Gostaria de sugerir algumas tarefas para futuras pesquisas históricas sobre o antigo Israel.
a) A história tradicional dos eventos continuará a ser importante no futuro. Não é dispensável de forma alguma. Precisamos de um quadro cronológico estável para conectar outros fatos com esse quadro. Também precisamos dele para trabalhos arqueológicos. A datação arqueológica absoluta na Idade do Ferro está sempre ligada a uma história de eventos. Até agora, não temos métodos de datação exatos para os períodos anteriores à cunhagem de moedas. A datação por carbono 14 e outros métodos não são realmente exatos. Eles têm uma variação de 50 anos para mais ou para menos. A diferença de cinquenta anos pode fazer com que um item específico seja datado na época salomônica ou na época omrida.
b) A história dos eventos não pode ser limitada apenas à região de Israel e Judá. Eventos históricos no Egito, Ásia Menor, Mesopotâmia, Grécia, Síria, Arábia e Transjordânia sempre influenciaram o desenvolvimento de Israel e Judá. O Levante sul não era uma ilha, sempre esteve muito ligado aos países vizinhos. Isso é até confirmado pela própria Bíblia. As elites intelectuais em Judá e Israel observavam com muita atenção a situação nos países vizinhos, como podem demonstrar os oráculos contra as nações nos livros dos profetas.
c) A história de Israel e Judá não pode ser isolada da história da religião e do desenvolvimento das ideias teológicas. Datar textos bíblicos torna-se cada vez mais problemático, e os estudiosos até evitam datar um texto. No entanto, a história sempre interage com os desenvolvimentos das concepções teológicas e da história da religião. Um passo importante na pesquisa histórica futura será ligar esses dois campos e entender mais claramente por que as elites intelectuais influenciadas por ideias teológicas ou ideológicas reagiram de uma maneira específica, e como as concepções religiosas e teológicas são influenciadas pelas mudanças históricas.
d) Condições naturais quase permanentes, chamadas por Fernand Braudel e outros de longue durée, são muito importantes para reconstruir a história. As condições da agricultura, recursos naturais, rotas comerciais e outros ajudam a compreender melhor os desenvolvimentos históricos. Os resultados arqueológicos podem ser combinados com uma longue durée. A título de exemplo, as instalações produtoras de óleo de oliva encontradas apenas no período calcolítico na área de Golã demonstram um interesse econômico específico durante este período. O mesmo é verdade para a Sefelá durante a Idade do Ferro, com muitas instalações de prensagem de óleo, especialmente em Tel Miqne.
e) As ciências naturais precisam estar mais no foco da pesquisa histórica. Notas baseadas na história do clima, como análise de pólen, dendroclimatologia ou pesquisa sobre estalactites, raramente são mencionadas em livros que tratam da História de Israel. Em relatórios de escavações, artigos sobre arqueobotânica, arqueozoologia e análise de metais são, entretanto, comuns. No entanto, ainda carecemos de estudos significativos combinando essas abordagens científicas para entender os hábitos alimentares regionais, o impacto da agricultura ou conexões comerciais baseadas na metalurgia, comércio de marfim, comércio de basalto e outros.
f) A arqueologia não apenas apresenta a história dos sítios, mas a arqueologia regional também pode demonstrar os desenvolvimentos históricos mais amplos. Geralmente, temos que considerar cada vez mais os desenvolvimentos regionais dentro de um país ou estado. Algumas regiões podem florescer durante um período específico por causa de seus centros econômicos e novos métodos de produção, enquanto outras ficarão para trás.
g) Além disso, ainda existem tópicos específicos quase esquecidos pelos arqueólogos como relevantes para a reconstrução da história. Ainda necessitamos de mais estudos tratando de equipamento e organização militar, desenvolvimentos arquitetônicos, infraestrutura comercial, artesanato e outros.
h) A história 2.0 deve ser, em minha opinião, o resultado de uma combinação de todos os campos importantes para reconstruir a história: exegese bíblica, linguística, filologia, epigrafia, teologia, arqueologia, história da religião, arquitetura, instituições sociais, comércio, economia, jurisdição, culto e diferentes campos das ciências naturais. Apenas uma equipe de pesquisadores trabalhando em conjunto e discutindo seus resultados será capaz de fazer tal programa de pesquisa. A verdadeira crise da pesquisa histórica sobre o antigo Israel é, a meu ver, uma crise produzida pela concentração principalmente na Bíblia como fonte. Se adicionarmos mais disciplinas para compreender melhor o desenvolvimento histórico, obteremos mais testemunhas para provar ou refutar uma teoria – assim como é exigido em Dt 19,15 que, no âmbito jurídico, diz: Uma única testemunha não é suficiente contra alguém, em qualquer caso de iniquidade ou de pecado que haja cometido. A causa será estabelecida pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas.
Fonte: ZWICKEL, W. Perspectives on the Future of Biblical Historiography. In: KALIMI, I. (ed.) Writing and Rewriting History in Ancient Israel and Near Eastern Cultures. Wiesbaden: Harrassowitz, 2020, p. 43-44.
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VII. Summary: History 2.0
To sum up, I would like to suggest some goals for future historical work:
a) The traditional history of events will continue to be important in the future. It is not dispensable at all. We need a stable chronological frame in order to connect other facts with this frame. We also need it for archaeological work. Absolute archaeological dating in the Iron Age is always linked to a history of events. Until now we do not have exact dating methods for the periods before minting coins. C14 and other methods are not really exact in our sense. They have a range of 50 years or so. Fifty-year difference can make a specific item be dated either to the Solomonic or to the Omride period!
b) History of events cannot be limited to the area of Israel and Judah alone. Historical events in Egypt, Asia Minor, Mesopotamia, Greece, Syria, Saudi-Arabia and Transjordan always influenced the development in Israel and Judah. The southern Levant was not an isolated insula but was always well connected with the neighboring countries. This is even confirmed by the Bible itself. Elites in Judah and Israel observed very carefully the situation in all other countries as the judgements on neighboring countries in the books of prophets may demonstrate.
c) History of Israel and Judah cannot be isolated from history of religion and the development of theological ideas. Dating biblical texts becomes more and more problematic, and scholars even avoid dating a text. Nevertheless, history always interacts with developments in theological conceptions and history of religion. An important step in future historical research will be to link these two fields and to understand more clearly why elites influenced by theological or ideological ideas reacted in a specific way, and how religious and theological conceptions are influenced by historical changes.
d) Nearly permanent natural conditions, called by Fernand Braudel and others as longue durée, are very important for reconstructing history. Conditions for agriculture, natural resources, trade routes and others help to understand historical developments much better. Archaeological results can be combined with a longue durée. As an example oil producing installations only found in the Chalcolithic period in the Golan area demonstrate a specific economical interest during this period. The same is true for the Shephelah during the Iron Age with plenty of oil pressing installations especially in Tel Miqne.
e) Natural sciences need to be more in the focus of historical reseach. Notes based on climate history like pollen analysis, dendroclimatology or research on stalactites are seldom referred to in books dealing with the History of Israel. In excavations reports, papers about archaeobotany, archaeozoology and metal analysis are meanwhile typical. However, we still lack significant studies combining these scientific approaches to understand regional food habits, impact of agriculture or trade connections based on metallurgy, ivory trade, basalt trade and others.
f) Archaeology not only presents history of sites, but landscape and regional archaeology can also demonstrate the historical developments of regions. Generally, we have to consider more and more the regional developments within a country or a state. Some regions may flourish during a specific period because of their economic centers and new methods of production, while others will drop behind.
g) Additionally, there are still specific topics being nearly forgotten by archaeologists as relevant topics for reconstructing history. We still require some studies dealing with military equipment and organization, architectural developments, trade infrastructure, handcraft and others.
h) History 2.0 must be in my opinion result in a combination of all fields being important for reconstructing history: Biblical exegesis, linguistic, philology, epigraphy, theology, archaeology, history of religion, architecture, social institutions, trade, economy, jurisdiction, cult and different fields of natural sciences. Only a group of researchers working closely together and discussing their results will be able to do such a research program. The actual crisis of historical research is, in my eyes, a crisis produced by the concentration on mostly the Bible as a source. If we add more disciplines to understand historical development better, we will get more witnesses to prove or disprove a theory – just as it is demanded in Deut 19:15.