Metade das línguas do mundo corre risco de sumir, aponta estudo
Metade das cerca de 7.000 línguas faladas hoje em todo o mundo deve sumir até o final do século, em alguns casos à velocidade aproximada de uma extinção a cada 14 dias. A estimativa catastrófica é resultado de uma investigação financiada pela National Geographic Society, que apontou as cinco regiões do planeta onde há mais línguas ameaçadas de extinção. Um dos “hotspots” inclui o Estado de Rondônia.
“As línguas estão passando por uma crise global de extinção, que excede enormemente o ritmo das extinções de espécies”, declarou o lingüista David Harrison, do Instituto Línguas Vivas, na terça-feira (18).
Ele e seu colega Gregory Anderson viajaram pelo mundo inteiro ao longo de quatro anos para entrevistar e gravar os últimos falantes de algumas das línguas mais ameaçadas.
Após o levantamento eles perceberam que as regiões mais críticas são Sibéria oriental, norte da Austrália, centro da América do Sul, Oklahoma e litoral noroeste do Pacífico nos EUA e Canadá. “Estamos vendo na frente dos nossos olhos a erosão da base do conhecimento humano”, disse Harrison.
O sumiço das línguas têm ocorrido tanto por morte das pequenas populações que ainda as falam quanto pelo simples desuso das línguas. Elas não são passadas para as novas gerações, que falam apenas a língua mais comum no país, como português, no Brasil, e toda a cultura daquele povo acaba ficando restrita aos mais velhos da tribo. Quando eles morrerem, o conhecimento dessa população morrerá junto.
“Oitenta porcento das espécies do mundo ainda não foram descobertas pela ciência, mas não significa que elas sejam desconhecidas dos humanos”, lembra Harrison. Com a perda da língua, diz ele, estão sendo jogados fora séculos de descobertas feitas pela humanidade.
O país mais crítico é a Austrália. Das 231 línguas aborígenes existentes, 153 estão em risco muito alto. No norte do país os pesquisadores acharam um único falante de amurdag, língua já considerada extinta. “Esta é provavelmente uma língua que não vai voltar, mas pelo menos fizemos uma gravação dela”, conta Anderson.
Risco Brasil
Pelo levantamento feito pela National Geographic, as línguas de povos que vivem em Rondônia apresentam um nível de risco muito alto de sumir, enquanto as línguas faladas por populações indígenas do centro-sul do Brasil estão em alto risco. Lingüistas que estudam o problema no país, no entanto, acreditam que a situação aqui é bem pior que a demonstrada por Harrison e Anderson.
A dupla considera, por exemplo, que o wayoró é falado por cerca de 80 pessoas em Rondônia. Segundo Denny Moore, do Museu Emílio Goeldi, são menos de dez os falantes.
Outros povos nem chegaram a figurar entre os de língua mais ameaçada pelos americanos. Um caso é dos canauê, também de Rondônia, cuja língua é falada por oito pessoas.
Fonte: Giovana Girardi – Folha de S. Paulo: 20/09/2007
História dos idiomas mapeia Babel de hoje
HAARMANN, H. Weltgeschichte der Sprachen: Von der Frühzeit des Menschen bis zur Gegenwart. München: C.H. Beck 2016, 400 p. – ISBN 9783406694615.
“História Mundial dos Idiomas – Da Pré-História até Hoje” amplia os nossos limites geoculturais, abordando a evolução da comunicação verbal humana e a disseminação das 6.417 línguas faladas em todo o mundo.
Na verdade, o mundo não é tão pequeno assim quanto a nossa acepção de “mundo”. Essa é a impressão imediata de quem lê a História Mundial dos Idiomas, de Harald Haarmann. Em quase 400 páginas, o linguista alemão redimensiona o mapa-múndi do leitor no tempo e no espaço.
O mérito dessa abordagem da pluralidade linguística não é apenas servir como obra de referência sobre as línguas faladas hoje em todo o mundo. O enfoque historiográfico faz pensar no curioso fato de que a capacidade de se comunicar oralmente através de uma estrutura complexa de signos, como a que conhecemos hoje das línguas modernas, é relativamente recente entre os hominídeos.
Infância das línguas
Os estágios hipotéticos de evolução linguística da humanidade apontam para fases de organização verbal análogas à aquisição natural do idioma materno por uma criança. A comunicação através de sinais e interjeições, a nomeação do ambiente à volta, a fala elementar sobre coisas e eventos e, por fim, o desenvolvimento de estruturas linguísticas complexas representam as quatro fases da evolução das línguas até o homem moderno.
Mas essa obra historiográfica não amplia somente o horizonte temporal em que costumamos conceber o “mundo”. Os limites geoculturais em que nos movemos também começam a nos parecer bastante restritos durante a leitura. E talvez seja justamente o contato com culturas de regiões distantes que nos torne novamente presente o quanto a nossa língua é limitada por nosso espaço de vida e atuação.
Se as expressões alemãs para alguns tipos de neve já sobrecarregam qualquer tradutor do português, qual não seria a dificuldade de traduzir para qualquer outra língua as 21 denominações de neve existentes em inari-saami, uma língua falada na Finlândia? Um exemplo do grau de diferenciação é o termo “ceeyvi”, que significa “neve que surge sob ventos fortes e se endurece tanto a ponto de uma rena não conseguir mais procurar comida por baixo”.
Babel das correntes migratórias
Essa História Mundial do Idiomas não é, no entanto, tão anedótica como poderia ser, mas serve como base de consulta prática. Quem quiser recapitular como o latim vulgar se ramificou nos diversos idiomas românicos encontra aqui um panorama sucinto. E quem quiser, para ir mais longe, entender as ramificações do indo-europeu pode se aprofundar nas correntes migratórias ocorridas na Eurásia há 9 mil anos.
Haarmann também descreve, quando oportuno, o desenvolvimento das investigações e descobertas arqueológicas, paleográficas e linguísticas que estão por trás do atual estágio de conhecimento sobre a evolução das línguas. O caso da reconstrução do indo-europeu, uma língua hipotética deduzida da semelhança lexical entre determinados idiomas, é especialmente elucidativo dos procedimentos científicos da lingüística diacrônica.
Diversidade linguística em números
O aparato de dados numéricos e estatísticos tornam esse livro ainda mais útil. Teoricamente, temos uma vaga noção da distribuição dos idiomas em todo o mundo, mas os números também podem corrigir algumas imagens equivocadas.
O fato de as línguas faladas na Europa terem alcance mundial e delimitarem o nosso universo cultural geralmente nos faz esquecer do quanto essa aparente hegemonia é relativa. Pelo menos numericamente, a Europa – com todas sua diversidade linguística – é o continente com o menor número de idiomas nativos (apenas 143, em comparação com 1.906 na Ásia, 1.821 na África, 1.268 no Pacífico, e 1.013 nas Américas).
O número de línguas registradas no Brasil (236) supera de longe, portanto, a quantidade de idiomas falados na Europa. E talvez também não seja de conhecimento geral, por exemplo, que o português é a oitava língua mais falada do mundo, depois do chinês, inglês, híndi, espanhol, russo, árabe e bengali. Apenas algumas entre inúmeras informações a serem conferidas nesse livro.
Fonte: Simone de Mello – DW: 16.09.2007