschendienst)

Ou, também em alemão:
Erich Zenger (* 5. Juli 1939 in Dollnstein; † 4. April 2010 in Münster[1]) war ein römisch-katholischer Theologe und Universitätsprofessor. Er war einer der bedeutenden alttestamentlichen Bibelwissenschaftler unserer Zeit, der sich insbesondere um den jüdisch-christlichen Dialog verdient gemacht hat. In den vergangenen Jahren ist Zenger vor allem durch seine Arbeiten am Psalmenbuch hervorgetreten. Seine „Einleitung in das Alte Testament“ gilt als Standardwerk der Bibelwissenschaften (Wikipedia: Erich Zenger)

Leia também no blog de Jim West, Zwinglius Redivivus, o post, de hoje, Very Sad News: The Death of Erich Zenger.

Dom Oscar Romero

O arcebispo de San Salvador, Dom Oscar Arnulfo Romero, foi assassinado em 24 de março de 1980.

Oscar Romero, um sinal de Deus para nosso tempo. Um depoimento de Luiz Carlos Susin

O Frei Luiz Carlos Susin está, neste momento, em El Salvador, onde participa do Simpósio “A los 30 años del martírio de Monseñor Romero: conversión y esperanza”. De lá, ele enviou, por e-mail, o artigo a seguir, publicado com exclusividade pela IHU On-Line. No texto, Frei Susin relembra momentos da vida de Dom Romero, assim rememora as causas da sua morte violenta. O legado do pensamento e da luta de Dom Romero também está presentes no depoimento. “De modo especial a juventude que nem mesmo o conheceu, e as crianças que intuem nele um pai a quem admirar, estão mobilizados para esta memória de trinta anos. Não porque a Igreja tenha instrumentos institucionais para mobilização, mas por causa desta identificação entre o bom pastor e este povo que conheceu a violência e ainda conhece formas sociais de injustiças”, destacou.

Luiz Carlos Susin é frei capuchinho, mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália. Leciona na PUC-RS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF), em Porto Alegre. É autor de inúmeras obras, dentre as quais citamos “Teologia para outro mundo possível” (Paulinas, 2006).

Confira o depoimento.

Nesse dia 24 de março, por diferentes partes do mundo irá percorrer a memória da morte violenta de Dom Oscar Arnulfo Romero há precisamente 30 anos, em 24 de março de 1980. Enquanto muitos olhares se voltam para San Salvador, a capital do pequeno país de El Salvador, na costa do Pacífico da América Central, ter o privilégio de estar aqui, junto a grupos dos diversos continentes que chegam reverentes, e olhar in loco o significado desta memória trinta anos depois é comovente porque é surpreendente: este povo não seria o que agora é se Dom Oscar Romero não tivesse sido, naqueles anos difíceis, o arcebispo que tomou a defesa do povo em meio ao fogo cruzado entre as forças violentas do Estado e a guerrilha que lutava por outra ordem pública. O próprio Dom Romero, em sua grande sensibilidade, tinha dito que “com este povo não é difícil ser um bom pastor!”

E, de fato, ver gente do povo, famílias inteiras, chegar até a cripta da catedral onde repousam os restos mortais de Dom Romero ou então aos lugares de seu martírio, na pequena casa em que morou ou na capela do “hospitalito” em que foi abatido durante a celebração de uma Eucaristia na manhã da segunda-feira após um domingo de sermão indignado e recheado de “não matarás!”, pode-se ver o quanto este povo salvadorenho tenha sentido nele uma identificação e um amparo que, trinta anos depois, só fez crescer essa aliança pelo bem e pela paz. Quando Dom Romero disse, sabendo que seu assassinato seria questão de pouco tempo, que se o matassem ele ressuscitaria no povo salvadorenho, dizia uma convicção de fé que hoje podemos ver desbordar nessa cidade de San Salvador.

A Juventude el salvadorenha e Dom Romero

De modo especial a juventude que nem mesmo o conheceu, e as crianças que intuem nele um pai a quem admirar, estão mobilizados para esta memória de trinta anos. Não porque a Igreja tenha instrumentos institucionais para mobilização, mas por causa desta identificação entre o bom pastor e este povo que conheceu a violência e ainda conhece formas sociais de injustiças. É bem verdade que, depois que o partido do próprio mandante do assassinato de Dom Romero, o major Roberto D’Aubuisson, perdeu a presidência do país, ainda que detenha a maioria do parlamento e o poder da imprensa e do empresariado mais importante, agora é o próprio novo presidente de El Salvador, casado com uma brasileira que conheceu as Comunidades Eclesiais de Base no Brasil, que se adianta e ele mesmo e seu governo organizam parte das festas em memória de Dom Oscar, algo absolutamente novo, que cria maior espaço para que se realize o que o arcebispo queria: justiça e vida digna para o povo que sofria abusos por parte das elites ricas e poderosas e das forças militares que a apoiavam. Não que ele concordasse com a violência da guerrilha, pois sabia que ela resultava da própria violência institucional e ficava presa à roda da violência da qual a maior vítima, inocente, era a população. A Comissão da Verdade, criada pelas Nações Unidas, apurou que cinco por cento dos atos de violência foram cometidos pela guerrilha enquanto oitenta e cindo por cento dos assassinatos foram cometidos pelo Exército e esquadrões da morte, apoiados financeiramente pelos Estados Unidos. Essa desproporção fala alto. (E cá entre nós, brasileiros: talvez seja esta a razão para tanta obstrução a que se crie uma Comissão da Verdade no Brasil.)

Uma luta sem fim

Mas Dom Romero, ainda que sempre tenha demonstrado sensibilidade e compaixão para com os pobres, e piedade e retidão para com a sua fé e a ética consequente, somente com as circunstâncias dolorosas caiu em si diante da realidade social conflitante e injusta e a decisão difícil a tomar: a perigosa defesa do povo, pela qual iria morrer. Ele tinha sido deslocado de uma diocese interiorana para a capital a fim de acalmar a inquietação de movimentos dentro da Igreja: alguns padres, algumas comunidades, a direção da universidade dos jesuítas. Veio para a capital como um “conservador”, assim se dizia na época. Foram a tortura e a morte violenta de um jovem jesuíta, Rutílio Grande, seguida de outros sacerdotes da diocese e do país, que fizeram Dom Oscar chorar e se indignar. Começou a comparecer a todo lugar de violência e de cadáveres a sepultar, e a preparar com força profética única suas homilias dominicais, que eram escutadas não só com catedral lotada mas em todo o país através do rádio. Hoje, estas homilias estão disponíveis tanto em uma apurada edição crítica como em CD, pois, por questão de verdade, foram todas escritas e gravadas, assim como ele deixou gravado algo como um “diário” diante da iminência contínua de violência a ele mesmo. Hoje são fontes preciosas para conhecer tanto a grandeza de alma e a sabedoria de um grande pastor caminhando em meio a um rebanho ferido como para conhecer uma época tremenda da história não só de El Salvador, mas da América Latina em geral.

Dom Oscar foi “crescendo” ao mesmo tempo em sabedoria e ternura junto com a indignação e a força profética de sua presença e palavra. Pagou o preço de solidão entre seus pares no episcopado do país, com pouco apoio, e inclusive desconfianças de Roma. Mas ganhou amizade e apoio de muitos bispos que já eram experimentados em situações parecidas pela América Latina. No entanto, foram o povo e o clero de San Salvador que o sustentaram enquanto ele se fazia “voz dos que não tem voz”. Depois de sua morte ainda muito sangue inocente foi derramado por El Salvador, sobretudo de militantes cristãos, de catequistas e evangelizadores, e inclusive massacres de centenas de pessoas – três massacres, de 600 a 800 pessoas cada, em aldeias que foram inteiramente devastadas pela violência militar e paramilitar. Outros sacerdotes e finalmente, em novembro de 1989, a comunidade jesuíta da Universidade Centroamericana inteira, seis padres, tiveram a mesma sorte numa noite de terror nesta casa em que estou escrevendo. Dom Romero tinha chegado a afirmar que se alegrava que sacerdotes estavam sofrendo o mesmo destino do povo, e, embora não escondesse a inquietação do medo da tortura, sabia certo que teria também ele o mesmo destino. Só assim a Igreja testemunhava que estava realmente identificada com o povo de Deus. A maioria desses padres, como Dom Oscar, deixou o testemunho de um perdão pessoal junto á exigência de justiça para o povo, e isso deixou marcas na capacidade de cura e de reconciliação de El Salvador.

Dom Romero vive no coração e na memória do povo

Hoje, resta uma ferida grave: a delinquência, sobretudo juvenil e adolescente, as “pandillas” de periferia, entre os pobres e os desocupados. E a tendência das elites impenitentes a tratar inclusive menores com dureza crescente sem reconhecer as causas da atual violência, as causas que são o pecado original de sempre: a apropriação e o enriquecimento de poucos junto à pobreza sem saída da maioria. Em meio a isso, as figuras de Dom Oscar e dos tantos mártires recentes de El Salvador são um contraponto de esperança e de generosidade absoluta, a generosidade da vida doada até à morte, que cria uma lógica de busca de justiça e dignidade em meio aos problemas e sofrimentos que ainda persistem. Nesses dias os jovens, inclusive certamente alguns metidos em “pandillas”, vão liderar uma multidão de povo que vai sair de diferentes pontos da capital para se concentrar e passar uma noite em vigília diante da catedral que guarda os restos mortais de um grande pai da nação, e vão se sentir família. Na cripta, apesar do belo monumento em bronze com o manto dos quatro evangelhos que orientaram as falas fortes do arcebispo, o povo insiste em colocar suas flores, seus símbolos simples e carregados de afeto. Realmente, Dom Oscar Romero vive no coração e na memória do povo de El Salvador.

E vive também na memória da Igreja latinoamericana, que o reverencia nessa data como voz dos povos ainda submetidos. A Igreja primaz dos anglicanos, em Westminster, já o “canonizou” colocando sua imagem ao lado de Martin Luther King e de Bonnhöffer no nicho dos mártires do século XX. Na África, um bispo congolês, morto ao socorrer o povo em meio ao conflito genocida de Ruanda e Burundi na fronteira do Congo, é conhecido por lá como “o Dom Romeiro da África”! E grupos em peregrinação, vindos dos Estados Unidos, do Canadá, dos diversos países da Europa além dos latino-americanos, de variadas denominações cristãos, vem ecumenicamente, como veio o grande teólogo Jürgen Moltmann, prestar homenagem a um grande profeta e mártir de nosso tempo.

Fonte: Notícias: IHU On-Line: 24/03/2010

Leia Mais:
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Dom Oscar Romero e sua canonização para a América Latina
Santo Oscar Romero, o martírio da fé pela opressão politiqueira

Morreu o teólogo Edward Schillebeeckx

Edward Schillebeeckx (1914-2009), um dos maiores teólogos do século XX

Faleceu nesta quarta-feira, 23/12/2009, em Nijmegen, Holanda, aos 95 anos de idade, o teólogo dominicano Edward Schillebeeckx. Conhecido internacionalmente, ele é seguramente um dos teólogos mais importantes do último século, não só pela amplidão e abrangência de sua obra e pela influência de seu pensamento, mas também por ter protagonizado um modo novo de fazer teologia: ele se distingue como um dos primeiros, senão o primeiro, [entre os] teólogos dogmáticos católicos do século XX a incorporar em sua teologia o resultado dos estudos bíblicos dos dois últimos séculos. Veja a seguir alguns dados biográficos elaborados por Cleusa Maria Andreatta.

Edward Schillebeeckx nasceu em 12 de novembro de 1914 em Antwerp, pequena cidade da Bélgica. Foi admitido na Ordem dos Dominicanos aos vinte anos. Após seu noviciado cursou filosofia em Ghent (entre 1935 e 1938) e teologia em Lovaina (entre 1939 e 1943). Foi ordenado sacerdote em agosto de 1941.

Devido a uma necessidade da Ordem Dominicana, Schillebeeckx foi direcionado para o ensino de teologia. Em função disso foi à Paris para se especializar em teologia na Faculdade Dominicana chamada Le Saulchoir , onde também frequentou a Universidade de Sorbonne, a Escola de Estudos Superiores e o Colégio da França, instituições estaduais de forte erudição. O período em Paris (1945 – 1946) ofereceu um amplo leque de possibilidades e estímulos intelectuais, que marcou profundamente seu trabalho teológico abrindo-lhe múltiplas perspectivas de reflexão.

Em 1947, retornou à Lovaina, onde assumiu a orientação espiritual de cerca de sessenta estudantes e foi professor de teologia até o ano de 1957. Como docente de teologia, ele ensinava desde a teologia da criação até a escatologia, incluindo teologia propedêutica, sacramentos e cristologia, num ciclo de estudos que cobria quatro anos. Além destas atividades publicava artigos e também era capelão de uma prisão local. Neste período se tornou conhecido no ambiente teológico pela publicação parcial de sua tese de teologia intitulada De sacrementele heilseconomie (A economia sacramental da salvação) , a qual teve importante repercussão na teologia holandesa e para a renovação da teologia dos sacramentos.

Em 1957 Schillebeeckx foi nomeado para a Universidade Católica de Nijmegen, na Holanda, para onde se mudou em janeiro de 1958 e onde viveu até os dias de hoje. Todo este período de sua vida se caracteriza por uma intensa atividade acadêmica e intelectual e se constitui na fase mais rica e criativa de seu pensamento. O ambiente universitário possibilitou-lhe o contato com um público bastante amplo e envolvimento efetivo no debate sobre as questões teológicas mais relevantes. Passou a lecionar prioritariamente para alunos de pós-graduação e a se dedicar intensamente à pesquisa.

Schillebeeckx marcou presença intensa na vida pastoral da Igreja da Holanda. Recebeu muitos convites para conferências, palestras e aulas como professor visitante em diferentes lugares da Europa e dos Estados Unidos. Em 1960 Schillebeeckx ajudou a fundar um novo jornal de teologia em – Tijdschrif voor Theologie (Jornal de Teologia) – do qual ele se tornou seu diretor chefe. Em 1965 ele foi membro fundador do Jornal Internacional de Teologia Concilium. Participou intensamente do Concílio Vaticano II na posição oficial de conselheiro teológico do Cardeal holandês Alfrink e através de várias conferências aos Bispos, com ampla participação dos mesmos ; além disso chegou a colaborar com os trabalhos do Concílio mesmo . Entre 1966 e 1967 ele visitou duas vezes os Estados Unidos, onde se confrontou com uma secularização mais radical e teve oportunidade de conhecer teólogos como A. Dulles, H. Cox, Mc Kenzie, C. Smith e diversas Universidades e estudantes. Estas experiências marcaram uma virada decisiva no seu pensamento, determinando o início de uma nova fase de seu pensamento.

O pensamento de Schillebeeckx ao longo desse período se desdobrou em torno a três centros de interesse temáticos: interesse pela secularização e a relação Igreja-Mundo -1958-1966; interesse hermenêutico-crítico – 1967 – 1971; interesse cristológico – 1972 – 1984. Tornou-se conhecido nos ambientes teológicos e eclesiais em escala mundial particularmente por suas duas volumosas obras de cristologia-soteriologia: Jesus, a história de um vivente (1974) e Cristo e os Cristãos (1977). Neste último período foram movidos pela Sagrada Congregação para Doutrina três processos de investigação sobre suas idéias (1968, 1976 e 1981). Todos eles foram concluídos sem nenhuma condenação de suas idéias, mas estes fatos revelam que desde os anos sessenta seu pensamento estava sob a suspeita de alguns setores da Igreja.

Ele se afastou da Universidade em setembro de 1982 e desde então continuou atuando na Igreja católica da Holanda e publicando suas pesquisas. Ele também continuou como editor da Revista Concilium.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 26/12/2009

 

Muere Edward Schillebeeckx, teólogo en la frontera

Nacido en 1914, fue una de las personalidades más influyentes en la renovación del cristianismo durante la segunda mitad del siglo XX.

El 23 de diciembre murió, a los 95 años, Edward Schillebeeckx, el teólogo católico más prestigioso del siglo XX, junto con Karl Rahner, y una de las personalidades más influyentes en la renovación del cristianismo durante toda la segunda mitad del siglo pasado. Ha sido protagonista en los momentos más importantes de la historia reciente de la teología, de la vida de la Iglesia holandesa y de la Iglesia católica.

Nació en 1914 en Amberes, metrópoli de la Bélgica flamenca en el seno de una familia muy religiosa de 14 hermanos. Hasta los 18 años estudió en un colegio de jesuitas, donde recibió una rigurosa formación basada en los clásicos. A los 19 años ingresó en la Orden de los Dominicos. ¿Qué es lo que le atrajo de la Orden dominicana por optar por ella como estilo de vida? Él mismo responde: la apertura al mundo, la dedicación al estudio, el trabajo de investigación y la teología centrada en la predicación. Y a fe que él mismo hizo realidad estas cuatro características en su vida religiosa, en su actividad intelectual y en su manera de estar en el mundo.

Tras el noviciado, estudió filosofía en Gante y teología en Lovaina con una orientación tomista clásica, que él renovaría durante los primeros años de docencia. Después de la Segunda Guerra Mundial fue a Francia para hacer el doctorado en Le Salchoir y estudiar en la Sorbona. En Salchoir se encontró con dos de los más prestigiosos teólogos dominicos: Marie-Dominique Chenu (1895-1990), sancionado entonces por el Santo Oficio, e Yves-Marie Mª Congar (1904-1995), igualmente sancionado en la década de los cincuenta del siglo pasado. En La Sorbona siguió las enseñanzas de los filósofos Le Senne, Lavelle, Wahl y Gilson.

De vuelta a Lovaina en 1947, inició su carrera docente en teología dogmática con el objetivo de renovar el pensamiento tomista, anclado en la más cerrada neoescolástica, y de abrirlo a las nuevas corrientes filosóficas. Los escritos de este periodo, que alcanza hasta principios de los sesenta, se caracterizan por el método histórico frente al dogmatismo de manual, entonces imperante, y por el perspectivismo gnoseológico, que buscaba una síntesis entre la fenomenología y el tomismo.

Teólogo de confianza del episcopado holandés, entonces progresista, fue su asesor en el Concilio Vaticano II y uno de los principales inspiradores -e incluso redactores- de sus documentos renovadores, especialmente en lo referente a la eclesiología y al diálogo de la Iglesia con el mundo. Es proverbial a este respecto su afirmación “Fuera del mundo no hay salvación”, que contrasta con el aforismo excluyente “Fuera de la Iglesia no hay salvación”. Para mantener el espíritu conciliar y desarrollar una teología en sintonía con los cambios profundos promovidos por el Vaticano II creó en 1965, junto con Congar, Rahner, Metz, Küng y otros teólogos progresistas la Revista Internacional de Teología Concilium, que todavía sigue editándose en ocho idiomas.

Fue asimismo uno de los principales redactores del polémico Catecismo holandés, que presentaba los grandes temas del cristianismo, -incluso los más conflictivos, como la doctrina del pecado original- con un estilo vibrante, un lenguaje moderno y en actitud de diálogo con las nuevas corrientes culturales.

A lo largo de su extenso magisterio teológico y de su amplia obra ha sido procesado tres veces por la Congregación de la Fe (antiguo Santo Oficio): en 1968, a propósito de algunos ensayos teológicos centrados en la secularización y el cristianismo; en 1979, por su libro Jesús. La historia de un Viviente, la mejor cristología del siglo XX; y en 1984 por su libro El ministerio eclesial, donde justificaba la presidencia de la eucaristía por parte de un ministro extraordinario no ordenado. De los tres salió ileso e incluso airoso. En las respectivas sesiones del juicio celebradas en el Vaticano logró desmontar las afirmaciones de sus inquisidores con brillante, argumental finura.

Schillebeeckx ha muerto y la sensación que tenemos los teólogos y las teólogas que nos movemos en su línea de hermenéutica crítica es de orfandad, sólo superada con la lectura de sus obras que seguirán iluminando el itinerario del cristianismo del siglo XXI por la senda del diálogo con las culturas de nuestro tiempo y del compromiso ético por la justicia, con el evangelio de Jesús de Nazaret como referente.

Fonte: El País – Por Juan José Tamayo: 25/12/2009