Aquecimento global: desmanche do planeta?

Li hoje um comentário de um leitor no blog do Nassif sobre as últimas catástrofes ocorridas no Brasil com as chuvas recentes que me chamou a atenção: “Meu Deus, o Brasil está desmanchando…”

Pode ser interessante, entre uma catástrofe e outra, ler também:

:: A cruzada para negar o aquecimento global – Ladislau Dowbor – IHU On-Line: 06/01/2010.

Não há dúvidas sobre o aquecimento global, nem sobre o peso das atividades humanas na sua geração. No entanto, depois de dois anos de uma gigantesca campanha de mídia, envolvendo também a criação de ONGs fajutas e de movimentos aparentemente grass-root, portanto “espontâneos e comunitários”, e sobretudo listagens de cientistas “céticos” visando dar impressão de “quantidade”, temos resultados, e para os grupos do petróleo, do carvão e semelhantes, terá valido a pena. Segundo a revista britânica The Economist, a proporção de americanos que achavam existir evidências sólidas de aumento das temperaturas globais caiu de 71% em abril de 2008 para 57% em outubro de 2009 (Carta Capital, 16/12/2009, página 48).

O estudo de James Hoggan (Climate cover-up: The cruzade to deny global warming) não é sobre o clima, mas sobre comunicação, e consiste essencialmente em mapear como a campanha foi montada e como hoje funciona. A articulação é poderosa, envolvendo instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros, muitos republicanos e a direita religiosa.

Os grandes grupos corporativos aparecem mais discretamente, com exceção da ExxonMobil que inundou com dinheiro o mercado de consultoria e de comunicação. Este “inundou”, naturalmente, é um conceito relativo: são centenas de milhões de dólares, mas New Scientist lembra que “as empresas de petróleo têm vastos lucros. Só a ExxonMobil lucrou US$ 45 bilhões em 2008. Em um mundo são, certamente encontraríamos uma maneira de desviar um pouco deste dinheiro para resolver os problemas que o próprio petróleo está gerando. A questão é: estamos vivendo num mundo são?” (NS, 5/12/2010, p. 5) Não custa lembrar que estas empresas não “produzem” petróleo, e sim extraem e comercializam um bem herdado da natureza que está acabando.

Em termos de personagens, encontraremos os das causas conservadoras e muitos personagens “flexíveis”, como Frank Luntz, Christopher Walker, Fred Singer, Patrick Michaels, Arthur Robinson, Steven Milloy, Benny Peiser e numerosos outros, além da eterna estrela do “contra”, o dinamarquês Lomborg, que graças à sua disponibilidade anti-clima ganha financiamentos para incessantes palestras.

Profissionais das relações públicas (sim, o nome é este) estão sempre presentes. Hoggan, o autor deste estudo, é um profissional desta área e conhece profundamente como funciona a indústria da construção e da destruição das reputações de pessoas ou de causas. Isso o levou a fazer o presente levantamento detalhado de como se estrutura, com o impressionante poder das tecnologias modernas de comunicação, a manipulação da opinião pública. Independentemente da causa, no caso o drama do aquecimento global, o que é muito interessante no livro é entender esta indústria da desinformação.

Naomi Oreskes organizou uma meta-pesquisa, com o buscador “mudança climática global”, e limitada a artigos revistos por pares (peer review). Encontrou 928 artigos, nenhum colocando dúvidas sobre a realidade do processo climático. Nos jornais, no entanto, comentando a pesquisa, 53% dos artigos, buscaram ouvir “os dois lados”, e colocaram de maneira equilibrada opiniões de contestadores. Zero por cento de artigos científicos contestadores sobre o processo climático em si, mas nos jornais aparecia como “um tema em discussão”. O que era o objetivo. O tema está em discussão, afirmam gravemente os grandes grupos geradores do aquecimento (não diretamente, sempre por meio de listas de livre inscrição), portanto o assunto “é controverso”. Os “céticos” passam a se apresentar não como contestadores do fenômeno, mas como os que têm uma visão equilibrada, sem extremismos, portanto acreditam que talvez haja um problema, mas temos de ser ponderados, e adiar decisões.

No caso de Naomi Oreskes, é curioso, pois um doutor Benny Peiser, professor de educação física (esporte mesmo, não física), realizou uma pesquisa sobre “mudança climática” (e não “mudança climática global”) e apresentou uma lista não de 928 artigos, mas de mais de 12 mil. Portanto, os 928 representariam apenas uma pequena parcela das opiniões. Os jornais, devidamente estimulados (a Fox em particular, naturalmente), fizeram alarde. Faltava demonstrar que os 12 mil tinham opinião contrária. Pressionado por revistas científicas que se recusavam a publicar o seu artigo, Peiser conseguiu localizar 34 artigos “que rejeitam ou duvidam da visão de que as atividades humanas são a principal causa do aquecimento observado nos últimos 50 anos”. Pressionado ainda para mostrar os artigos e os argumentos científicos em artigos peer reviewed, Peiser finalmente chegou a um artigo científico de contestação. Não era revisto por pares, e foi publicado na American Association of Petroleum Geologists (102).

Tudo isto, evidentemente, amplamente divulgado, em particular por redes de institutos empresariais conservadores, utilizando em parte os mesmos grupos de relações públicas utilizados nas campanhas de caça-voto dos republicanos, e apoiados nas tecnologias de ampla divulgação como youtube. O resultado de tudo? Frente a tanta celeuma, os grupos interessados puderam passar a dar entrevistas “equilibradas”, pois estaria claro que “há controvérsias”. Que era o único objetivo da campanha. Não de negar o inegável, mas de dar a entender que as pessoas comedidas, equilibradas, não vão fazer nada, e muito menos pressionar os agentes do aquecimento global.

O livro é muito instrutivo para quem lida com comunicação, com teoria dos lobbies, com manipulação política. O próprio Hoggan menciona como é cansativo, a cada vez que aparece um cientista de peso mencionado no grupo “cético”, fazer circular a carta de denegação do cientista, ou destrinchar uma lista de milhares de “opositores” para ver se há no meio alguém que realmente tenha feito alguma pesquisa sobre a única coisa finalmente relevante, que não é a “opinião”, e sim dados científicos novos que provem algo diferente. E depois tentar fazer circular a informação de que a “notícia” afinal não era notícia, isto numa mídia onde as corporações financiam a publicidade.

Uma pérola entre os argumentos e uma das mais utilizadas: “Como os cientistas dizem que podem prever o clima dentro de 50 anos se não são capazes de prever a chuva de amanhã”. Como se meteorologia e estudos climáticos fossem da mesma área. Um britânico pode não saber se vai nevar amanhã, mas sabe perfeitamente prever que vai chegar o inverno e o frio correspondente, e não hesita em comprar um casaco. Mas o argumento pega e se apoia numa fragilidade que é de todos nós: se nos dão um argumento que confirma a opinião que já estávamos propensos a ter, qualquer estribo vale.

O estudo bem poderia ser traduzido e utilizado para os nossos próprios problemas, como por exemplo o peso da bancada ruralista na opinião pública, ou as campanhas orquestradas pela Febraban, ou ainda a campanha contra a proibição de armas de fogo individuais, balisadas no “direito de se defender” e até na “liberdade”. Nos Estados Unidos, temos precedentes interessantes e igualmente desastrosos tanto no caso das armas, como na batalha das grandes empresas de saúde privada aliadas com o Big Pharma para tentar travar o direito de acesso a serviços de saúde, sem falar das gigantescas campanhas das empresas de cigarros.

O último livro de Robert Reich, aliás, Supercapitalim, também trata desta apropriação dos processos políticos pelas corporações. O filme O Informante mostra como isto se deu com a indústria do cigarro, enquanto The Corporation explicita o mecanismo de maneira ampla. Marcia Angell fez um excelente estudo dos procedimentos equivalentes na indústria farmacêutica (em português, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos). A própria desinformação se transformou numa indústria. É a indústria da opinião pública.
No caso da mudança climática, como qualificar a dimensão ética do que constitui uma clara compra de opiniões? Ou os ataques impressionantes das empresas de advocacia das corporações, que processam qualquer pessoa que ouse sugerir que uma opinião poderia envolver não a verdade mas interesses corporativos? O liberalismo tem uma concepção curiosa da liberdade.

Copenhague: agora vai?

Obama procura Lula para buscar “resultado positivo” em Copenhague
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, falou nesta quarta-feira (16) por telefone com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como parte de seus esforços para impulsionar um resultado positivo da cúpula sobre mudança climática (COP15), que acontece em Copenhague. “O presidente Obama destacou ao presidente Lula a importância de os dois países continuarem trabalhando para conseguir um acordo concreto que signifique um verdadeiro progresso e determinar uma ação global para enfrentar a ameaça da mudança climática”, segundo informou a Casa Branca… (Folha Online: 17/12/2009 – 02h16)

EUA prometem contribuição para fundo climático de US$ 100 bi
Os Estados Unidos vão contribuir com o fundo de US$ 100 bilhões por ano até 2020 que ajude os países pobres a lidar com a mudança climática, disse nesta quinta-feira (17) a secretária de Estado, Hillary Clinton, em Copenhague. No entanto, ela condicionou a contribuição a uma “transparência” dos países envolvidos. Uma oferta como essa, apesar de ainda sem valor definido, era esperada pela delegação brasileira, que achava difícil metas de corte maiores dos EUA. Diante das dificuldades para um acordo em Copenhague até amanhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apostava em um aporte de dinheiro público dos EUA para um fundo global que bancaria o corte das emissões de gases-estufa e a adaptação à mudança climática. O Japão e a União Europeia também já se comprometeram em ajudar a construir esse fundo, de acordo com o jornal “Washington Post”… (Folha Online: 17/12/2009 – 09h33)

 

Obama viaja a Copenhague com meta de corte de CO2 tímida e promessa de ajuda
O presidente Barack Obama chega nesta sexta-feira (18) na cúpula do clima de Copenhague (COP-15) com a certeza de ter transformado a política americana sobre mudança climática e em busca de garantias de verificação ante um eventual acordo. Obama passará apenas algumas horas em Copenhague, mas seus assessores acreditam que sua presença é um sinal claro de que o governo dos Estados Unidos, fortemente criticado por se opor à redução das emissões poluentes no passado, se converteu agora num líder a favor da luta contra o aquecimento global… (Folha Online: 17/12/2009 – 12h45)

Lula rechaça responsabilidade de países pobres no clima e cobra ricos
O presidente Luís Inácio Lula da Silva descartou a responsabilidade de países em desenvolvimento sobre a mudança climática e voltou a cobrar os países desenvolvidos. Segundo Lula, as nações ricas devem assumir metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases do efeito-estufa, “à altura de suas responsabilidades históricas”. “É inaceitável que os menos responsáveis pela mudança climática sejam suas primeiras e principais vítimas [do aquecimento global]”, afirmou o presidente. “As fragilidades de uns não podem servir de pretexto para o recuo e vacilação de outros. Não é politicamernte racional nem moralmente justificável colocar interesses corporativos e setoriais à frente do bem comum da humanidade”, observou Lula… (Folha Online: 17/12/2009 – 13h19)

Fonte: Folha Online – Especial Conferência de Copenhague

COP 15: Copenhague

 

100 dias para Copenhague: “não temos tempo a perder”. Entrevista especial com Lisa Gunn – Notícias – IHU On-Line: 28/08/2009

Tic Tac. Está chegando a hora para a Conferência sobre as mudanças climáticas a ser realizada em Copenhague. Um movimento que tem como nome exatamente o nome do som que nos lembra que o tempo está passando. Foi criado para que possamos refletir, já que, a partir de hoje, faltam 100 dias para a conferência começar. Uma das consultoras do movimento Tic Tac é a coordenadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Lisa Gunn. Ela conversou, por telefone, com a IHU On-Line sobre a importância de marcarmos essa data para pensarmos nos acordos a serem realizados na cidade dinamarquesa. “Precisamos que a conferência de Copenhague e os líderes dos países, cheguem a um acordo extremamente agressivo em termos de redução de emissão de gases do efeito estufa”, disse ela. Antropóloga e Socióloga pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Lisa Gunn é especialista em Desenvolvimento Sustentável pela Carl Duisberg Gesellschaft, na Alemanha. Também é mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo – USP.

 

A entrevista

IHU On-Line – Porque marcar os 100 dias para Copenhague?

Lisa Gunn – Justamente porque não temos tempo a perder. Precisamos que a conferência de Copenhague e os líderes dos países cheguem a um acordo extremamente agressivo em termos de redução de emissão de gases do efeito estufa. Entre os cientistas, já há um consenso de que não podemos aumentar mais do que dois graus a temperatura do planeta, para que não tenhamos um desequilíbrio ecológico mais significativo. Para não aumentar esses graus, precisamos reduzir até 40% das emissões até 2020, ou seja, temos onze anos pra ter uma revolução nos padrões de produção e consumo que justamente garantam que iremos conseguir alcançar essa redução. Por isso é importante marcarmos 100 dias para Copenhague, pois, até lá, os países irão ter uma série de reuniões e encontros, e mesmo internamente os países estão fechando suas posições para Copenhague. É uma forma de chamarmos a atenção dos líderes dos países, e também da sociedade, para a importância de termos um compromisso bastante forte em Copenhague.

IHU On-Line – Qual o caminho que o Brasil deve traçar até a Conferência sobre as mudanças climáticas?

Lisa Gunn – O Brasil tem um papel crucial nestas negociações internacionais de clima, justamente porque é um país emergente. Apesar de termos claro que a responsabilidade maior é dos países já desenvolvidos, pois eles ao longo do tempo já contribuíram para situação em que nos encontramos, os países emergentes e em desenvolvimento teriam uma responsabilidade mais diferenciada desses países ricos. Mas a questão é que, dado o tamanho do problema hoje, não dá para dizermos que os países emergentes não precisem ter metas, mesmo que voluntárias, de redução dos gases do efeito estufa. E o Brasil, como o país emergente líder nestas negociações, tende a assumir esse papel progressista de colocar um programa de redução de emissão dos gases do efeito estufa dentro do país. Temos este desafio de conseguir ter uma coerência entre o que estamos pregando como negociação internacional e o que estamos fazendo internamente. O Brasil precisa fazer, também, a lição de casa, de ter políticas públicas que promovam a redução de emissão do gás do efeito estufa. Também deve haver na questão relacionada ao desmatamento, à agricultura e à destinação adequada de resíduos sólidos. Temos uma política nacional de resíduos sólidos que está em discussão há mais de dezoito anos no congresso e até hoje não foi aprovada. Precisamos avançar, também, na questão do transporte coletivo, e mesmo na questão de privilegiar a mudança do comportamento do consumidor, que deve abrir mão do transporte individual, mas que para isso precisa ter um transporte coletivo de qualidade. O Brasil precisa ter uma posição agressiva nas negociações internacionais e, por outro lado, ser bastante rápido para conseguir fazer esta revolução dos padrões de produção e consumo internamente.

IHU On-Line – Em um relatório divulgado recentemente, a China foi apontada como o país cujos desafios serão maiores. O Diretor Geral do Departamento de Mudança Climática chinês afirmou que, a partir de 2050, as emissões de carbono do país começarão a diminuir. Que perspectivas podemos ter quando vivemos a “Revolução Tecnológica” e temos países crescendo como a China?

Lisa Gunn – O desafio que enfrentamos é de garantir à boa parte da população mundial, que até hoje está excluída do mercado de consumo, que tenham acessos a bens e serviços essenciais para uma vida digna. Mas, de fato, precisamos dessa revolução tecnológica que garanta que as alternativas não vão ser só para parte da população, que tem condições de pagar por carros mais eficientes ou por comida sem agrotóxico, temos que garantir que esses produtos e serviços “sustentáveis” cheguem para todas as pessoas que hoje não têm acesso a esse consumo. É uma revolução que precisamos fazer no padrão de consumo. Não dá acharmos que todo mundo pode ter um carro, isto é inviável, tanto do ponto de vista social quanto ambiental. Não existem recursos naturais para garantir carros para todo mundo, e se todos tivessem carros não iríamos conseguir circular.

IHU On-Line – Ainda dá tempo de construir um mundo sustentável?

Lisa Gunn – Dá tempo. Se não acreditarmos que dá tempo vamos chegar em um ponto de inação. O que a campanha TIC TAC pretende e quer dizer é que é hora de agir. A hora é agora. Sem dúvida dá tempo e a gente precisa arregaçar as mangas e ter essa ideia da co-responsabilidade. Poder público, empresas e consumidores precisam se empenhar para construir essas alternativas de padrões de produção e consumo.

IHU On-Line – Para ser ideal, o que esse acordo global precisa ter?

Lisa Gunn – Para origem e o compromisso destas metas agressivas de redução, precisamos ter uma série de acordos que garantam que estas mudanças sejam aplicáveis em todos os lugares. Por exemplo, tem toda uma questão de procedência tecnológica e de apoio financeiro que deve estar acordada para que possamos ter estas mudanças radicais. Não dá para dizermos o que tem que fazer se não avançarmos no “como fazer”. Precisamos que este acordo em Copenhague traga todos esses elementos.

IHU On-Line – O TIC TAC vai agindo de que forma até a realização da conferência de Copenhague?

Lisa Gunn – Tem várias atividades, temos um site (https://www.tictactictac.org.br/), temos um abaixo assinado, que vai estar tanto nesta página quanto em qualquer outro site de organização que queira apoiar a campanha. Além disso, tem vários dias de ação. Agora no dia 29, sábado, haverá o lançamento da campanha em diversas capitais do Brasil, com diversas atividades. O dia 21 de setembro também é um dia de ação, pois é a véspera da abertura da Assembléia das Nações Unidas, um momento importante que temos a sinalização desses compromissos pelos líderes de Estado. O objetivo é que esta campanha seja horizontal, no sentido de que não é pensada por uma organização, são várias organizações da sociedade civil que a estão abraçando, e que seja uma campanha que todo mundo possa abraçar. A ideia é ter essa mobilização da sociedade civil em torno da importância, não só das negociações em Copenhague, mas também desses compromissos que todos devem assumir para ter estas mudanças tão radicais que precisamos.

IHU On-Line – Qual o papel do Brasil nessa campanha?

Lisa Gunn – Esta campanha TIC TAC é internacional. No Brasil, assumimos ela justamente por entender que o país é extremamente importante, não apenas nessas questões internacionais, mas também em termos de impactos das emissões. O Brasil é hoje o quarto maior emissor de gases do efeito estufa, portanto temos que ter um papel de liderança na mudança efetiva dos padrões de produção e consumo.

Ecopicumã

Ecopicumã? Ecofuligem? Ecofumaça? Eco!

Eco, do grego ékhô, oûs ‘ruído, som, eco’, pelo latim echo, us, tem muitos significados, grande parte deles ligados ao som, como explica o Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001, verbete “eco”

Mas, em terras e serras mineiras, sempre usávamos a palavra “eco”, quando crianças, para manifestar nojo, repugnância, aversão, asco, antipatia… Enfim, rejeição diante de algo nojento, de origem, forma ou gosto ruim.

É esse eco “mineiro” que uso, quando sinto e vejo o “presente” que nos dão aqueles que queimam, por aqui, nestes dias, os canaviais nas proximidades das cidades, nos enchendo de fuligem, fumaça, ar ruim, doenças respiratórias, o escambau.

Até quando vamos continuar a entupir nossos pulmões com picumã? Picumã? Do tupi apeku’mã, ‘fuligem’. Já viu uma chaminé com picumã? Pois é.

E toda essa fumaça de queimadas que envenena o ar da região de Ribeirão Preto deve ser para “comemorar” o Dia Mundial do Meio Ambiente 2009, celebrado em 5 de junho. Eco!

Para os interessados, acrescento que ecologia vem do francês écologie (1910) ‘ecologia’, empréstimo do alemão Ökologie, termo forjado, em 1866, por E. H. Haeckel (1834-1919, zoologista e biólogo alemão), do grego oîkos, on ‘casa’ + grego lógos, ou ‘linguagem’. O empréstimo do francês ao alemão se deu provavelmente pelo inglês oecology (1873), segundo o já citado Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001, verbete “ecologia”. Portanto, de oîkos, ‘casa’ e não de eco!

Leia Mais:
Ecoeconomia. Uma resposta à crise ambiental? – Revista IHU On-Line: edição 295, de 01/06/2009
Agrotóxicos. Remédio ou veneno? Uma discussão – Revista IHU On-Line: edição 296, de 08/06/2009

Dia da Terra 2009 – Earth Day 2009

Nasa vai transmitir imagens do planeta em alta definição no Dia da Terra
“A Nasa vai comemorar o Dia da Terra na quarta-feira [22 de abril] transmitindo imagens em alta definição do planeta tiradas por câmeras instaladas na Estação Espacial Internacional (ISS), anunciou nesta segunda-feira a agência espacial americana. A ISS e sua tripulação permanente de três astronautas, em órbita a 354 km de altitude, dão a volta da Terra a cada 90 minutos e podem ver o sol se pôr 16 vezes por dia. Visível da Terra a olho nu, a ISS avança a 28.163 km/h. As imagens em alta definição da Terra poderão ser vistas no dia 22 de abril das 10h00 às 13h00 GMT (07h00 às 10h00 de Brasília), das 16h00 às 18h00 GMT (13h00 às 15h00 de Brasília) e das 20h00 às 23h00 GMT (17h00 às 20h00 de Brasília) no canal de TV da Nasa ou no site da agência espacial.

Fonte: AFP – 21/04/2009

Alerta vermelho

Como escapar do fim do mundo

Leonardo Boff

Chegamos a um tal acúmulo de crises que, conjugadas, podem pôr fim a este tipo de mundo que nos últimos séculos o Ocidente impôs a todo o globo. Trata-se de uma crise de civilização e de paradigma de relação com o conjunto dos ecossistemas que compõem o planeta Terra, relação de conquista e de dominação. Não temos tempo para acobertamentos, meias-verdades ou simplesmente negação daquilo que está à vista de todos. O fato é que assim como está, a humanidade não pode continuar. Caso contrario, vai ao encontro de um colapso coletivo da espécie. É tempo de balanço face à catástrofe previsível.

Inspira-nos uma escola de historiadores bíblicos que vem sob o nome de escola deuteronomista, derivada do livro do Deuteronômio que narra a tomada de Israel e a entronização de chefes tribais (juízes). A escola refletiu sobre 500 anos da história de Israel, a idade do Brasil, fazendo uma espécie de balanço das várias catástrofes politicas havidas, especialmente, a do exílio babilônico. Segue um esquema, diria, quase mecânico: o povo rompe a aliança; Deus castiga; o povo aprende a lição e reencontra o rumo certo; Deus abençoa e faz surgir governantes sábios.

Usando um discurso secular, apliquemos, analogamente, o mesmo esquema à presente situação: a humanidade rompeu a aliança de harmonia com a natureza; esta a castigou com secas, inundações, tufões e mudanças climáticas; a humanidade tirou as lições destes cataclismos e definiu um outro rumo para o futuro; a natureza resgatada favorece o surgimento de governos que mantém a aliança originária de harmonia natureza-humanidade.

Ocorre que apenas uma parte deste esquema está sendo vivida: estamos tirando algumas lições dos transtornos globais. Muitos se dão conta de que temos que mudar os fundamentos da convivência humana e com a Terra, organismo vivo doente e incapaz de se autorregular. Essa mudança deve possuir uma função terapêutica: salvar a Terra e a Humanidade que se condicionam mutuamente. Outros, no entanto, querem continuar pela mesma rota que os conduziu ao desastre atual. O fato é que precisamos escutar aqueles que com consciência da situação nos estão oferecendo as melhores propostas. Eles não se encontram nos centros do poder decisório do Império. Estão na periferia, no universo dos pobres, aqueles que para sobreviver têm que sonhar, sonhos de vida e de esperança.

Uma destas vozes é de um indígena, o Presidente da Bolívia, Evo Morales. Ele escreveu, agora em novembro, uma carta aberta à Convenção da ONU sobre mudanças climáticas na Polônia. Escutando o chamado da Pacha Mama conclama:

“Necessitamos de uma Organização Mundial do Meio Ambiente e da Mudança Climática, a qual se subordinem as organizações comerciais e financeiras multilaterais, para promover um modelo distinto de desenvolvimento, amigável com a natureza e que resolva os graves problemas da pobreza. Esta organização tem que contar com mecanismos efetivos de implantação de programas, verificação e sanção para garantir o cumprimento dos acordos presentes e futuros… A humanidade é capaz de salvar o planeta se recuperar os princípios da solidariedade, da complementaridade e da harmonia com a natureza, em contraposição ao império da competição, do lucro e do consumismo dos recursos naturais.”

Evo Morales é indígena de um pais pobre. Temo que ele conheça o destino da triste história narrada pelo livro do Eclesiastes:”Um rei poderoso marchou sobre uma pequena cidade; cercou-a e levantou contra ela grandes obras de assédio. Havia na cidade um homem pobre, porém sábio que poderia ter salvo a cidade. Mas ninguém se lembrou daquele homem pobre porque a sabedoria do pobre é desprezada”(9,14-15). Que isso não se repita de novo.

Fonte: Jornal Grande Bahia – 29 de dezembro de 2008.

Projeto Floresta Zero

Desmatamento cresce, mas governo cede ao agronegócio – Por Maurício Thuswohl – Carta Maior: 04/06/2008

Divulgados na segunda-feira (2) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os números do desmatamento da Amazônia relativos a abril prometem endurecer a disputa entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e setores do agronegócio em torno das políticas governamentais de sanção econômica aos proprietários rurais provocadores da devastação. Segundo o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), baseado em informações passadas por satélites, foram desmatados em abril pelo menos 1.123 quilômetros quadrados de floresta, número assustadoramente maior do que o registrado em março (145 quilômetros quadrados) e que comprova a aceleração do ritmo da destruição que vinha sendo reduzido nos últimos três anos.

A devastação na Amazônia é provavelmente ainda maior do que o detectado pelos satélites do Inpe, já que 53% da área de floresta permaneceu encoberta por nuvens durante o mês de abril. O que se sabe com certeza é que o estado do Mato Grosso é mais uma vez o campeão do desmatamento, com 794 quilômetros quadrados de floresta derrubada em abril, o equivalente a 70,8% do total detectado no período. O governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, pertence à família que mais planta soja no mundo e é hoje o maior líder político do agronegócio brasileiro. Como tal, Maggi é ferrenho opositor das medidas estipuladas pelo governo federal para conter o desmatamento em seu estado, tendo promovido embates políticos públicos com a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e com o atual ministro, Carlos Minc.

O números divulgados esta semana pelo Inpe mostram que o aumento do desmatamento é uma tendência consolidada. Nos doze meses compreendidos entre agosto de 2006 e julho de 2007 foram desmatados 4.974 quilômetros quadrados de floresta, enquanto que, de agosto do ano passado até abril deste ano, já foram derrubados 5.850 quilômetros quadrados. Até o fim do julho, quando termina o período de medição anual trabalhado pelo Inpe, a tendência é que o ritmo do desmatamento aumente ainda mais, pois será o período da estiagem: “A coisa pode ser muito pior do que parece. Ainda faltam os meses brabos”, admite o ministro Minc.

Os dados relativos ao desmatamento de abril já estavam disponíveis há algum tempo, mas sua divulgação foi retardada por conta da mudança no comando do MMA. Antes mesmo do anúncio, no entanto, os números já eram questionados publicamente por Maggi, pois seu governo garante que o desmatamento no estado vem caindo nos últimos cinco anos: “Há dois anos, a média de desmatamento de Mato Grosso está abaixo de três mil quilômetros quadrados. É um momento histórico, no qual deveríamos ser premiados, mas estamos sendo punidos”, disse.

Desde que a retomada de um ritmo acelerado de desmatamento na Amazônia foi percebida, no fim do ano passado, Maggi lidera os esforços para conter as medidas anunciadas pelo governo federal para reverter a situação. A principal delas é o corte, determinado por uma resolução do Banco Central, do acesso às linhas de crédito e financiamento público para os proprietários rurais que promovem o desmatamento. Anunciada em março pelo MMA, a medida atinge 67 municípios em Mato Grosso: “Essa resolução vai acabar com a atividade econômica em muitas cidades mato-grossenses e provocar muito desemprego”, queixou-se o governador, quando soube da novidade.

Pressão surte efeito

A pressão de Maggi teve dois efeitos imediatos. O primeiro foi fazer com que dez mil grandes proprietários rurais de Mato Grosso simplesmente ignorassem o recadastramento promovido pelo Incra com o objetivo de determinar quem está atuando legalmente do ponto de vista ambiental. A postura do governador foi criticada pela ex-ministra Marina Silva: “Em vez de implementar as medidas, o governo do Mato Grosso passou a contestar os dados de crescimento do desmatamento. Os dados do ano passado já acederam a luz vermelha no governo federal, mas Maggi teve uma postura reativa e criou um clima de desobediência civil que acabou levando a um aumento ainda maior do desmatamento”.

O segundo efeito da pressão liderada por Maggi, com o auxílio dos cerca de 300 deputados que compõem a bancada ruralista na Câmara, teve sabor de vitória política. Num recuo anunciado durante uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os governadores dos estados da Amazônia Legal, o governo federal resolveu “adaptar” a resolução do Banco Central, tornando passíveis de sanções econômicas apenas as propriedades localizadas dentro do bioma amazônico, e não mais aquelas localizadas no Pantanal ou no Cerrado: “Essa flexibilização beneficia 70% dos municípios de Mato Grosso”, comemorou Maggi.

Numa outra medida que agradou a setores ligados ao agronegócio, o ministro Carlos Minc anunciou aos governadores dos estados amazônicos que o governo vai destinar R$ 1 bilhão de reais para a recomposição de áreas degradadas de floresta. Incluída na Medida Provisória 432, que trata da dívida agrícola, essa medida vai beneficiar economicamente quem já desmatou, mas é encarada como única saída viável pelo governo: “Vamos dar meios a todos aqueles que queiram se regularizar e recompor as áreas de reserva legal. A regularização será coletiva, e o MMA vai dar 30% dos recursos para acelerar, numa força-tarefa, a regularização ambiental daqueles que queiram realmente se regularizar”, disse Minc.

Poder aos estados

O ministro anunciou também, nesta terça-feira (3), que o poder de determinar quais propriedades rurais ficarão impedidas de aceder aos financiamentos públicos caberá a cada governo estadual da Amazônia Legal. A descentralização já era prevista há algum tempo pelo governo federal, mas Minc admitiu que esse sistema é vulnerável a fraudes: “Sim, pode haver fraude. Um secretário ou um governador contrário à resolução, ou um produtor que oferece cem mil reais para dizerem que sua propriedade está fora do bioma amazônico. Mas, isso é falsidade ideológica e, se flagrado, implicará em prisão. Quem estiver errado, vai responder por crime ambiental”.

O Ibama, segundo o ministro, fará um controle do trabalho de regularização implementado pelos governos estaduais, mas ele se dará por amostragem, de acordo com as possibilidades atuais do instituto: “Imagina se eu colocasse os 400 homens que o Ibama tem para cuidar da Amazônia atrás de uma mesa para receber sete mil produtores e dizer se eles estão ou não dentro do bioma? O Ibama já não tem meios de pegar os grandes madeireiros e criar as grandes reservas…”, lamentou Minc.

 

A nova estratégia dos ruralistas – Renata Camargo – Repórter Brasil – 14/05/2008

Parlamentares que defendem o agronegócio ocupam um terço das vagas das comissões voltadas ao meio ambiente para tentar flexibilizar legislação

A bancada ruralista tem ganhado força no Congresso Nacional e ampliado sua área de influência. Levantamento feito pelo Congresso em Foco revela que um em cada três parlamentares que defendem a expansão das fronteiras agrícolas e os interesses de grandes proprietários rurais faz parte das comissões ambientais em funcionamento na Câmara e no Senado.

Das 261 cadeiras dos 14 colegiados que tratam de questões relacionadas à questão ambiental, 92 estão ocupadas por deputados e senadores ligados ao agronegócio. A estratégia é povoar as comissões de meio ambiente para fragilizar a legislação ambiental.

O embate entre as duas áreas foi pano de fundo de toda a crise que resultou no pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na tarde de ontem (13). A saída de Marina foi comemorada por integrantes daquela que é uma das mais poderosas bancadas do Congresso (leia mais).

Segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), a prioridade da bancada ruralista é, exatamente, flexibilizar a legislação ambiental para facilitar a expansão agrícola e as atividades pecuaristas. “Estão priorizando o meio ambiente em detrimento do setor produtivo. Isso está trazendo conseqüências desastrosas. O setor não agüenta mais essa pressão”, afirma Colatto.

O interesse dos ruralistas pelas comissões ambientais é crescente, na opinião do consultor do Greenpeace João Alfredo, ex-deputado federal que presidiu a CPI da Terra, em 2005. O consultor avalia que os ruralistas estão mais fortes do que nunca. “Eles perceberam a importância ambiental e decidiram estar por dentro das questões”, afirma. “As posturas têm sido bem agressivas”, avalia.

Expansão na Amazônia
O principal alvo de críticas de ambientalistas à bancada ruralista é o Projeto de Lei 6424, de 2007, que altera o Código Florestal. Entidades ambientais alegam que o PL quer impulsionar a produção de biocombustível. Sustentado pelo interesse de grandes produtores rurais, o projeto prevê o plantio de até 30% de espécies exóticas em áreas de Reserva Legal na Amazônia, reduzindo de 80% para 50% a reserva.

Ontem (13), o Plenário da Câmara aprovou a medida provisória (MP 422/08) que aumenta o limite da área que pode ser concedida pela União para uso rural, sem processo de licitação, na Amazônia Legal. A MP triplica as áreas públicas nas mãos de posseiros na Amazônia que podem ser legalizadas de imediato. Com ela, as terras serão vendidas sem licitação.

Antes da MP, o limite dessa operação era de 500 hectares. Desde a edição da medida, o teto passou a ser de 1.500 hectares. Só poderá se beneficiar da lei quem estiver na terra desde dezembro de 2004. Ambientalistas temem que o desmatamento cresça na mesma proporção. Eles batizaram a medida provisória de Programa de Aceleração da Grilagem (PAG).

Celeiro do mundo
A preservação do meio ambiente não deve ser um estorvo para a produção agrícola na opinião do deputado Marcos Montes (DEM-MG), secretário-geral da Frente Parlamentar da Agropecuária. O congressista avalia que o Brasil deve aproveitar o momento de “crise de alimentos” para se tornar o celeiro do mundo. “A bancada caminha na linha de respeitar a preservação ambiental, mas que isso não seja um empecilho para a produtividade”, diz.

O discurso de celeiro do mundo vai em direção oposta à preservação das florestas brasileiras, na avaliação do professor de Agronegócios da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Sauer. Ex-assessor do senador Sibá Machado (PT-AC), Sauer acredita que essa postura coloca o Brasil, novamente, no papel de colônia. “É o Brasil como um mero fornecedor para a matriz e para a corte do reino. Não dá para cair nessa lógica”, diz.

O coordenador da organização não-governamental Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, concorda. Ele avalia que reafirmar o Brasil como celeiro do mundo significa afiançar as exportações brasileiras a produtos sem valor agregado. “É economicamente estúpido”, afirma.

Bizarrices
Ainda assim, Sakamoto avalia que, na atual conjuntura, a agricultura tende a ganhar, ainda mais, importância no Produto Interno Bruto (PIB) do país e o agronegócio terá mais destaque no cenário nacional. “A força da bancada ruralista extrapola a própria representatividade do setor. O que acaba mostrando um comportamento bizarro por parte de parlamentares ruralistas”, afirma.

“Bizarrices” que Sakamoto cita em seu blog. No artigo A bizarra defesa dos arrozeiros na Raposa Serra do Sol, o jornalista afirma que o debate sobre a reserva indígena, localizada em Roraima, está alcançando “níveis de ignorância”.

Segundo Sakamoto, ao dificultar as demarcações de terras indígenas, a bancada ruralista assume, explicitamente, apoio ao lucro dos grandes proprietários de terra da região. “São os interesses corporativistas, que defendem o lucro dos proprietários rurais. Eles colocam as reservas como entraves ao progresso”.

Direito de propriedade
A bancada ruralista, com apoio da Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária (CNA), uma das mais representativas instituições do setor, tem pressionado o governo no sentido de remarcar terras indígenas e derrubar o decreto presidencial 4887, de 2003, que regulamenta a demarcação e a titulação dos territórios das comunidades quilombolas.

“Reconhecemos que o governo deve identificar e titular as áreas dos quilombolas. Mas o decreto 4887 deixa que o cara se autodeclare quilombola e defina a sua área. Isso é inadmissível”, afirma o deputado Valdir Colatto, autor do Projeto de Decreto Legislativo 44/2007, que revoga o decreto assinado pelo presidente Lula. A proposta aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Segundo a chefe de Relações Institucionais da CNA, Beatriz Lima, o objetivo é assegurar que propriedades que cumprem sua função social (art. 186 da Constituição Federal) sejam conservadas. “Não queremos limitar os direitos daqueles que têm menos condições de ter terra, mas garantir o direito de propriedade da área produtiva, que está na Constituição”, defende.

“Mais um pouquinho, e o Brasil elimina a propriedade privada. Estamos na contramão da questão fundiária”, acrescenta Valdir Colatto.

Para o professor Sérgio Sauer, essa postura contra a reforma agrária é clássica da bancada. “Junto com entidades como a CNA, eles estabelecem um espaço poderoso de articulação no Congresso” avalia.

Trabalho escravo
Um dos alvos da bancada é a chamada PEC do Trabalho Escravo (438/2001), que prevê a perda da propriedade onde for constatado esse tipo de crime. A proposta, aprovada em primeiro turno na Câmara em 2004, está parada há quatro anos.

Na avaliação de Sakamoto, “entre quatro paredes” os ruralistas se dizem favoráveis à aprovação da PEC. Mas, na prática, o esforço se dá em outro sentido.

“Eles agem com corporativismo e emperram a votação da proposta”, diz Sakamoto, relembrando o caso Pagrisa, em que a bancada ruralista condenou a atuação dos fiscais que liberaram 1.064 trabalhadores mantidos em condições análogas à de escravo na fazenda Pará Pastorial e Agrícola S/A. Em resposta à visita dos parlamentares à fazenda, os fiscais decidiram cruzar os braços e só retomaram os trabalhos após três semanas de intensos embates, como mostrou o Congresso em Foco (leia).

O deputado Colatto, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, afirma que é contra o trabalho escravo, mas que não há clareza na PEC. “Todo mundo é contrário ao trabalho escravo. Mas a PEC não define direito o que é trabalho escravo. Assim não dá para aprovar”, afirma.

Em outra iniciativa, a bancada trabalha no sentido de aprovar a MP 410, de 2007, que cria o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo. Na prática, a medida libera a contratação temporária no meio rural e dispensa o registro em carteira assinada dos chamados safristas, trabalhadores contratados apenas durante as colheitas. O texto, já aprovado pelos deputados, aguarda a deliberação dos senadores.

Pela avaliação da CNA, a medida facilita as relações trabalhistas. Setores contrários aos ruralistas acreditam que essa é mais uma brecha para fortalecer as relações anômalas de trabalho.

Força à prova
Enquanto as discussões sobre o trabalho escravo não avançam, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), uma das figuras mais emblemáticas dos ruralistas no Congresso, diz que a prioridade da bancada é renegociar a dívida agrária. Segundo parlamentar, uma avaliação da influência da atual bancada só poderá ser mensurada após essa votação. “Só então vou poder avaliar a força concreta da bancada ruralista. Sem essa votação, a avaliação é muito subjetiva”, considera.

A medida provisória que renegocia a dívida pública dos produtores rurais, no entanto, ainda não foi encaminhada ao Congresso. Na manhã de ontem (13), o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, afirmou que a MP deverá sair no final desta semana. Segundo o presidente da Comissão de Agricultura, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o valor da renegociação será de R$ 66 bilhões.

 

Desmonte sob Bolsonaro pode levar desmatamento da Amazônia a ponto irreversível, diz físico que estuda floresta há 35 anos – Camilla Veras Mota – BBC Brasil: 01/07/2019

Sem pressão internacional como a que Alemanha e França fizeram sobre o governo brasileiro durante a reunião do G20, o desmatamento na Amazônia vai acelerar a trajetória crescente que se desenha desde 2013.

Com o ritmo atual de desmonte da estrutura de fiscalização e da legislação ambiental demonstrado durante os seis primeiros meses deste governo, a destruição da floresta pode atingir um limite irreversível em 4 ou 8 anos, prevê o cientista Paulo Artaxo, doutor em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da Amazônia desde 1984, quando viajou para lá pela primeira vez como parte de sua pesquisa de doutorado.

Trabalhos científicos recentes mostram que, desmatada uma área de 40% da floresta original, o restante não consegue sustentar o funcionamento de um ecossistema de uma floresta tropical chuvosa e, nesse cenário, parte da floresta poderia não ter condições de se sustentar. A Amazônia já perdeu até agora cerca de 20% da cobertura original.

“Reduzir o desmatamento é uma questão absolutamente crucial para a estabilidade do clima do planeta – assim como reduzir as emissões de combustíveis fósseis dos países desenvolvidos”, explica Artaxo.

Hoje em dia, ele vai à região frequentemente para supervisionar suas pesquisas, que ocorrem dentro do Projeto LBA, incluindo uma torre de 325 metros (torre ATTO) que investiga a atmosfera amazônica e que permitiu ao cientista ajudar a desvendar a formação das nuvens de chuva na Amazônia.

Artaxo é um dos 12 brasileiros que fazem parte da lista dos 4.000 cientistas mais influentes do mundo, feita com base em números de citações em artigos acadêmicos pela Highly Cited Researchers 2018. Também é membro, desde 2003, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

O pesquisador conversou com a BBC News Brasil na última quinta-feira (27), quando começou a ser noticiada a resposta do presidente Bolsonaro aos comentários feitos pela chanceler alemã Angela Merkel sobre a política ambiental do Brasil – ao chegar ao Japão para a cúpula do G20, o presidente afirmou que a Alemanha tinha muito o que aprender com o país e que não tinha ido ao encontro para “ser advertido”.

Para Artaxo, é justamente a pressão vinda de outros países um dos principais instrumentos que podem frear o atual processo de desmonte da fiscalização e da legislação ambiental em curso no Brasil. Usar temas econômicos como moeda de troca, como foi o caso do acordo entre Mercosul e União Europeia, poderia ser uma estratégia eficiente nesse sentido.

Enquanto isso, o cenário que era de mudança climática se encaminha cada vez mais para o de “emergência climática” global.

Nos atuais patamares de emissões, o planeta pode se aquecer em média 3,5ºC. No caso do Brasil, “podemos ver partes do Nordeste entrando em um processo de desertificação nos próximos 30 anos, podemos observar alterações profundas no bioma amazônico e mudanças climáticas sem precedentes nos últimos milênios”.

“Estamos na direção do desequilíbrio climático. O que nós podemos fazer é minimizar esse cenário.”

Leia, a seguir, trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Como o senhor avalia a agenda ambiental nesses seis meses de governo Bolsonaro?

Paulo Artaxo – O que o governo Bolsonaro está fazendo no Brasil é algo similar ao que Trump fez nos EUA. Basicamente desmontar a maior parte da legislação ambiental – que, no Brasil, foi construída a duras penas ao longo dos últimos 30 anos, incluindo Código Florestal e assim por diante -, e desmontar muito da estrutura de fiscalização ambiental do Ministério do Meio Ambiente.

Uma das características do atual governo é uma certa dificuldade no cumprimento da legislação. Nós temos um governo que frequentemente diz: ‘Olha, não vamos cumprir a lei, pois essa lei não é boa’. Seja de cadeirinhas para criança no carro, seja o cadastro ambiental rural na Amazônia (o presidente editou em junho Medida Provisória extinguindo o prazo para os proprietários de terra fazerem o cadastro).

Isso dificulta o chamado ordenamento jurídico brasileiro.

BBC News Brasil – Em termos de medidas concretas, em que consiste esse desmonte ao qual o sr. se refere?

Artaxo – O Brasil hoje tem um excesso de ações de violência no campo, contra líderes e ambientalistas.

A segunda questão é a destruição de significativa parte do sistema de fiscalização ambiental no Brasil. O Ibama tem, por exemplo, um sistema chamado Prevfogo, de prevenção de queimadas na Amazônia, que tinha centenas de funcionários há um ano e hoje está reduzido em termos de pessoal para cuidar do combate a queimadas na Amazônia.

É um sistema que, mesmo que o Brasil no ano que vem retome a necessidade de combater queimadas, uma grande parte das pessoas que estavam lidando com isso foi dispensada.

BBC News Brasil – O governo fala, nesses casos, que isso é reflexo da falta de recursos, que acaba afetando todos os ministérios…

Artaxo – O Brasil é a nona economia do planeta, e a questão da “falta de recursos” tem que ser vista de maneira relativa. A justificativa de falta de recursos pode ser usada para você implementar a sua própria agenda. Por que não faltam recursos para pagar os juros da dívida pública? Por que não faltam recursos para financiar a produção agropecuária brasileira? Por que não faltam recursos para dar subsídios às indústrias?

E faltam recursos para manter um sistema essencial como o Prevfogo, que custa praticamente nada para o país, mas que foi em grande parte desmantelado. O discurso de falta de recursos na verdade é mais uma questão de onde você aloca os recursos. É a mesma coisa nos EUA. O Trump desmontou toda a estrutura da EPA (Environmental Protection Agency). É falta de dinheiro? Não. É ideologia.

BBC News Brasil – O sr. elencou então como segundo ponto esse desmonte da estrutura de fiscalização…

Artaxo – Fiscalização e legislação. Aí entra, por exemplo, o desmonte do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente, criado em 1981), da estrutura de monitoramento e acompanhamento das mudanças climáticas globais, que antes era dividido entre Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente e Itamaraty.

Se você vai hoje nesses três órgãos e pergunta quem cuida da questão climática no país, você tem dificuldade de encontrar um interlocutor. Toda a divisão de clima do MCTI foi severamente reduzida.

É um desmonte que, para se refazer toda essa estrutura nos próximos governos, pode demorar de 10 a 20 anos, realisticamente.

BBC News Brasil – Do ponto de vista ambiental, que tipo de consequência de médio e longo prazo essa política pode acarretar? Pode haver algum tipo de dano irreversível?

Artaxo – Os danos ao meio ambiente já estão ocorrendo. O desmatamento na Amazônia já está aumentando, pela ação dos ruralistas no Congresso e no Executivo.

Não são problemas futuros – é no presente. A questão de agrotóxicos. Vamos ter algum problema no futuro? Não, estamos tendo no presente. São quase 250 novos agrotóxicos, inclusive que são proibidos em outros países, aprovados nesses seis meses. Não é no futuro, é prejuízo para a população hoje, já está ocorrendo.

BBC News Brasil – Existe uma conta de que o “ponto de não retorno” para a Amazônia, a partir do qual a floresta entraria em autodestruição, seria um desmatamento de 40% de sua área. O quão distante estamos desse limite?

Artaxo – Ontem (26/6) o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) soltou um novo número de quanto da floresta original foi desmatada.

Nós desmatamos 20% – 20% de 5,5 milhões de km² é uma área absurdamente grande. Estimativas de cálculos do Carlos Nobre e Thomas Lovejoy e outros mostram que, se você desmatar 40% da floresta, basicamente o restante não tem condições de sustentar o funcionamento de um ecossistema de uma floresta tropical chuvosa.

E aí todo o carbono que está armazenado naquela floresta vai para atmosfera, agravando e acelerando em muito as mudanças climáticas.

Nós não estamos falando de um aspecto trivial ou de um aspecto que não tenha impacto sério sobre o clima do planeta. É uma questão crucial para a estabilidade do clima do planeta – assim como reduzir as emissões de combustíveis fósseis dos países desenvolvidos.

BBC News Brasil – Então estamos no meio do caminho?

Artaxo – Isso, estamos no meio do caminho. E o restante do caminho pode acontecer nos próximos anos.

BBC News Brasil – No ritmo atual, essa é uma possibilidade real?

Artaxo – Não há menor dúvida. A única coisa que pode impedir o caminho anti-ambiental que estamos traçando é pressão internacional. É o que a Merkel está fazendo essa semana (a chanceler alemã declarou, em sessão do Parlamento, estar “muito preocupada” com a atuação do presidente brasileiro na área ambiental, disse considerar a situação “dramática” e afirmou que conversaria sobre o tema com Bolsonaro durante a cúpula do G20).

Ineflizmente, a pressão interna não é suficiente, não tem força.

BBC News Brasil – O caminho é esse então, usar como moeda de troca temas econômicos importantes, como o acordo Mercosul-União Europeia?

Artaxo – Sim, as questões ambientais e econômicas estão andando juntas hoje.

BBC News Brasil – Nesse sentido, o governo tem questionado o Fundo Amazônia. O ministro do Meio Ambiente chegou a entrar em atrito com a Noruega, um dos principais mantenedores do fundo, afirmando que não há indicativo de que ele tenha ajudado a reduzir o desmatamento e apontando problemas em contratos com ONGs. Faz sentido a análise do ministro?

Artaxo – O Fundo Amazônia tem contribuído de modo muito importante para a estruturação de políticas socio-econômicas-ambientais na Amazônia. Ele é um dos principais instrumentos em funcionamento hoje trabalhando pela sustentabilidade e preservação da Amazônia.

Segundo aspecto: o Fundo Amazônia tem cerca de R$ 300 milhões depositados no BNDES esperando para ser propriamente destinados para a preservação da Amazônia.

BBC News Brasil – Tomando a própria Noruega, entretanto, a gente tem o caso recente da mineradora Hydro Alunorte, que despejava rejeitos em nascentes amazônicas por meio de um duto clandestino. A posição do país para cobrar uma política ambiental responsável do Brasil não fica comprometida?

Artaxo – Você tem que separar uma questão de macropolítica ligada com mudanças climáticas globais com questões específicas de uma, duas ou três empresas.

É evidente que as empresas, inclusive as norueguesas, americanas e alemãs no Brasil, se aproveitam da legislação ambiental brasileira e da impunidade que ocorre frequentemente.

BBC News Brasil – Nesse caso específico o governo norueguês também é acionista.

Artaxo – É o Brasil que tem que cuidar propriamente de nossos recursos naturais afetados por empresas de qualquer país.

E a culpa disso não é deles, é nossa. Nós é que temos que ter uma legislação que proteja a população brasileira de questões como Brumadinho etc.

BBC News Brasil – Qual é a maneira mais eficiente de se controlar desmatamento?

Artaxo – Controlar desmatamento é muito simples. Temos todas as ferramentas para isso. Temos um sistema de monitoramento de queimadas excelente que não existe em nenhum outro lugar do mundo – o sistema do INPE funciona, é extremamente eficiente e foi aprimorado e validado com experimentos de campo ao longo dos últimos 20 anos.

Com o cruzamento agora com o MapBiomas, com o cruzamento com o cadastro ambiental rural e dados de propriedade de terra, o Brasil não sabe só onde, mas quem está desmatando.

O Brasil, se quiser zerar o desmatamento, pode fazer isso rapidamente. Não falta nenhuma tecnologia para isso, basta vontade política.

(Entre 2004 e 2012) nós conseguimos reduzir o desmatamento de 24 mil km² por ano para 4 mil km². Esses 4 mil km² em 2012/2013 estão hoje em 8 mil km² e, em 2019, pode ser um número próximo de 10 mil km² de floresta desmatada.

BBC News Brasil – O ministro Ricardo Salles defende a geração de emprego para as comunidades locais, uma alternativa à exploração ilegal da floresta, como caminho para reduzir o desmatamento. Faz sentido?

Artaxo – Faz. Inclusive um dos principais projetos do Fundo Amazônia, executado pelo Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), trabalhou quatro anos exatamente nesta direção: como dar uma vida decente com recursos para populações ribeirinhas de tal maneira que eles não precisem se deslocar e continuar desmatando.

Com isso, você ataca um dos aspectos do desmatamento, que é uma questão muito mais complexa e envolve grandes empresas agropecuárias, mineração, empresas de extração de madeira e também pequenos sitiantes e pequenos proprietários de terra.

Esse projeto do Ipam foi de extremo sucesso, evitou um desmatamento enorme porque deu perspectiva, renda e assessoria técnica para pequenos produtores do sul do Pará. Um pequeno investimento de R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões traz um retorno enorme para a comunidade e para o Brasil.

É possível achar um caminho de sustentabilidade para a Amazônia com uma renda decente para os 20 milhões de brasileiros que vivem na região amazônica? A resposta clara é sim. Mas, para isso, você precisa de políticas públicas consistentes, de longo prazo.

BBC News Brasil – O governo tentou tirar a Funai do Ministério da Justiça, o Congresso decidiu mantê-la na pasta. O presidente editou então nova Medida Provisória, transferindo a competência da demarcação de terras para a Agricultura, mas a medida foi suspensa pelo STF. Como o senhor avalia essa queda de braço?

Artaxo – Onde a Funai vai operar é menos imortante do que uma ação coordenada de proteção e valorização de nossa população indígena.

Se for uma Funai fraca, inoperante, com poucos funcionários e sem recursos materiais e pessoais para cuidar de centenas de reservas indígenas, ela pode ficar em qualquer órgão do governo…

Esse embate, se fica na Agricultura, se fica na Justiça, na minha opinião, não é o mais importante. O que o Brasil precisa é uma Funai forte, que efetivamente proteja a população indígena, que dê assistência a essa população indígena, que a proteja de mineradores, de ataques de latifundiários, das milícias que atuam na Amazônia, do crescente tráfico de drogas.

BBC News Brasil – No meio dessa polêmica da Funai a gente vê circulando gráficos mostrando que as áreas de reservas indígenas são aquelas em que…

Artaxo – A floresta é mais preservada. Isso é real, você mede por satélite, fácil. Talvez seja por isso que os indígenas estão sendo atacados, porque eles conseguem preservar adequadamente os seus territórios.

BBC News Brasil – O governo ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, mas voltou atrás. O senhor viu isso como sinalização positiva?

Artaxo – Sair formalmente ou não sair do Acordo de Paris, na minha opinião, é uma questão meramente semântica. Se você não cumprir as metas, tanto faz – que é do que o Trump acabou sendo convencido.

Para quê sair do Acordo de Paris? É só não cumprir as metas – não tem punição pra ninguém. É importante estruturar o Brasil para ter políticas para cumprir os compromissos internacionais do país na área ambiental e energética.

BBC News Brasil – O ministro falou que todas as metas serão cumpridas…

Artaxo – Dependendo de como você calcula o cumprimento dessas metas… O Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares. As florestas abandonadas estão nesse critério? Se for, nós já cumprimos. Mas será que a promessa foi feita nessa direção? Não, ela foi feita na direção de fomentar novas áreas com plantio de florestas para retirar CO2 na atmosfera. E isso não está sendo feito.

Outros tópicos vão ser também igualmente difíceis. Por exemplo, ter um aumento significativo da fração de energias alternativas, solar e eólica, na matriz energética brasileira. Isso está sendo cumprido, mas de forma muito mais lenta que o necessário.

O mais difícil é o cumprimento da principal promessa, que é reduzir o desmatamento ilegal a zero até 2025…

BBC News Brasil – Ainda no caso do Acordo de Paris, chegou-se a dizer que o governo reviu sua posição por pressão do próprio agronegócio, que tem feito contraponto a alguns aspectos da política ambiental bolsonarista…

Artaxo – Assim como na sociedade brasileira, é importante a gente perceber que existem duas correntes antagônicas, no governo e no agronegócio, que estão radicalmente divididas.

Assim como a sociedade brasileira acabou sendo dividida por esse discurso do ódio e da violência.

Tem uma corrente do agronegócio que diz: ‘Vamos ocupar a Amazônia o mais rápido possível, enquanto a gente pode, vamos derrubar tudo o que for possível, sem qualquer fiscalização, sem qualquer punição, sem qualquer mecanismo estatal de controle’. Essa é uma corrente.

A outra corrente é a que diz: ‘Olha, essa estratégia vai nos prejudicar, prejudicar a imagem do agronegócio brasileiro no estrangeiro, e daqui a pouco vai ficar difícil a gente exportar, porque nós podemos ser acusados de predadores do meio ambiente’ – e isso não é um bom negócio pro Brasil.

BBC News Brasil – Essas duas correntes estão representadas hoje no Congresso?

Artaxo – Sim. Obviamente, a primeira é atualmente predominante, claramente.

Então nós temos que trabalhar para construir políticas públicas para diminuir a velocidade da destruição da floresta amazônica.

BBC News Brasil – O senhor acha que há risco de o Acordo de Paris virar um Protocolo de Kyoto, não ver as metas cumpridas e se tornar uma frustração no futuro?

Artaxo – Não é questão de ser frustração. Existe um problema grave na questão das mudanças climáticas globais – a falta de governança.

Essa história do fracasso de Kyoto… Não é fracasso. Seria impossível, sem um sistema de governança global que funcione, você atingir as metas de Kyoto – assim como vai ser impossível atingir as metas do Acordo de Paris.

Quem vai punir cada país pelo não cumprimento das metas? Que tribunal vai julgar isto? Quem vai aplicar essas sanções? Isso tudo não existe. Isso tudo vai ter que ser construído do zero.

Nós temos que fazer o pós-Acordo de Paris ser um acordo com vinculação, ou seja, onde haja penalidades claras para os países que não cumprirem as suas metas. Por enquanto, nós estamos brincando de reduzir emissões.

Mesmo se todas as metas do Acordo de Paris forem cumpridas, o planeta se aquece ainda 2,7ºC, em média, o que em áreas continentais significa um aumento de 3,5ºC.

BBC News Brasil – Ou seja, nossa geração ainda vai ver uma situação de catástrofes…

Artaxo – Não é catástrofe. É importante colocar o seguinte: isso não está colocando em risco a nossa existência (como humanidade).

Eu não gosto de chamar de catástrofe. Nós vamos ver o planeta se aquecendo, em média, 3,5ºC, podemos ver partes do Nordeste entrando em um processo de desertificação nos próximos 30 anos, podemos observar alterações profundas no bioma amazônico e mudanças climáticas sem precedentes nos últimos milênios.

Estamos na direção do desequilíbrio climático. O que nós podemos fazer é minimizar esse cenário. O próximo acordo pós-Paris vai ter que lidar com esse cenário.

Por isso que, nas últimas semanas, vários países estão dizendo que a gente está entrando em uma “emergência climática”. Caiu a ficha. A Islândia vai proibir a venda de carros a gasolina, diesel ou qualquer combustível fóssil a partir de 2025. Noruega também.

Outros países estão tentando ganhar o máximo de dinheiro possível agora, antes que esse cenário aconteça.

BBC News Brasil – O senhor fala de cair a ficha, mas a questão ambiental mobiliza menos a sociedade civil do que outros temas. Os cientistas estão falando de impactos negativos sérios na vida das pessoas no médio prazo e, ainda assim, não há uma pressão social importante pra que os governos tomem uma atitude pra tentar evitar esse cenário.

Artaxo – É muito difícil para a população em geral ter a real dimensão e consequência das mudanças climáticas que estão ocorrendo. A Ciência tenta divulgar o máximo possível os riscos que nossa sociedade está correndo, mas é difícil.

BBC News Brasil – Não adianta então ficar mostrando mapa com as capitais litorâneas do Brasil submersas…

Artaxo – Adianta pouco. Mas, para a Ciência, é muito claro. O nível do mar vai subir de 1 metro a 1,5 metro até 2070.

Não há menor dúvida – e esse processo é irreversível faça o que você quiser fazer com o Acordo de Paris.

BBC News Brasil – Sua visão como cientista então, diante desse cenário, é otimista ou pessimista?

Artaxo – Esse negócio de a imprensa ficar procurando heróis e vilões, ser otimista ou pessimista… Acho que não funciona deste jeito.

A sociedade tem uma dinâmica complexa, que é dirigida não pelo desejo das pessoas, mas pelo interesse econômico. Quem vai mandar nisso é o dinheiro.

Um grupo de 477 investidores que administram um patrimônio total de US$ 34 trilhões assinou uma carta aberta aos governos falando que nós precisamos urgentemente apertar as metas do Acordo de Paris, fazer medidas concretas e mensuráveis pra diminuir as emissões já.

Por que eles estão fazendo isso? Não é porque eles são bonzinhos. Eles têm uma única preocupação: como é que eu vou continuar ganhando dinheiro? Uma fração dos bilionários percebeu que eles estão correndo um risco enorme.

Agora voltando para a sua pergunta, não é questão de ser otimista ou pessimista, você tem que ser realista: nem um lado, nem outro.

O que a realidade está nos mostrando é que estamos realmente acelerando as mudanças climáticas, os eventos climáticos extremos, isso já está tendo um impacto econômico e social enorme na nossa sociedade, e isso vai se intensificar muito e em um futuro muito próximo, nos próximos cinco ou dez anos.

Isto pode trazer recessão econômica e tensões enormes entre os países. Hoje você tem uma região do Oriente Médio que é semiárida. Quando essa região ficar desértica, com cinco graus acima do que é hoje, o que vai acontecer com as migrações para a Europa? O que a gente está vendo hoje é uma amostra grátis do que vai vir nos próximos dez anos. Esta ficha está caindo.

BBC News Brasil – Ainda assim, líderes como o presidente americano não acreditam…

Artaxo – Essa questão do “acredito” também me deixa incomodado em qualquer debate. Não é religião, nós estamos falando de Ciência. Você pode acreditar em Deus, acreditar ou não na sua mulher, isso é irrelevante.

O que nós estamos observando cientificamente é que estamos mudando fortemente e rapidamente o clima do nosso planeta. Ponto.

As igrejas e a crise atual, segundo Leonardo Boff

Boff desafia a igreja frente à crise global

Em meio a um mundo em crise, “a missão importante e urgente da Igreja é ressuscitar a esperança”, missão que vai muito além dos dogmas ou das doutrinas, disse o teólogo brasileiro Leonardo Boff, ao falar, na sexta-feira, 6, para um templo lotado da Igreja Luterana de Quito, que comemora 50 anos de presença no Equador.

Segundo Boff, a Igreja não representa um fim em si mesma. “As igrejas não existem para si, elas existem para Deus e para a humanidade. Existem para a justiça, a dignidade, a paz e para manter a esperança. Existem para preservar e cuidar de toda a criação. A Igreja é um princípio de esperança”, frisou o teólogo.

O teólogo da libertação assinalou que uma ameaça significativa conta a humanidade é o produto da tecnociência, que favorece o surgimento de dois grupos emergentes: uma minoria que poderia viver “até os 130 anos” e está concentrando para si todos os benefícios e recursos, e outro grupo gigantesco que padece de sofrimento diário e morre de fome.

Nesta realidade, o desafio primordial para os cristãos “é manter a humanidade unida”, destacou Boff. Ao sistema do mercado capitalista globalizado não importa o humano ou o resto da criação. Somente importa o poder, o consumismo e a produção. Nele não funcionam amor, compaixão ou compreensão. Por isso, esse sistema é diretamente oposto ao Evangelho e as igrejas têm que assumir o desafio de pregar “o Evangelho,” comprometendo-se com os pobres e vulneráveis, enfrentando esse sistema.

Jesus, no contexto desse sistema, é um escândalo porque proclama que o primeiro mandamento é amar. “Como seguidores de Jesus temos que pregar e viver o amor e a compaixão como o principal e universal”, alertou.

A pobreza, afirmou, não é natural, não é ordenada nem ungida por Deus, mas é produto de um sistema e da situação atual. “Onde há um pobre, há um explorado, um oprimido,” disse Boff.

Como cristãos, “temos que assumir o escândalo do Evangelho no meio desta situação, e isso significa passar por três etapas principais. Primeiro, temos que encontrar Jesus na pessoa, tocar a realidade. Depois, temos que experimentar a indignação justa em frente à situação e denunciá-la profeticamente. Terceiro, temos que trabalhar para uma mudança na situação, que também implica mudar a si mesmo”, enumerou.

Boff apontou que o oprimido não é somente o ser humano, mas sim toda a criação. O sistema que cria o sofrimento humano também “está crucificando a terra”. Em meio a essa realidade, a Igreja tem o desafio e a responsabilidade bíblica de cuidar da criação. A Igreja tem “uma tarefa pedagógica, uma missão pedagógica” a cumprir, ao educar e ensinar a humanidade sobre a veneração e o respeito para toda a criação.

Ao concluir a exposição, Boff frisou a necessidade de uma leitura positiva da história. O que está ocorrendo com a humanidade e a terra inteira não é uma tragédia, mas uma crise, disse. A crise tem o potencial de purificar a pessoa e mudá-la de maneira positiva.

Esta crise ecológica e social não é dor de morte, mas de parto. “É claro que teremos que pagar um preço pelo que fizemos, mas por meio da crise podemos ser modificados e enriquecidos com capacidades maiores de espiritualidade, de amor e de compaixão, com mais sentido de fraternidade, unidade e solidariedade universal. Somos chamados não para lágrimas e morte, mas sim para a vida plena comunal e bem-estar integral para viver nos altos dos montes”, concluiu

Fonte: Chris Morck na ALC – Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación: 09/06/2008.