Guerras Híbridas

KORYBKO, A. Guerras Híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo: Expressão Popular, 2018,  174 p. – ISBN 9788577433284. O livro pode ser encontrado aqui.

KORYBKO, A. Guerras Híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo: Expressão Popular, 2018, 174 p.

As Guerras Híbridas são conflitos identitários provocados por agentes externos, que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar, controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime.

Em suma, isso significa que países como os EUA se aproveitam de problemas identitários em um Estado-alvo a fim de mobilizar uma, algumas ou todas as questões identitárias mais comuns para provocar grandes movimentos de protesto, que podem então ser cooptados ou dirigidos por eles para atingir seus objetivos políticos. O eventual fracasso desses movimentos pode fazer com que alguns de seus participantes recorram ao terrorismo, à insurgência, à guerrilha e a outras formas de conflito não convencional contra o Estado. Na maioria das vezes, pelo menos no Hemisfério Oriental, esses fenômenos fabricados têm o efeito de dificultar a viabilização de projetos da China de implantação da nova Rota da Seda, coagindo o Estado-alvo a compromissos políticos ou mudanças de governo ou mesmo a uma secessão – que pode eventualmente levar a uma balcanização.

KORYBKO, A. Hybrid Wars: The Indirect Adaptive Approach To Regime Change. Moscow: Peoples’ Friendship University of Russia, 2015, 157 p. – ASIN: B014GA5SX8.

KORYBKO, A. Hybrid Wars: The Indirect Adaptive Approach To Regime Change. Moscow: Peoples’ Friendship University of Russia, 2015, 157 p.

Sputnik International’s political analyst and journalist, Andrew Korybko, just published his first book on “Hybrid Wars: The Indirect Adaptive Approach To Regime Change”. It was reviewed by the Diplomatic Academy of Russia and released with the assistance of the People’s Friendship University of Russia, where Andrew is a member of the expert council for the Institute of Strategic Research and Predictions. His detailed work proves that Color Revolutions are a new form of warfare engineered by the US, with everything from their organizational makeup to geopolitical application being guided by American strategists. But unlike earlier researchers who have touched upon the topic, Andrew takes his work even further and uses the latest examples of the War on Syria and EuroMaidan to argue that the US has deployed a second, more dangerous step to its regime change toolkit.

Hybrid Wars, as he labels them, are when the US meshes its Color Revolution and Unconventional Warfare strategies together to create a unified toolkit for carrying out regime change in targeted states. When a Color Revolution attempt fails, as it miserably did in Syria in 2011, the backup plan is to roll out an Unconventional War that builds directly upon the former’s social infrastructure and organizing methods. In the case of EuroMaidan, Andrew cites Western news sources such as Newsweek magazine, the Guardian, and Reuters in reminding everyone that in the days immediately prior to the coup’s successful completion, Western Ukraine was in full-scale rebellion against the central government and the stage was set for an Unconventional Syrian-esque War in the heart of Eastern Europe. Had it not been for the sudden overthrow of President Yanukovich, the US was prepared to take the country down the path of the Syrian scenario, which would have been its second full-fledged application of Hybrid War.

Andrew’s revolutionary research ultimately shows that it was the US, not Russia, which spearheaded the use of Hybrid Wars, and that given his proven findings, it’s irresponsible to even call Russia’s alleged involvement in the Ukrainian Crisis a ‘hybrid war’. In fact, the US is far ahead of any other country in practicing this new method of warfare, as no other state has attempted a Color Revolution thus far, let alone transitioned it into an Unconventional War when their initial regime change plans failed. While some many think that such occurrences are spontaneous and happenstance, Andrew documents how Hybrid Wars are not only created from the ground-up by the US, but how they’re specifically deployed in areas where they’d be most geostrategically advantageous for the promotion of its unipolar policies.

Thus, not only does Andrew describe the very essence of Hybrid Wars, but the final part of his book forecasts where he believes they may happen next. He introduces the groundbreaking concept of the Color Arc, a contiguous line of states stretching from Hungary to Kyrgyzstan and where the waging of Hybrid Wars would most seriously damage Russia’s national interests. This is the first time that Color Revolutions have ever been analyzed through a geopolitical prism, and it brings forth a completely different way of looking at this weapon’s utilization. This new paradigm is absolutely essential for understanding the US’ new approach to regime change and the form, both physical and geopolitical, it’s expected to take in the forthcoming years.

Andrew Korybko

 

Brasil é alvo de guerra híbrida, diz analista – Por Eleonora de Lucena e Rodolfo de Lucena – Tutameia: 9 de outubro de 2018

“Há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA [agência norte-americana de inteligência]”, afirma o analista político norte-americano Andre Korybko, autor de Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes, recém-lançado no Brasil pela Expressão Popular.

Em entrevista por e-mail ao Tutameia, Korybko, que vive em Moscou e se dedica ao estudo das estratégias do Estados Unidos na África e Eurásia, afirmou que os EUA são os principais propulsores desses movimentos, que consistem em desestabilizar governos a partir de grandes manifestações de massa. São “a fagulha que incendeia uma situação de conflito interno”, como diz a apresentação do livro. Podem se transformar em golpe ou mesmo guerras não convencionais –daí a expressão guerra híbrida.

Conselheiro do Institute for Strategic Studies and Predictions e jornalista na “Sputinik News”, ele também comentou a ascensão da candidatura de Jair Bolsonaro. Diz que os mentores externos da guerra híbrida no Brasil vinham há muito tempo moldando as condições sócio-políticas do país para facilitar o surgimento de um azarão que pudesse chegar ao poder e destruir tudo o que fora construído nos governos do Partido dos Trabalhadores.

A entrevista.

O que são guerras híbridas?

Desde o lançamento de meu livro, em 2015, ampliei minha definição para incluir o seguinte:

“As Guerras Híbridas são conflitos identitários provocados por agentes externos, que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar, controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime.”

Em suma, isso significa que países como os EUA se aproveitam de problemas identitários em um Estado-alvo a fim de mobilizar uma, algumas ou todas as questões identitárias mais comuns para provocar grandes movimentos de protesto, que podem então ser cooptados ou dirigidos por eles para atingir seus objetivos políticos. O eventual fracasso desses movimentos pode fazer com que alguns de seus participantes recorram ao terrorismo, à insurgência, à guerrilha e a outras formas de conflito não convencional contra o Estado. Na maioria das vezes, pelo menos no Hemisfério Oriental, esses fenômenos fabricados têm o efeito de dificultar a viabilização de projetos da China de implantação da nova Rota da Seda, coagindo o Estado-alvo a compromissos políticos ou mudanças de governo ou mesmo a uma secessão –que pode eventualmente levar a uma balcanização.

Seu livro descreve as Guerras Híbridas como “caos administrado”. Como isso é construído?

O estudo detalhado da sociedade de um estado-alvo e das tendências gerais da natureza humana (auxiliado por pesquisas antropológicas, sociológicas, psicológicas e outras) permite construir um quadro de como é o funcionamento “natural” daquela sociedade. Armados com esse conhecimento, os praticantes da Guerra Híbrida podem prever com precisão quais “botões apertar” por meio de provocações para obter respostas esperadas de seus alvos, tudo com a intenção de perturbar o status quo por processos locais de desestabilização manipulados por forças externas. Podem ser conflitos étnicos, movimentos de protesto (“Revoluções Coloridas”) ou a exacerbação de rivalidades regionais. O ponto principal é produzir o maior efeito com o mínimo de esforço e, então, explorar a evolução dos acontecimentos e a incerteza crescente a fim de realizar os planos políticos.

O livro descreve os EUA como propulsores desses movimentos. Por quê?

Por causa de sua hegemonia mundial –ainda que cadente–, os EUA têm interesses globais, e suas décadas de experiência operando em todos os continentes lhe deram uma compreensão profunda da situação doméstica de praticamente todos os países. Não só é, portanto, muito mais fácil para os EUA iniciar Guerras Híbridas como eu as descrevo, mas também –e mais importante—eles têm a motivação para fazê-lo. Que é o que falta a outras grandes potências em relação a ações em países fora de suas áreas de influência regionais.

O Brasil se tornou alvo da Guerra Híbrida após a descoberta do petróleo do pré-sal?

Na minha opinião, o Brasil se tornou um alvo desde a eleição de Lula e seu movimento em direção à multipolaridade, mas a subsequente descoberta das reservas de petróleo do pré-sal definitivamente acrescentou um novo ímpeto à Guerra Híbrida dos EUA no Brasil, embora apenas porque esses recursos seriam vendidos para a China. Se Lula tivesse fechado um acordo com os EUA para fornecer acesso irrestrito ao pré-sal e também permitisse que Washington aproveitasse essa vantagem para controlar o acesso da China ao mesmo, então os EUA poderiam não ter motivação para empreender uma Guerra Híbrida no Brasil, ou poderia ser atenuada ou adiada. Porém, por causa da posição independente de Lula sobre os depósitos do pré-sal e muitas outras questões, ele e sua sucessora foram vistos como alvos “legítimos” pelos EUA porque Washington temia que eles acelerassem seu declínio hegemônico no hemisfério se não fossem detidos o mais rapidamente possível.

O fato de o Brasil ter participado ativamente dos BRICS junto com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul também é uma das razões pelas quais ele foi alvo da Guerra Híbrida?

Sim, mas principalmente por causa do sentido simbólico dessa iniciativa, porque acredito que o movimento BRICS, apesar de ser uma plataforma muito promissora, não foi capaz de atingir seu pleno potencial por causa da rivalidade interna, manipulada pelos EUA, entre a China e a Índia. Isso prejudicou sua eficácia geral, mesmo antes da primeira fase da Guerra Híbrida no Brasil ter sido bem-sucedida em derrubar a presidenta Dilma. Sua destituição do cargo e o “golpe constitucional” contra o presidente sul-africano Zuma se combinaram para reduzir o BRICS ao tripartido original do RIC, que está profundamente dividido entre a China e a Índia (apesar das afirmações oficiais em contrário), com a Rússia assumindo papel de mediadora entre os dois. Para todos os efeitos, o BRICS não existe mais, exceto como um grupo que se reúne anualmente para conversar e, para muitos, uma lembrança de sonhos desfeitos.

Leia a entrevista completa.

 

Recomendo também:

SOUZA, J. A guerra contra o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2020, 208 p. – ISBN 9788556080585. O livro pode ser encontrado aqui.

Diz Jessé Souza na Introdução:

Nenhuma relação econômica de dominação se constitui sem a elaboração de uma trama simbólica de ideias e valores que a legitimam e justificam. Nosso objetivo aqui é reconstruir a origem dessas ideias e valores na relação entre Brasil e Estados Unidos e analisar como foram utilizados para interromper, mais uma vez, o processo democrático de soberania brasileira nos anos recentes.

Embora o vínculo nacional seja uma dimensão importante, não se trata aqui de oposição entre nações, mas sim da condução pela elite americana de um processo imperialista de dominação mundial, inclusive sobre o seu próprio povo. Nesse sentido, tudo que aconteceu no planeta desde o começo do século XX teve a influência decisiva americana – seja para o bem, seja para o mal. Isso é verdade em todas as dimensões da vida: econômica, política, social e cultural. Este livro reconstrói as precondições históricas que possibilitaram esse desenvolvimento e investiga as causas profundas desse fato.

Como são sempre as ideias (e os valores morais a elas ligados) que interpretam, arregimentam e direcionam os interesses e as paixões individuais e coletivas, será nelas, em primeiro lugar, que concentraremos nosso interesse.

As “ideias americanas”, que servirão como justificação do império informal americano, irão se mostrar como “superação” de todo racismo e preconceito, quando, na realidade, constroem um racismo ainda mais sofisticado. Uma adaptação quase perfeita para um tipo de imperialismo baseado na influência econômica e cultural indireta, que substitui com vantagens a dominação militar direta, custosa e violenta.

A elite americana irá testar no próprio país, contra suas próprias classes populares e trabalhadoras, todas as ideias e estratégias de domínio cultural e político que utiliza para garantir a longevidade de seu domínio econômico. Nesse sentido, conhecer a história da produção do consentimento social nos Estados Unidos é compreender também as várias etapas do processo global de dominação. Isso é especialmente verdade para o caso brasileiro: um país cuja “identidade nacional” foi construída em referência direta aos vizinhos norte- -americanos e cuja dinâmica econômica, política e social interna irá se construir sob a influência americana.

Este livro completa e se une ao esforço que empreendi, em livros anteriores, para compreender de modo alternativo e crítico tanto a história quanto a dinâmica da sociedade brasileira. Ele representa, por assim dizer, a consideração de sua dinâmica externa mais importante da nossa sociedade, que se soma aos estudos tanto teóricos quanto empíricos da dinâmica interna – reconstruída a partir das classes sociais e de suas relações à sombra da influência continuada da escravidão como o dado principal.

O sucesso de A elite do atraso se deu, em grande medida, por ser uma leitura totalizante da história e da sociedade brasileiras que considera a escravidão sua influência principal até os dias atuais. O que muda nessa interpretação é que a escravidão, que não existia em Portugal, ganha o status de fator principal que determina todos os outros. Em vez de perceber a formação brasileira como uma herança cultural portuguesa que se alonga em personalismo, patrimonialismo, cordialidade, “jeitinho brasileiro” e outros tantos, como imagina o pensamento hegemônico até hoje, a institucionalização do escravismo passa a ser percebida como a origem fundamental de toda a vida material e simbólica brasileira. Precisamente por nunca ter sido criticada adequadamente, essa herança continua a existir sob formas e máscaras modernas. Duas décadas de estudos empíricos com todas as classes sociais me permitiram perceber as manifestações atuais desse fenômeno na sociedade brasileira.

O que é decisivo em uma explicação é, afinal, a hierarquia entre as ideias. Ninguém nunca negou a existência da escravidão. Mas esse dado jamais foi posto como a explicação fundamental de toda a vida econômica, política e social brasileira em todas as suas manifestações principais. O que é fundamental aqui, vale lembrar, não é a mera reconstrução histórica do escravismo, por mais importante que esta seja para o trabalho sociológico. O mais significativo é perceber como tanto a relação entre as classes sociais quanto a justificação simbólica da dominação social como um todo implicam uma continuidade da escravidão, mesmo com o advento do trabalho livre e do sufrágio universal. Rapidamente apropriado por escolas de samba, artistas, políticos importantes e por boa parte da sociedade brasileira mais crítica, hoje esse ponto de vista já não é mais individual. Tornou-se coletivo. E é bom que seja dessa forma. Só assim ele será capaz de produzir frutos sociais duradouros.

Neste livro, essa ideia é radicalizada. O estudo empírico da classe média que realizei em A classe média no espelho e a reflexão sobre a assombrosa ascensão política do bolsonarismo me fizeram compreender melhor o notável papel do racismo “racial” como o interdito, o assunto proibido, e a verdade reprimida mais importante da sociedade brasileira. Tendo estudado empiricamente todas as classes sociais no Brasil nos últimos vinte anos, percebi com clareza como esse racismo “racial” recobre perfeitamente as relações de classe entre nós.

Como falar de racismo foi interditado – em parte pelo sucesso da celebração do “brasileiro mestiço” por Gilberto Freyre na cultura e por Getúlio Vargas na política –, a questão racial foi substituída pelo falso moralismo do suposto combate à corrupção no Brasil. O que fez brasileiros privilegiados da classe média branca saírem às ruas aos milhões contra Lula e Dilma, sabemos hoje, não teve jamais qualquer coisa a ver com “corrupção”. Se assim fosse, muito mais gente branca e bem-vestida teria saído às ruas para protestar contra Aécio e Temer, apontados em evidências explícitas de corrupção e alusão a assassinatos. Como não se pode falar de racismo, seu perfeito substituto é o falso moralismo canalha do combate seletivo à suposta corrupção, voltado apenas contra quem ousa incluir negros e pobres na sociedade brasileira. É, portanto, o ódio à classe dos excluídos e marginalizados, quase todos negros e mestiços, a pedra de toque que explica a vida política arcaica e odiosa do Brasil.

Isso torna ainda mais próxima nossa relação orgânica com os Estados Unidos – um país cuja vida social e política é igualmente determinada pelo racismo “racial”, como veremos a seguir. Como as relações de dominação entre as classes sociais são baseadas na reprodução de privilégios de nascimento e permanecem literalmente invisíveis para a grande maioria das pessoas, é, em grande medida, a linguagem do racismo “racial” que possibilita sua compreensão e lhe confere concretude. A principal diferença é que nos Estados Unidos o racismo usa seu próprio nome, enquanto no Brasil ele se manifesta, quase sempre, por “interposta pessoa”, no falso moralismo do combate seletivo à corrupção que cimenta a solidariedade que existe entre as classes do privilégio no país.

No bolsonarismo, são as ideias e as práticas da extrema direita americana abertamente racista que se tornam operantes no Brasil. Nesse contexto, o racismo brasileiro passa por uma transformação. Em vez de consolidar a união das classes altas contra os pobres, como no passado, ele serve agora de combustível para a “guerra entre os pobres” que o bolsonarismo institui. Como representante político máximo das milícias organizadas, um tipo de organização criminosa que vive da exploração do medo dos mais pobres, essa guerra é, para Bolsonaro, politicamente funcional. Mas foi a extrema direita americana que lhe forneceu as ideias, as práticas, as estratégias – e, com toda a probabilidade, também o dinheiro – para o assalto ao poder de Estado no Brasil.

Este livro analisa desde as precondições históricas e simbólicas mais amplas e gerais até o momento presente, quando se insinua o instante mais perigoso da história brasileira. Hoje o poderio americano se une ao crime organizado para destruir a sociedade e o Estado brasileiros de modo consciente e voluntário, como parte de um projeto de poder mundial planejado nos ínfimos detalhes. Boa parte do que será dito aqui, sobretudo na parte final, que trata da influência da extrema direita americana na vitória eleitoral de Bolsonaro, poderá parecer a alguns “teoria da conspiração”. A mesma crítica me foi dirigida quando da publicação de A elite do atraso. A Vaza Jato de Glenn Greenwald, no entanto, comprovou a trama que havíamos reconstruído no livro.

Sem dúvida existem conspirações falsas, que podem ser criticadas com bons argumentos. Mas é óbvio que os interesses econômicos e políticos fundamentais se unem, ou seja, “conspiram” para se reproduzir ao longo do tempo. O que não existe é o acaso, que nega o fundamento mais primordial do entendimento humano, que é a relação de causalidade, ou seja, a realidade insofismável de que os fatos dispersos que observamos são encadeados a outros que permitem explicá-los e compreendê-los. Abdicar de perceber esse encadeamento factual é abdicar de compreender o mundo e, portanto, aceitar ser feito de tolo pelos que mandam nele.

Esta é uma leitura para quem acredita que os fatos do mundo não são obra do acaso, como quer nos fazer crer uma imprensa que isola os fatos e fragmenta a realidade para torná-la incompreensível. Afinal, quem tem interesse em que o mundo seja percebido como um acaso, como algo fortuito e sem direção, é precisamente quem o controla com mão de ferro. Este mundo tem donos que efetivamente conspiram, todos os dias, para reproduzir seus poderes e privilégios e explorar os que são feitos de tolos. Geralmente, os “tolos” são os que acreditam no acaso e na coincidência. O que comprova a causalidade entre os fatos sociais são as consequências práticas observáveis das ações de indivíduos e coletividades. Esse é o nosso material de estudo neste livro.