Descalço sobre a Terra Vermelha

A partir de hoje, 13 de dezembro, às 21h30, a TV Brasil apresenta a minissérie Descalço sobre a Terra Vermelha.

Em três episódios com 52 minutos, a produção conta a trajetória de vida do bispo emérito de São Félix do Araguaia, o catalão Dom Pedro Casaldáliga. O religioso é uma figura emblemática, tanto na Espanha quanto no Brasil, por sua incansável luta em favor dos desfavorecidos da região do Mato Grosso, no Centro-Oeste brasileiro.

Baseada na obra homônima de autoria do escritor Francesc Escribano, a série narra a relevante atuação do religioso – seja em conflitos entre latifundiários no Mato Grosso, contra o regime militar e lutando contra a miséria e opressão da população local – de forma delicada e profunda. Dirigida pelo cineasta catalão Oriol Ferrer, a obra é resultado da coprodução entre a TV Brasil, a espanhola TVE, a catalã TV3, a brasileira Raiz Produções e a Minoria Absoluta, produtora espanhola.

Três episódios de 52 minutos cada, nos dias 13, 20 e 27/12/2014, às 21h30, na TV Brasil.

Leia Mais:
Entrevista com Dom Pedro Casaldáliga

A condenação moral da corrupção não basta II

Continuação de A condenação moral da corrupção não basta I

Um procedimento recorrente nos estudos da corrupção é a concentração da atenção no comportamento dos funcionários do Estado que se desviam de suas funções. Essa abordagem do problema tem suas raízes na maneira como a lei brasileira caracteriza a prática da corrupção, mas conserva também as marcas de uma abordagem teórica, que privilegia o estudo dos desvios daqueles que estão diretamente ligados à máquina de Estado e à aplicação de suas determinações como inerente à constituição do objeto de estudo que deve interessar aos cientistas políticos. Embora esse seja um aspecto fundamental do problema, tem se revelado inadequado. Se não podemos descurar das práticas dos funcionários de Estado, a esfera pública e suas interfaces com a esfera dos interesses privados têm se mostrado um terreno bem mais complexo do que aquele sugerido por algumas análises correntes. É claro que a presença de funcionários públicos nos escândalos políticos não pode ser descurada, mas com alguma frequência ela é apenas a ponta de um processo que transcende não apenas os limites do serviço público, mas também as fronteiras dos Estados. Prestar atenção à dimensão pública da corrupção pode levar a obscurecer o fato de que ela afeta igualmente os domínios privados. O funcionário corrupto é apenas uma parte de uma engrenagem que envolve atores privados, que representam interesses econômicos ou políticos que não são explicitados na esfera pública.

Há um senso comum recorrente que associa o fenômeno da corrupção à própria identidade do brasileiro. Por essa visão, o Brasil seria inevitável e definitivamente corrupto devido a certos valores e práticas que, presentes desde a origem, tornaram-se parte de seu caráter e de seu jeito de ser. Tal explicação, além de incorporar uma boa dose de preconceito, essencializa a história e simplifica ao atribuir uma sobrecarga explicativa à cultura, em detrimento de suas articulações variadas com outras dimensões da vida social. Uma coisa é reconhecer que na formação do Estado nacional e na constituição de nosso regime republicano houve escassos valores públicos e forte privatismo, ambígua situação legal e baixa adesão a procedimentos impessoais. Outra é deixar de reconhecer a variação histórica dos padrões de corrupção, de sua intensidade, generalidade e profundidade, segundo as várias fases do desenvolvimento econômico e democrático do país. Uma coisa é identificar sentimentos de conformismo, na cultura das elites e na cultura popular, em relação ao fenômeno da corrupção. Outra é deixar de lado, desvalorizar as atitudes e movimentos de opinião pública que expressam a revolta contra a reiteração dos fenômenos da corrupção. Enfim, a explicação tautológica que o Brasil é corrupto em função de sua identidade quase prescinde de refletir teoricamente e estudar empiricamente o fenômeno da corrupção. Não deixa de ser, apesar da crítica aparente, uma forma de se conformar à sua realidade.

Uma das tarefas à qual o livro pretende se dedicar é a de oferecer um conjunto de reflexões e estudos que alarguem a compreensão do fenômeno da corrupção para além das fronteiras que lhe são assinaladas pelos procedimentos analíticos aos quais nos referimos. Para isso, deixamos de lado o estudo direto dos casos recentes de corrupção, que foram muito explorados tanto pelos meios de comunicação quanto pelos estudiosos da vida pública, para tentar oferecer ao leitor as ferramentas necessárias para uma abordagem que junta ao estudo do presente o de suas raízes históricas e culturais. Isso não quer dizer que o livro não pretenda realizar uma contribuição ao processo de combate à corrupção: ele pretende mostrar quais são os fundamentos culturais e históricos que determinaram uma trajetória que, muito provavelmente, está chegando ao seu final. Ele também aponta com muita clareza qual é o elemento ou o conceito-chave para a superação da corrupção: o resgate do conceito de interesse público (…).

A primeira seção do livro está voltada para as diversas teorias da corrupção. O ponto de partida é a investigação do pensamento de autores que desde a Antiguidade se dedicaram a estudar o problema (…) Na segunda seção estão reunidos estudos que dizem respeito à história brasileira e à cultura. No que se refere à história da corrupção no Brasil, os organizadores fizeram a opção por um conjunto pequeno, mas significativo, de ensaios e verbetes. Os ensaios sobre Brasil colonial, Brasil imperial e Brasil republicano têm o objetivo de dar uma perspectiva histórica sobre como a corrupção emergiu e foi tratada ou ignorada em todos estes períodos (…) Na última seção aparecem as análises de temas, problemas de atualidade e instituições que são imprescindíveis no combate à corrupção (…)

Não temos nenhuma dúvida de que, sob o ponto de vista do tratamento institucional da corrupção, o país passou por avanços significativos. No entanto, do ponto de vista da percepção do cidadão, o Brasil enfrenta um dilema: quanto mais a corrupção é combatida, mais ela é noticiada, e quanto mais ela é noticiada, maior é a sua percepção. Do ponto de vista do cidadão, o combate à corrupção gera a aparência de uma maior presença desta na vida administrativa do país. O objetivo deste livro é oferecer ao leitor um instrumental capaz de situá-lo no longo percurso de combate à corrupção nas democracias ocidentais e no Brasil. Esperamos que cada leitor se aproprie dele a partir da pluralidade de perspectivas inerente a um fenômeno que desperta mais paixões que qualquer outro na política brasileira contemporânea.

Participam do livro: Sérgio Cardoso, Helton Adverse, Marilena Chauí, Renato Janine Ribeiro, Cícero Araújo, Marcelo Santus Jasmin, Jessé Souza, Álvaro de Vita, Newton Bignotto, Juarez Guimarães, André Macedo Duarte, Wanderley Guilherme dos Santos, Leonardo Avritzer, Olgária Chain Féres Matos, Fernando Filgueiras, João Feres Júnior, Rubens Goyatá, José Maurício Domingues, Carlos Antônio Leite Brandão, Luciano Raposo Figueiredo, Evaldo Cabral de Mello, Lilia Moritz Schwarcz, José Murilo de Carvalho, Rodrigo Patto Sá Motta, Heloisa Maria Murgel Starling, Isabel Lustosa, Ram Mandil, Rosangela Patriota, Alcides Freire Ramos, Marcela Telles Elian Lima, Myrian Sepúlveda dos Santos, Maria Rita Kehl, Fátima Anastasia, Luciana Santana, Carlos Ranulfo Melo, André Marenco, Fábio Wanderley Reis, Cláudio Beato, Luiz Eduardo Soares, Jean Hébette, Raul da Silva Navegantes, Marlise Matos, Regis Moraes, Cristina Zurbriggen, Celi Regina Jardim Pinto,  Antônio César Bocheneck, Alberto Olvera, Enrique Peruzzotti, Francisco Gaetani, Aline Soares, Aaron Schneider, Venício A. de Lima, Rubem Barboza Filho, Maria Tereza Sadek, Bruno Speck, Marcelo Barros Gomes, Ricardo de Melo Araújo, Mário Spinelli, Vânia Vieira e  Ludovico Feoli.

A condenação moral da corrupção não basta I

Quando as dimensões concretas da sociedade não são levadas em conta, as questões políticas sofrem uma redução de seu conteúdo, perdendo sua autonomia. São consideradas de maneira abstrata, conduzidas ao espaço da ética, restritivamente, e resolvidas no moralismo.

Estive lendo AVRITZER, L. et alii (orgs.) Corrupção: ensaios e críticas. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, 503 p. – ISBN 9788570419651.

E acho que há aqui muitas coisas proveitosas nestes dias em que a palavra mais ouvida no Brasil é “corrupção”.

Esta obra, escrita especialmente por professores das áreas de ciências políticas e sociais, história, filosofia e direito, foi publicada pela primeira vez em 2008, reeditada em 2012, e é organizada por Leonardo Avritzer, Newton Bignotto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling.

Alguns trechos da introdução clareiam o objetivo e a importância dos mais de 60 ensaios que compõem o livro. O assunto foi aqui dividido em duas postagens, I e II. Algumas coisas podem ser vistas aqui.

A corrupção é hoje um tema central para todos os que se preocupam com os destinos das democracias ocidentais. Fenômeno recorrente na história de muitas nações, na América Latina, ele tem se mostrado resistente às mudanças institucionais, que contribuíram para que a vida pública de alguns países pudesse ser regida por parâmetros democráticos cuja ausência foi uma das responsáveis pela extensão das práticas corruptas a amplas esferas da vida pública ao longo do século 20. A história recente brasileira, particularmente depois da Constituição de 1988, mostra que a redemocratização do país tornou visíveis fatos que antes não chegavam ao conhecimento da opinião pública, mas não evitou que o fenômeno se repetisse. Dos escândalos do Governo Collor aos acontecimentos mais recentes envolvendo membros dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva [e Dilma Rousseff – acréscimo meu], as evidências de que a corrupção está longe de ser um acontecimento marginal no interior da vida pública se acumulam. Essa constatação povoa as páginas dos jornais, a cada vez que surgem fatos incriminadores envolvendo personagens centrais da República, mas não gera necessariamente uma melhor compreensão de seus efeitos e de suas raízes. À justa indignação contra aqueles que são responsáveis pelos atos corruptos, segue-se com frequência uma condenação moral que, embora essencial, não dá conta de toda a complexidade do fenômeno. Uma das ambições deste livro é fornecer para o leitor um conjunto de referências que, sem negar a pertinência das abordagens morais e sem recusar a indignação como uma manifestação política legítima, permita avançar na compreensão de algo que faz parte da longa história política do Ocidente e resiste a toda análise unilateral de suas determinações.

Com muita frequência, a corrupção é abordada pelos meios de comunicação, e por cientistas sociais, por intermédio de índices que medem a “percepção da corrupção” pela população. Tais índices revelam a importância concedida a fenômenos que possuem um peso negativo na avaliação geral das políticas públicas. Eles apontam para o fato de que a população em geral não apenas tem consciência do fenômeno, mas se preocupa com seus efeitos sobre suas vidas. Não podemos, entretanto, esquecer que eles aferem a percepção, mas não servem para esclarecer os mecanismos internos aos processos aludidos. Um segundo instrumento recorrente nas análises da corrupção são os estudos realizados por institutos, os quais classificam os países segundo uma tabela que permite a comparação entre experiências distribuídas por todos os continentes. Nesse caso, o que se torna patente é o caráter internacional da corrupção e o fato de que é possível tanto concordar com um diagnóstico da situação de uma dada nação que leve em conta parâmetros partilháveis com outros países, quanto instituir práticas de controle, cuja eficácia pode ser medida por meio das mesmas referências que servem para fixar o diagnóstico.

As duas fontes anteriormente citadas nos ajudam a aquilatar a importância do problema da corrupção, sobretudo quando pensamos numa avaliação de políticas públicas e das instituições estatais concernidas. Elas possuem, no entanto, algumas limitações que devem ser levadas em conta. A primeira delas é que, para chegar a resultados mensuráveis, elas deixam de lado a grande complexidade do fenômeno estudado. A corrupção existe tanto em países democráticos quanto em países não democráticos, assim como em países com ampla liberdade de imprensa e em países com quase nenhuma liberdade de opinião. Evidentemente, a existência de instituições democráticas e a revelação da corrupção estão profundamente associadas, e não é possível avaliar comparativamente o fenômeno sem levar em conta a maior ou menor possibilidade de percebê-lo. Tal constatação nos permite entender um pouco melhor onde situar o Brasil em uma perspectiva comparada: trata-se de um dos países que tem mudado fortemente os comportamentos públicos e privados em relação à corrupção. No que diz respeito a comportamentos públicos, todos esses atos fazem com que a opinião pública volte seus olhos para as práticas dos funcionários de Estado.

Continua em A condenação moral da corrupção não basta II

Uma história de Israel baseada na Bíblia fracassa

Estive lendo a introdução do livro de LEMCHE, N. P. Changing Perspectives 3: Biblical Studies and the Failure of History. New York: Routledge, 2013, 352 p. – ISBN 9781781790175 – Ebook Kindle na Amazon do Brasil.

Os 21 capítulos deste livro de Niels Peter Lemche retomam textos publicados em revistas e obras coletivas entre 1974 e 2003. Estão em ordem cronológica.

A introdução é de John Van Seters. E começa assim:

The author of the collection of essays in this third volume of the Changing Perspectives series is widely known as the founder of the ‘Copenhagen School,’ a term that has become synonymous with rather radical and ‘minimalist’ views to many in biblical scholarship, especially in North America, and often without any clear idea about Lemche’s contributions to scholarship. Niels Peter Lemche conducted his theological studies and graduate research at the University of Copenhagen during the period of 1964 to 1978, and from there he had his first teaching appointment at the University of Aarhus, during 1978 to 1986. It was there that he published his very important doctoral thesis, Early Israel: Anthropological and Historical Studi­es on the Israelite Society before the Monarchy (in Danish, 1984, and English, 1985), and shortly thereafter became Professor of Theology at the University of Copenhagen (1987), where he has remained even since. It was primarily through this work, Early Israel, with its strong emphasis on anthropological and sociological approaches to Israelite history, that he became known to the English-speaking world of scholarship.

I wish to call special attention to this period of the mid-1980s because in the chapters that follow in this collection, this time period constitutes a significant divide between the first six, which would appear to most scholars as rather conservative in method and conclusions, and the rest, which reflect the various themes for which he is now famous [sublinhado meu]. In this way this division reflects Lemche’s own ‘change in perspective’ and the fact that during this early period in his career he was fully conversant with all of the biblical scholarship that was associated with the pre-monarchical origins of ‘early Israel’ and the possibility of Late Bronze Age traditions being reflected in biblical texts. The fact is that because of the prevailing trend in biblical scholarship during the 1960s and 1970s, it was expected that one have expertise in Akkadian and Ugaritic, in addition to the biblical languages, as well as a command of the history and civilization of the Near East back to the third millennium, and this is reflected very well in these opening articles, in which he is a master of this material. It is to this first group of articles that we will now turn.

Para ler toda a introdução clique, na página da Routledge, em View Inside this Book.

Sobre o livro, diz a editora:
Until the 1970s biblical studies belonged to the historical-critical school and had reached a point where all problems were believed to have been solved. Then all assumptions began to be turned on their head. Previously, historical studies constituted the backbone of biblical studies; now, every aspect of biblical history began to be questioned. The idea of the Old Testament as a source of historical information was replaced by an understanding of the texts as a means for early Jewish society to interpret its past. Biblical Studies and the Failure of History brings together key essays which reflect the trajectory of this scholarly shift in order to illuminate the state of biblical studies today. The early essays present historical-critical studies tracing historical information. Further essays employ a more critical and interpretive perspective to examine seminal issues ranging from the Hellenistic contexts of biblical tradition to the functioning of Old Testament society.

 

Um aviso: alguns livros publicados pela Equinox foram para a Acumen em 2012. Estes livros estão agora na Routledge, que adquiriu a Acumen. É o caso dos estudos bíblicos.

Some books previously published by Equinox moved to Acumen Publishing in late 2012 as part of a demerger. Books affected by this  now reside with Routledge following their acquisition of Acumen.