Faleceu Dom Arnaldo Ribeiro (1930 – 2009)

“A Arquidiocese de Ribeirão Preto com pesar, informa o falecimento nesta manhã, dia 15, às 8h30, no Hospital Madre Teresa, em Belo Horizonte, MG, do arcebispo emérito de Ribeirão Preto, Dom Arnaldo Ribeiro.

O corpo será velado em Belo Horizonte, MG, até a tarde de quarta-feira, dia 16 de dezembro, seguindo à noite para Ribeirão Preto. Da noite da quarta-feira, dia 16, até sexta-feira, dia 18, será velado na Catedral Metropolitana de São Sebastião, onde será celebrada a Missa de corpo presente, às 9 horas, seguido de sepultamento” (da página da Arquidiocese de Ribeirão Preto).

Dom Arnaldo foi nomeado arcebispo da Arquidiocese de Ribeirão Preto em 28 de dezembro de 1988, tendo tomado posse no dia 4 de março de 1989. Tornou-se emérito em 2006.

 

A nota da CNBB:
Morre dom Arnaldo Ribeiro, arcebispo emérito de Ribeirão Preto – 15/12/2009 11:40:18
Faleceu, às 8:30h da manhã de hoje, 15, de falência múltipla dos órgãos, no Hospital Madre Teresa, em Belo Horizonte (MG), o arcebispo emérito de Ribeirão Preto (SP), dom Arnaldo Ribeiro. O corpo será velado em Belo Horizonte, até a tarde de quarta-feira, 16, seguindo à noite para Ribeirão Preto. De quarta-feira, dia 16, até sexta-feira, dia 18, será velado na Catedral Metropolitana de São Sebastião, onde será celebrada a Missa de corpo presente, às 9 horas, seguido de sepultamento. Segundo o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Joviano de Lima Júnior, o arcebispo emérito esteve internado por muito tempo, com problemas cardíacos, de diabetes, entre outros, chegando a ficar em coma por vários dias, culminando, hoje, com a morte do emérito. Dom Arnaldo Ribeiro nasceu em Belo Horizonte, em 7 de janeiro de 1930, filho de Gastão Severo Ribeiro e de Florentina Ferraz Ribeiro. Em 1948, foi enviado a Roma, onde, na Universidade Gregoriana, cursou filosofia e teologia, concluindo-as em 1954… Foi eleito arcebispo metropolitano de Ribeirão Preto, em 28 de dezembro de 1988, e sua posse se deu a 04 de março de 1989, cumprindo sua função até 2006, quando se tornou arcebispo emérito.

Leia o texto completo na página da CNBB.

Na página da Arquidiocese de Belo Horizonte leio:
“Faleceu hoje, dia 15 de dezembro, o Arcebispo Emérito de Ribeirão Preto (SP), Dom Arnaldo Ribeiro. Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, expressa sua solidariedade aos familiares e amigos de Dom Arnaldo Ribeiro e à Arquidiocese de Ribeirão Preto. O velório será realizado nos dias 15 e 16 de dezembro, na Paróquia Nossa Senhora das Dores – Rua Silva Jardim, 100 – Floresta – telefones (31) 3222-6972/3224-6275. Hoje, o Cardeal Dom Serafim celebrará a missa de corpo presente, às 19 horas, e Dom Aloísio Vitral, às 22 horas. Amanhã, dia 16, as celebrações serão feitas por Dom José Maria Pires – Arcebispo Emérito de João Pessoa, às 8 horas, por Dom Geraldo Vieira Gusmão – Bispo Emérito de Porto Nacional, às 9 horas, e por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, às 13 horas. O corpo de Dom Arnaldo Ribeiro seguirá esta quarta-feira, dia 16, para Ribeirão Preto (SP) com previsão de chegada às 16h30. Na Catedral Metropolitana de São Sebastião ele será velado até sexta-feira, dia 18, pela manhã. O sepultamento será realizado logo após a Celebração Eucarística marcada para as 9 horas. Dom Arnaldo Ribeiro nasceu em Belo Horizonte (MG), no dia 7 de janeiro de 1930, e aos onze anos de idade ingressou no Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus. Com seus estudos parcialmente concluídos, em 1948 foi cursar Filosofia e Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde permaneceu vários anos e foi ordenado padre na Basílica de São João do Latrão, no dia 13 de março de 1954. De volta ao Brasil, foi Capelão do Hospital Vera Cruz e, posteriormente, Reitor no mesmo Seminário que havia frequentado em Belo Horizonte. Ordenado Bispo na Matriz de Nossa Senhora das Dores, no dia 27 de dezembro de 1975, foi nomeado Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordenou as atividades da Comissão de organização da vinda de Sua Santidade o Papa João Paulo II ao Brasil, em 1980. No dia 4 de março de 1989, em Missa solene realizada no Ginásio da Cava do Bosque para aproximadamente 10 mil pessoas, Dom Arnaldo assumiu a Arquidiocese de Ribeirão Preto, em São Paulo, onde, imprimiu uma dinâmica pessoal e sempre fiel ao seu lema ‘Preparar os Caminhos para o Senhor’. Durante seu ministério em Ribeirão Preto ordenou mais de 100 presbíteros e trabalhou para incentivar as vocações sacerdotais. Em 2006, ele renunciou à Arquidiocese de Ribeirão Preto e foi sucedido por Dom Joviano de Lima Júnior tornando-se Arcebispo Emérito da mesma Arquidiocese. No dia 21 de janeiro de 2007, na Solenidade de São Sebastião, foi homenageado na Catedral Metropolitana de São Sebastião, em Ribeirão Preto”.

Claude Lévi-Strauss: 1908-2009

Lévi-Strauss (1908-2009): um antropólogo que mudou as ciências humanas

O mundo ficou sabendo hoje (3) da morte de Claude Lévi-Strauss, antropólogo e etnógrafo francês que exerceu influência decisiva sobre as ciências humanas na segunda metade do século 20, sendo uma das figuras fundadoras do pensamento estruturalista. Nascido em 28 de novembro de 1908 em Bruxelas, Lévi-Strauss faleceu no último sábado, em Paris, faltando menos de um mês para completar 101 anos de idade. A morte foi anunciada pela editora Plon, que não informou a causa nem o local exato.

Professor honorário no Collège de France, Lévi-Strauss ocupou a cadeira de antropologia social de 1959 a 1982. Era ainda membro da Academia Francesa.

Desde os seus primeiros trabalhos sobre os indígenas brasileiros, que ele estudou in loco entre 1935 e 1939, e a publicação de sua tese “As Estruturas Elementares do Parentesco”, em 1949, Lévi-Strauss produziu uma obra científica cujas contribuições foram reconhecidas internacionalmente. Dedicou uma tetralogia, “Os Mitológicos”, ao estudo dos mitos. Estes deram lugar à publicação de diversos volumes, sendo o primeiro “O Cru e o Cozido”, de 1964. Mas publicou também obras que fogem do estrito quadro dos estudos acadêmicos. A mais célebre delas, “Tristes Trópicos”, foi publicada em 1955, conhecido e apreciado por um vasto círculo de leitores.

Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, filho de pais franceses de uma família de tradição intelectual e artística, especialmente voltada para o campo musical, e judaica de origem alsaciana, que vivia nos arredores de Estrasburgo. Era filho do pintor Raymond Lévi-Strauss e de Emma Lévi. Seu pai era um retratista que foi à ruína com o advento da fotografia. Seu avô materno, com quem morou ao longo da Primeira Guerra Mundial, era o rabino da sinagoga de Versalhes.

Quando inicia os estudos secundários, chegando ao renomado Liceu Condorcet, o jovem Claude se muda para Paris. É lá que conhece uma jovem socialista de um partido belga e passa a militar nos círculos da esquerda. Descobre rapidamente as referências literárias do partido, que até então desconhecia, inclusive Marx. Filia-se ao Partido Socialista Francês – SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária), encarregado de promover o grupo de estudos socialistas.

Prossegue os estudos na Faculdade de Direito de Paris, onde se forma, antes de ingressar na Sorbonne. Em 1931, recebe o diploma em Filosofia (viria ainda a obter o doutorado em Letras em 1948).

Vida no Brasil

Lévi-Strauss certamente deixou de fazer uma proeminente carreira política quando decidiu viajar para o Brasil.

Depois de dois anos dando aula, recebe um telefonema do diretor da Escola Normal Superior, que lhe propõe fazer parte de uma missão universitária no Brasil como professor de sociologia na Universidade de São Paulo, onde leciona de 1935 a 1938. Foi este convite que definiu a vocação etnográfica de Lévi-Strauss. Até 1939, organiza e dirige diversas missões etnográficas no Mato Grosso e no Amazonas: “A etnologia projeta seu objeto entre a psicanálise e o marxismo de um lado e a geologia de outro. Lévi-Strauss descobriu a ciência em que se casam todas as suas paixões anteriores”, escreveu seu biógrafo, Denis Bertholet.

Em 1938, atravessa o estado do Mato Grosso. Parte de Cuiabá a bordo de seu Ford 34. A partir de Diamantino, segue em carro de boi uma linha telegráfica que atravessa o cerrado, um mato de vegetação bastante densa. Encontra os índios nhambiquaras (dos quais faz um alentado relato e 200 fotos), depois os mundé e tupi kawahi, em Rondônia. As missões junto às populações indígenas permitem a Lévi-Strauss reunir os primeiros materiais que constituirão a base de sua tese.

De volta à França, chega a servir na logística militar durante a Segunda Guerra. Durante a ocupação, fica sob o território de Vichy e dá aulas no Liceu de Montpellier. Pouco tempo depois, é demitido por ser judeu. Deixa a França em 1941, para se refugiar em Nova York, lugar então de alta efervescência cultural, onde leciona na New School for Social Research. O encontro com Roman Jakobson, de quem se torna amigo, tornam-se decisivos no plano intelectual. A linguística estrutural dá a Lévi-Strauss os elementos teóricos que faltavam para aprimorar seu trabalho de etnólogo sobre os sistemas de parentesco.

Volta à França em 1944 mas retorna aos Estados Unidos em 1945 para ocupar a função de adido cultural na embaixada francesa. Pede exoneração em1948 para se dedicar ao trabalho científico. Em 1949, torna-se vice-diretor do Museu do Homem, e depois diretor da Escola Prática de Altos Estudos, na cátedra de religiões comparadas de povos ágrafos.

Maturidade

Em 1955, publica o seu livro mais famoso, “Tristes Trópicos”. O livro, mistura de autobiografia, meditação filosófica e testemunho etnográfico, conhece um enorme sucesso de crítica e de público. Inúmeros intelectuais saúdam a publicação da obra, que se afasta da mesmice da etnologia. Com a publicação de sua coleção de antropologia estrutural, em 1958, lança as bases de seu trabalho teórico em matéria de estudo de povos primitivos e seus mitos.

Em 1959, é eleito professor no Collège de France, na cátedra de antropologia social, em que fica até se aposentar, em 1982. Funda, em 1961, com Émile Benveniste e Pierre Gourou, a revista L’Homme, aberta às múltiplas correntes da etnologia e da antropologia. Do começo dos anos 1960 ao início dos anos 1970, dedica-se novamente ao estudo dos mitos, em particular sobre os dos índios das Américas. Em 1973, é eleito para a Academia Francesa.

A partir de 1994, Claude Lévi-Strauss publica menos. Continua, porém, a colaborar regularmente para a revista que fundara. Em 1998, por ocasião de seu 90º aniversário, a revista Critique dedica-lhe um número especial editado por Marc Augé e uma recepção no Collège de France. Lévi-Strauss aborda sem rodeios a velhice e declara: “Há hoje em mim um ‘eu’ real, que é apenas um quarto ou a metade de um homem e um ‘eu’ virtual que conserva ainda uma viva ideia do todo. O ‘eu’ virtual imagina um projeto de livro, começa a organizá-lo em capítulos e diz ao ‘eu’ real: ‘É você que tem de continuar’. E o ‘eu’ real, que não mais está apto, diz ao ‘eu’ virtual: “É sua a tarefa. Só você é que pode ver a totalidade’. Minha vida se desenrola atualmente em meio a esse estranho diálogo”.

Homenagens

Em 28 de novembro de 2008, comemora-se seu centenário, com diversas manifestações na França e no mundo. A Academia Francesa o homenageia, festejando o primeiro acadêmico centenário de sua história. A Biblioteca Nacional organiza um dia de visitação em que as pessoas podem examinar os manuscritos, as passagens, os rascunhos e até a máquina de escrever do antropólogo.

Na época, a ministra francesa de Educação Superior e Pesquisa anunciou a criação de um Prêmio Claude Lévi-Strauss, a ser concedido a partir de 2009 ao melhor pesquisador em história, antropologia, ciências sociais e arqueologia.

A menos de um mês de completar 101 anos, Claude Lévi-Strauss faleceu neste sábado, 31 de outubro de 2009.

Fonte: Opera Mundi – 3 de novembro de 2009

 

 

Claude Lévi-Strauss, uma apresentação

Philippe Descola

CLAUDE LÉVI-STRAUSS é, sem dúvida, o antropólogo cuja obra terá exercido a maior influência no século XX. Seu nome é indissociável do que foi chamado, depois dele, antropologia estrutural. Entre as múltiplas abordagens que o campo das ciências sociais conheceu no século XX, essa ocupa uma posição particular: nem releitura ousada de um sistema explicativo já reconhecido, nem teoria regional de uma classe de fenômenos circunscritos, a antropologia estrutural é primeiramente um método de conhecimento original, forjado no tratamento de problemas particulares a uma disciplina, mas cujo objeto é em princípio tão vasto e a fecundidade tão notável que ele rapidamente exerceu uma influência muito além do campo de pesquisa que o viu nascer. Raramente também um modelo de análise do fato social terá sido tão intimamente confundido com a pessoa do seu criador, a ponto de o estruturalismo antropológico poder ser visto às vezes como um sistema de pensamento rebelde a toda aplicação por outros que não aquele que esteve em sua origem. Lévi-Strauss formula seus princípios desde a primeira temporada nos Estados Unidos, após sua descoberta da linguística estrutural e dos trabalhos de N. Trubetzkoy e de R. Jakobson (conhecido em Nova York, este último se tornará um amigo). Desde essa época, com efeito, ele está convencido de que a etnologia deve seguir o mesmo caminho que a linguística se quiser adquirir o estatuto de uma ciência rigorosa (Lévi-Strauss, 1945; 1958, cap.II). Por sua vez, convencido muito cedo pelo convívio com suas “três amantes” – Freud, Marx e a geologia – de que a ciência social não se constrói a partir da realidade manifesta, mas sim elucidando a ordem inconsciente na qual se revela a adequação racional entre as propriedades do pensamento e as do mundo, ele descobre na fonologia um modelo exemplar para pôr em prática sua intuição. Esse modelo apresenta quatro características importantes: abandona o nível dos fenômenos conscientes para privilegiar o estudo de sua infraestrutura inconsciente; dão-se por objeto de análise não os termos, mas as relações que os unem; procura mostrar que essas relações formam sistema; enfim, busca descobrir leis gerais. Desde essa época, Lévi-Strauss lança a hipótese de que esses quatro procedimentos combinados podem ajudar a esclarecer os problemas de parentesco em razão da analogia formal que ele descobre entre os fonemas e os termos que servem para designar os parentes. Ambos são elementos cuja significação provém do fato de estarem combinados em sistemas, eles próprios produtos do funcionamento inconsciente do espírito, e cuja recorrência em muitos lugares do mundo sugere que respondem a leis universais.

Todas as ideias-força da antropologia estrutural já estão presentes nesse esboço, incluindo o conceito de troca, oriundo de uma outra herança intelectual, a do Ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss, e que terá um papel importante em As estrutura elementares do parentesco. No início desse livro, com efeito, Lévi-Strauss afirma que a proibição do incesto deve ser vista como o avesso universal e negativo de uma regra de reciprocidade positiva que exige a troca das mulheres nos sistemas de aliança matrimonial. Essa perspectiva renovava radicalmente a abordagem dos fenômenos de parentesco, abandonando o ponto de vista da sociologia dos modos de filiação e dos princípios de constituição dos grupos de descendência, assim como o de sua reconstrução histórica conjetural, nos quais se confinavam até então o funcionalismo e o evolucionismo. Ela os substituía por uma teoria geral da aliança de casamento que esclarece, por sua vez, a natureza e o funcionamento das unidades sociais em jogo no parentesco – clãs, linhagens, grupos exógamos – ao mesmo tempo que os recoloca num conjunto mais amplo. Além disso, fundava a generalidade e a recorrência das regras que ordenam os sistemas de troca matrimonial sobre as estruturas do espírito, única base lógica capaz, segundo Lévi-Strauss, de garantir o postulado da unidade do homem na diversidade de suas produções culturais. Comprova-o a organização dualista um sistema extremamente comum no qual os membros da comunidade se dividem em duas metades que mantêm toda uma gama de relações complexas de interdependência. A instituição revela claramente os mecanismos classificatórios do parentesco – cada um se define pelo pertencimento à sua metade – e, mais do que isso, o papel crucial do princípio de reciprocidade, do qual a organização dualista aparece como a realização mais direta, mas que pode igualmente se encarnar em múltiplas outras formas de vida social. Entre todas essas formas, afirma Lévi-Strauss, há diferença de grau e não de natureza, pois sua base comum repousa sobre estruturas fundamentais do espírito humano: o princípio de reciprocidade, a exigência da regra como regra e o caráter sintético da dádiva, isto é, o fato de que a transferência consentida de um valor, de um indivíduo a outro, transforma esses em parceiros e acrescenta uma qualidade nova ao valor transferido (Lévi-Strauss, 1949, p.108). Portanto, em última instância, é na natureza do homem, em esquemas formais e universais profundamente inscritos no seu espírito, mas sempre conscientemente apreendidos, que reside o fundamento das instituições matrimoniais e, de maneira mais ampla, da própria cultura, cuja emergência é marcada pela proibição do incesto. Uma tal profissão de fé é idealista apenas em aparência, pois desde As estruturas elementares do parentesco, e ao longo de toda a sua obra, Lévi-Strauss se diz convencido de que as leis do pensamento não diferem das que ocorrem no mundo físico e na realidade social que não é senão, ela mesma, um de seus aspectos.

O título que Lévi-Strauss deu à sua direção de estudos na VIª seção da École Pratique des Hautes Études (EPHE), quando retornou à França, é o mesmo que ele adotou mais tarde para a sua cadeira no Collège de France, “antropologia social”. A escolha desses termos define bem a mudança de perspectiva que ele trouxe aos estudos etnológicos. Embora empregada havia décadas nos países anglo-saxões, a expressão “antropologia social” era inusitada na França logo depois da guerra; evocadora do projeto universalista próprio às antropologias filosóficas, ela implicava também uma hierarquia dos modos e dos objetos de conhecimento, dos quais a etnografia e a etnologia são os outros termos, não segundo uma ordem de dignidade decrescente, mas em razão de sua articulação interna nas diferentes etapas do procedimento científico (cf. Lévi-Strauss, 1958, p.386-9). Analítica e descritiva, a etnografia corresponde aos primeiros estágios da pesquisa: é a pesquisa de campo e a coleta dos dados mais diversos sobre uma sociedade particular, que em geral resulta num estudo monográfico circunscrito no tempo e no espaço. A etnologia prolonga a etnografia e representa um primeiro esforço de síntese visando a generalizações suficientemente amplas num nível regional (conjunto de sociedades vizinhas que apresentam afinidades) ou temático (atenção voltada a um tipo de fenômeno ou de prática comum a numerosas sociedades), para que o recurso a fontes etnográficas secundárias seja um pré-requisito obrigatório, e a manifestação de propriedades comparáveis, o resultado esperado. Mais raramente bem-sucedida, a antropologia representa o último momento da síntese: sobre a base dos ensinamentos da etnografia e da etnologia, ela aspira a produzir um conhecimento global do homem, descobrindo os princípios que tornam inteligível a diversidade de suas produções sociais e de suas representações culturais ao longo dos séculos e através dos continentes.

Apesar, porém, do título de suas aulas na VIª seção, Lévi-Strauss tenderá a privilegiar, a partir da segunda metade dos anos 1950, a antropologia cultural em vez da antropologia social. Fiel ao seu projeto de fazer um inventário das “muralhas mentais” a partir da experiência etnográfica, e convencido de que a antropologia é em primeiro lugar uma psicologia, ele abandonará progressivamente o campo dos estudos sociológicos para se dedicar ao estudo das diferentes manifestações do pensamento mítico. De fato, nada garante que as restrições observadas nos sistemas de parentesco sejam de origem mental; elas talvez sejam apenas um reflexo, na consciência dos homens, de “certas exigências da vida social objetivadas nas instituições” (Lévi-Strauss, 1964, p.18). A mitologia não apresenta essa ambiguidade, pois não tem nenhuma função prática, e assim revela ao analista, de uma forma particularmente pura, as operações de um espírito não mais condenado a pôr em ordem uma realidade que lhe é exterior, mas livre para compor consigo mesmo, como por desdobramento. Os trabalhos sobre o “pensamento selvagem” constituem uma etapa intermediária nessa tentativa de remontar sempre mais em direção às leis inconscientes do espírito. Os sistemas de classificação e as operações rituais das sociedades sem escrita referem-se a objetos, geralmente naturais, e a suas presumidas conexões, mas tornam igualmente manifestas operações mentais (classificação, hierarquização, causalidade, homologia…) que não diferem, no fundo, das do pensamento científico, mesmo se os fenômenos aos quais se aplicam e os conhecimentos que produzem as fazem parecer muito distantes dessas. De fato, o pensamento selvagem se exerce primeiramente sobre as categorias sensíveis, desencavando e ordenando os caracteres visíveis mais significativos dos objetos para convertê-los em signos de suas propriedades ocultas. À diferença dos conceitos abstratos que a ciência utiliza, esses signos estão ainda presos às imagens das quais tiram sua existência, mas já possuem um grau suficiente de autonomia em relação a seus referentes para poder ser empregados, dentro de seu registro limitado, com fins diferentes daqueles a que se destinavam no início. A lógica do sensível é assim uma “bricolagem intelectual” que explora um pequeno repertório de relações permutáveis no interior de um conjunto que forma sistema, e tal que a modificação de um de seus elementos interessará necessariamente todos os outros. A análise estrutural, portanto, não tem apenas por ambição elucidar a lógica oculta em operação no pensamento mítico; o que ela busca, por meio do estudo do “pensamento dos selvagens”, é esclarecer aquela parte de “pensamento em estado selvagem” que cada um de nós conserva como um resíduo anterior à grande domesticação racional.

Em 1959, Claude Lévi-Strauss é eleito professor no Collège de France graças à intervenção decidida de Maurice Merleau-Ponty. Essa consagração sanciona uma obra já então reconhecida e admirada por um largo círculo de cientistas e intelectuais ao redor do mundo, mas mostra também, em sentido contrário, a resistência da universidade tradicional em acolher no seu seio pesquisas que se afastam demais da ortodoxia. A retomada do título “antropologia social” não assinala, porém, um retorno aos problemas sociológicos. O período que se inaugura será na verdade marcado pelo estudo dos mitos e resultará na publicação, escalonada em oito anos, dos quatro volumes das Mitológicas, cuja matéria é fornecida pelas aulas no Collège de France. Mais ainda que outros produtos do pensamento selvagem, os mitos parecem o fruto de uma liberdade criadora totalmente desligada das restrições do real; esclarecer suas leis de funcionamento deveria permitir, portanto, remontar mais acima na compreensão de um espírito que se toma a si mesmo como objeto, sem que os sujeitos falantes tenham consciência da maneira como ele procede. Pois cada mito, tomado separadamente, é uma história disparatada, sem verdadeira significação a não ser a lição moral que os que o contam se julgam às vezes autorizados a tirar. É que o sentido não procede do conteúdo deste ou daquele mito abusivamente privilegiado, mas da ressonância de milhares de mitos que, para além da diversidade aparente de seus conteúdos e do afastamento das populações que os elaboraram, tecem ao redor do mundo uma trama lógica em perpétua transformação e cujas múltiplas combinações desenham o campo fechado das operações do espírito humano. Assim, a análise estrutural dos mitos não poderia pretender uma exaustividade, pois, progredindo ao sabor das associações de uma cadeia sintagmática a partir de um mito de referência arbitrariamente escolhido, ela só pode aspirar a reconhecer, nessa trama imensa, matrizes de significação fragmentadas que um outro caminho talvez tivesse ignorado. Relato de um itinerário pela terra redonda dos mitos mais do que geografia universal de suas redes, as Mitológicas convidam a retomar uma viagem que o próprio Lévi-Strauss não deixou de prosseguir.

A obra científica considerável de Lévi-Strauss não deve fazer esquecer a importância de sua reflexão moral: denunciando sem trégua o empobrecimento conjunto da diversidade das culturas e das espécies naturais, ele sempre viu na antropologia um instrumento crítico dos preconceitos, sobretudo raciais, ao mesmo tempo que um meio de aplicar um humanismo “generalizado”, ou seja, não mais, como no Renascimento, limitado apenas às sociedades ocidentais, mas que leve em conta a experiência e os saberes do conjunto das sociedades humanas passadas e presentes. Longe de conduzir a uma improvável civilização mundial que abole as singularidades, esse humanismo afirma, ao contrário, que, em matéria estética e espiritual, toda criação verdadeira impõe, tanto a um indivíduo como a uma cultura, buscar nos seus particularismos um meio de melhor contrastá-los com outros valores. Aliás, a questão estética forma um fio condutor no pensamento de Lévi-Strauss, não apenas porque ele considerou as formas de expressão artísticas – ou percebidas como tais – das sociedades não ocidentais ao mesmo tempo como um desafio à racionalidade do Ocidente e um objeto legítimo de saber antropológico, mas também porque sua obra se alimenta de uma reflexão profunda sobre o papel da música e da pintura como mediações entre o sensível e o inteligível, o que faz dela uma contribuição de primeiro plano à teoria estética.

A influência da antropologia estrutural se desenvolveu de diversas maneiras segundo as épocas e o tipo de meio intelectual que atingiu. Ao terminar a guerra, os etnólogos franceses da geração de Lévi-Strauss (Soustelle, Griaule, Leroi-Gourhan) estavam envolvidos em suas próprias obras para sofrer profundamente a influência de suas ideias; assim, foi antes no estrangeiro, sobretudo na Inglaterra e na Holanda, que essas encontraram de início um eco. Na França, foram especialmente linguistas (Benveniste, Dumézil), filósofos (Koyré, Merleau-Ponty) e historiadores (Febvre, Braudel, Morazé) que, no começo dos anos 1950, souberam apreciar a originalidade das perspectivas que ele abria. A publicação em 1955 de Tristes trópicos faz um público mais amplo descobrir a originalidade do pensamento de Lévi-Strauss e a prosa de um grande escritor, e ajuda por muito tempo a suscitar vocações para a etnologia. No entanto, a antropologia estrutural stricto sensu não poderia ter outro intérprete legítimo senão o seu fundador, já que ninguém aderiu à totalidade dos postulados, das regras de método e das conclusões que definem a particularidade do empreendimento lévi-straussiano. Em contrapartida, muitos são os pesquisadores franceses que se reconhecem no que poderíamos chamar uma etnologia estruturalista, cuja homogeneidade, aliás, é mais perceptível quando vista do estrangeiro, em razão das especificidades que manifesta em relação a outras tradições antropológicas nacionais. Alguns traços a distinguem, sem que sua soma forme necessariamente um credo compartilhado: a convicção de que a antropologia tem por tarefa elucidar a variabilidade aparente dos fenômenos sociais e culturais trazendo à luz invariantes mínimos, isto é, regularidades recorrentes na organização de sistemas de relações cujo funcionamento obedece na maioria das vezes a regras inconscientes; a hipótese de que esses invariantes estão fundados tanto sobre determinações materiais (a estrutura do cérebro, as características biológicas do homem, as modalidades de sua atividade produtiva ou as propriedades físicas dos objetos do seu ambiente) quanto sobre alguns imperativos trans-históricos da vida social; enfim, a precedência dada às análises sincrônicas sobre as análises diacrônicas, não por rejeição de toda dimensão histórica, mas por recusa da posição empirista que consiste em explicar a gênese de um sistema antes de ter definido a sua estrutura.

Enfim, e por ser um método de conhecimento extensível por princípio a qualquer fenômeno social e cultural, a antropologia estrutural também soube encontrar uma audiência fora do campo tradicionalmente coberto pela etnologia. É o caso de alguns filósofos, que acolheram com satisfação um pensamento que recusava o primado da consciência e do sujeito (Merleau-Ponty, Foucault, Althusser, Deleuze). Também o de historiadores, sobretudo os da Antiguidade, os medievalistas e os especialistas em sociedades não europeias, seduzidos tanto pelo método lévi-straussiano quanto pela tentação de apreender seus respectivos objetos com o “olhar distanciado” que o etnólogo utiliza ao pesquisar um povo exótico. É verdade que historiadores como J.-P. Vernant vinham havia muito conduzindo análises inteiramente estruturais e que sua influência, combinada à de Dumézil e à de Lévi-Strauss, contribuiu de forma decisiva para uma certa “orientação estruturalista” dos estudos sobre a Antiguidade.

 

Nota

1 O presente artigo retoma explanações de trabalho anterior (Descola, 1996).

 

Referências bibliográficas

DESCOLA, P. Anthropologie structurale et ethnologie structuraliste. In: REVEL, J.; WACHTEL, N. (Org.) Une école pour les sciences sociales. De la VIe section à l’EHESS. Paris: Cerf, Éditions de l’EHESS, 1996. p.127-43. [ Links ]

LÉVI-STRAUSS, C. L’analyse structurale en linguistique et en anthropologie. Word, Journal of the Linguistic Circle of New-York, v.1, n.2, p.1-21, Aug. 1945. [ Links ]

_______. Les structures élémentaires de la parenté. Paris: PUF, 1949. [ Links ]

_______. Anthropologie structurale. Paris: Plon, 1958. [ Links ]

_______. Mythologiques. Paris: Plon, 1964. v.1: “Le cru et le cuit”. [ Links ]

 

Elementos biográficos

Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas em 28 de novembro de 1908, de pais franceses. Após estudos secundários e superiores em Paris (licenciatura em Direito, agrégation em Filosofia em 1931), é nomeado professor de Filosofia nos liceus de Mont-de-Marsan e depois Laon (1932-1934). Membro da Missão Universitária Francesa ao Brasil (com Fernand Braudel e Pierre Deffontaines, em particular), leciona Sociologia e Etnologia de 1935 a 1938 na recém-inaugurada Universidade de São Paulo (USP) e empreende várias expedições etnográficas ao Mato Grosso e à Amazônia, antes de voltar à França às vésperas da guerra, da qual participa como agente de ligação. Desmobilizado após o armistício e visado pelas leis antissemitas de Vichy, Lévi-Strauss consegue deixar a França e vai para os Estados Unidos, onde leciona na New School for Social Research de Nova York. Engajado como voluntário nas forças francesas livres e designado para a Missão Científica Francesa nos Estados Unidos, funda (com Henri Focillon, Alexandre Koyré e Jacques Maritain, entre outros), a Escola Livre de Altos Estudos de Nova York, da qual será o secretário-geral. Chamado de volta à França em 1944 pelo ministro dos Assuntos Estrangeiros, retorna aos Estados Unidos em 1945 para ocupar as funções de conselheiro cultural junto à embaixada da França. De volta à França em 1948, defende a tese de doutorado sobre As estruturas elementares do parentesco (seu mestrado trata da Vida familiar e social dos índios Nambiquara) e se dedica desde então exclusivamente a seu trabalho científico. Convidado por Lucien Febvre em 1948 para a recém-inaugurada VIª seção da École Pratique des Hautes Études (EPHE) (transformada em École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em 1975), torna-se o subdiretor do Museu do Homem em 1949 e é nomeado no mesmo ano diretor de estudos na Vª seção da École Pratique des Hautes Études, cadeira de Religiões Comparadas dos Povos sem Escrita. A seguir é professor no Collège de France, na cadeira de Antropologia Social, de 1959 a 1982, ano em que se aposenta. Até essa data dirige o Laboratório de Antropologia Social, que fundou em 1960. Entra para a Academia francesa em 1973. Em 28 de novembro de 2008, completou 100 anos de idade.

 

Principais obras

1948 – La vie familiale et sociale des indiens Nambikwara. Paris: Société des Américaniste.

1949 – Les structures élémentaires de la parenté. Paris-Haia: Mouton & Co.

1950 – Introduction à l’oeuvre de Marcel Mauss. In: Marcel Mauss. Sociologie et anthropologie. Paris: PUF.

1955 – Tristes tropiques. Paris: Plon. (Collection Terre Humaine).

1958 – Anthropologie structurale. Paris: Plon.

1961 – (1952) Race et histoire. Paris: Gonthier.

1962a – La pensée sauvage. Paris: Plon.

1962b – Le totémisme aujourd’hui. Paris: PUF.

1964 – Mythologiques. Paris: Plon. v.I: “Le cru et le cuit”.

1966 – Mythologiques. Paris: Plon. v.II: “Du miel aux cendres”.

1968 – Mythologiques. Paris: Plon. v.III. “L’origine des manières de table”.

1971 – Mythologiques. Paris: Plon. v.IV: “L’homme nu”.

1973 – Anthropologie structurale deux. Paris: Plon.

1975 – La voie des masques. Genebra: Skira (reedição ampliada, Plon, 1979). 2v.

1983 – Le regard éloigné. Paris: Plon.

1984 – Paroles données. Paris: Plon.

1985 – La potière jalouse. Paris: Plon.

1991 – Histoire de Lynx. Paris: Plon.

1996 – Regarder écouter lire. Paris: Plon.

Recebido em 16.7.2009 e aceito em 21.8.2009.

Publicado em Hors Série – La Lettre du Collège de France, Claude Lévi-Strauss – Centième anniversaire, Novembre 2008. Tradução de Paulo Neves. O original em francês – “Claude Lévi-Strauss, une presentation” – encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.

Philippe Descola, professor do Collège de France, titular da Cátedra de Antropologia da Natureza desde 2000, foi orientando de Lévi-Strauss. @ – descola@ehess.fr

José Luiz do Prado comemora 50 anos de ministério

José Luiz Gonzaga do Prado está comemorando 50 anos de ministério presbiteral.

A Paróquia Santa Rita, da Diocese de Guaxupé, em Nova Resende, MG, está convidando comunidades e amigos para a comemoração jubilar de José Luiz Gonzaga do Prado, amanhã, dia 25 de outubro de 2009, às 19h00, na Igreja Matriz.

José Luiz Gonzaga do Prado

 

José Luiz Gonzaga do Prado é Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália. Autor de vários livros e artigos, José Luiz é, também, um exímio tradutor da Bíblia.

Professor de Línguas Bíblicas e Novo Testamento no CEARP, José Luiz faz parte do grupo dos “Biblistas Mineiros”, que se reúne em Belo Horizonte e escreve regularmente para a revista Estudos Bíblicos.

Parabéns José Luiz.

O profeta Helder Câmara

Como homenagear um profeta?

Por Carlo Tursi – Teólogo

Incomodado. Indignado. Até envergonhado. Talvez estas palavras exprimam um pouco como venho me sentindo ao longo deste ano em que estamos comemorando o centenário de nascimento de Dom Helder Camara (1909-2009). É que a forma convencional de nossas homenagens prestadas – até agora – não me parece fazer jus a este grande pastor e profeta fortalezense, que brilhou para o Brasil e o mundo como arcebispo de Olinda e Recife (1964-1985), promovendo os pobres e defendendo os perseguidos pela ditadura.

Por parte da Igreja, apenas o óbvio: celebra-se uma missa em sua homenagem – e fica-se com a sensação de “dever cumprido”. Durante a cerimônia (religiosa?), gasta-se mais tempo em saudar as autoridades políticas e eclesiásticas presentes do que em lembrar as corajosas e incômodas atitudes do ilustre homenageado. A presença da imprensa e das câmeras de televisão parece ser mais importante do que o comparecimento do povo de Deus, sobretudo dos segmentos mais pobres, preferidos de Dom Helder. Tudo acaba na inauguração de uma estátua de bronze, frente à igreja: um monumento à sua memória, sem dúvida, mas também uma forma sutil de “petrificar” esta memória, entregá-la à História, isto é, ao passado irrecuperável.
Por parte da sociedade civil e política, uma (ai que sono!) sessão solene na Assembléia Legislativa: panegíricos intermináveis de palavreado florido, porém, inexpressivo, antecedidos por dez minutos gastos em saudar os “componentes da Mesa” e as “autoridades” presentes… Aqui, o cume é atingido quando se propõe colocar o nome do homenageado em uma das praças da cidade. E volta-se, dever cumprido, à normalidade.

Confesso que, desde a juventude, fui “contaminado” pela acidez com que um certo mestre da Galiléia fustigava tais comportamentos oficiosos do establishment: “Hipócritas! Vocês constroem sepulcros para os profetas, e enfeitam os túmulos dos justos (…)! Vocês (…) são filhos daqueles que mataram os profetas!” (Mt 23,29-30). Aturdido, dou-me conta da terrível ambivalência das comemorações de um centenário: de certo, é ocasião oportuna para lembrar quem merece ser lembrado – mas, via de regra, na condição de alguém que pertence ao passado histórico! Fico a imaginar o alívio do episcopado brasileiro, hoje na ativa, de poder considerar bispos como Dom Helder uma “página virada”, pois as opções pastorais dele e seu estilo de vida austero se constituiriam um questionamento forte a toda pompa e à comodidade burguesa do alto clero católico (quem entre os atuais bispos iria morar, hoje, numa pequena sacristia de uma igreja, movido pelo pensamento de que o “pastor” deve partilhar a condição de vida de suas “ovelhas”?).

Vem aí uma outra forma de homenagear o “Dom da Paz”: a Semana Dom Helder Camara (26 de setembro a 02 de outubro), idealizada por um punhado de cristãos críticos que se autodenominam “O GRUPO”. Seu principal enunciado: Dom Helder vive! Lugar de lhe prestar homenagem não é, absolutamente, o cemitério, e o material adequado para isso não é o bronze, o gesso, nem as flores! O lugar correto de lhe prestar homenagem é no meio dos movimentos cristãos e cívico-humanistas que lutam pela transformação da realidade brasileira, que denunciam as torturas infligidas em nome da Lei e os crimes ecológicos, que não apenas dão pão aos pobres, mas que perguntam também pela causa da pobreza! E a forma correta de prestar esta homenagem é imbuir-nos, a nós mesmos, do mesmo espírito profético intrépido de Dom Helder, assumindo seu legado, sua herança. “Não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade!” (1 Jo 3,18). O material correto para celebrar a presença viva deste grande cearense em nosso meio é o material humano sensibilizado com a miséria e a violência institucionalizada a que estão expostos dezenas de milhares de concidadãos nesta capital! É este, fundamentalmente, o credo de “O GRUPO”: Cristo não pediu para ser adorado, mas para ser seguido! O mesmo vale, por extensão, para figuras exemplares como Helder Camara, Aloísio Lorscheider, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, e todos os santos e santas a quem devemos nosso reconhecimento e nossa gratidão.

Alguém interessado neste tipo de homenagem? Então, há de conferir o evento de abertura da Semana, a se realizar no teatro do Centro Cultural Dragão do Mar, dia 26 de setembro, às 19:00 h, com a projeção do documentário “Dom Helder, o santo rebelde”, seguida de debate com a platéia. A Semana prosseguirá com um ciclo de conferências e debates, no colégio Santo Tomás de Aquino, sempre às 19:00 h, e culminará em uma caminhada de sensibilização e despertar cívico-cristão pelo centro de Fortaleza, no dia 02 de outubro, às 15:00 h, a partir da praça da Igreja do Carmo. “Ai de mim se eu me calar!” Não seria hora de sairmos da “toca”?

O texto pode ser lido no blog Semana Dom Helder Câmara.

Seminário em memória de Frei Tito

Seminário homenageia memória de Frei Tito de Alencar nos 35 anos de sua morte

 

Na semana em que completa 35 anos da morte do religioso dominicano, Frei Tito de Alencar Lima, a cidade de Barbalha, na região do Cariri, Ceará, realiza o I Seminário Frei Tito de Alencar: Vida e Obra, em que homenageia a memória do mártir cearense. O evento será realizado na próxima quarta-feira, 19, no auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade de Barbalha, a partir das 19h. A iniciativa é da Secretaria de Cultura e Turismo da cidade e conta com Parceria do Instituto Frei Tito, Universidade Regional do Cariri (Urca) e Diocese do Crato (CE). O seminário é aberto ao público e apresentará palestras e debates. Um dos principais momentos acontece na mesa de debate que relata a vida e a obra do frei dominicano, com as temáticas: Igreja, Família e História. A pedagoga e coordenadora do Instituto Frei Tito, Lúcia Rodrigues Alencar Lima, sobrinha do religioso, é uma das palestrantes. Símbolo de luta pelos direitos humanos, militando desde a juventude quando ainda era estudante, Frei Tito foi morar na capital pernambucana, Recife, quando assumiu a direção da Juventude Estudantil Católica em 1963. Cinco anos depois, em outubro de 1968, ele foi preso por participar ativamente de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna (SP). O frei foi duramente perseguido pelos militares durante o período da ditadura, sendo torturado nos porões da então chamada Operação Bandeirantes. Entre as freqüentes seções de tortura, Tito relatou em carta tudo o que lhe acontecia, denunciando a crueldade da repressão militar. O documento ficou conhecido mundialmente relatando o que acontecia em território brasileiro. Desde então, Frei Tito ficou marcado como símbolo da luta em defesa dos direitos humanos. Mas a traumática experiência deixou seqüelas. O religioso sofreu o resto dos seus dias com as lembranças da tortura, que nem um tratamento psiquiátrico conseguiu apagar. Frei Tito foi encontrado morto, suspenso por uma corda amarrada num galho de árvore, em Lyon, na França, em 10 de agosto de 1974.

Fonte: Adital: 14/08/2009

Convivi com Frei Tito em Roma, quando, a caminho da França, ele ficou hospedado, por alguns dias, no Colégio Pio Brasileiro, onde eu, estudante de Bíblia na época, morava. Quando chegou ao Pio Brasileiro a notícia de sua morte, ficamos muito consternados.

Morreu Martin Hengel

Martin Hengel, renomado pesquisador do Novo Testamento, morreu hoje aos 82 anos. Hengel era professor emérito da Universidade de Tübingen, na Alemanha.

Acabei de ver a notícia, por isso ainda não conheço os detalhes. Mas sei que está por todo lado na blogosfera. Certamente é uma perda que provoca grande impacto no meio acadêmico bíblico.

Recomendo, por isso, ler aqui e aqui.

Air France voo 447

O avião
Por Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales, SP
(…) todos os acidentes com aviões repercutem de maneira especial em nosso subconsciente. Porque o avião é o símbolo de um sonho acalentado desde os primórdios da humanidade, e acolhido no íntimo de cada pessoa humana. O sonho de voar, e superar os limites humanos. Desde meninos, temos inveja dos pássaros, e sonhamos também nós alçar vôo. Qual a criança que já não se imaginou voando, de braços abertos, pairando livre no ar, vencendo a atração da gravidade? Cada desastre de avião é uma frustração deste sonho acalentado por todos. Uma derrota de nossa utopia de liberdade e de transcendência. Por isto, os desastres de avião repercutem mais do que os outros. Eles são uma afronta à aspiração mais simbólica e mais arrojada de nossa condição humana: superar os condicionamentos físicos, que cerceiam nosso sonho de infinitude

Fonte: Adital: sábado, 06 de junho de 2009

Entrevista de Thomas L. Thompson

Por ocasião de sua aposentadoria, Thomas L. Thompson, Professor no Instituto de Exegese Bíblica da Universidade de Copenhague, Dinamarca, deu uma entrevista a Jim West, que a publicou hoje em seu blog.

 

Thomas Thompson: The Interview

On the occasion of his retirement, I asked Professor Thompson a few questions and those questions and his answers follow:

JW- Thank you, Professor Thompson, for ’sitting down’ with us and offering your point of view. Let me start with the basics. Do you mind telling us a little bit about your academic background and training?

TLT- I took my BA at Duquesne University in Pittsburgh with a triple major in history, classical languages and philosophy, graduating in 1962. I studied philosophy and theology at Oxford University in 1962/3 and then studied first philosophy and then theology at the University of Tuebingen from 1963-1972. I received a Summa cum laude for my dissertation on the historicity of the patriarchal narratives in 1971, but did not receive my degree as I failed the graduate examinations in systematic theology with Joseph Ratzinger in February, 1972. In 1975/6 I studied and graduated with my PhD at Temple University’s department of religion with the central fields of Old Testament, New Testament and ancient Near Eastern literature and religion. During the time that I was in Tuebingen I was employed as a research associate on the Tuebinger Atlas des vorderen Orients from 1969-1976 and was responsible for the Bronze Age maps of Sinai, the Negev and Palestine. My work on this project was published in two monographs and seven maps.

JW- What inspired you to enter into a career in biblical / historical studies?

TLT- I was a graduate student in Philosophy in Tuebingen in 1963 with intentions to write a PhD thesis on Hegel’s historical romanticism, when I saw an announcement of a course by Kurt Galling (editor of the 3rd edition of RGG) which announced a course at the Biblical Archaeological Institute dealing with gods and goddesses in the ancient Near East. With the course was a one-week tour to Paris and the Louvre all expenses paid for the price of 45 DM ($11.25). I went to Paris, became Kurt Galling’s student and never thought about Hegel again.

JW- Now to turn to some rather serious questions. Do you think that the figures of Abraham, Saul, David, and Solomon were historical in the same sense that you and I are?

TLT- Today, it is hard to remember these as serious questions. You and I are not figures of stories and can not be compared with Abraham, Saul, David and Solomon. These are figures in stories and there is no evidence whatever to suggest that these stories can be attributed any historicity. On the historical principle that history must be written on the basis of evidence, we can not write anything about these figures in history. All of these figures have what I refer to as cue names, (Abraham = the father of many nations; Saul = echoes she’ol; David = “the beloved” of Jahve and Solomon’s name derives from Uru-salimu or the city of peace, reflecting the peace that David wanted). I see, in this, some grounds for arguing that, to the extent that our knowledge of them is limited to their roles as figures of story, they are fictive.

JW- What do you make of the Tel Dan inscription?

TLT- The subject of a badly handled scholarly dispute. The early evaluation and publication of the inscriptions remained the definitive and only understanding which Israeli and conservative American scholarship would consider. As a result, many questionable aspects of both the discovery and condition of the stelae were never examined and all arguments that differed from the earliest considerations have been dismissed. This is shoddy scholarship at best. I think there is reason to suspect the inscription as a forgery, even as I myself think that the fragmented inscriptions reflect two genuine inscriptions. I also think it likely that they refer to a place-name or patronage somewhere in Palestine called “house of David” (though the possibility that it refers to the “temple of the beloved” has not been adequately explored. Finally, I see a possibility that the figure of David could well be a legendary figure of this patronage’s eponymous founder.

If the inscription, however, is a fake–and this possibility which has been raised by several very competent scholars has not been adequately investigated–then the inscription certainly refers to the dynasty of Jerusalem founded by David.

Is it a forgery? I have never thought it ´to be a forgery, but I have been convinced that the questions raised by Garbini, Cryer, Gmirkin, Lemche and others are quite serious grounds for suspecting it to be a forgery.

JW- Did the Israel portrayed in the pages of the Old Testament ever exist?

TLT- There are a lot of pages! Historically speaking, Israel is one name for the patronage kingdom also know as Bit Humri. That certainly existed in the 9th-8th centuries. Israel also existed after the Assyrians conquered Samaria in 722 and took over the region but continued as an Assyrian province. I see serious reasons to consider the modern nation of Samaritans to have been continuous with this Iron Age entity. However, your question is directed to the stories of the Old Testament, especially those in Kings, Chronicles and the prophets. These stories I believe are largely fictive and theologically allegorical in their essence and not reflective of historical events.

JW- What can we know of the history of Israel?

TLT- You need to rephrase the question. I wrote a great deal about the history of Palestine, which included the patronage kingdom of Israel, but I am not sure that that is what you are referring to when you use the phrase “history of Israel.” I think Philip Davies distinctions about the many different ways we think about Israel, quite important here. I do think that a history of Israel can and is being written, but I do not think that has direct relationship with biblical exegesis.

JW- Turning to a different subject, you’ve just retired. How does it feel?

TLT- Yesterday, I had all kinds of new ideas for books and articles. Today I am tired and feeling very ambivalent about it. It is too much like being unemployed for me to be comfortable. I don’t want to go back to housepainting the way I did in the 70s.

JW- Do you have any publications coming out that you might tell us of?

TLT- Look for the Davies Festschrift–if they ever decide to publish it. My retirement lecture is going to come out in the Dansk teologisk Tidsskrift, but then you will have to learn Danish.

JW- Do you have a ‘regular schedule’ for writing or do you do it as the muse moves?

TLT- Mornings are best, and very late at night.

JW- What are your plans for journal essays?

TLT- Accumulating.

JW- Will you be delivering a paper at the New Orleans SBL?

TLT- Not yet. I always find it very difficult to offer to give a paper at SBL as their call for papers come so early, when I am planning my summer congress and projects. Also, my suggestions for papers are refused some 60% of the time; so I am very uncertain that my papers are welcome there.

JW- On to another topic, what do you enjoy doing in your free time?

TLT- I listen to opera, especially Wagner, Mozart and Verdi; I work in the garden, read Danish novels and write silly letters to the biblical studies list.

JW- Have you any unusual hobbies or past-times that our readers might find, well, odd?

TLT- I don’t know. I do Sudoku and like to cook.

JW- Finally, is Niels Peter as easy to get along with as has been my experience? What’s he really like as a colleague?

TLT- Niels Peter is an engaging, exciting colleague. He is provocative, challenging and always trustworthy. I have learned so much from him over these past fifteen years. He speaks his mind and he listens. He has an immense knowledge in intellectual history and in the history of biblical scholarship.

JW- Thanks, Thomas, for spending this time with us. Your work is always provocative and I for one look forward to what’s next.