Bento XVI (1927-2022)

Morreu hoje Bento XVI, Papa Emérito, aos 95 anos de idade.

“É com pesar que informo que o Papa Emérito Bento XVI faleceu hoje às 9h34 [5h34 no horário de Brasília] no Mosteiro Mater Ecclesiae no Vaticano”, escreveu o perfil deBento XVI  1927-2022 notícias do Vaticano no Twitter.

Todas as postagens sobre Bento XVI publicadas no Observatório Bíblico. Em ordem cronológica, da mais recente à mais antiga:

:: O papel de Martini na eleição e renúncia de Ratzinger – 29.07.2015

:: Em carta a Küng, Bento XVI manifesta apoio a Francisco – 11.02.2014

:: Especiais sobre a renúncia de Bento XVI – 17.02.2013

:: A história dos quatro papas que renunciaram – 12.02.2013

:: A renúncia de Bento XVI: artigos e análises – 12.02.2013

:: Papa Bento XVI anuncia renúncia – 11.02.2013

:: Hans Küng e Roma – 31.10.2009

:: Martini e Doré apresentam livro do Papa em Paris – 25.05.2007

:: Geza Vermes resenha livro do Papa sobre Jesus – 20.05.2007

Leia também:

As mortes que marcaram 2022 – G1: 29.12.2022

Os grupos sociais por trás do Pentateuco

JEON, J. (ed.) The Social Groups Behind the Pentateuch. Atlanta: SBL Press 2021, 360 p. – ISBN 9781628374131.

Durante as últimas décadas estudiosos do Pentateuco sugeriram novos modelos de composição para substituir a Hipótese Documentária, mas nenhum consenso surgiu.JEON, J.  (ed.)  The Social Groups Behind the Pentateuch. Atlanta: SBL Press 2021 Os dez ensaios nesta coleção avançam na discussão, mudando o foco dos estudos da estratificação literária de diferentes camadas dos textos para as agendas sociais, econômicas, religiosas e políticas por trás deles.

Em vez de limitar o foco de seus estudos aos grupos de escribas e comunidades dentro do Yehud persa, os colaboradores olham além do Yehud para outras comunidades judaítas na diáspora, incluindo Elefantina e a comunidade samaritana, estabelecendo um contexto acadêmico adequado para definir as diversas vozes do Pentateuco como agora as entendemos.

Este volume consiste principalmente nos trabalhos apresentados na conferência “Quem escreveu o Pentateuco?” realizada na universidade de Lausanne, Suíça, em outubro de 2016, organizada por Thomas Römer e Jaeyoung Jeon.

Os ensaios incluídos nesta obra podem não fornecer as respostas definitivas à questão dos grupos sociais por trás da formação do Pentateuco. No entanto, espera-se que o volume estimule estudos mais amplos e aprofundados sobre esta importante questão.

Os colaboradores incluem Olivier Artus, Thomas B. Dozeman, Innocent Himbaza, Jürg Hutzli, Jaeyoung Jeon, Itamar Kislev, Ndikho Mtshiselwa, Dany Noquet, Katharina Pyschny, Thomas Römer e Konrad Schmid.

O livro está disponível para download gratuito no Projeto ICI da SBL.

Jaeyoung Jeon é professor na Universidade de Lausanne, Suíça.

 

During the last several decades, scholars in pentateuchal studies have suggested new compositional models to replace the Documentary Hypothesis, yet no consensus has emerged. The ten essays in this collection advance the discussion by shifting the focus of pentateuchal studies from the literary stratification of different layers of the texts to the social, economic, religious, and political agendas behind them.

Rather than limiting the focus of their studies to scribal and community groups within Persian Yehud, contributors look beyond Yehud to other Judahite communities in the diaspora, including Elephantine and the Samaritan community, establishing a proper academic context for setting the diverse voices of the Pentateuch as we now understand them.

Jaeyoung Jeon This volume consists mainly of the papers presented at the conference “Who Wrote the Pentateuch?” held at the university of Lausanne in October 2016, organized by Thomas Römer and Jaeyoung Jeon.

The ten essays included in this volume may not provide the final answers to the question of the social groups behind the formation of the Pentateuch. Nevertheless, I hope that the volume will stimulate broader and deeper studies on this significant issue.

Contributors include Olivier Artus, Thomas B. Dozeman, Innocent Himbaza, Jürg Hutzli, Jaeyoung Jeon, Itamar Kislev, Ndikho Mtshiselwa, Dany Noquet, Katharina Pyschny, Thomas Römer, and Konrad Schmid.

Jaeyoung Jeon: M.A. Hebrew Bible (The Hebrew University of Jerusalem); Ph.D. Hebrew Bible (Tel-Aviv University); since 2013, SNF Senior Researcher at University of Lausanne.

Morreu o professor David Clines (1938-2022)

David J. A. Clines, importante estudioso de Bíblia, de origem australiana, morreu em Sheffield no dia 8 de dezembro de 2022.

David J. A. Clines nasceu em Sydney, Austrália, em novembro de 1938 e morreu em Sheffield, em 8 de dezembro de 2022. Ele viveu na Inglaterra desde 1961, masDavid J. A. Clines (1938-2022) permaneceu cidadão australiano. Seu primeiro diploma, na Universidade de Sydney, foi em grego e latim. Continuou seus estudos em Cambridge, especializando-se em Estudos Orientais (hebraico, aramaico e siríaco). Em 1964 foi nomeado Professor no Departamento de Estudos Bíblicos da Universidade de Sheffield, onde passou toda a sua carreira acadêmica.

Sua especialidade sempre foi a Bíblia hebraica e sua contribuição foi a introdução de novos métodos de leitura da Bíblia, ao mesmo tempo em que trabalhava com as formas tradicionais de estudo como, por exemplo, seu comentário sobre Jó e a redação do Dicionário de Hebraico Clássico.

 

David J.A. Clines, a leading biblical scholar in the UK, was born in Sydney, Australia, in November 1938 and died in December 2022 (funeral, memorial service and memorial symposium details now available). He lived in England from 1961, but remained an Australian citizen. His first degree, at the University of Sydney, was in Greek and Latin (BA 1960). He won a travelling scholarship to continue his studies at St John’s College, Cambridge, where he read the Oriental Tripos in Hebrew, Aramaic and Syriac (BA 1963, MA 1967). In 1964 he was appointed Assistant Lecturer in the Department of Biblical Studies at the University of Sheffield, where he spent the whole of his academic career (apart from a temporary appointment in California in 1974–75), becoming in turn Lecturer, Senior Lecturer and Reader. In 1985 he was appointed Professor of Biblical Studies.

His specialism has always been the Hebrew Bible, and his distinctive contribution has been the introduction of new methods of biblical criticism (e.g. rhetorical criticism, reader-response criticism, deconstruction, feminist criticism). At the same time, he has made significant contributions to traditional forms of study, for example his commentary on Job and his editorship of the Dictionary of Classical Hebrew.

Leia A short academic obituary. Veja uma lista das obras de David J. A. Clines.

Adeus à tradição sacerdotal (P) do Pentateuco?

HARTENSTEIN, F.; SCHMID, K. (eds.) Farewell to the Priestly Writing? The Current State of the Debate. Atlanta: SBL Press, 2022, 296 p. – ISBN 9781628372656.

Nas discussões sobre a origem do Pentateuco a tradição sacerdotal (P) constitui tradicionalmente um ponto de referência indiscutível para os diferentes modelos críticosHARTENSTEIN, F.; SCHMID, K. (eds.) Farewell to the Priestly Writing? The Current State of the Debate. Atlanta: SBL Press, 2022, 296 p. das fontes, e é a única camada literária com vocabulário característico e uma concepção teológica que pode ser diferenciada de outros textos não sacerdotais.

Esta tradução em inglês de Abschied von der Priesterschrift? Zum Stand der Pentateuchdebatte (Leipzig: Evangelische Verlagsanstalt, 2015) revisita o debate acadêmico em torno da Hipótese Documentária e a posição do chamado material sacerdotal, seja como uma fonte escrita independente ou como uma redação dentro dos livros de Gênesis a Números. Os colaboradores incluem Christoph Berner, Erhard Blum, Jan Christian Gertz, Christoph Levin, Eckart Otto, Christophe Nihan e Thomas Römer.

Friedhelm Hartenstein é professor de Antigo Testamento na Universidade Ludwig Maximilian de Munique, Alemanha. Konrad Schmid é professor de Bíblia Hebraica e Judaísmo Antigo na Universidade de Zurique, Suiça.

 

No Prefácio da obra os organizadores explicam que a identificação da tradição sacerdotal do Pentateuco, a conhecida fonte P, vista como um escrito independente, é um dos resultados mais significativos da pesquisa histórico-crítica.

Três características nos permitem identificar a tradição P no Pentateuco:
. Os textos duplicados, como, por exemplo, Gn 1 e 2, duas diferentes histórias da criação
. O uso de “Elohim” para falar de Deus ao longo do livro do Gênesis e na primeira parte do livro do Êxodo
. Os conceitos linguísticos e teológicos típicos do pensamento sacerdotal que permeiam vários textos.

No entanto, os últimos quarenta anos – ou seja, a partir dos anos 80 do século XX – testemunharam reviravoltas significativas nas discussões da literatura sacerdotal no Pentateuco. Desde a obra de Frank Moore Cross e de Rolf Rendtorff, o caráter de P como fonte independente tem sido questionado, e desde a obra de Lothar Perlitt e Thomas Pola, o problema de seu final literário tornou-se cada vez mais controverso. Na pesquisa atual, não se pode mais presumir que os textos sacerdotais constituíam uma fonte anteriormente independente, nem que P se estende de Gn 1 a Nm 36.

Independentemente de como alguém avalia essas questões debatidas, continua sendo verdade que a resposta a elas afetará o modelo de composição do Pentateuco de modo significativo. Muitos julgamentos fundamentais sobre o desenvolvimento do Pentateuco, bem como a história da religião e teologia do antigo Israel e Judá, dependem de avaliações crítico-literárias do escrito P. Tanto as hipóteses documentárias mais antigas quanto as mais recentes o consideram a narrativa básica do Pentateuco. A tradição P está, portanto, no centro das mais importantes teorias histórico-literárias sobre a formação da Bíblia Hebraica.

HARTENSTEIN, F.; SCHMID, K. (eds.) Abschied von der Priesterschrift? Zum Stand der Pentateuchdebatte. Leipzig: Evangelische Verlagsanstalt, 2015, 264 p. - ISBN 9783374033614Quer alguém mantenha, abandone ou modifique a hipótese da tradição P, os ensaios neste volume oferecem observações e argumentos a favor de cada uma dessas posições, que devem informar as decisões acadêmicas em qualquer direção.

O presente volume contém os textos da conferência “Adeus ao Código Sacerdotal? O estado atual do debate sobre o Pentateuco” parte da seção Bíblia Hebraica/Antigo Testamento na Wissenschaftlichen Gesellschaft für Theologie, que aconteceu em Stuttgart-Hohenheim, Alemanha, de 17 a 19 de maio de 2012.

Agradecemos aos palestrantes Christoph Levin (Munique), Erhard Blum (Tübingen), Jan Christian Gertz (Heidelberg), Christoph Berner (Göttingen, agora Kiel), Eckart Otto (Munique), Christophe Nihan (Lausanne) e Thomas Römer (Lausanne e Paris) por suas contribuições que fornecem um panorama do estado atual das discussões sobre os textos sacerdotais no Pentateuco.

 

In discussions of the origin of the Pentateuch, the Priestly source traditionally constitutes an undisputed reference point for different source-critical models, and it is the only literary layer with concise terminology and a theological conception that can be extracted from a non-Priestly context. This English translation of Abschied von der Priesterschrift? Zum Stand der Pentateuchdebatte revisits the scholarly debate surrounding the Documentary Hypothesis and the so-called Priestly material’s position either as an independent written source or as a redaction within the books of Genesis through Deuteronomy. Contributors include Christoph Berner, Erhard Blum, Jan Christian Gertz, Christoph Levin, Eckart Otto, Christophe Nihan, and Thomas Römer.

Friedhelm Hartenstein is Professor of Old Testment at Ludwig Maximilian University of Munich. He is the author of Die bleibende Bedeutung des Alten Testaments (2016), coeditor of Psalmen und Chronik (2017), and coauthor of The Hermeneutics of the Ban on Images: Exegetical and Systematic Theological Approaches (2021).

Konrad Schmid is Professor of Hebrew Bible and Ancient Judaism at the University of Zurich. Schmid is the author of A Historical Theology of the Hebrew Bible (2019), coauthor of The Making of the Bible (2021) and coeditor of A Farewell to the Yahwist? The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation (2006).

 

Foreword

Identifying the Pentateuch’s Priestly Code as an originally independent source is one of the most prominent and recognized results of historical biblical scholarship. The success of this hypothesis is due to three basic observations, which have been described and expressed many times ever since biblical criticism’s beginnings. First, there are the notable doublets of certain narrative materials. Second, the theological conception of ‫אלהים‬ is a characteristic of these writings, which, like the first feature of doublets, is essentially limited to Genesis and the first part of the book of Exodus. And third, linguistically and theologically peculiar concepts have greatly supported theFriedhelm Hartenstein identification of Priestly text segments. Particularly striking is how frequently these first two observations overlap, with traditions of doublets often using ‫אלהים‬ terminology in one of the versions.

However, the last forty years have witnessed significant developments in discussions of the Priestly literature in the Pentateuch. Since the work of Frank Moore Cross and Rolf Rendtorff, P’s character as an independent source has been questioned, and since the work of Lothar Perlitt and Thomas Pola, the problem of its literary ending has become increasingly controversial. In current research, one can no longer presume that the Priestly texts were a formerly independent source, nor that P extends from Gen 1 to Nm 34.

Regardless of how one assesses these debated questions, it remains true that the response to them will impact one’s model of the Pentateuch’s composition in fundamental ways. Many foundational judgments regarding the Pentateuch’s development, as well as ancient Israel and Judah’s history of religion and theology, depend on literary-critical assessments of the Priestly texts. Both the older and newer documentary hypotheses have considered it the Grundschrift of the Pentateuch, and some more recent approaches to the Pentateuch’s composition argue that it either inaugurates or at least propagates the canonical portrait of a transition from the ancestral to the exodus narratives. The Priestly Code is thus at the center of crucial literary-historical theories about the formation of the Hebrew Bible.

Konrad Schmid

Whether one maintains, abandons, or modifies the hypothesis of the Priestly Code, the essays in this volume offer observations and arguments in favor of each of these positions, which should inform scholarly decisions in either direction.

The present volume contains proceedings from the conference “Farewell to the Priestly Code? On the State of the Pentateuchal Debate,” part of the Hebrew Bible/Old Testament section at the Wissenschaftlichen Gesellschaft für Theologie, which took place in Stuttgart-Hohenheim on 17–19 May 2012.

We thank the speakers Christoph Levin (Münich), Erhard Blum (Tübingen), Jan Christian Gertz (Heidelberg), Christoph Berner (Göttingen, now Kiel), Eckart Otto (Munich), Christophe Nihan (Lausanne), and Thomas Römer (Lausanne and Paris) for their contributions that supply a picture of the current state of discussions about the Priestly texts in the Pentateuch.

Friedhelm Hartenstein and Konrad Schmid
Munich and Zurich, July 2022

Morreu a biblista Romi Auth

Morreu, no dia 8 de dezembro de 2022, a Ir. Romi Auth, FSP.

Romi Auth era religiosa da Congregação das Filhas de São Paulo (Paulinas). Bacharel em Filosofia e Teologia e Mestra em Teologia Bíblica pela Pontifícia UniversidadeRomi Auth Gregoriana, Roma, Itália. É autora de livros de teor teológico e bíblico da Paulinas Editora. Atuava no Projeto Bíblia em Comunidade do SAB/Paulinas.

Romi pertenceu ao grupo dos Biblistas Mineiros.

Carta da ABIB sobre projeto de lei que proíbe alterações ou acréscimos no texto da Bíblia

São Paulo, 1 de dezembro de 2022

Ilmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados

Arthur Lira (PP-AL)

Ref. Projeto que “proíbe alterações ou acréscimos no texto bíblico”

Pela presidência da ABIB (Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica), dirigimo-nos a Vossa Excelência para manifestar nossa inquietação sobre o projeto de Lei N° 4.606, de 2019, aprovado por esta respeitosa casa – ainda que em regime de urgência, conforme noticiado nos jornais no último dia 23 – proibindo alterações ou acréscimos na Bíblia.

Criada em 2004, durante um congresso que reuniu pesquisadores(as), professoras(es) e estudantes na área de estudo e pesquisa bíblica, das mais diversas confissõesBiblia Hebraica Stuttgartensia religiosas, a ABIB tornou-se o espaço privilegiado do pensamento crítico das hermenêuticas e exegeses bíblicas. E é mediante esse acervo de estudos que nos credenciamos para manifestar total desacordo com os termos e objetivos do citado projeto. Diante de tal proposta, questionamos:

1) Redigidos, originalmente, em hebraico e grego, e canonizados nos anos de 85 d.C., pelos sábios judeus reunidos na assembleia de Jâmmia, como é possível alterar, séculos depois, as páginas do AT (Antigo Testamento)? A mesma questão aplica-se aos textos do NT (Novo Testamento). A prática de Jesus de Nazaré foi essencial para o surgimento dos primeiros textos paulinos – surgidos entre os anos 54 a 64 d.C. – e, mais tarde acrescidos pelos evangelistas e líderes comunitários preocupados em preservar os ensinamentos expostos por Jesus de Nazaré.

2) O Art. 1° afirma: “Fica vedada qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada…”. Mediante tal propositura, perguntamos: quem será esta pessoa ou entidade capaz de fiscalizar essas possíveis alterações? Seria esta a mais nova atribuição da Câmara dos Deputados?

3) Sobre isso, questionamos igualmente: de qual Bíblia estamos falando? Para o Antigo Testamento há ao menos dois cânones (lista oficial de livros inspirados): o hebraico e o grego, com diferentes versões para os mesmos livros e, mesmo, passagens bíblicas, além de o cânon grego acrescentar livros que não se encontram no cânon hebraico. Devido a isso, as igrejas cristãs adotaram diferentes conjuntos de livros. As igrejas de tradição evangélica adotam o que se considera “cânon breve”; a Igreja Católica adota o “cânon médio”, com sete livros a mais que o cânon evangélico; as Igrejas de tradição ortodoxa adotam “cânon longo”, com outros cinco ou seis livros. Qual destes cânones – hebraico, grego, protestante-evangélico, católico ou ortodoxo – será o padrão para se estabelecer o que é “acrescentado” e o que é “retirado” da Bíblia? O projeto parece não levar em conta este fato ligado ao desenvolvimento histórico do cânon e que não pode ser eliminado por decreto.

4) Também não podem ser eliminadas por decreto as divergências entre os manuscritos que contêm as primeiras cópias dos livros sagrados. Deve-se levar em conta que não existe um único versículo bíblico que esteja com as mesmas palavras em todos os manuscritos. O processo de formação e desenvolvimento da Bíblia supõe, já desde os inícios, acréscimos, supressões e mudanças de palavras.

5) Nesta mesma linha, o fato de os originais terem sido escritos em hebraico e grego (para não falar também de aramaico, siríaco, copta, armeno, boairico e latim), a tradução de um texto bíblico é atividade extremamente complexa, pois a mesma palavra em grego ou hebraico pode (e, por vezes, deve) ser traduzida de mais de uma maneira para o português. Perguntamos: a Câmara de Deputados irá arbitrar também para cada uma das infinitas divergências e possibilidades de tradução e de interpretação de uma mesma palavra ou frase?

6) Nossas igrejas professam que a correta interpretação das Sagradas Escrituras conjuga um esforço pessoal de leitura, análise exegética – muitas vezes um esmerado trabalho de tradução dos textos originais encontrados em aramaico, hebraico, grego e latim, conjugados com a ação do Espírito Santo. Como é possível controlar a produção de um vasto campo hermenêutico?

The Greek New Testament7) Mais absurdo é pensar combater a “Intolerância Religiosa” – optamos por manter o destaque exposto no projeto –, com o frágil argumento de garantir “uma vez por todas, a inviolabilidade de sua redação e sua explanação pública no Brasil”, quando sabemos que qualquer tipo de intolerância ocorre por ignorância ou livre desejo de cometer tal ato violento e que só será superado por um processo contínuo de aprimoramento do sistema educacional.

8) Permita-nos, ainda, um último aceno. Ao recorrer ao texto de João 8,32 – “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”, o projeto reedita a única hermenêutica condenada por todas as igrejas cristãs que se debruçam, há séculos, sobre as Escrituras e nelas encontram meios para manifestar, na sociedade brasileira e no mundo, os sinais do Reino de Deus, a saber: a leitura fundamentalista. Leitura essa, que prescinde dos contextos literários, históricos, filológicos e redacionais ao interpretar os textos bíblicos ao pé da letra, como se fossem palavras escritas, hoje, em algum órgão de imprensa!

Certos de estarmos abrindo um espaço de um frutuoso diálogo com esta Casa de Leis, provocado pela aprovação do referido projeto, subscrevemo-nos no desejo de colaborar para que as igrejas, alicerçadas nas páginas das Sagradas Escrituras, sigam colaborando na superação de todo e qualquer tipo de violência.

A carta é assinada por Antonio Carlos Frizzo, Presidente da Abib e por Kenner Terra, Secretário da Abib.

Faça o download da carta, em pdf, clicando aqui.