O trauma da segunda onda da Covid-19

O trauma da segunda onda. Quando cresce o medo do futuro – Massimo Recalcati – IHU Online: 01.11.2020

Massimo Recalcati (Milão, 29 de novembro de 1959) - psicanalista

A segunda onda estava escrita nos livros de história da medicina e das epidemias, mas nunca aconteceria conosco. Com esse exorcismo inconsciente, quisemos esquecer o mais rápido possível o horror que vivemos. Nesse aspecto, a segunda onda parece ainda mais terrível do que a primeira, porque implica o luto da cura. É o caráter traumático que acompanha toda recaída, constata Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por la Repubblica, em 30.10.2020.

Segundo ele, a segunda onda mostra que o verdadeiro trauma não está no passado, mas no futuro. Ao destruir a ilusão da retomada da vida em que todos acreditávamos, ampliou o horizonte do pesadelo. O segundo tempo do trauma é mais traumático do que o primeiro, porque mostra que o mal não se esgotou, mas ainda está vivo entre nós. As esperanças alimentadas pelo verão foram destroçadas. Essa desilusão é o sentimento que hoje prevalece.

O artigo

Ansiedade diante dos possíveis fechamentos. O aspecto traumático acompanha todas as possíveis recaídas.

A primeira onda foi um soco na cara. Com dificuldade suportamos e superamos sua violência. O verão foi vivido como o anúncio do fim de um pesadelo. Por isso, a segunda onda foi tão inesperada quanto a primeira. Ninguém a esperava. Apenas algumas Cassandras insistiam em nos advertir. Mas o ar que respiramos era, sem dúvida, o de um retorno à vida. A privação de liberdade se inverteu em sua mais obtusa reafirmação sem considerar a presença, embora aparentemente silenciosa, do vírus ainda entre nós. A remoção do mal prevaleceu. Não apenas nos negacionistas, mas, basicamente, em todos nós. O parêntese de terror estava se fechando. Estávamos convencidos disso.

A segunda onda estava escrita nos livros de história da medicina e das epidemias, mas nunca aconteceria conosco. Com esse exorcismo inconsciente, quisemos esquecer o mais rápido possível o horror que vivemos. Nesse aspecto, a segunda onda parece ainda mais terrível do que a primeira, porque implica o luto da cura. É o caráter traumático que acompanha toda recaída.

O inevitável despreparo que caracterizou a primeira onda revela-se, portanto, também na segunda, mas, desta vez, com o agravante da culpa: sabíamos, mas quisemos ignorar o que sabíamos. Fomos novamente pegos de surpresa, embora a segunda onda já estivesse toda escrita na primeira. A miopia da vida que quer viver para além de sua proteção é uma forma do que Freud chamava de pulsão de morte. A renúncia à prudência que caracterizou nosso verão mostra a alma-cigarra do ser humano que nosso tempo escolheu patrocinar numa única direção.

Cada tímido chamado à cautela era vivenciado como um abuso de poder, expressão de uma ditadura sanitária com traços sádicos. Mas a reafirmação da liberdade sem limites nos jogou de volta no drama. Poderemos aprender alguma coisa com esta lição? Ao ouvir meus pacientes durante a primeira onda, o sentimento que prevalecia era o de perplexidade diante do desconhecido. O sintoma mais comum era o da fuga fóbica e do isolamento social diante do avanço da epidemia. Esse sintoma coincidia com as medidas sanitárias necessárias para desacelerar a propagação maligna do vírus (distanciamento, confinamento, quarentena, rastreamento). Confrontados com a iminência e a incerteza do perigo, encontrar fronteiras seguras teve para muitos um efeito des-angustiador.

Na segunda onda, o quadro clínico parece profundamente modificado. O pânico que havia caracterizado as primeiras manifestações sintomáticas individuais e coletivas – o assalto a trens e supermercados – parece assumir nuances mais escuras. Não é mais apenas a resposta ao sentimento de se sentir preso e sem saída (primeira onda), mas é a sensação de se jogar no vazio sem nenhuma rede de proteção, abandonados a si mesmos, sem mais futuro. É um pânico entrelaçado com uma experiência profundamente depressiva.

A segunda onda mostra que o verdadeiro trauma não está no passado, mas no futuro. Ao destruir a ilusão da retomada da vida em que todos acreditávamos, ampliou o horizonte do pesadelo. O segundo tempo do trauma é mais traumático do que o primeiro, porque mostra que o mal não se esgotou, mas ainda está vivo entre nós. As esperanças alimentadas pelo verão foram destroçadas. Essa desilusão é o sentimento que hoje prevalece.

É sempre mais difícil levantar-se da segunda queda do que da primeira. É uma lição clínica: o retorno do trauma – sua recorrência – pode ser mais traumático do que da primeira vez. O pânico da segunda onda traz consigo o sentimento de nunca mais poder voltar à vida. Por esse motivo, creio, muitos de meus pacientes deprimidos pedem expressamente para poderem fazer as sessões pessoalmente e não remotamente, como costumava acontecer durante a primeira onda. Eles sentem a necessidade de reduzir a distância, de não se sentirem caindo no vazio da tela. É a condição em que se encontram todas as subjetividades mais frágeis e mais duramente provadas pela crise econômica. Eles tem a necessidade de uma presença tangível que lhes dê apoio imediato, um cuidado sem demora.

 

Il trauma della seconda ondata. Se cresce la paura del futuro – Massimo Recalcati – La Repubblica: 30 Ottobre 2020

L’ansia in vista delle possibili chiusure. Il carattere traumatico accompagna ogni possibile recidiva.

La prima ondata è stato un pugno in faccia. A fatica abbiamo sopportato e superato la sua violenza. L’estate è stata vissuta come l’annuncio della fine di un incubo. Per questa ragione la seconda ondata era inattesa tanto quanto la prima. Nessuno se l’aspettava così. Solo qualche Cassandra insisteva nell’ammonirci. Ma l’aria che abbiamo respirato era indubitabilmente quella di un ritorno alla vita. La privazione della libertà si è capovolta nella sua più ottusa riaffermazione senza considerare la presenza, sebbene apparentemente silente, del virus ancora tra noi. Ha prevalso la rimozione del male. Non solo nei negazionisti, ma, in fondo, in tutti noi. La parentesi del terrore si stava chiudendo. Ne eravamo convinti.

La seconda ondata era scritta nei libri di storia della medicina e delle epidemie ma non sarebbe mai capitata a noi. Con questo esorcismo inconscio abbiamo voluto dimenticare il prima possibile l’orrore che abbiamo vissuto. La seconda ondata appare in questo ancora più tremenda della prima perché implica il lutto della guarigione. È il carattere traumatico che accompagna ogni recidiva.

L’impreparazione inevitabile che ha caratterizzato la prima ondata si rivela, dunque, anche nella seconda ma, questa volta, con l’aggravante della colpa: lo sapevamo ma abbiamo voluto ignorare quello che sapevamo. Siamo stati di nuovo colti di sorpresa sebbene la seconda ondata era già tutta scritta nella prima. L’ottusità della vita che vuole vivere al di là della sua protezione è una forma di quella che Freud definiva pulsione di morte. La rinuncia alla prudenza che ha caratterizzato la nostra estate mostra l’anima-cicala dell’umano che il nostro tempo ha scelto di sponsorizzare a senso unico.

Ogni timido richiamo alla cautela è stato vissuto come un abuso di potere, espressione di una dittatura sanitaria dai tratti sadici. Ma la riaffermazione di una libertà senza limiti ci ha fatti ripiombare nel dramma. Potremmo imparare qualcosa da questa lezione? Nell’ascolto dei miei pazienti nel corso della prima ondata il sentimento prevalente era quello dello smarrimento di fronte all’inaudito. Il sintomo più diffuso era quello della fuga fobica e del ritiro sociale di fronte all’avanzata dell’epidemia. Questo sintomo coincideva con le misure sanitarie resesi necessarie a rallentare la corsa maligna del virus (distanziamento, confinamento, quarantena, tracciamento). Di fronte all’incombenza e all’indeterminatezza del pericolo ritrovare dei confini sicuri ha avuto per molti di loro un effetto de-angosciante.

Nella seconda ondata il quadro clinico appare profondamente mutato. Il panico che aveva caratterizzato le prime manifestazioni sintomatiche individuali e collettive — l’assalto ai treni e ai supermercati — sembra assumere tinte più fosche. Non è più solo la risposta al sentirsi intrappolati e senza vie di fuga (prima ondata), ma è il sentimento di essere lasciati cadere senza alcuna rete protettiva, abbandonati a se stessi, senza più avvenire. È un panico intrecciato a un vissuto profondamente depressivo.

La seconda ondata mostra che il vero trauma non è al passato ma al futuro. Distruggendo l’illusione della ripresa della vita alla quale tutti abbiamo creduto essa ha dilatato l’orizzonte dell’incubo. Il secondo tempo del trauma è più traumatico del primo perché mostra che il male non si è esaurito ma è ancora vivo tra noi. Le speranze alimentate dall’estate si sono infrante. Questa delusione è il sentimento oggi prevalente.

È sempre più difficile rialzarsi dalla seconda caduta che dalla prima. È una lezione clinica: il ritorno del trauma — la sua recidiva — può essere più traumatico della sua prima volta. Il panico della seconda ondata porta con sé il sentimento di non poter più ritornare alla vita. Per questa ragione, credo, molti dei miei pazienti depressi chiedono espressamente di potere fare le sedute in presenza e non da remoto come accadeva abitualmente durante la prima ondata. Hanno necessità di ridurre la distanza, di non sentirsi cadere nel vuoto dello schermo. È la condizione nella quale si trovano tutte le soggettività più fragili e più duramente provate dalla crisi economica. Hanno la necessità di una presenza tangibile che dia loro un sostegno immediato, una cura senza differimenti.