Salvar a Teologia de seu cinismo

…Por eso, es necesario salvar a la teología de su cinismo. Porque, realmente, frente a los problemas del mundo de hoy, muchos escritos de teología se reducen a cinismo (Hugo Assmann).

Da teologia da libertação à educação para a esperança – De la teología de la liberación a la educación para la esperanza: título do texto do teólogo espanhol Juan José Tamayo sobre Hugo Assmann, publicado em El País e reproduzido por Notícias do IHU.

A seção de Notícias do IHU observa, ao introduzir o artigo:

A assim chamada grande imprensa brasileira não destacou, até o momento, a morte de Hugo Assmann. No entanto, o jornal espanhol El País, considerado um dos maiores jornais do mundo, hoje, 27-02-2008, publica um artigo de Juan José Tamayo. Tamayo é teólogo espanhol, doutor em teologia pela Universidade de Salamanca, é diretor da cátedra de Teologia e Ciências das Religiões “Ignácio Ellacuría” da Universidade Carlos III.

Destaco dois trechos do artigo, onde são citadas afirmações de Hugo Assmann:

É um dos primeiros teólogos da libertação que recorreu às ciências sociais como mediação do discurso teológico para que este não caísse no idealismo. A esta obra pertence um texto que serviu de guia aos teólogos e teólogas das diferentes tendências ideológicas: “Se a situação histórica… dos dois terços da humanidade, com seus 30 milhões de mortos de fome e desnutrição, não se converte no ponto de partida de qualquer teologia cristã hoje, a teologia não poderá concretizar historicamente os seus temas fundamentais. Suas perguntas não serão reais. Por isso é necessário salvar a teologia do seu cinismo. Porque, realmente, frente aos problemas do mundo de hoje, muitos escritos de teologia se reduzem a cinismo” [sublinhado meu].

E:

Suas melhores contribuições nos últimos anos se deram no campo da educação. Exemplo? O seguinte texto da sua autoria escrito em 2001: “Educar é lutar contra a exclusão. Educar significa salvar vidas. Por isso ser educador/a é, hoje, a mais importante tarefa social emancipatória… O atuar pedagógico é hoje o terreno mais desafiador da atuação social e política”. Convidar à leitura da obra de Hugo é a melhor homenagem que podemos lhe fazer [sublinhado meu].

Invitar a la lectura de la obra de Hugo es el mejor homenaje que podemos hacerle.

Pois é. Hoje perguntei a meus alunos se estavam sabendo da morte de Hugo Assmann. Não, não estavam. A grande imprensa, mais uma vez, ignora um importante personagem. E descobri ainda, com desgosto, que muitos jovens estudantes de teologia nunca leram Hugo Assmann! Mas, é como se diz por aí: também, quem mandou perguntar?

Morreu Hugo Assmann

Hugo Assmann, um dos mais importantes teólogos brasileiros das últimas décadas, morreu na sexta-feira, dia 22 passado, aos 74 anos, em São Paulo, onde estava hospitalizado.

Li suas obras sobre Teologia e Economia nas décadas de 80 e 90, principalmente. Nestes anos, o conheci e ouvi muitas vezes nos Congressos da SOTER.

Uma grande perda para a Teologia da Libertação e para todos nós. Ele era um gaúcho notável.

 

Vítima de parada cardíaca, faleceu na madrugada da sexta-feira, 22, o teólogo e educador Hugo Assmann, 75 anos, um dos precursores da Teologia da Libertação no Brasil e na América Latina. Ele estava internado no Hospital Santa Paula, nesta capital, e seu corpo foi cremado no Crematório da Vila Alpina, na mesma cidade.

Natural de Venâncio Aires, cidade gaúcha localizada a 120 quilômetros de Porto Alegre, Assmann publicou 41 livros, boa parte na área da Educação, como “Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente”, “Paradigmas educacionais e corporeidade” e “Metáforas para reencantar a Educação”.

Na avaliação do teólogo Jung Mo Sung, coordenador do curso de Pós Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, Assmann foi um dos primeiros e principais teólogos da libertação “que percebeu que os capitalistas e os seus ideólogos tinham uma grande capacidade de manipular a dimensão simbólica do ser humano e os mitos mais profundos da sociedade”. Junto com o colega Franz Hinkelammert, que conheceu na Costa Rica, Assmann escreveu o livro “A idolatria do mercado”.

“Na verdade, ele foi mais do que teólogo, foi um pensador que se guiou pelo seu compromisso pessoal – existencial e espiritual – com pessoas oprimidas e excluídas das condições dignas de vida e se utilizou e dialogou com as mais diversas áreas do saber para desenvolver idéias sempre profundas, crítica e provocantes”, relatou seu aluno, discípulo e amigo, com quem conviveu por mais de 20 anos, Jung Mo Sung.

O teólogo católico viveu exilado, durante anos da ditadura militar brasileira, no Uruguai, no Chile e na Costa Rica, onde fundou o Departamento Ecumênico de Investigação (DEI). Ao regressar dos exílios, em 1981, foi admitido como professor na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), na qual trabalhou durante 24 anos, até 2005. Ele orientou 41 dissertações de mestrado e dez teses de doutorado na área da Educação, com ênfase em Filosofia da Educação.

Lia, escrevia e falava fluentemente alemão, espanhol, francês, italiano e português, além de dominar as línguas latina e grega. Graduou-se em Filosofia pelo Seminário de São Leopoldo, e em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, na qual também buscou o doutorado. Cursou, ainda, Sociologia, na Universität Johann-Wolfgang Goethe, em Frankfurt am Main, Alemanha.

“Ele viveu a vida de uma forma apaixonada, com emoções fortes em todos os sentidos”, destacou Mo Sung no artigo que escreveu em homenagem ao mestre e amigo. Um texto elaborado em 1973, para o livro “Teologia desde la práxis de liberación”, Assmann mostra o seu compromisso, que permanece atual, na avaliação de Mo Sung. Escreveu Assmann:

– Se a situação histórica de dependência e dominação de dois terços da humanidade, com seus 30 milhões anuais de mortos de fome e desnutrição, não se converte no ponto de partida de qualquer teologia cristã hoje, mesmo nos países ricos e dominadores, a teologia não poderá situar e concretizar historicamente seus temas fundamentais. Suas perguntas não serão perguntas reais. Passarão ao lado do homem real.

Fonte: ALC

Centenário de Dom Helder Câmara

No dia 7 de fevereiro de 2008, quinta-feira passada, foram iniciadas as atividades do Centenário de Dom Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, nascido no dia 7 de fevereiro de 1909 e falecido em 1999.

Entre as atividades programadas, destaco:

  • a partir de 11 de fevereiro, a reapresentação do Programa de Dom Helder “Um olhar sobre a cidade”, na Rádio Olinda
  • de 12 a 15 de maio, será realizado, pela Universidade Católica de Pernambuco, o Seminário “O Século de Dom Helder: cristianismo e construção da cidadania no Brasil, ontem e hoje”
  • em setembro, a Universidade Católica de Pernambuco criará a Cátedra de Direitos Humanos Dom Helder Câmara
  • no site Observatório das Religiões, da Universidade Católica, estará inserido o legado inter-religioso de Dom Helder
  • será realizado ainda um segundo Seminário, de caráter internacional, com o tema “O Século de Dom Helder”

Há ainda outras atividades celebrativas, científicas e culturais programadas ao longo deste ano, que culmina com o Dia do Centenário Dom Helder, em 7 de fevereiro de 2009.

Mais detalhes no site da CNBB.

Homenagem a Dom Aloísio Lorscheider

Dom Aloísio Lorscheider – Por Dom Demétrio Valentini

Dom Aloísio partiu. No apagar das luzes de 2007, apagou-se a chama luminosa de sua privilegiada inteligência. Silenciou o coração bondoso que resistiu a tantos embates. Descansou o laborioso frade franciscano, o teólogo competente, o bispo dedicado, o cristão humilde e temente a Deus. Morreu o cardeal que cativou os corações e que deixa tantas saudades.

Sentiremos sua falta. Sobretudo em nossas assembleias. Não teremos mais sua análise de conjuntura teológica, vazada em linguagem simples, fluente, acessível, e ao mesmo tempo profunda, que ele nos fazia todos os anos, ao longo das presidências de D. Ivo seu primo, de D. Luciano seu amigo, e de D. Jayme seu conterrâneo. Suas posições claras e serenas inspiravam confiança em todos, e davam firmeza para nossas opções pastorais.

No parecer do Pe. Alberto Antoniazzi, D. Aloísio era o “bispo completo”: humanamente dotado de exímias virtudes, que nele se traduziam em grande bondade que inspirava profunda confiança; uma esmerada formação teológica; um apurado senso pastoral; uma incansável disposição para o trabalho; uma lúcida percepção dos problemas, sem que lhe faltasse a intrépida coragem de se posicionar serenamente em favor das mudanças que a Igreja deveria fazer.

Tive o privilégio de conhecê-lo quando ele ainda não era bispo, e lecionava teologia em Roma, no Antonianum. Com muita simplicidade vinha ao seminário onde estávamos, no Pio Brasileiro, simplesmente para visitar o Oliveira, amigo seu, de Divinópolis, onde o próprio D. Aloísio tinha feito seus estudos fundamentais de filosofia e teologia. Depois, ficamos sabendo que aquele frade muito simples e muito amigo tinha ficado bispo de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.

Mas então se dava uma coincidência muito importante, que traçou a trajetória de D. Aloísio. Ele foi eleito bispo no início de 1962, ano em que no mês de outubro iria começar o Concílio Vaticano II. Dom Aloísio tinha todas as condições para mergulhar fundo nos debates conciliares, e prestar um valioso serviço aos seus colegas bispos brasileiros.

D. Aloísio foi cedo valorizado pelo episcopado brasileiro, graças à perspicácia de D. Hélder e do pequeno grupo de líderes que procurou organizar a “bancada” da CNBB no Concílio.

Pude presenciar um lance decisivo. Os bispos do Brasil se hospedavam na “Domus Mariae”, a casa da Ação Católica italiana, que ficava ao lado do Pio Brasileiro. Logo na primeira reunião que realizaram, enquanto se organizavam as comissões do Concílio, D. José Távora veio ao encontro de D. João Aloísio Hoffmann, e perguntou: – É você o bispo teólogo? E Dom João respondeu: – Não, eu sou um pobre colono! O teólogo é aquele lá!

E apontou para D. Aloísio Lorscheider, a quem de imediato D. Távora se dirigiu, convidando-o a coordenar as reuniões de estudo, que passaram a ser feitas com assiduidade na Domus Mariae ao longo de todo o Concílio. Foi lá que D. Aloísio se firmou como baluarte do episcopado brasileiro.

Terminado o Concílio, ele foi cedo eleito secretário geral da CNBB, posto que lhe abriu o caminho para a presidência, que ele exerceu por dois mandatos seguidos, nos duros tempos da ditadura brasileira, enquanto era também eleito presidente do Celam, atingindo o auge de sua influência no final do pontificado de Paulo VI, que o admirava muito e lhe pedia com frequência sua ajuda competente.

E aí se inscreve um obscuro capítulo da vida de D. Aloísio. No conclave em que foi eleito papa o Cardeal Luciani, D. Aloísio era o cardeal que mais se destacava entre todos os que não eram italianos. E sobre ele se dirigiam as expectativas para a hipótese de ser eleito um cardeal que não fosse italiano. Consta que o próprio João Paulo I teria confidenciado seu voto em D. Aloísio.

E por que então D. Aloísio não foi eleito no conclave que se seguiu à repentina morte de Luciani? Aí entra o episódio que alterou a situação. Infelizmente, nos dias que antecederam a morte de João Paulo I, D. Aloísio teve uma crise cardíaca, enquanto pregava retiro aos padres da diocese de Santa Cruz do Sul. Superada a crise, foi para o conclave. Dizem que em Roma tinham até preparado uma cadeira de rodas para receber D. Aloísio no aeroporto, para mostrar que este cardeal estava fora de combate! O episódio teve evidente repercussão. Morto um papa de repente, não iam eleger um cardeal que tinha problemas cardíacos.

Pois bem, agora a história comprova que ele teria tido um longo, e certamente profícuo pontificado. Mas D. Aloísio soube servir a Igreja com muita dedicação, mesmo não sendo papa. Tornou-se uma referência importante, por seu testemunho de humilde competência e de serena coragem.

Em dois contextos a presença de D. Aloísio foi particularmente importante: para o povo simples, de quem ele foi pastor, e para a CNBB, que ele qualificou com sua lúcida contribuição teológica.

A propósito, permito-me citar um episódio de cada contexto, entre muitos outros que poderiam ser lembrados.

Ele foi bispo de Fortaleza durante 22 anos. Era comovente ouvi-lo contar as peripécias de suas visitas pastorais no sertão do Ceará. Hospedava-se na casa da gente simples e humilde. Certa vez, a dona de casa ficou tão contente com a visita do bispo que resolveu preparar-lhe um café com o pó guardado em casa há muito tempo. Colocou a chaleira sobre o fogo para ferver a água, junto com o café. Mas na hora de servir o café, o bico da chaleira estava trancado. Acontece que uma pobre barata tinha se refugiado na chaleira, e tinha fervido junto com a água e o café. Quando a dona de casa se deu conta, não teve dúvidas: tirou a barata, e serviu o café! D. Aloísio, como bom teólogo, se lembrou das palavras do Evangelho: “Se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum” (Mc 16,18). E como bom pastor, tomou o café, para alegria de todos que assim puderam preparar para o bispo o melhor que podiam lhe oferecer!

Certa vez, na assembleia da CNBB, D. Possamai, Bispo de Ji-Paraná em Rondônia, pediu que a CNBB solicitasse a Roma a autorização para os Diáconos, na Amazônia, poderem ao menos conferir a unção dos enfermos aos moribundos, pois na Amazônia todos morrem sem este conforto cristão. Parecia um pedido teologicamente equivocado, como D. Amaury Castanho logo reagiu, lembrando São Tiago: “se alguém está doente, chamem os presbíteros”.

Foi então que D. Aloísio, sentado atrás de D. Amaury, tocou no ombro dele e falou: “Dom Amaury, a palavra ‘presbítero’ neste contexto não tem o mesmo sentido que lhe damos hoje!”. D. Amaury ficou incomodado, mas silenciou diante do cardeal. No intervalo, aproveitei para perguntar a D. Aloísio, imaginando-o papa: – Diante deste pedido, o que o Sr. faria?

Foi então que D. Aloísio desabafou: – Se fosse por mim, distribuiria o ministério de acordo com as necessidades do povo. Se a comunidade precisasse de um confessor, diria para alguém: você vai atender confissões e perdoar a todo mundo. Se precisasse de alguém para urgir os enfermos, incumbiria uma pessoa para cuidar bem disto. E se a comunidade precisasse de alguém para presidir a Eucaristia, simplesmente alguém da comunidade poderia ser designado para isto. Esta questão dos ministérios precisa ser revista de alto a baixo, desde o ministério de Pedro até o último ministério a ser implantado nas pequenas comunidades.

Assim pensava D. Aloísio. Este o cardeal que quase ficou papa. Este o cardeal que não ficou papa. Infelizmente!

Dom Demétrio Valentini – Bispo de Jales – SP

Fonte: Adital: 29.12.2007

John Strugnell por Hanan e Esther Eshel

Em um belo texto publicado na página do Orion Center, na seção “In Memoriam”, John Strugnell é homenageado por Hanan e Esther Eshel, da Universidade Bar Ilan, Israel.

Sobre John Strugnell, pesquisador dos Manuscritos do Mar Morto, falecido em 30 de novembro passado, leia mais aqui.

Sobre os autores:
Hanan Eshel is an archaeologist, teaching at Bar Ilan University. His field of interest is refuge caves from the Bar Kokhba revolt, and the Qumran scrolls. He has excavated a dozen caves that Jews fled to in 135 CE and in them found 21 documents written on papyri.

Esther Eshel is a lecturer at the Bible Department, Bar Ilan University, where she researches the late books of the Bible and Jewish literature of the Second Temple period and epigraphy (the study of inscriptions). She has published 13 scrolls found in cave 4 at Qumran.

O valente Aloísio Lorscheider

D. Aloísio Lorscheider, lúcido e valente – Luiz Alberto Gómez de Souza – Carta Maior: 24/12/2007

Eu trabalhava com D. Hélder, numa daquelas salas escuras do Palácio São Joaquim, quando ele nos anunciou: “quero apresentá-los o jovem bispo de Santo Ângelo, da zona missioneira do Rio Grande, importante teólogo, que será uma figura central na Igreja do Brasil”. Tínhamos diante de nós um bispo alto, fala com sotaque forte da região alemã e, por que não dizê-lo, um tom de voz meio estranho. Creio que foi no meio do Vaticano II. Logo se faria entender na Conferência dos Bispos, com intervenções lúcidas, a ponto de ser eleito secretário geral da CNBB. Tempos da ditadura e da repressão. Sua fala mansa escondia uma firmeza e uma precisão que deixavam os presidentes militares irritados. Outro gaúcho, este de poucas luzes, que não via além das cavalariças, Médici, o expulsou irritado de sua sala. D. Aloísio passou depois a presidente da CNBB, em dobradinha com seu primo, Ivo Lorscheiter, como novo secretário geral. Sobrenomes quase iguais, um com d, outro com t, eram da mesma família. Nunca foi tão apropriada essa combinação de parentesco, ideias e complementariedade. Ivo era mais explosivo, Aloísio falava manso. Entendiam-se sem precisar falar um com o outro. Dois valentes em tempos de chumbo.

Ivo recebeu o patriarca de Veneza, Albino Luciano, em sua casa em Santa Maria e quando morreu Paulo VI, este votou várias vezes, no conclave, no primo dele, Aloísio. Estava no ar seu nome para papa. Alegavam alguns, que pensavam em italianos, que tinha problemas de coração, passara por um enfarto. Queriam afastar a ele e ao Cardeal Arns , dois franciscanos, como possíveis e perigosos papas. Foi eleito o patriarca, que viveu 33 dias em Roma. Nova eleição e voltou o nome de Aloísio. Novamente levantaram o pretexto de saúde, agora agravado pela morte fulminante de João Paulo I. Preferiram um polonês jovem que era esquiador e que instalou-se no papado por mais de um quarto de século. Mas a verdade é que partiu antes de D. Aloísio e seu pontificado foi, como disse alguém, a volta à grande disciplina.

Os dois se encontraram na reunião dos bispos em Puebla, janeiro de 1979. O novo papa chegou falando duramente em seu discurso. Lembro como vários de nós, que estávamos ali, do lado de fora, assessorando oficiosamente bispos amigos, ficamos desalentados e pessimistas. Foi o grande teólogo Gustavo Gutiérrez quem deu ânimo. O texto do papa tinha três partes, duas negativas e a terceira abrindo caminhos. Nosso peruano, com a resistência índia diante de tantos anos de dominação, deu a chave: ler as duas primeiras partes à luz da terceira! Mas o grande momento estava por vir, no dia seguinte. D. Aloísio, nesse momento, era presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). Fez um discurso curto e claro, abrindo os trabalhos. Era hora, disse ele, de pensar com liberdade e ousadia os graves problemas de nossa região. Liberou a assembleia e entrou uma luz que abriu portas e janelas.

Alguns bispos mais conservadores, depois do discurso do papa, chegaram a dizer que agora bastava tomar seu texto e publicá-lo como documento da assembleia. O plenário não aceitou e Puebla, confirmando a reunião anterior de Medellín, denunciou o pecado social do continente, fez a opção pelos pobres. e anunciou as comunidades eclesiais de base como instrumentos de evangelização e de transformação. Graças em boa parte ao clima que D. Aloísio criou e a um grande bispo que iria ser seu sucessor na CNBB anos mais tarde, Luciano Mendes de Almeida, na comissão coordenadora dos debates.

Pela política vaticana, nunca foi nomeado para Rio ou São Paulo, mas ficou em Fortaleza, que pela primeira e talvez única vez teve um cardeal. Depois, o mandaram para Aparecida, diocese mais honorífica que importante. Seu primo também nunca chegou a arcebispo de Porto Alegre, preterido por bispos anodinos e morreu bispo em Santa Maria. As cúrias temem figuras fortes. D. Hélder , como mais tarde D. Luciano, não veio ao Rio, nem foi cardeal, ainda que, ao que parece, João XXIII o chamou uma vez de “il mio cardinaletto.”

Nos últimos anos, D. Aloísio partiu para o convento franciscano de Porto Alegre, onde morreu. Mereceria uma biografia, como algumas que foram surgindo, do Cardeal Arns, Hélder Câmara, Waldyr Calheiros e vários outros. Através delas podemos reconstituir uma época gloriosa da Igreja Católica brasileira. Não sou pessimista, achando que as grandes figuras ficaram no passado. Alguns se referem às nomeações de bispos conservadores. O que esquecem é que vários bispos, como D. Hélder ou D. Romero, vieram de posições tradicionais e o trabalho pastoral e o povo de Deus os converteram. Tenho feito reparos a uma posição política de D. Cappio, misturando Fé e posições de cidadania, valentes sem dúvida, ao mesmo tempo que insisto em seu carisma, junto com valentes bispos hoje aposentados e outros como Erwin Keutler, Demétrio Valentini ou Moacyr Grechi, que aí estão para sinalizar posições significativas.

Mas o importante não são apenas bispos, o que seria uma visão de cima para baixo, mas a ação eclesial de pastorais, CEBs e movimentos, renovando e abrindo caminhos. Esse trabalho nas bases tem aberto os olhos de pastores e clero. D. Aloísio foi um teólogo que entendeu a caminhada do povo de Deus e ficará como um marco numa Igreja que terá que se renovar e superar simplismos e medos de certos temas (sacerdócio de mulheres e casados, sexualidade, reprodução, ecumenismo), mantendo a opção pelo pobre e excluído, para saber enfrentar os desafios deste século XXI. Isso sem misturar planos, mas aceitando que vivemos numa sociedade secular laica, onde a Igreja tem de renunciar a ressaibos de velhas cristandades e, humildemente, dar testemunho aos lado de tantos “homens e mulheres de boa vontade”, para usar a expressão de João XXIII, que também anunciou primaveras pela frente.

Morreu o Cardeal Lorscheider

Morreu, nesta madrugada, em Porto Alegre, aos 83 anos, Dom Aloísio Lorscheider. Veja a nota da CNBB e leia mais aqui. Fique de olho, porque muitos testemunhos interessantes sobre ele devem ser publicados nos próximos dias.

Em Roma, na década de 70, tive e a honra de conviver com este grande homem, quando, ocupando vários cargos de importância na Igreja, ele sempre estava por lá e se hospedava no Colégio Pio Brasileiro, onde morei de 1970 a 1976.

Muitas coisas poderiam ser ditas desta convivência: desde os colegas de Fortaleza, grandes amigos, que ele mandou para Roma para cursar Mestrado e Doutorado em várias áreas da Teologia, como José Maria, Dourado, Manfredo, Adalberto e muitos outros… até o modo, como carinhosamente, entre nós, o tratávamos – o “Moderado” – pelo seu jeito habilidoso de resolver espinhosas crises… sem se esquecer do posterior boato (fato!) de que teria sido o sucessor de Paulo VI se um problema cardíaco não o tivesse impedido…

Só quero lembrar um acontecimento: em 1976, no dia em que foi nomeado Cardeal, ele chegou ao Pio Brasileiro já tarde, depois de uma jornada de cansativo trabalho no Vaticano. Foi jantar em horário incomum e um grupo de amigos sentou-se à mesa com ele. Eu estava lá. Com simplicidade, como se nada de extraordinário tivesse acontecido, conversava tranqüilamente conosco, enquanto na portaria do Colégio, alguns colegas lutavam, com dificuldade, para conter as várias equipes de televisões e jornais de diferentes países que o solicitavam com ansiedade para entrevistas…

Necrológio de Xavier Léon-Dufour no Times

Mark Goodacre observa, em NT Gateway Weblog, com o post Xavier Léon-Dufour Obituary, que o Times traz hoje um necrológio (obituary) do conhecido exegeta francês falecido em 13 de novembro de 2007.

Veja no Times de December 20, 2007: Xavier Léon-Dufour. Liberal scholar who brought historical analysis to Bible study.

Xavier-Léon Dufour was one of the greatest liberal Bible scholars of the 20th century. As such, he often found himself at odds with the conservative Catholic hierarchy, not least with Pope Pius XII himself.

Using historical and critical scholarship to challenge more fundamentalist approaches to the Bible was not, he insisted, to deny the divine element in the origin of Scripture. But the text as we have it today was written by men at specific periods of history.And a critical study of both the men and the history, Dufour maintained with passion, was vital to an understanding of the sacred text.

The new scholarship which had its origin in the work of 19th-century German Protestant scholars, met resistance both from the Catholic hierarchy and from parts of the Protestant establishment. Dufour himself was accused of seeking to deprive priests of their faith…

Niemeyer: o arquiteto de todos os brasileiros

Vida de Niemeyer é descrita em um volume da série “Folha Explica”; leia introdução – Folha Online: 03/07/2007

Durante 100 anos de vida, Oscar Niemeyer realizou obras singulares como o conjunto da Pampulha –projeto pioneiro de novas faces da arquitetura no mundo–, o Edifício Copan, o conjunto do Parque Ibirapuera e a criação de Brasília (ele trabalhou no plano piloto com a equipe de Lucio Costa). Entre seus projetos mais recentes estão o Sambódromo, o Memorial da América Latina e o Museu de Niterói.

O livro “Oscar Niemeyer”, da série “Folha Explica” da Publifolha, mostra a trajetória deste que é um dos mais importantes criadores brasileiros vivos, reconhecido em todo o mundo. O livro conta com fotos e doze ilustrações feitas pelo próprio Niemeyer e foi escrito pelo consagrado Ricardo Ohtake, arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, mas que prefere considerar-se um designer gráfico.

Niemeyer sempre se superou, com sua inegável capacidade de gerar novas ideias, buscar soluções até então desconhecidas e ousar na técnica. Leia a seguir a introdução do livro “Oscar Niemeyer”.

Introdução

Segundo se ouve e se lê, Oscar Niemeyer é: o mais importante criador brasileiro vivo, reconhecido em todo o mundo; o único brasileiro que será lembrado no século 30; o arquiteto que realizou o maior número de importantes projetos construídos na história da humanidade. Afora estas tiradas midiáticas, mas que não deixam de ter sua dose de verdade, Niemeyer transformou em coisa corriqueira o fato de projetar obras importantes.

Com soluções totalmente inesperadas, propostas estruturais fora de qualquer compêndio e uso de materiais simples, ele cria espaços comoventemente democráticos. Niemeyer praticamente banalizou o significado de “obra importante de arquitetura”, pois quase anualmente produz (e vê construída) uma delas que, para qualquer arquiteto, seria o “projeto da vida”.

Trabalhador inveterado, sempre com jornadas de 12 horas, inclusive aos sábados e domingos, na época de Brasília chegou a se mudar para um escritório de canteiro de obra, como funcionário da Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil).

Em inúmeras ocasiões, abriu mão de receber honorários, por motivos éticos, ou se as amizades falassem mais alto. Apesar de sua produção monumental, sempre teve vida comedida e trabalha até hoje para viver. Jamais deixou de ter posições políticas claras. Militante convicto do Partido Comunista, só nos últimos tempos abandonou a posição partidária, sem que isso amenizasse seu protesto contra a desigualdade social existente no mundo.

Este livro segue os 100 anos de vida de Oscar Niemeyer. Começa pelos trabalhos anteriores ao do conjunto da Pampulha (1942), o primeiro projeto de sua total responsabilidade e pioneiro das novas faces da arquitetura que se implantavam no mundo. Daí até Brasília passou uma década e meia, tempo para Oscar desenvolver vários projetos de grande porte e preparar-se para enfrentar o maior desafio imaginado por um arquiteto: inventar a nova capital de um país. Quando ficou difícil trabalhar no Brasil, durante a ditadura militar, a Europa o recebeu de braços abertos.

Neste período, Niemeyer produziu obras que o tornaram ainda mais conhecido no mundo. Após sua volta (1974), com os preconceitos políticos diminuindo aos poucos devido à redemocratização, Niemeyer continuou a criar espaços de rara inventividade, por todo o país. Setenta anos de vida profissional, com muita clareza de onde e como focar o trabalho, muita rapidez nas ações, incansável no enfrentamento de desenhos e textos.

Mesmo num país subdesenvolvido e atuando nesta área difícil e cara que é a arquitetura, Niemeyer, com sua ousadia infinita, sempre soube até onde se pode chegar e muitas vezes chegou até onde ninguém tinha chegado antes. Se é comum a experiência de ter ido longe junto com ele Niemeyer é o nosso arquiteto, de todos nós, brasileiros, isso se deve, sem dúvida a seu sentido enorme de solidariedade, inseparável da obra que ele construiu.

John Strugnell por Daniel J. Harrington

Como assinalado por Jim West , o SBL Forum publicou no dia 10 um necrológio [obituary] de John Strugnell por Daniel J. Harrington.

 

John Strugnell 1930-2007

John Strugnell (1930-2007) was one of the members of the original team of Dead Sea scrolls editors and later became editor-in-chief of the project. He was Professor of Christian Origins at Harvard Divinity School from 1967 to 1990. He fostered the study of the Qumran manuscripts and Second Temple Judaism and their significance for early Christianity.

Born in Barnet, UK, on May 25, 1930, Strugnell attended St. Paul’s School in London and received bachelor’s and master’s degrees from Jesus College at Oxford University. In 1954 he was nominated by his teacher G. R. Driver to join the editorial team and so broke off his doctoral studies. He quickly established himself as a talented decipherer of the Qumran manuscripts. He spent 1956-57 at the Oriental Institute at the University of Chicago and returned to Jerusalem from 1957 to 1960.

Between 1960 and 1967 he taught at Duke University Divinity School and was then appointed to Harvard Divinity School where he carried on his research on the Qumran texts and made frequent trips to Jerusalem. In 1984 he succeeded Pierre Benoit as editor-in-chief of the scrolls project and the Discoveries in the Judaean Desert series. In 1990 he was replaced by Emanuel Tov in these positions. The change was occasioned by Strugnell’s erratic behavior due to a bipolar condition and in particular by his negative comments about Judaism as a religion during a newpaper interview in Israel. After hospitalization and a long recovery, Strugnell resumed his research on the Qumran scrolls until he suffered a severe stroke in February 2001. He died at Mount Auburn Hospital in Cambridge, MA, on November 30, 2007. He is survived by his former wife, Cecile Pierlot, and their five children.

Much of Strugnell’s most important scholarly work came in the early years of his collaboration with the Dead Sea scrolls editorial team in Jerusalem. There he showed a remarkable facility in assembling fragments, deciperhing badly damaged manuscripts, and identifying texts. His most significant publications appear in the DJD volumes devoted to 4QMMT (with Elisha Qimron) and 4QInstruction (with Daniel J. Harrington). In recent years he took a special interest in the Qumran wisdom texts and wrote several articles on their language and interpretation.

Perhaps even more important to Strugnell than his own publications was his commitment to train a new generation of scholars who might work successfully on Qumran texts and in the field of Second Temple Judaism. They include Harold Attridge, James H. Charlesworth, John Collins, Carol Newsom, Eileen Schuller, Thomas Tobin, and Sze-kar Wan. He gave to his doctoral students enormous amounts of time and attention, patterned after the Oxford tutorial system in which he was educated. I was one of the first beneficiaries of his generosity at Harvard in my work on Pseudo-Philo’s Liber Antiquitatum Biblicarum. He was also remarkably generous in helping other students and professors with their projects. When I once asked why he was spending several weeks poring over a huge book manuscript written by a fellow scholar, he said, “This is going to be an important book, and I want to make it as good as I can.”

As editor-in-chief of the Dead Scrolls project Strugnell sought to maintain the integrity and continuity of the project while opening it up and restructuring the team and their assignments. He included Israeli scholars such as Emanuel Tov and Devorah Dimant and worked closely with Elisha Qimron on 4QMMT. The great European scholars Florentino García Martínez and Émile Puech regard him as one of their teachers too. These distinguished students and scholars have gone on to train their students in Qumranology and Second Temple Judaism. In his modest way Strugnell was a remarkably effective teacher.

While being relieved of his post as editor-in-chief in 1990 was a bitter pill, his successor Emanuel Tov made it somewhat easier for him to swallow. Tov had done his first formal study of the Qumran texts under Strugnell during a two-year postdoctoral stay at Harvard in the late 1960s. Tov was eager to keep Strugnell on the team and so assigned 4QInstruction to him (with me as a collaborator). Strugnell in turn shared his great knowledge of the scrolls and the project with Tov, and gave him whatever advice and help that he could during Tov’s remarkably efficient and successful completion of the publication project during the 1990s and early 2000s. Thus what had been criticized as “the academic scandal of the twentieth century” became, in my opinion, the academic miracle of the twentieth century.

Daniel J. Harrington (12/10/07)