Um roteiro para o estudo da Septuaginta

Recomendo o artigo de Leonardo Pessoa da Silva Pinto, brasileiro, Professor no Pontifício Instituto Bíblico. Uma contribuição valiosa, escrita com clareza, em assunto pouco conhecido em nosso meio. Está disponível em pdf na ReBiblica, v. 1, n. 2, p. 186-198, jul.-dez. 2018.

Redescobrindo a Septuaginta: Itinerário para o estudo da Bíblia Grega

Leonardo Pessoa da Silva Pinto

RESUMO
Este artigo apresenta a redescoberta da Septuaginta ocorrida na pesquisa contemporânea, com o aumento considerável na produção bibliográfica e o surgimento de novos projetos, movimento que teve pouco impacto na pesquisa bíblica no Brasil. O objetivo desta contribuição é indicar as obras e tendências recentes mais importantes nos estudos sobre a Septuaginta, bem como oferecer uma avaliação das mesmas, a fim de que o biblista ou o estudante ainda não familiarizado com a literatura especializada sobre a LXX possa seguir um itinerário de aprofundamento neste campo, segundo os próprios interesses acadêmicos. Oferece-se uma bússola para que o iniciante possa se orientar na imensa bibliografia a respeito, mas também uma via para o iniciado que deseje aprofundar temas específicos relacionados à LXX. Conhecer o estado atual da pesquisa sobre a Septuaginta, bem como as perspectivas que se abrem para o futuro, é essencial para a exegese seja do Antigo, seja do Novo Testamento; a Bíblia grega não pode mais ser relegada a uma posição secundária no campo dos estudos bíblicos.

 

Na introdução do artigo, Leonardo explica:

Nas últimas décadas houve uma redescoberta da Septuaginta que provocou uma enxurrada de novas teses doutorais, projetos de pesquisa, traduções e comentários HARL, M.; DORIVAL, G.; MUNNICH, O. A Bíblia grega dos Setenta: do judaísmo helenístico ao cristianismo antigo. São Paulo: Loyola, 2007.sobre o texto da LXX. O interesse pela Septuaginta não se limita mais à sua importância para se emendar o texto hebraico, mas ela se tornou campo de pesquisa em si mesma, dentro do qual vários subcampos vão surgindo, como se verá abaixo. Não obstante esse aumento no interesse pela Septuaginta e na bibliografia a seu respeito no cenário internacional, a LXX parece ter despertado pouca atenção entre os pesquisadores brasileiros. Recentemente, ao descrever a situação da pesquisa sobre a LXX no Brasil e no restante da América do Sul para o Journal of Septuagint and Cognate Studies, Rodrigo Franklin de Sousa pôde intitular seu artigo “mapeando um território inexistente” (2018, p. 62-64). Mesmo considerando que algumas iniciativas tenham sido omitidas naquele artigo, é preciso reconhecer que a LXX permanece numa situação marginal na pesquisa e na produção bibliográfica brasileiras. Nesta situação, é possível que o pesquisador brasileiro tenha dificuldades até mesmo para saber como iniciar a pesquisa sobre a LXX. Neste artigo, serão apresentados os instrumentos para o estudo da LXX, com um comentário sobre sua qualidade e utilidade, bem como alguns dos projetos importantes em curso. Será oferecido um itinerário para o não especialista em estudos da Septuaginta, desde o completo iniciante até quem recebeu apenas noções introdutórias. Como se verá, um dos maiores problemas para o biblista de língua portuguesa é a falta de literatura no nosso idioma. Além do grego, o conhecimento do inglês, neste contexto, se torna praticamente obrigatório.

E na conclusão diz:

RAHLFS, A. ; HANHART, R. (eds.) Septuaginta. Editio altera. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2007.Para que o Brasil seja um dia colocado no mapa dos estudos da Septuaginta, é necessário que o pesquisador brasileiro se familiarize com as questões mais importantes e os estudos a seu respeito, e então os leve em consideração no seu trabalho de exegese e de interpretação bíblica. Passar de uma noção apenas geral e superficial a uma compreensão mais aprofundada sobre a LXX e o impacto que pode ter em todas as dimensões do trabalho exegético é um pré-requisito para se aproveitar todo o potencial da tradução grega. Desde boas introduções até monografias especializadas, hoje não faltam instrumentos para o estudo da LXX, embora devamos admitir que a disponibilidade de material em língua portuguesa ainda deixa muito a desejar. Muitas tendências na pesquisa bíblica chegam ao Brasil com décadas de atraso e a questão da revalorização da Septuaginta não é uma exceção. Espero que este artigo sirva de auxílio e itinerário para quem desejar entrar nesse mundo apaixonante e tão fundamental para os estudos bíblicos, e possa contribuir para que a LXX deixe de ser no nosso meio uma ilustre desconhecida.

Revista Brasileira de Interpretação Bíblica – julho-dezembro 2018

Interpretação de textos bíblicos: Tendências e debates

Na esteira dos primeiros artigos da Revista Brasileira de Interpretação Bíblica – ReBiblica, este segundo fascículo continua a enfocar questões candentes e tendências na pesquisa bíblica nestes últimos anos da segunda década do século XXI. Cinco artigos formam um conjunto bastante diverso quanto às abordagens, mas muito equilibrado quanto ao material analisado: dois estudos sobre a Bíblia Hebraica, um sobre a Bíblia Grega (Septuaginta) e dois sobre o Novo Testamento.

Revista Brasileira de Interpretação Bíblica – ReBiblicaIniciamos com um artigo sobre um dos salmos mais musicados da história do judeu-cristianismo. Em O Salmo 150 à luz da Análise Retórica Semítica, Waldecir Gonzaga apresenta-nos novas perspectivas da riqueza e da profundidade do texto de encerramento do Saltério, a fim de que possamos estudá-lo, rezá-lo e vivenciá-lo de modo renovado.

Em “Casa de oração para todos os povos”: O estrangeiro na sociedade pós-exílica à luz de Is 56,1-8, Heitor Carlos Santos Utrini analisa a teologia do texto isaiano, com especial destaque para a figura do estrangeiro, e situa tal oráculo em seu contexto histórico.

Neste fascículo, o artigo internacional é-nos oferecido por Leonardo Pessoa da Silva Pinto, que neste semestre leciona no Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Em Redescobrindo a Septuaginta: Itinerário para o estudo da Bíblia Grega, Leonardo resume e avalia a discussão atual e oferece, como indicado no subtítulo, um itinerário seguro para iniciantes e iniciados no estudo da Bíblia dos judeus de Alexandria.

Passando ao Novo Testamento, a controvérsia sobre cura em Mateus 12,22-32 é analisada por Marcelo da Silva Carneiro no artigo intitulado Em nome de quem? O autor utiliza variadas ferramentas da exegese e da análise sócio-política para analisar e discutir possessões demoníacas e a autoridade de Jesus, da comunidade de Mateus e da Igreja de hoje no que se refere a curas e exorcismos.

Por fim, novo artigo sobre leitura decolonial. Em Abordagem pós-colonial e decolonial em Paulo: A Carta aos Romanos, Flávio Martinez de Oliveira nos convida a ler em nova perspectiva aquela célebre epístola paulina e ver nela “a proposta de uma sociedade alternativa com base na justiça escatológica de Deus, que não implica revolta, mas resistência em solidariedade e amor mútuo”.

Com este fascículo fechamos o primeiro volume anual de ReBiblica (2018), com a certeza de que os artigos publicados demonstram não apenas o amadurecimento da pesquisa bíblica no Brasil, mas também o amadurecimento dos leitores interessados na leitura científica do texto bíblico.

Cássio Murilo Dias da Silva – Editor

Sobre o Congresso Internacional de Estudos Bíblicos em Buenos Aires

Recebi de meu amigo e colega Cássio Murilo Dias da Silva um relato sobre o Congresso Internacional de Estudos Bíblicos realizado em Buenos Aires entre os dias 16 e 19 deste mês. Abaixo, o texto do Cássio.

 

Em comemoração aos oitenta anos da Revista Bíblica publicada na Argentina, realizou-se em Buenos Aires, na semana passada, entre os dias 16 e 19 de julho, o Congresso Internacional de Estudos Bíblicos. O evento foi uma realização conjunta de três associações de biblistas: ABA (Associação Bíblica Argentina), ABIB (Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica) e ABM (Associação de Biblistas do México). O comitê organizador teve a participação de dois brasileiros: Cássio Murilo Dias da Silva e Telmo José Amaral de Figueiredo.

O Congresso teve lugar no teatro da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica Argentina (UCA) e contou com a participação de mais de 400 biblistas de 23 países. Além dos países de todas as Américas (Norte, Central, Sul e Caribe), também europeus (Espanha, Itália e Áustria) e do Oriente Médio (Líbano). Os brasileiros eram 58, do norte ao sul do Brasil, e formaram o segundo grupo mais numeroso, perdendo apenas para os argentinos.

Como a motivação para o Congresso era o 80º aniversário da Revista Bíblica, o tema geral foi “A exegese na América Latina 80 anos depois”. As conferências e os trabalhos foram divididos em três grandes blocos: pessoas, temas e métodos.

O primeiro dia foi dedicado às pessoas, com três painéis sobre os pioneiros na divulgação e no estudo da Bíblia em nosso continente:Congresso Internacional de Estudos Bíblicos em Buenos Aires em 2019

1) Johannes Straubinger y la Revista Bíblica (Luis H. Rivas – Pablo Pastrone)
2) Los pioneros de la exégesis en América Latina: Brasil y Argentina (Valmor da Silva – Luis Oscar Liberti)
3) Los pioneros de la exégesis en los Países Andinos y Centro- y Norteamérica (Leif Vaage – Fernando F. Segovia – Ahida Pilarski)

O segundo dia, dedicado a temas e textos preferidos, teve três grandes conferências, cada uma delas com uma avaliação crítica:
1) El Éxodo (José E. Ramírez Kidd; avaliação crítica: Dominik Markl)
2)¿Donde están los recursos? Compartir para eliminar la desigualdad – El caso de la viuda de Sidônia – 1Reyes 17,7-16 (Paulo Ueti; avaliação crítica: Michael Floyd)
3) Hermenéutica Latinoamericana de los Evangelios (Néstor Míguez; avaliação crítica: Massimo Grilli)
Na segunda parte da tarde do segundo dia, ocorreram dez seminários e minicursos, vários deles coordenados ou com a participação de brasileiros.

O terceiro dia foi dedicado aos métodos de leitura. No período da manhã, uma grande conferência – Lectura popular de la Biblia (Ralf Huning) – seguida por dez seminários e minicursos, também com destacada atuação de brasileiros. A tarde do terceiro dia teve novo painel para todos os participantes – Hermenéutica latinoamericana (Paula Andrea García Arenas e Juan Alberto Casas Ramírez) e mais nove seminários e minicursos, com presença de brasileiros na condução dos trabalhos.

O quarto e último dia, dedicado a projetos e perspectivas para a exegese latino-americana, iniciou-se com um grande painel: Desafíos para el futuro de la exégesis en América Latina (Raúl Lugo Rodríguez, Jaldemir Vitório, Santiago Guijarro Oporto; reator externo: Rafael Francisco Luciani Rivero). Após o painel, um momento particularmente importante e denso foi o vídeo de 15 minutos com uma entrevista com o Frei Carlos Mesters, sobre sua caminhada como biblista: da academia à formação bíblica dos leigos nas comunidades. A versão apresentada no congresso é um resumo de um diálogo bem mais longo, a ser veiculada pela Rede Vida de Televisão (ainda sem data definida).

A segunda parte da manhã teve vários pequenos painéis, nos quais representantes de vários países apresentaram realizações já em andamento, tanto em nível acadêmico (cursos de especialização e pós-graduação, publicações acadêmicas), como em nível pastoral (animação bíblica da pastoral, cursos paroquiais, publicações de divulgação). O Brasil apresentou, como projeto em desenvolvimento, o periódico científico Revista Brasileira de Interpretação Bíblica – ReBiblica.

Há de se dizer que a comemoração dos 80 anos da Revista Bíblica foi, por assim dizer, apenas o pretexto para este congresso. Tanto esforço para sua realização (mais de dois anos de encontros e discussões) não tinha como objetivo único (nem principal) a reunião de biblistas em quatro dias intensos. Há outras pretensões. Em primeiro lugar, obviamente, o encontro e o intercâmbio de estudiosos da Bíblia em nosso continente, o que foi largamente efetivado nos intervalos (propositadamente longos) entre as conferências. Outro objetivo, foi incentivar o surgimento de associações de pesquisadores da Bíblia em países que ainda não as tem. Também este segundo objetivo já produziu seu primeiro fruto: ao final do congresso, os 12 biblistas peruanos anunciaram a fundação, ali mesmo, durante o congresso, da Associação Bíblica do Peru.

Mas a maior e principal pretensão do congresso é a formação da Red Latina de Biblistas de las Américas – ReLaBA. Esta rede pretende integrar todos os latino-americanos estudiosos da Bíblia. Mesmo quem não esteve no congresso pode inscrever-se e participar. Para isso, o primeiro passo é preencher o formulário online disponível aqui.