As críticas de Oseias à monarquia

Eles instituíram reis sem o meu consentimento,
escolheram príncipes, mas eu não tive conhecimento (Os 8,4a)

No artigo sobre Oseias 4-14 Brad E. Kelle trata das críticas do profeta à monarquia nas p. 335-336:

A primary aspect within this twentieth-century historical study of Hosea 4–14 has been the investigation into the relationship between Hosea and the social, religious, and political institutions of his day, especially the monarchy, priesthood, and prophecy. Debate over the attitude in the book toward the institution of kingship has occupied a prominent place in this regard. Several passages in Hosea explicitly relate to kingship, often talking about the misdeeds and/or removal of the rulers and stressing inappropriate behavior by the king in political, military, and cultic activities (e.g., 5.1-2, 10; 6.11–7.7, 16; 8.4; 9.15; 10.1-4, 7-8a). The referent in most of these texts is the northern monarchy, with only 5.10 dealing with Judah alone within the context of chs. 4–14 (cf. 2.2; 3.4-5). While the references to kingship in 2.2 and 3.4-5 are positive, all of the references in Hosea 4–14 are negative. Among these, the enigmatic condemnation in 8.4 has consistently drawn the most attention, and its meaning continues to confuse (cf. Mays 1969; Wolff 1974; Hayes and Kuan 1991).

The discussion surrounding Hos. 8.4 is representative of the wider range of interpretations of Hosea’s overall view on kingship that appears in commentaries and other studies throughout the modern period. The major question giving rise to divergent interpretations primarily centers on whether Hosea condemns the very existence of the institution of the monarchy, or only engages in a more specific critique. Along these lines, scholars read Hosea’s references to kingship in several major ways, although their conclusions are, at times, partially determined by their views on the book’s redactional history:
1. Hosea opposes the entire system and idea of kingship in principle (Mays 1969; Wolff 1974);
2. Hosea sees the northern monarchy as illegitimate in nature and function (Harper 1905; Rudolph 1966; Emmerson 1984; Macintosh 1997a);
3. Hosea condemns specific kings, especially of the northern kingdom, because of their particular acts of disobedience (Utzschneider 1980; Hayes and Kuan 1991).

(…)

More recently, however, Machinist (2005) offers a complex analysis of the book’s references to the monarchy, and argues that Hosea’s view of kingship is ambiguous. He resists the oversimplifications of many previous analyses, and demonstrates that all of the usual scholarly interpretations can find support within the relevant passages (…) Hosea reflects the deep tension and ambiguity between the problematic nature of the very institution of the monarchy and the reality that kingship will play a role in the future of the restored community.

 

Um aspecto fundamental da pesquisa sobre Oseias 4–14 no século XX é a investigação da relação do profeta com as instituições sociais, religiosas e políticas de seu tempo, especialmente a monarquia, o sacerdócio e a profecia.

O debate sobre a atitude do profeta em relação à monarquia ocupou um lugar de destaque a este respeito. Várias passagens em Oseias explicitamente se referem à monarquia, muitas vezes falando sobre os erros e/ou remoção* dos governantes e enfatizando o comportamento inadequado do rei nas atividades políticas, militares e cultuais. Os textos tratam, na maioria dos casos, da monarquia de Israel Norte, com apenas Os 5,10 falando de Judá. Embora as referências à monarquia em Os 2,2 e Os 3,4-5 sejam positivas, todas as referências em Oseias 4–14 são negativas. Entre estas, a condenação enigmática em Os 8,4 tem consistentemente atraído mais atenção. E seu significado continua a desafiar os especialistas.

A discussão em torno de Os 8,4 é representativa da gama mais ampla de interpretações, feitas ao longo do século XX, da posição de Oseias a respeito da monarquia. A principal questão que dá origem a interpretações divergentes centra-se principalmente no seguinte dilema: Oseias condena a própria existência da instituição monárquica? Ou apenas faz uma crítica mais específica a uma determinada monarquia ou às decisões políticas reais? Nessa linha, os estudiosos leram as referências deWOLFF, H. W. Hosea. Minneapolis: Fortress Press, 1988, 259 p. - ISBN 9780800660048 Oseias à monarquia de várias formas. São três as posições principais dos estudiosos:
1. Oseias se opõe à instituição da monarquia
2. Oseias vê a monarquia de Israel Norte como ilegítima
3. Oseias condena reis específicos, especialmente do reino do norte, por causa de suas decisões equivocadas

(…)

Mas há autores que fazem uma análise mais complexa das referências do livro à monarquia. E argumentam que a visão da monarquia no livro é ambígua. Dizem que é preciso abandonar as supersimplificações de muitas análises e demonstram que todas as interpretações acadêmicas usuais, como as três acima, podem encontrar apoio dentro das passagens relevantes (…) Oseias, na verdade, reflete a profunda tensão e ambiguidade entre a natureza problemática da própria instituição da monarquia e a percepção de que a monarquia desempenhará um papel no futuro da comunidade restaurada. Cf., neste sentido, Machinist, P. 2005.

* Grande instabilidade tomou conta do reino de Israel Norte nos seus últimos 30 anos, pois de 753 a 722 a.C. seis reis se sucederam no trono de Samaria, abalado por as­sassinatos e golpes sangrentos. Houve 4 golpes de Estado (golpistas: Salum, Me­nahem, Pecah e Oseias) e 4 assassinatos (assassinados: Zacarias, Salum, Pecahia e Pecah).

Oseias pode ser usado como fonte para a história de Israel Norte?

No artigo de Brad E. Kelle sobre Oseias 4-14 uma das perguntas obrigatórias é se o livro pode ser usado como fonte para a história de Israel Norte entre 755 e 725 a.C., época da atuação do profeta. Como a pesquisa do século XX e primeira década do século XXI lidou com isso? Diz o autor nas p. 332-334:

Building upon the common twentieth-century view that the book contains original material from the eighth-century prophet himself, modern scholarship has typically understood Hosea as a useable and important source for the historical reconstruction of pre-exilic Israel (for an early example, see Brown 1932). Interpreters have observed elements such as the book’s apparent references to political actions and treaties involving Israel, Assyria, and Egypt (e.g., 5.13; 7.11; 8.9; 12.1 [MT]). Even though many of these texts are vague, offering no specific references or clearly identifiable personal names, throughout most of the twentieth century before the 1980s, the dominant view in scholarship professed a high level of confidence in Hosea as a useable historical source, and identified the historical information yielded by the book as directly relevant to the northern kingdom of Israel in the eighth century BCE. From this perspective, the book was particularly useful for the history of the northern kingdom because Hosea himself is commonly considered to be the only prophet who addressed the northern kingdom as a native (see Harper 1905: cxli-clv; Davies 1993: 13).

(…)

The most common topic among historical interpretations of Hosea throughout the twentieth century is the attempt to relate particular texts in the book to the events of the Syro-Ephraimitic War (ca. 734–731 BCE ).

(…)

Despite the enduring nature of readings that use Hosea as a historical source for eighth-century Israel, there is a growing trend in scholarship since the 1980s that is much less confident about Hosea’s ability to provide useable historical information. Some of these approaches are simply more cautious with regard to Hosea’s potential historical information.

(…)

Some of the most recent works on Hosea, however, have contributed a new formulation of this older line of historical inquiry. These works show a renewed openness to the possibility that the texts of Hosea can yield historical information, but, in keeping with some of the new formulations of redaction criticism, they assert that the historical information yielded by Hosea consists primarily, if not solely, of what the final form reveals about its authors, audience, circumstances, and concerns. Ben Zvi’s commentary (2005), with its proposal that the book of Hosea was created to be read and re-read by the literati of postmonarchical Yehud, once again provides a primary example of this trend. He concludes that the book contains only enough specific historical references to establish a general framework (e.g., a sequence of Judaean kings), and that ‘they cannot be taken as a reliable source for an understanding of the history of monarchic Judah…nor that of the northern kingdom in the days of Jeroboam’ (2005: 18).

BEN ZVI, E. Hosea.Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2005, 336 p. - ISBN 9780802807953Baseando-se na visão comum do século XX de que o livro contém material original do próprio profeta do século VIII a.C., os estudos modernos têm visto Oseias como uma fonte útil e importante para a reconstrução histórica do Israel pré-exílico. Os intérpretes observaram diversos elementos no livro como as aparentes referências a ações políticas e tratados envolvendo Israel, a Assíria e o Egito. Embora muitos desses textos sejam vagos, não oferecendo referências específicas ou nomes de pessoas claramente identificáveis, durante a maior parte do século XX, antes dos anos 80, a visão dominante nos estudos professava um alto nível de confiança em Oseias como uma fonte histórica utilizável e identificava a informação histórica produzida pelo livro como diretamente relevante para o reino do norte de Israel no século VIII a.C. Mais ainda: o livro foi considerado particularmente útil para a história do reino do norte porque Oseias é o único profeta natural do reino de Israel Norte que lá atuou e de quem temos um livro.

(…)

Segundo os estudiosos de Oseias, há várias referências históricas no livro, mas o tópico mais comum entre as interpretações históricas de Oseias ao longo do século XX foi a tentativa de relacionar textos específicos do livro com os eventos da guerra siro-efraimita (ca. 734–731 a.C).

(…)

Apesar da natureza duradoura das leituras que usam Oseias como fonte histórica para o Israel do século VIII a.C., há uma tendência crescente nos estudos desde a década de 80 que confia muito menos na capacidade de Oseias de fornecer informações históricas utilizáveis. Algumas dessas abordagens são simplesmente mais cautelosas em relação à potencial informação histórica de Oseias [observo que isto está em consonância com as tendências mais recentes sobre o uso da Bíblia Hebraica como fonte para a História de Israel].

(…)

Algumas das publicações mais recentes sobre Oseias, no entanto, contribuíram com uma nova formulação da antiga linha de investigação histórica. Esses estudos mostram uma abertura renovada para a possibilidade de que os textos de Oseias possam produzir informações históricas. Mas, de acordo com algumas das novas formulações da crítica da redação, eles afirmam que a informação histórica produzida por Oseias consiste primordialmente, talvez unicamente, naquilo que a forma final do texto revela sobre seus autores, público, circunstâncias e preocupações. O comentário de Ben Zvi (2005), com sua proposta sobre o livro de Oseias ter sido criado para ser lido e re-lido pelos eruditos do Yehud pós-exílico, mais uma vez fornece um exemplo claro dessa tendência. Ele conclui que o livro contém apenas referências históricas específicas suficientes para estabelecer uma estrutura geral – por exemplo, uma sequência de reis de Judá -, e que ele não pode ser considerado como uma fonte confiável para uma compreensão da história do Judá monárquico e nem para a história do reino do norte nos dias de Jeroboão II.