Teologia pós-colonial na Concilium

Lembro aos interessados que o fascículo 350 (2013/2) da Revista Internacional de Teologia Concilium trata da Teologia pós-colonial.

Diz o editorial, assinado por Hille Haker, Luiz Carlos Susin e Eloi Messi Metogo que:

O colonialismo deixou sua sombra sobre as sociedades contemporâneas de muitas maneiras. Alguns argumentam que ele nunca foi superado, mas continua a governar o “mundo” sob o nome de globalização. O colonialismo como conceito filosófico significa a pretensão de domínio e/ou superioridade de uma cultura sobre outra(s) cultura(s). Há algumas décadas Edward Said, que alguns consideram o fundador da teoria pós-colonial, examinou os termos “ocidentalismo” e “orientalismo” para mostrar como a conceitualização “colonial” construiu o “Oriente” como “outro”. A história do cristianismo mostra que estes termos não são só conceitos culturais, mas estão profundamente entrelaçados com conceitos religiosos e teológicos (…) A teologia pós-colonial surgiu como a tentativa de abordar a linha divisória entre o “colonizador” e o “colonizado”, muitas vezes associada a uma cultura básica, a uma religião e a uma forma de raciocinar que apresenta como “outros” os que não pertencem a “eles” (…) O presente fascículo de Concilium traz diversos autores que se engajam na “teologia pós-colonial” ou respondem a ela de forma crítica.

No artigo Dissonância epistemológica: Descolonizando o “cânon” teológico pós-colonial (p. 10-18), Joseph Duggan, doutor em filosofia e fundador do Postcolonial Networks, diz:

Ao longo da última década as teologias pós-coloniais começaram a tomar forma como uma disciplina (…) Assim como cresceu dramaticamente o número de teólogos que escreviam teologias pós-coloniais, cresceu também a oportunidade de dissonância epistemológica. A máxima “Médico, cura-te a ti mesmo” precisa ainda entrar nas teologias pós-coloniais de maneira a descolonizar autorreflexivamente a teologia, o cristianismo e as Igrejas. Ou a ignorância ou a ingenuidade sustenta a natureza viral do pensamento colonial incrustado nas teologias pós-coloniais.

Enquanto isso, Enrique Dussel, no artigo Descolonização epistemológica da teologia (p. 19-30), explica:

A teologia da cristandade latino-germânica metropolitana (e colonialista) é talvez a quintessência, a coluna vertebral do eurocentrismo (mais ainda do que a própria filosofia, embora as duas disputem quem ocupa um lugar pior nesta ideologia). Quando as teologias apresentam o cristianismo (não messiânico) como a religião por excelência, custa ao membro da cristandade permitir às outras crenças ou religiões sua respectiva pretensão de verdade universal (…)

Mesmo os grandes teólogos do século XX, como Henri de Lubac, Karl Rahner, Yves Congar ou Jürgen Moltmann, eram, e não puderam deixar de ser, eurocêntricos. Renovaram criativamente as teologias europeias, mas não puderam situar sua subjetividade (e também sua corporeidade) no “espaço colonial”, no mundo do Outro colonizado (…)

A melhor teologia europeia era compartilhada com os estudantes latino-americanos, africanos ou asiáticos que frequentavam as aulas das universidades europeias, os quais, profundamente colonizados sem disso ter consciência, tentarão titanicamente desarraigar seus discípulos de sua própria cultura do Sul para enxertar neles a europeia (que lhes era estranha). Só em pouquíssimos casos, e será o caminho tomado pela teologia latino-americana da libertação, uma comunidade de teólogos assumiu em grupo a responsabilidade de criar uma nova teologia não colonizada. Para isso teve de recorrer às ciências sociais críticas que a teologia eurocêntrica nunca havia usado (como o marxismo, a psicanálise, uma história não eurocêntrica etc). Mas esta nova teologia será perseguida, não tanto por seu conteúdo, e sim pela pretensão de pensar a partir de fora da Europa e contra a Europa moderna, capitalista, metropolitana, eurocêntrica, machista, racista etc, que havia confundido sua particularidade com uma pretensão de universalidade. A teologia eurocêntrica, e as estruturas igualmente eurocêntrica e metropolitana da cristandade latino-germânica, não podiam suportar a crítica de um pensar teologicamente descolonizado. E se a teologia latino-americana da libertação tinha uma especial percepção da questão da pobreza, a africana a teria no aspecto da cultura comunitária ancestral, e a asiática em problemas ainda mais árduos (… )

A descolonização epistemológica eurocêntrica da teologia é um fato que começou na segunda metade do século XX, mas que ocupará todo o século XXI. A descolonização epistemológica da teologia começa ao saber situar-se num novo espaço, a partir do qual, e como locus enuntiationis e hermenêutico original, será necessário refazer toda a teologia. Na Idade Transmoderna que se aproxima (para além da Modernidade e do capitalismo) será necessária igualmente uma trans-teologia para além da teologia da cristandade latino-germânica, eurocêntrica e metropolitana, que ignorou o mundo colonial, e em especial as cristandades coloniais (da América Latina e, em parte, da África, e das minorias cristãs na Ásia) que deve superar a colonialidade e a modernidade capitalista, invertendo a cristandade para retornar a um cristianismo messiânico* profundamente renovado.

* Embora, como nota o autor, mais no início do artigo, p. 20, “falar de cristianismo messiânico é uma tautologia: é repetir duas vezes a mesma coisa. ‘Cristianismo’ vem de ‘Cristo’, que em grego é o messias (khristós) e seus seguidores os messiânicos (khristianoí)”.

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