Demorei para ver, mas quando Israel Finkelstein esteve no Brasil, em outubro de 2015, ele deu uma entrevista para Reinaldo José Lopes, que a publicou na Folha de S. Paulo em 19/10/2015.
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Mudanças ambientais podem explicar o surgimento do povo israelita
Amostras de pólen obtidas no leito do mar da Galileia e do mar Morto podem ser a pista que faltava para explicar como surgiu o povo israelita, cuja religião deu origem ao judaísmo e ao cristianismo.
Segundo pesquisadores israelenses, os dados sugerem que, a partir de 1250 a.C., várias ondas prolongadas de seca devastaram a Terra Santa ao longo de um século e meio, fazendo com que bandos de refugiados fundassem novas comunidades na zona montanhosa da região. Esses novos vilarejos acabariam levando à formação dos antigos reinos de Israel e Judá.
Um dos que propõem essa tese é o arqueólogo Israel Finkelstein, da Universidade de Tel Aviv. O trabalho dele tem ajudado a repensar a relação entre os relatos da Bíblia, de um lado, e os dados históricos e arqueológicos, de outro.
Finkelstein conversou com a Folha durante sua visita ao Brasil na primeira semana de outubro, quando participou de conferências organizadas pela Universidade Metodista de São Paulo e pela Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica.
Resolução
“O grande diferencial desse nosso novo trabalho é a resolução”, explica o arqueólogo. “Normalmente as amostras possuem uma resolução de uns 200 anos por camada. Nós conseguimos obter dados detalhados que se referem apenas à transição entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro [grosso modo, entre 1300 a.C. e 1000 a.C.], com resolução de 25 anos a 40 anos.”
São dados, portanto, que funcionam como uma espécie de cápsula do tempo. Conforme o pólen ia sendo depositado no fundo do mar da Galileia e do mar Morto, numa ordem que vai do mais antigo ao mais recente, ele passou a formar um registro das mudanças ambientais pelas quais o Oriente Médio estava passando ao longo das décadas.
A análise do pólen permite determinar tanto o tipo quanto a quantidade de vegetação que existia no entorno desses corpos d’água (apesar do apelido de “mar”, eles não passam de grandes lagos). E foi assim que Finkelstein e seus colegas arqueobotânicos (que estudam as plantas do passado) acharam indícios de secas prolongadas numa região que já não é célebre pela abundância de água. Uma palavra resume as consequências das ondas de secura: caos.
Como os arqueólogos já sabiam, entre 1250 a.C. e 1100 a.C. os grandes impérios do Mediterrâneo na Idade do Bronze entram em colapso. Deixam de existir o Império Hitita, na atual Turquia, os reinos micênicos, na atual Grécia, e até o poderoso Egito mal consegue escapar.
Antes da catástrofe, os faraós dominavam todo o atual território israelense, palestino e libanês, além de vastas áreas da Síria e da Jordânia modernas.
Tudo indica que as alterações climáticas geraram tanto rebeliões internas (muito provavelmente ligadas às colheitas que não estavam vingando) quanto estimularam o ataque de tribos bárbaras (e famintas) às cidades do Oriente Médio.
“A ideia é que isso desestabilizou totalmente tanto as populações que viviam em áreas de estepe, a leste do rio Jordão, quanto muitos dos moradores das cidades-Estado do litoral”, conta Finkelstein. De quebra, algumas dessas cidades estavam sendo atacadas e destruídas por invasores, como os filisteus.
A região montanhosa no centro da Terra Santa, hoje correspondente, grosso modo, à Cisjordânia, era o lugar ideal para fugir do caos e da fome porque era uma área pouco povoada na época, além de relativamente fértil e não tão seca quanto outras áreas da vizinhança.
De fato, nas fases finais do colapso dos impérios da Idade do Bronze, é ali que começam a pipocar centenas de vilarejos rurais, com localizações associadas ao que seria, segundo a Bíblia, o território original das tribos israelitas.
Segundo esse cenário, hoje aceito pela maioria dos arqueólogos, o povo de Israel teria surgido dentro da própria Terra Santa (ou Canaã, como era conhecida na Antiguidade), como uma espécie de dissidência dos moradores originais da região, os cananeus.
Argumentos em favor dessa ideia são o fato de que os artefatos dos primeiros vilarejos da região montanhosa são quase idênticos aos dos cananeus que viveram antes ali, além do detalhe de que o hebraico é um dialeto cananeu, muito próximo do fenício (que era falado no atual Líbano).
Ou seja, tanto o êxodo liderado por Moisés quanto a conquista de Canaã liderada por Josué seriam quase totalmente lendários.
Cadê o Salomão?
Finkelstein também defendeu outra de suas ideias polêmicas que tem ganhado cada vez mais aceitação entre os pesquisadores: a de que as narrativas sobre um glorioso “Reino Unido” israelita, governado inicialmente por David e depois por seu filho Salomão, também é lendária.
O arqueólogo diz que David e Salomão provavelmente são personagens reais, mas que seus feitos foram muito exagerados por seus descendentes como forma de fortalecer os interesses políticos da monarquia de Jerusalém.
“Certamente havia um pequeno núcleo urbano em Jerusalém na época deles [entre 1000 a.C. e 930 a.C.], mas os dois não passavam de chefes militares tribais”, argumenta o pesquisador.
Os críticos do trabalho do pesquisador afirmam que ele ignora dados que indicariam a presença de um Estado centralizado na antiga capital de Judá durante a era salomônica.
“O problema de Jerusalém, na minha opinião, é que o núcleo mais antigo da cidade não está na chamada Cidade de David, onde as pessoas conseguem escavar hoje, mas na região do Templo, hoje ocupada pelo Domo da Rocha”, diz Finkelstein.
Como se trata de uma das áreas mais sagradas do islamismo, é improvável que os arqueólogos recebam permissão para escavar lá algum dia, afirma ele.
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