Estou lendo um texto sobre assiriologia e estou gostando muito. É a aula inaugural no Collège de France, Paris, proferida por Dominique Charpin em 2 de outubro de 2014.
A leitura pode ser interessante para os colegas biblistas, pois precisamos, urgentemente, conhecer o máximo possível da história e da literatura da antiga Mesopotâmia para entendermos melhor a Bíblia Hebraica.
Recomendo a leitura, talvez o vídeo com legendas em espanhol, aos meus atuais e ex-alunos de História de Israel, de Pentateuco e de Língua Hebraica Bíblica.
Enfim, este texto é para todas as pessoas preocupadas em compreender melhor os desenvolvimentos da ciência e da vida intelectual contemporânea, pois esta é a proposta da aula inaugural de Dominique Charpin.
CHARPIN, D. Comment peut-on être assyriologue? Paris: Collège de France/Fayard, 2015, 88 p. – ISBN 9782213686394.
Em inglês: CHARPIN, D. How to be an Assyriologist? Inaugural Lecture delivered on Thursday 2 October 2014. Paris: Collège de France, 2017 – ISBN: 9782722604575.
O texto está disponível online. Leia em francês ou em inglês.
A aula pode também ser vista no YouTube, com áudio em francês e legendas em várias línguas, inclusive o espanhol.
Diz o livro sobre as aulas inaugurais do Collège de France:
“No Collège de France, a primeira aula de um novo professor é sua aula inaugural.
Solenemente pronunciada na presença de seus colegas e de um grande público, é, para ele, uma oportunidade para situar seu trabalho e seu ensino em relação a seus predecessores e aos desenvolvimentos mais recentes da pesquisa.
As aulas inaugurais não apenas traçam um panorama da situação de nosso conhecimento e, assim, contribuem para a história de cada disciplina, mas também nos introduzem no laboratório do cientista e do pesquisador. Muitas delas acabaram sendo, em seu campo e em seu tempo, acontecimentos significativos e até grandiosos.
Destinam-se a um público amplo e esclarecido, preocupado em compreender melhor os desenvolvimentos da ciência e da vida intelectual contemporânea”.
Em meu artigo Histórias de criação e dilúvio na antiga Mesopotâmia, publicado em 2018, escrevi:
A planície situada nos vales dos rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio, é a antiga Mesopotâmia, nome que vem do grego e significa “terra entre rios”. Esta região foi habitada, em tempos remotos, por povos como os sumérios, os acádios, os assírios e os babilônios.
Os sumérios construíram sua civilização no sul da Mesopotâmia a partir do IV milênio a.C. Foram sucedidos pelos acádios e estes pelos assírios e babilônios. As escavações arqueológicas revelaram o uso da escrita cuneiforme desde o fim do IV milênio, por volta de 3200 a.C. Foram os sumérios os inventores da escrita. Além de toda a Mesopotâmia, a escrita cuneiforme foi empregada também em partes da Síria, da Ásia Menor e do Irã. Ela é chamada de “cuneiforme” porque os sinais gravados na pedra ou na argila têm a forma de cunha.
A assiriologia é o estudo das línguas, história e cultura das pessoas que usaram a escrita cuneiforme. As fontes para a assiriologia são todas arqueológicas, e incluem artefatos com ou sem textos. A maioria dos assiriologistas estuda os textos do Antigo Oriente Médio, gravados principalmente em tabuinhas de argila.
A assiriologia começou como uma disciplina acadêmica com a recuperação dos monumentos da antiga Assíria e a decifração da escrita cuneiforme, lá pela metade do século XIX. Hoje a assiriologia é estudada em muitas universidades mundo afora. O conhecimento das culturas do Antigo Oriente Médio é importante para estudantes de várias disciplinas, como, por exemplo, a Arqueologia, a História, os Estudos Clássicos e os Estudos Bíblicos.
O ano de 1842 marca o início da pesquisa arqueológica no Antigo Oriente Médio, pois foi nesta data que Paul Émile Botta, cônsul francês em Mossul, iniciou as primeiras escavações na região. Logo em seguida entrou em cena o inglês Austen Henry Layard. Ele descobriu a cidade de Nínive, capital assíria, e em 1850 encontrou mais de 20 mil tabuinhas cuneiformes da biblioteca do rei assírio Assurbanípal, que correspondem a cerca de 5 mil textos. Narrativas hoje consideradas importantes, como a Epopeia de Gilgámesh, o Enuma Elish e a Epopeia de Atrahasis, foram encontradas nestas escavações feitas por Layard e seu assistente Hormuzd Rassam. Nesta época os museus da Europa começaram a ser abastecidos com o material que para lá foi transportado. Em 1847, o Museu do Louvre, em Paris, inaugurou sua seção assíria, sendo seguido pelo Museu Britânico, em Londres, em 1853. Importantes nesta empreitada foram igualmente pesquisadores alemães e norte-americanos.
Sobre o livro com a aula inaugural de Dominique Charpin, diz a editora:
Ao contrário das obras herdadas da antiguidade grega ou romana, nenhum texto da civilização mesopotâmica chegou até nós diretamente. O assiriólogo trabalha a partir de textos inscritos em caracteres cuneiformes em tabuinhas de argila. Ele deve reconstruir os textos a partir de fragmentos, colocá-los em ordem cronológica e geográfica para desenvolver gradualmente uma história não só política, mas também social, econômica e cultural da Mesopotâmia. A tarefa é imensa e envolve uma abordagem multidisciplinar que combina arqueologia, epigrafia, filologia e história.
Quem é Dominique Charpin? Veja aqui e aqui.
Veja as publicações de Dominique Charpin aqui e aqui.
E o autor explica sua aula inaugural assim:
Gostaria de mostrar-lhes como a assiriologia se desenvolveu e quais foram as circunstâncias, algumas dos quais persistem ainda hoje. Vou, a partir daí, levá-los ao laboratório do assiriólogo, para descrever seus métodos diários de trabalho. E termino traçando algumas perspectivas de desenvolvimento, para as quais espero poder contribuir aqui no Collège de France nos próximos dez anos.
Je voudrais montrer comment l’assyriologie s’est développée, avec des conditionnements dont certains s’exercent encore aujourd’hui. Je vous entraînerai ensuite dans le laboratoire de l’assyriologue, pour décrire ses méthodes de travail au quotidien. Et j’esquisserai pour finir quelques perspectives de développement auxquelles j’espère pouvoir contribuer ici dans les dix prochaines années.
I would like to show how Assyriology has developed, shaped by various conditions, some of which are still present today. I will then take you into the Assyriologist’s laboratory to describe the methods that are used in day-to-day work. Finally, I will present a few prospects for further developments to which I hope to contribute here over the next ten years.
Dominique Charpin
Après des études d’histoire, d’archéologie et de philologie à la Sorbonne, Dominique Charpin a travaillé en Irak, sur le site de Larsa, et en Syrie, sur les sites de Mari et Mohammed Diyab. Il dirige la Revue d’assyriologie et la Société pour l’étude du Proche-Orient ancien (SEPOA); il est responsable du projet Archibab, consacré aux archives babyloniennes. Il est professeur au Collège de France, titulaire de la chaire de Civilisation mésopotamienne, depuis janvier 2014.
After studying history, archaeology, and philology at the Sorbonne, Dominique Charpin worked in Iraq, on the Larsa site, and in Syria, on the Mari and Mohammed Diyab sites. He heads the Revue d’assyriologie and the Société pour l’étude du Proche-Orient ancien (SEPOA), and manages the Archibab project devoted to Babylonian archives. He is professor at the Collège de France, where he has held the Chair of Mesopotamian Civilization since January 2014.