Rumo a uma Igreja sem padres? Um só povo de Deus, muitos ministérios. Um debate – IHU: 06 Julho 2021
No Ocidente, está caindo o número de presbíteros, mas não está diminuindo o clericalismo. Enquanto nas paróquias tudo continua girando em torno da figura do padre, o Papa Francisco se concentra nos ministérios instituídos reconhecendo o papel dos catequistas e abrindo às mulheres o leitorado e o acolitado. Estamos indo rumo a uma Igreja em que o único povo sacerdotal exercerá diversos ministérios, ordenados e instituídos? Será um tema do próximo Sínodo?
Falamos sobre isso neste debate em que reunimos em torno de uma mesa virtual algumas vozes autorizadas de protagonistas e especialistas:
:. Dom Erio Castellucci, 60 anos, arcebispo de Modena-Nonantola, bispo de Carpi e novo vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI).
:. Paola Lazzarini Orrù, 45, presidente do movimento Donne per la Chiesa [Mulheres pela Igreja] e autora do livro “Non tacciano le donne in assemblea. Agire da protagoniste nella Chiesa” [Não calem as mulheres na assembleia. Agir como protagonistas na Igreja, em tradução livre] (Ed. Effatà, 2021).
:. Marco Marzano, 58 anos, professor de Sociologia da Universidade de Bérgamo, especialista em processos organizacionais e estudioso dos aspectos sociológicos do catolicismo, autor do livro “La casta dei casti. I preti, il sesso e l’amore” [A casta dos castos. Os padres, o sexo e o amor, em tradução livre] (Ed. Bompiani, 2021).
:. O Pe. Dario Vitali, 65 anos, diretor do Departamento de Teologia Dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana e estudioso de eclesiologia e ministérios, autor do livro “Diaconi: che fare?” [Diáconos: o que fazer?, em tradução livre] (Ed. San Paolo 2019).
A reportagem é de Giovanni Ferrò e Paola Rappellino, publicada por Jesus, de julho de 2021.
Algumas frases:
Devemos ter a coragem – até mesmo correndo o risco de sermos impopulares – de reestruturar os bens que podem verdadeiramente estar a serviço do Evangelho e das pessoas, especialmente dos mais desfavorecidos, mas não devemos perder tempo e energias demais tentando conservar aquilo que, pelo contrário, não serve mais (Erio Castellucci).
Imagino uma Igreja que finalmente supere o modelo feudal, que não tenha mais na paróquia o único eixo em torno do qual se constrói toda a sua presença. Mas diria mais: uma Igreja que deve manter em mente o fato de que a presença física e territorial não é a única com a qual é preciso lidar. No lockdown, todos experimentamos uma vida comunitária e formas de ritos que foram vividos fora das paróquias, que nos colocaram em comunicação e criaram comunidades sem ter o seu eixo no pertencimento territorial. É claro que os sacramentos são os nossos “pés no chão”, que nos fazem ficar fisicamente no território. Mas existe toda uma outra dimensão da partilha, da oração, do apoio recíproco que é cada vez mais – e provavelmente em parte sempre foi – extraterritorial e também vive fora das paróquias (Paola Lazzarini Orrù).
Em síntese extrema, como estudioso, eu vejo assim: uma grande estrutura como a Igreja Católica, a mais importante, impressionante, extraordinária organização da história humana, com 2.000 anos de história, com um enraizamento enorme, não muda pelas mãos dos teólogos. A Igreja é uma estrutura de poder – do modo como nos foi transmitida até hoje – baseada em três pilares: o poder dos homens sobre as mulheres; o do clero sobre os leigos; e o de Roma sobre o resto do mundo. Essas três características são o núcleo duro que se cristalizou ao longo do tempo. A cristalização é a consequência de uma inércia estrutural que diz respeito a todas as organizações e certamente não apenas à Igreja Católica. A inércia se manifesta também na permanência de uma atitude conservadora enraizada na classe dirigente, mas também no povo. Além disso, deve-se levar em conta que a mudança seria muito custosa, a ponto de produzir um cenário altamente incerto. Em outras palavras, se sairmos do velho modelo, para onde iremos? Quem deveria promover uma mudança, portanto, deveria ser uma classe dirigente eclesiástica que decidisse que as reformas devem ser feitas de forma absoluta, a todo o custo. Mas também seriam necessárias pressões populares reformadoras, que não me parecem existir ou que, no mínimo, não são suficientes hoje (Marco Marzano).
Será decisivo abordar as questões referentes à sinodalidade. Parece-me que esse é o único caminho verdadeiro, que está realizando uma recepção do Vaticano II, inserindo um debate de verdade que pode levar a uma reavaliação das posições. Deve ser posto em prática aquele processo sinodal desenhado pela constituição apostólica Episcopalis communio (2018) de Francisco, que infelizmente passou em silêncio. Fazendo o Sínodo passar de evento a processo, o papa indica três fases de um processo que realiza a participação de todos na Igreja: a consulta ao povo de Deus, o discernimento sobre as realidades que surgiram do povo de Deus e a implementação daquilo que foi decidido com base em uma escuta e em um diálogo contínuo. Portanto, acho que é possível começar a fazer perguntas de grande importância como o direito de palavra, o direito de decisão com base na corresponsabilidade, dar importância ao consenso – aquilo que na Igreja antiga era conhecido como conspiratio – para se chegar a um pensamento compartilhado e a uma prática compartilhada (…) O próximo Sínodo dos Bispos poderá ser uma grande, grandíssima oportunidade nesse sentido. Também por causa do protagonismo do Povo de Deus. Aqui tomo a liberdade de dizer que seria bom insistir no Povo de Deus, e não nos leigos, como ouço em muitos lados. Por quê? Na relação padres-leigos, jogada inevitavelmente no registro do poder, o risco é de que os leigos acabem sempre em uma posição subordinada. Prefiro insistir no Povo de Deus, em relação ao qual o ministro é sempre aquele que serve. Na minha opinião, é uma questão de grande importância, que permite introduzir o tema do sacerdócio comum como fundamento dos carismas, ministérios, vocações, uma realidade multiplicada na ordem do Espírito que pode fazer uma Igreja verdadeira e totalmente ministerial (Dario Vitali).
In Occidente cala il numero dei presbiteri ma non diminuisce il clericalismo. Mentre nelle parrocchie tutto continua a ruotare attorno alla figura del prete, papa Francesco punta sui ministeri istituiti riconoscendo il ruolo dei catechisti e aprendo alle donne il lettorato e l’accolitato. Si va verso una Chiesa in cui l’unico popolo sacerdotale eserciterà diversi ministeri, ordinati e istituiti? Sarà un argomento del prossimo Sinodo? Ne dibattiamo in queste pagine con quattro pastori e studiosi: monsignor Erio Castellucci, vescovo di Modena e vicepresidente della Cei; don Dario Vitali, docente della Gregoriana; Paola Lazzarini Orrù, presidente di Donne per la Chiesa e Marco Marzano, professore di Sociologia all’Università di Bergamo.