Leonardo Boff: contra as tramoias da direita

A direita se mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento.

“É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo), apoiada pela mídia privada e familiar, está se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta energia a seu favor. A estratégia é fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.

Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que as transformações político-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia participativa de cariz popular.

Seria grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos temos construído, com tantas oposições: um novo sujeito histórico, o PT e partidos populares, com a inserção na sociedade de milhões de brasileiros. Esta classe se mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na ordem que por séculos construímos; mas, que, se bem olharmos, é ordem na desordem ético-social (…)

Se devemos criticar a nossa classe política por ser corrupta e o Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macroeconomia neoliberal, devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar seu antigo poder político, especialmente aquele ligado ao poder de Estado a partir do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fervorosamente nesta empreitada de volta ao velho status quo.

Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramoias da direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para limpar as ruas.

Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim, reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em tensão e a oposição para juntas novamente esvaziar o clamor das ruas e manterem um status quo que prolonga benefícios compartilhados”.

Contra as tramoias da direita: sustentar a Dilma Rousseff – Leonardo Boff: Adital 10/07/2013

Leia o artigo completo.

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Considerações sobre as manifestações de junho
As manifestações e a repressão: o que está acontecendo?
Você vai ficar parado assistindo o golpe prosperar? – Eduardo Guimarães: 28/06/2013

A América Latina na era das cyberguerras

O novo tesouro global é o controle do fluxo gigante de dados que conecta todos os continentes e civilizações.

(…) “O novo grande jogo não é a guerra por oleodutos. É a guerra pelos dutos pelos quais viaja a informação: o controle sobre as vias de cabos de fibras óticas que se espalham pela terra e pelo fundo dos mares. O novo tesouro global é o controle do fluxo gigante de dados que conecta todos os continentes e civilizações, conectando as comunicações de bilhões de pessoas e empresas.

Não é segredo que, na Internet e no telefone, todas as rotas que entram e saem da América Latina passam pelos EUA. A infraestrutura da Internet dirige 99%  do tráfego que entra e que sai da América do Sul por linhas de fibras óticas que atravessam fisicamente fronteiras dos EUA. O governo dos EUA não mostrou qualquer escrúpulo quanto a quebrar sua própria lei e plantar escutas clandestinas nessas linhas e espionar os seus próprios cidadãos. Todos os dias, centenas de milhões de mensagens de todo o continente latino-americano são devoradas por agências de espionagem dos EUA, e depositadas para sempre em armazéns do tamanho de pequenas cidades. Os fatos geográficos sobre a infraestrutura da internet, portanto, têm consequências sobre a independência e a soberania da América Latina.

O problema também transcende a geografia. Muitos governos e militares latino-americanos protegem seus segredos com maquinário de criptografia. São caixas e programas que ‘desmontam’ as mensagens na origem e as ‘remontam’ no destino. Os governos compram essas máquinas e programas para proteger seus segredos — quase sempre o próprio povo paga (caro) —, porque temem, corretamente, que suas comunicações sejam interceptadas.

Mas as empresas que vendem esses equipamentos e programas caros mantêm laços estreitos com a comunidade de inteligência dos EUA. Seus presidentes e altos executivos são quase sempre matemáticos e engenheiros da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) capitalizando as invenções que eles mesmos criaram para o Estado de Vigilância. Não raras vezes, as máquinas que vendem são quebradas: quebradas propositalmente, por uma razão. Não importa quem as use ou como as usem — as agências dos EUA conseguem ‘remontar’ os sinais e leem as mensagens.

Esse equipamento é vendido para a América Latina e outros países como útil para proteger os segredos do comprador, mas são, de fato, máquinas para roubar aqueles segredos.

Enquanto isso, os EUA aceleram a próxima grande corrida armamentista. A descoberta do vírus Stuxnet — e depois dos vírus Duqu e Flame — marca o início de uma nova era de programas complexos usados como arma, que Estados poderosos fabricam para atacar Estados mais fracos. A primeira ação agressiva contra o Irã visou a minar os esforços daquele país com vistas a defender sua soberania — ideia que é anátema para os interesses de EUA e de Israel na região.

Longe vai o tempo em que usar vírus de computador como arma de ataque era peripécia de romance de ficção científica. Agora, é realidade global”… (leia o texto completo).

O artigo: Assange: a América Latina na era das cyberguerras. Por Julian Assange.

Texto traduzido por Vila Vudu e publicado, em 11/07/2013, em Outras Palavras. O texto pode ser lido também em Opera Mundi.

Leia Mais:
Snowden

Snowden

:: Um terremoto chamado Snowden – Flávio Aguiar: Carta Maior 09/07/2013
Se houvesse uma escala para efeitos de denúncias internacionais, como há a Richter para os terremotos, o caso Snowden estaria no topo. De certo modo, as revelações do ex-espião norte-americano são mais impactantes do que as feitas tempos atrás por Julian Assange, com o auxílio de Bradley Manning.

:: Empresa do espião Snowden foi consultora-mor do governo FHC – Redação: Carta Maior: 10/07/2013
No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Booz-Allen, na qual trabalhava o espião Edward Snowden, foi responsável por consultorias estratégicas contratadas pela esfera federal. Incluem-se aí o “Brasil em Ação” (primeiro governo FHC) e o “Avança Brasil” (segundo governo FHC), entre outras, como as dos programas de privatização (saneamento foi uma delas) e a da reestruturação do sistema financeiro nacional.

:: Snowden: Rússia e países latino-americanos ganharam “respeito do mundo” – Luciana Taddeo: Opera Mundi 12/07/2013 – 14h25
Explicando sua decisão que o obrigou a afastar-se da vida “em grande conforto” com sua família e uma “casa no paraíso” que conta ter tido antes até revelar os programas de espionagens dos EUA, Snowden alega acreditar no princípio declarado em Nuremberg na Alemanha, em 1945: “Os indivíduos têm obrigações internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência. Portanto, cidadãos individuais têm a obrigação de violar leis domésticas para prevenir que crimes contra a paz e a humanidade aconteçam”.

:: O objeto de desejo, a obsessão de Obama – Eric Nepomuceno: Carta Maior 13/007/2013
Mais enrolada que rocambole de avó ou bolo de rolo de Pernambuco, a situação de Edward Snowden continua atraindo as atenções de meio mundo. Encalhado em Moscou, sem ter para onde ir, ele resolveu pedir asilo à Rússia. Será o primeiro passo para poder ir para um dos três países – a Nicarágua, a Venezuela e a Bolívia – que ofereceram asilo ao ex técnico terceirizado da CIA que desmontou uma das grandes farsas do governo de Barack Obama. Empenhando uma palavra cada vez mais carente de valor, Obama havia assegurado que desmantelaria o gigantesco esquema de espionagem global armado pelo seu antecessor, George W. Bush. Pois não só manteve como o expandiu. Escudado no argumento da necessidade de evitar atentados terroristas, seu governo aproveitou para espionar a tudo e a todos (…) Snowden revelou parte do que sabe, e essa parte foi suficiente para que ele se tornasse uma obsessão para Obama, que desandou a distribuir ordens e determinações com a tranqüilidade de quem não só se crê, mas está convicto de ser o verdadeiro dono do mundo (…) Enquanto continua nebuloso o panorama, resta uma pergunta entre tantas: de onde tamanha sanha? Por que, afinal, Snowden se transformou na obsessão, no verdadeiro objeto de desejo de Obama? O enigma, talvez, nem seja tão intrincado assim. Obama, tido como fraco e frouxo, precisa mostrar que é forte e decidido. É uma questão interna. Os truculentos republicanos vivem dizendo que ele não é de nada. E, talvez por não ser de nada, Obama resolveu fazer uma exibição global de valentia. O custo, as conseqüências, nada disso importa. O que importa é satisfazer a opinião pública e seu eleitorado.

Considerações sobre as manifestações de junho

Recomendo o artigo Lições de um junho que ainda não acabou, de Magali do Nascimento Cunha, jornalista e professora da Universidade Metodista de São Paulo. Foi publicado por Notícias: IHU On-Line em 05/07/2013.

Alguns trechos das 4 lições, anotadas pela autora, de um junho que ainda não acabou:

1 – “O gigante acordou” ou saiu da espera?

A máxima “o gigante acordou” que fez parte da campanha afirmativa dos movimentos de rua de junho, acabou consagrando uma outra: a de que os brasileiros são acomodados, conformistas; é um povo pacífico e passivo que acaba aceitando tudo – daí as injustiças a que está acostumado.  Essa máxima, na verdade, sempre serviu a uma história oficial dos processos predominantes no País – dos colonizadores, aos imperiais e daí aos republicanos -, que não só desvalorizou e desclassificou movimentos históricos de resistência e revolucionários e sua repressão promovida pelos poderes dominantes, quanto desestimulou novos. Apesar deste imaginário social construído por este discurso que representa a coletividade do “ser brasileiro”, reforçado pelo verso do hino nacional republicano – “deitado eternamente em berço esplêndido” – a história tem sido, de fato, construída por homens e mulheres, jovens e adultos, brancos, negros, indígenas, que sempre estiveram acordados, despertos, ligados, desde os primórdios da colonização até os anos recentes da chamada redemocratização, e estabeleceram dezenas de manifestações, levantes, revoltas, rebeliões, motins, conspirações, insurreições, revoluções, guerras, em todo o País.

A afirmação de que os brasileiros estiveram por, pelo menos, 20 anos, dormindo (já que a última grande manifestação pública teria sido o movimento pelo impeachment do Presidente da República Fernando Collor de Mello, em 1992, por envolvimento em casos de corrupção) e estariam anestesiados/amordaçados pela Era PT No Poder, com suas políticas para levar mais gente para a classe média e ampliar o consumo, também não cabe. Serve, como na história oficial, para desvalorizar e desclassificar movimentos de sem-terras, sem-tetos, indígenas, mulheres, estudantes, trabalhadores urbanos, familiares de mortos pela violência urbana, que estiveram nas ruas nas últimas décadas colocando demandas específicas para seus segmentos mas também  reivindicando justiça, segurança pública, educação e saúde de qualidade para todos.

Coube especialmente às mídias lhes tirar a visibilidade ou diminuir a relevância. Se não houve consenso tão amplo, com menor segmentação, por demandas coletivas que levassem tantas pessoas às ruas nesse espaço de tempo como foi nesse junho de 2013, uma leitura que podemos fazer é que a população, vitoriosa com o impeachment de Fernando Collor e apostando nos governos de centro do PSDB e de esquerda do PT que se sucederam, decidiu esperar. Não estava dormindo – estava em estado de espera, ou, como se diz em relação aos modernos aparelhos eletrônicos, em stand by.

Parece que chegou o tempo de sair da espera e cobrar mudanças não vistas. Não que mudanças não tenham acontecido, em especial nos últimos 11 anos com políticas mais voltadas às demandas das classes menos privilegiadas e realização de real mobilidade (ascensão) na pirâmide social com diminuição dos índices de extrema de pobreza e maior acesso a direitos aparentemente simples como água e luz ou às vagas para estudo em universidades. Mas, especialmente durante os três períodos do governo petista, as políticas de amplas concessões ao sistema financeiro destoaram daquelas que ressaltaram a distribuição de renda, mas não se refletiram em mudanças no quadro da educação básica e da saúde, itens fundamentais para o estabelecimento de um país sem pobreza. Ademais, os casos de corrupção por personagens ligadas ao poder público (ressaltados simbolicamente no famoso “julgamento do mensalão”) e a manutenção da cultura política partidária alimentada por jogos de poder que pouco tomam em conta o interesse público (evidenciado recentemente com o destacado “caso Marco Feliciano”, que não tem trajetória ligada aos direitos humanos) serviram de e estímulo ao “sair da espera”.

O junho de 2013 mostra que há disposição da população para se manifestar, protestar e reivindicar. É preciso lembrar que o processo de redemocratização, pós-ditadura militar, é lento e ainda está sendo vivenciado. São menos de 30 anos de reconstrução do processo democrático no país, quando pessoas que atuaram pelo regime militar e em todo o sistema de opressão, censura e repressão, ainda estão ativas, algumas delas em evidência e até no poder público. Apenas no governo Dilma Rousseff se conseguiu criar uma Comissão da Verdade para se superar omissões e apagamentos da história oficial e restaurar a dignidade roubada de pessoas e suas famílias pelo Estado. É um processo lento, de aprendizado paciente. O teólogo Leonardo Boff afirmou sabiamente o que esta dinâmica significa em uma frase num de seus espaços em rede social eletrônica: “Quanto mais pessoas se libertam da pobreza, mais cresce nelas o sentido de seus direitos. É uma das razões das demonstrações nas ruas”.

Sim, “o gigante acordou” é uma afirmação de conotação mais negativa do que positiva, e também pretensiosa para os atuais movimentos. “O Brasil saiu da espera” parece mais coerente com o momento, pois está menos pobre e mais consciente, por isso se sente empoderado para cobrar, exigir.

2 – Sinal amarelo para os governos e os políticos

O que foi afirmado acima indica um sinal amarelo para os governos. A Presidenta Dilma Rousseff percebeu isto e não tardou em ouvir os movimentos e tentar responder a eles. Apesar de o governo federal ter sido colocado em maior evidência, os demais níveis de poder  (em especial doss Estado de São Paulo e do  Rio de Janeiro) também estão sob o julgamento popular e estão sendo/serão avaliados e cobrados.

No caso dos governos do PT é saudável que os movimentos de junho lhes provoquem e lhes recordem sua origem na esquerda e sua identidade com eles. É muito positivo que Dilma Rousseff se reúna com os diferentes grupos como vem fazendo desde o seu pronunciamento público. O mesmo deveria ser feito por governadores e prefeitos. Quando do “julgamento do mensalão” e do reconhecimento das trágicas consequências para o PT, assumido por lideranças históricas do partido, como Tarso Genro e Olívio Dutra, a palavra de ordem era a “refundação do partido”; eis aí mais um estímulo: desta vez o das ruas. Um sopro de ideais de esquerda fará muito bem aos governos petistas para que caminhassem, em especial, na direção das demandas por direitos coletivos.

Na linha pensamento de que as demonstrações nas ruas são reflexos de mais consciência, é possível afirmar que elas não se colocaram contra partidos ou movimentos ligados a eles, como desejaram evidenciar alguns manifestantes, até mesmo com ações violentas. Os atos de junho fizeram por denunciar o oportunismo dos políticos que só respondem/representam quando o povo vai para a rua. Esse oportunismo ficou ainda mais nítido quando pautas por longo tempo travadas em comissões e no próprio congresso, por não serem colocadas como prioridade (até porque não interessam ou afetam interesses pessoais e corporativos ligados aos próprios congressistas), agora estão tramitando com o cancelamento, inclusive, do recesso parlamentar de julho.

A presença de pautas de direita/conservadoras nas manifestações públicas é algo que não deve ser desprezado, pelo contrário, precisa ser melhor compreendida. Nesse caso, o que mais chama a atenção é a defesa de bandeiras do tipo “Anonymous” abraçadas por muita gente e reproduzida nas redes sociais eletrônicas. Todas as chamadas “cinco bandeiras” amplamente divulgadas tocavam na pauta relacionada à corrupção – nada em torno da justiça em relação a direitos coletivos que mexam com a ordem vigente, com a lógica dos privilégios. São pautas de forte apelo popular e que restringem tudo à questão da corrupção, como se, trocando as pessoas no poder por outras mais “limpas”, o país se resolvesse, como que um “udenismo de máscaras”. Isso dá margem a demandas por uma volta dos militares ao poder, por exemplo, cujas ações no tempo da ditadura eram justificadas por valores como a moral e a retidão.

Este tipo de abordagem torna explícita que há, sim, vida política e ideológica conservadora que encontrou nos atos de junho uma forma de dar sinais de existência e, sentindo-se permitida a reagir contrariamente aos avanços sociopolíticos experimentados nas últimas décadas, com as máscaras do “anonimato”, clamando por um retorno à velha ordem quando não se trabalhava por inclusão social e cidadania, ou pela Verdade, nem se estendia direitos a mulheres, crianças, adolescentes e homossexuais.

3 – Mídias: elemento ativo no processo

A perplexidade com as proporções dos movimentos explicitada pela cobertura inicial das mídias noticiosas seguida pela brusca mudança no tratamento da temática foram marcas deste fenômeno. Caso emblemático foi a alteração de abordagem, em 48 horas, dos noticiários da Rede Globo – tanto na TV Globo quanto na Globo News, de desclassificação dos atos em São Paulo como prática de “baderneiros” para a exaltação de uma “linda forma de manifestação” da vontade popular.

Que as mídias no Brasil, propriedades das famosas 10 famílias pertencentes à classe que sempre predominou no poder no País e de uma igreja pentecostal baseada princípios empresariais, nunca trabalharam para legitimar e fortalecer movimentos sociais, é fato amplamente conhecido e estudado, e quando forçadas pela pressão popular acabam se rendendo ao que é mais do que evidente.

Assim foi na Campanha das Diretas Já em 1984, quando os primeiros atos públicos foram ignorados, em especial nas telas da TV, e a Rede Globo chegou ao disparate de noticiar que havia multidões nas ruas, sim, mas para comemorar o aniversário de São Paulo. Quando não houve mais jeito, e as mídias tiveram que noticiar o que não se podia mais ser ignorado, ironicamente o locutor esportivo da Rede Globo Osmar Santos acabou se tornando locutor dos comícios pelas eleições diretas.

Nos episódios em torno do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, a mudança de discurso ficou ainda mais evidentes pois a Rede Globo, por exemplo, era aliada do presidente. O silêncio e a omissão não puderam se sustentar tal da pressão das ruas e do movimento dos chamados “caras pintadas” e logo os estudantes já eram apresentados como revolucionários e grande esperança do Brasil.

No jornalismo impresso, Folha de São Paulo, por exemplo, tanto no movimento pelas Diretas Já quanto no “Fora Collor”, percebeu logo o sentido e o potencial das manifestações e fez ampla cobertura desde os primórdios mas assumiu uma postura declaradamente parcial: deixava claro que as eleições diretas em 1984 não deveriam abrir o Brasil para um governo de esquerda (naquela época as grandes “ameaças” eram Lula e Leonel Brizola) e seus discursos deixavam clara a opção por Ulisses Guimarães, alçado pelo jornal (e também pela Rede Globo e pela revista Veja) como o “Senhor Diretas”, atribuindo-lhe os louros do movimento, inicialmente convocado, em 1983 pelo PT. Já no caso Collor a Folha trabalhou para descolar a imagem do presidente corrupto das políticas de ajuste ao capitalismo globalizado que ele implementava no país e que ela aprovava.

Essa memória é importante para se ter em mente duas realidades:

1) que as teorias conspiratórias em torno do poder das mídias devem ser, sim, rechaçadas, ressaltando-se o lugar dos receptores e de sua postura crítica. Não é à toa que desde as manifestações pelas Diretas Já e depois contra os efeitos do chamado “Plano Cruzado” do governo Sarney, no “Fora Collor” e agora nos atos de julho, é palavra de ordem frequente nas ruas o “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Palavras ainda mais intensificadas com ações explícitas de manifestantes de hoje na frente das instalações da emissora de TV nas grandes cidades, ou diante dos seus repórteres que cobriam os atos.

2) No entanto, não se pode esquecer a dimensão política em torno dos processos de comunicação, e, como foi dito acima, as mídias têm donos e donos comprometidos com processos historicamente desfavoráveis a demandas sociais de alteração da ordem vigente.

E aqui é preciso reforçar os estudos, os monitoramentos, para se compreender como se dão os processos comunicacionais. Os donos das mídias e os demais grupos que sempre foram privilegiados pelos contextos sociopolíticos e econômicos dominantes e excludentes não explicitam sua insatisfação com as possibilidades de mudança nestes campos e não aparecem discursando seu desejo de que nada mude e tudo fique como sempre foi. Esses grupos têm porta-vozes, os chamados “formadores de opinião”, encarnados nos colunistas de Veja, de O Globo, do Estadão, da Folha e em comentaristas do Jornal da Globo e dos espaços da Globo News.

A defesa das demandas desses grupos fica então inserida em narrativas e análises que se expressam como se fossem conteúdos de interesse coletivo, pelo “bem do País”. Foi assim que inicialmente os movimentos foram taxados de “baderna” mas depois eram “linda forma de o povo expressar voz” ou “esperança de uma nova forma de governo”, mas com ênfase da questão da mudança relacionada ao tratamento moralista da corrupção (agora as pesquisas de jornais e TVs cobram a “prisão dos mensaleiros” – elemento que pouco apareceu nas ruas) o que desvia de demandas que são majoritárias nos atos de junho: mais direitos sociais coletivos garantidos e mais mecanismos democráticos de fazer valer a voz da população.

Um fator de destaque no tocante a relação das mídias com este processo foi o lugar das redes sociais eletrônicas. Decerto, estão se revelando alternativas à opção política das mídias tradicionais. A liberdade de expressão que possibilitam bem como a capacidade de articulação ficam mais evidentes no Brasil de junho 2013. Fato é que elas não são “a” expressão, são um meio de explicitá-la, afinal foi o presencial, a pressão das ruas que fez toda a diferença no processo, bem como o serão reuniões delas decorrentes.

4 – Fundamentalismo na relação religião-política

Há um imaginário sobre o fundamentalismo, por força do discurso da mídia noticiosa sobre as ações políticas relacionadas ao contexto islâmico, que o coloca como atributo não-cristão, do radicalismo e, portanto, do terrorismo. Este imaginário limitado às imagens construídas pelas mídias, que reproduzem discursos europeus e estadunidenses, impede o reconhecimento do fundamentalismo como um movimento reacionário, ou seja, de reação ao novo, ao avanço que leva o curso dos contextos para novos rumos, afinados com os tempos presentes e futuros. Fundamentalismo é sinônimo, sim, de conservadorismo intenso, um movimento de grupos que não desejam alteração de uma ordem de pensamento, e ação consequente, dominante. Têm aversão ao diálogo e à interação que sempre colocam em xeque os absolutismos, na medida em que diferenças ficam evidentes e provocam aprendizado que leva ao novo.

O fundamentalismo é um movimento que nasceu com evangélicos na passagem do século XIX para o XX. Uma reação às tendências teológicas que viam no advento das ciências humanas e sociais formas de fazer teologia e contextualizá-la, fazendo nascer novas leituras da Bíblia e da fé em Deus. O liberalismo teológico e a leitura crítica da Bíblia surgem neste clima. As reações de conservação da antiga ordem teológica foram imediatas e advogaram a inerrância bíblica, o valor inquestionável da leitura literalista e a negação da validade de qualquer mediação que não fosse a da fé, simplesmente, especialmente a das ciências. Boa parte dos evangélicos no Brasil do ramo tradicional e do pentecostal era e ainda é afinada com a corrente fundamentalista.

O Brasil de 2013 assiste a uma recomposição da Frente Parlamentar Evangélica [FPE] (números que variam mas giram em torno de 73 congressistas, de 17 igrejas diferentes, 13 delas pentecostais). De políticos, cujos projetos raramente interferem na ordem social, com defesa de interesses particulares ou corporativos,  na forma de “praças da Bíblia”, criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos, e recorrentes casos de fisiologismo, esses deputados e senadores passaram a ser apresentados como defensores da família e do direito à liberdade de expressão (deles) contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais. Nesse caso valem alianças e parcerias até mesmo com parlamentares e grupos católicos tradicionalistas. Por isso é possível afirmar que algo de novo se desenha no cenário político brasileiro.

Ao constantemente evocarem os números do Censo 2010 que os coloca como 22% da população brasileira, grupos evangélicos com pretensões políticas demandam legitimidade social e mais espaço de influência. Este é um projeto cada vez mais nítido deste segmento social que certamente visa, como os demais grupos políticos, muito mais do que cadeiras no Congresso, mas também presidências de comissões e de ministérios relevantes (para além do único atual tímido Ministério da Pesca, sob a liderança do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivela).

A polêmica em torno do deputado federal Marco Feliciano (PSC/SP) e a forma como ele assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deixa este projeto em evidência. Nesse caso não só uma presidência inédita de comissão foi alcançada, mas também maior visibilidade aos evangélicos na política e ao próprio PSC, que tem o nome “Cristão”, no entanto sempre se caracterizou como um partido de aluguel para quem desejasse candidatura independentemente de confissão de fé.

Nesse sentido estas lideranças religiosas se sentem com poder para influenciar processos sociopolíticos e até mesmo para ameaçar lideranças políticas de tirá-las do poder. Exemplo é o que têm declarado o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia por meio de seus espaços nas redes sociais eletrônicas. Ele tem afirmado que foram aos evangélicos que começaram os movimentos de junho com Manifestação dos Evangélicos em Brasília pela Família e a Liberdade de Expressão que liderou (esquecendo que os atos de junho começaram mesmo nas reações contra a presença de Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos). O pastor Malafaia também ameaça: “Para nós, evangélicos, não muda nada se não estivermos em reunião convocada [pela Presidenta Dilma Rousseff] com representantes da sociedade, mas o voto pra eles muda: somos 30%”. O pastor também tem discursado explicitamente contra o plebiscito sugerido ao congresso pela Presidenta.

Que tais grupos evangélicos tenham discurso conservador não é novidade, afinal é parte da formação predominante deste grupo religioso desde os seus primórdios no Brasil. O que há de novo é a maior visibilidade pela projeção que as mídias religiosas e não-religiosas têm dado a este discurso por meio dos espaços a Marco Feliciano e ao pastor Malafaia. O fato deste pastor se colocar como porta-voz dos evangélicos com críticas públicas explícitas, nada diplomáticas, ao governo federal, com reforço às ações da FPE, e receber amplo apoio (levou 40 ou 70 mil pessoas para a manifestação em Brasília – números que dependem de quem estima, mas são, de fato, altos) coloca em evidência o conservadorismo na sociedade brasileira, antes atribuído mais diretamente aos evangélicos, porém uma tendência forte, explicitada, como reconhecido acima, nos atos de junho por uma parcela dos manifestantes.

É nesse contexto que o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido por suas posturas assumidamente conservadoras e agressivas e que não é ligado a grupos religiosos, afirmou que se sente como “irmão” de Marco Feliciano, aliança amplamente divulgada nas mídias noticiosas. Da mesma forma o pastor Silas Malafaia tem atuado como assessor da Rede Globo para assuntos religiosos e tem espaço em uma edição integral do Programa do Ratinho (SBT) para a exposição de suas ideias. A mesma visibilidade é dada por jornalistas porta-vozes de reações conservadoras a temas sociais, como José Luiz Datena, que, no seu programa na Rede Bandeirantes, ofereceu amplo espaço, por meio de entrevista, ao senador Magno Malta para que defendesse a redução da maioridade penal para aplacar a violência urbana, ou como Reinaldo Azevedo que, em seu blog no site da revista Veja, tornou-se árduo defensor de Marco Feliciano e Silas Malafaia, e se tornou leitura obrigatória para evangélicos, segundo indicação desses líderes religiosos.

Alianças do religioso com o não-religioso formando exércitos que marcham em defesa da moral e dos bons costumes – em defesa da família – não é algo novo no Brasil (1964 ainda está bem marcado na memória), mas é bastante novo no espaço político que envolve os evangélicos e suas conquistas na esfera pública. Em matéria na Folha de São Paulo, de 7/4/2013, o diretor do instituto de pesquisa Datafolha, Mauro Paulino, declarou que o discurso de Feliciano capta simpatias de parte da população: “Entre os brasileiros, 14% se posicionam na extrema direita. As aparições na imprensa dão esse efeito de conferir notoriedade a ele.” Isto significa que apesar dos tantos slogans divulgados em manifestações presenciais e nas redes sociais – “Feliciano não me representa” – Feliciano, Malafaia, Bolsonaro e tantos outros ganham espaço e legitimidade. Portanto, há quem se sinta representado, sim, não somente do ponto de vista da popularidade mas do peso das articulações ideológicas em curso na sociedade brasileira. Tudo isto temperado com uma forte tendência de reação contrária às mudanças que a sociedade brasileira vem experimentando nas últimas décadas, resultantes de políticas de inclusão nas mais diversas frentes sociais.

Crise diplomática entre Bolívia e países europeus



>> Última atualização: 04/07/2013 – 14h50


Dilma expressa “indignação e repúdio” à proibição imposta ao avião de Morales. “Constrangimento” ao presidente boliviano “atinge não só à Bolívia, mas a toda América Latina”, afirmou hoje, 03/07/2013, a presidenta do Brasil.

Voltando de Moscou, onde havia participado da segunda cúpula de países exportadores de gás, realizada na capital russa, Morales se viu forçado a aterrissar no aeroporto de Viena depois que alguns países europeus – parece que França, Portugal, Espanha e Itália – negaram autorização de entrada de sua aeronave oficial em seus espaços aéreos, o que gerou uma crise diplomática.

O avião de Morales foi desviado para Viena na terça, supostamente por suspeitas de que transportasse o americano Edward Snowden, procurado pela justiça dos Estados Unidos acusado de espionagem.

Leia sobre a repercussão do caso na América Latina aqui.

Leia Mais:
Líderes sul-americanos repudiam retenção do avião de Evo Morales – Valor: Fabio Murakawa, Maira Magro e Bruno Peres 04/07/2013

Politizar a juventude sem experiência de luta de classes

Há uma luta de classes nas ruas, embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda. Devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. E a classe trabalhadora precisa se mover. E o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, o que levará a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagar a fatura no futuro.

Alguns trechos da entrevista de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes mobilizações em todo o país, publicada por Brasil de Fato em 25/06/2013. Reproduzida por Carta Maior em 29/06/2013.

Recomendo ler o texto completo: O significado e as perspectivas das mobilizações de rua.

:: Há uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É claro que há uma luta de classes nas ruas. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando  de uma luta ideológica. Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? E por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora. Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a Internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela Internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de pessoas. E aí se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria. Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o Departamento de Estado estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

:: E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar quaisquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do Estado brasileiro, que agora está em disputa. Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. Às vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. Às vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado, embora pequena, em são Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais. Certamente a maioria dos jovens nem sabe do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas. Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita, que suas bandeiras, além da PEC 37, são: saída do Renan do Senado; CPI e transparência dos gastos da Copa; declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam “Fora Dilma” e abaixo-assinados pelo impeachment. Felizmente essas bandeiras não têm nada a ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores.

:: Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio e os especuladores. Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária. Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma divida interna que nunca fizemos. Deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo? Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento publico exclusivo da campanha. Direito à revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados. Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS das exportações primárias e penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam. Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todos os  royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petrolífera, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões! Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte publico, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro, e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária. E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da conferência nacional de comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação.

:: O que o governo deveria fazer agora?
Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo. E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimentos pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e um plano de produção de alimentos voltado para o mercado interno. Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública. Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, o que levará a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagar a fatura no futuro.

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A polissemia das manifestações populares

A polissemia das manifestações populares

Por Edson Elias de Morais* e Luana Garcia*: Notícias: IHU On-Line 28/06/2013

Os partidos de Esquerda estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os partidos de Direita estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os apartidários estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Cada um interpreta à sua maneira e faz as ponderações e indicações segundo suas agendas. A mídia, os partidos de Direita e seus simpatizantes estão comemorando ainda mais, porque estão percebendo nisso um “filão” inesperado contra o governo Dilma e principalmente contra o PT. Estão utilizando os gritos, as revoltas, as manifestações como sinônimos de crítica ao governo e não a uma sociedade viciada politicamente, a uma sociedade corrompida estruturalmente e um sistema societário fadado à desigualdade.

Após a manifestação de apoio ao movimento de São Paulo, houve o comentário de uma manifestante de Londrina, um desabafo e crítica ao fato de terem sido reprimidas as bandeiras do PSTU e do PSOL na manifestação da cidade, na página do Facebook. Ela argumentava que a esquerda tem contribuído para todo esse processo. É verdade, os partidos de esquerda historicamente são mobilizadores de revoltas e revoluções populares, está ou esteve na base do processo de politização das pessoas e tem uma agenda em prol dos trabalhadores. Concordo que não foi coerente proibir as bandeiras partidárias na manifestação, uma vez que ali se faziam presentes pessoas de várias classes sociais, partidos e credos.

Foi e está sendo uma manifestação popular, sem uma coordenação específica, mas de identificação com uma causa, a partir do ponto de vista e da crítica de cada indivíduo. O grande guarda-chuva ideológico é um “país melhor”, “justiça”, “educação”, “saúde” e “transporte” de qualidade. E aqui cabe qualquer programa político, qualquer partido e qualquer política-econômica, pois são grandes abstrações generalizantes. São problemas reais e concretos? São. Mas da forma como estão sendo discursados não passam de revoltas, em vez de serem um projeto de política.

Os partidos de Esquerda estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os partidos de Direita estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Os apartidários estão comemorando porque o povo está “acordando” e foi para as ruas. Cada um interpreta à sua maneira e faz as ponderações e indicações segundo suas agendas. A mídia, os partidos de Direita e seus simpatizantes estão comemorando ainda mais, porque estão percebendo nisso um “filão” inesperado contra o governo Dilma e principalmente contra o PT. Estão utilizando os gritos, as revoltas, as manifestações como sinônimos de crítica ao governo e não a uma sociedade viciada politicamente, a uma sociedade corrompida estruturalmente e um sistema societário fadado à desigualdade.

A maioria dos manifestantes demonstra saber exatamente as responsabilidades que cabem a cada setor da sociedade e, mediante esse quadro, muitos tendem a negar as bandeiras partidárias, enquanto alguns as defendem ferrenhamente. Podemos observar que nesse processo existe uma tensão evidente entre os meios tradicionais de participação e a necessidade de negá-los, sejam quais forem: partidos, sindicatos, comunidades de bairro, etc, como se fugissem diretamente da corrupção que, por vezes, vigora nessas organizações.

Por mais que alguns manifestantes, em sua minoria, incitem  a política sem políticos, o poder total ao povo, e levantam bandeiras anarquistas, outros manifestantes, talvez uma maioria, apontam que a representação política é necessária, mas deve contar com mais controle e vigilância do povo, para que não desvirtue os princípios democráticos, como a utilização correta dos recursos públicos.

Parece estar diluído entre os que marcham pelas diferentes causas, que alguns tipos de responsabilidades cabem apenas aos indivíduos que estão no poder, sendo que, uma vez negadas essas responsabilidades, elas constituem barreiras para a transparência das instituições democráticas, e fomentam práticas injustas, ações incorretas, corrupção, entre outras falhas, que só existem em uma sociedade em desacordo com suas instituições e com falência da vigilância pública.

Viver em uma democracia é, acima de tudo, poder reclamar por ações como estas, (re)estabelecer a confiança nas instituições formais, organizar movimentos legítimos da sociedade civil, ter canais para esse tipo de manifestações e não sofrer repressões.

Quando as instituições funcionam mal, o abalo e o fracasso das condições democráticas são sentidos, sobretudo entre os mais pobres e vulneráveis, onde se encontram déficits em todos os âmbitos: econômico, cultural e social. Novas barreiras se erguem para esse indivíduo na medida em que as desigualdades se intensificam, e as saídas por vias institucionais, ou a confiança na política – ou nos ideais políticos – sofrem de total descrédito. No caso brasileiro, os vícios políticos e os procedimentos que envolvem a máquina governamental favorecem não só tais práticas excludentes, mas também intensificam as múltiplas desigualdades.

E é diante desta realidade, do fracasso das condições democráticas, do mau funcionamento das instituições políticas e do agravamento das desigualdades sociais que o povo se revolta. Por isso é uma revolta plural que pode, por defender tantos ideais, se perder no enfrentamento de metas especificas, por não ter um projeto e uma organização devido à falta de uma politização no processo de socialização. Ficam reféns do calor do momento e da esperteza de alguns partidos políticos, e por esse motivo as atuais manifestações populares podem servir a dois senhores ou mais, simultaneamente.

* Edson Elias de Morais é mestrando em Ciências Sociais, Licenciatura / Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e Bacharelado em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana, Londrina-PR. 


* Luana Garcia é mestranda em Ciências Sociais, Especialista em Ensino de Sociologia e Licenciatura / Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina.

Ampliar o clamor das ruas na democracia

Dilma: um plebiscito e uma constituinte para  ampliar  a voz  da rua na democracia. Presidenta reuniu na tarde de ontem, dia 24/06/2013, 27 governadores e 26 prefeitos de capitais em Brasília e propôs 5 pactos para melhorar o país. Tem gente esperneando, especialmente no Congresso e na grande mídia. 

“O segundo pacto é em torno da construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular e amplie os horizontes da cidadania. Esse tema, todos nós sabemos, já entrou e saiu da pauta do país por várias vezes, e é necessário que (…) tenhamos a iniciativa de romper o impasse”, disse a Presidenta Dilma Rousseff, nesta 2ª feira, ao propor um Plebiscito para convocar uma Constituinte exclusiva, capaz de realizar uma ‘ampla e profunda’ reforma política. Um aggiornamento  da democracia brasileira, em sintonia com os anseios sinceros da rua por mais participação e menor influencia do dinheiro grosso no sistema político nacional. A  presidenta Dilma desenhou o escopo de um grande debate nacional, capaz de incorporar as vozes e inquietações das ruas. Cumpre às administrações locais avançarem nessa direção criando contrapartidas de ampliação da democracia ali onde a vida acontece, na gestão das cidades. A sorte de prefeitos e gestões progressistas depende desse desassombro. Trata-se de abrir canais de escuta forte da cidadania. Não canais ornamentais, mas instrumentos relevantes e críveis de poder  sobre o orçamento. O PT tem experiências a resgatar; a disseminação da tecnologia permite, hoje, mais que ontem, submeter a gestão da cidade à soberania dos cidadãos. A Presidenta Dilma respondeu com perspicácia histórica ao clamor das ruas. Disparou na direção certa. A questão que aglutina a fragmentação das bandeiras desordenadas do nosso tempo é o poder. Todo o processo de globalização e financeirização apoia-se na captura da soberania popular pelo dinheiro grosso. Governos se emasculam. O voto se desmoraliza. Os partidos se descarnam. A existência se acinzenta. A mídia conservadora é a torre de vigia desse sequestro. O poder democrático da sociedade sobre ela mesma se esfarela. Ou ele se amplia, ou vence a exaustão caótica. E com ela a bandeira já sussurrada pela direita e por seus ventríloquos obsequiosos: ‘ordem e um Napoleão de toga’ (Carta Maior – 25/06/2013)

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O que há é uma multidão sequestrada por fascistas

Não há um “movimento” em disputa, mas uma multidão sequestrada por fascistas

Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior: 21/06/2013

O que começou como uma grande mobilização social contra o aumento das passagens de ônibus e em defesa de um transporte público de qualidade está descambando a olhos vistos para um experimento social incontrolável com características fascistas que não podem mais ser desprezadas. A quem interessa uma massa disforme na rua, “contra tudo o que está aí”, sem representantes, que diz não ter direção, em confronto permanente com a polícia, infiltrada por grupos interessados em promover quebradeiras, saques, ataques a prédios públicos e privados, ataques contra sedes de partidos políticos e a militantes de partidos, sindicatos e outros movimentos sociais? Certamente não interessa à ainda frágil e imperfeita democracia brasileira. Frágil e imperfeita, mas uma democracia. Neste momento, não é demasiado lembrar o que isso significa.

Uma democracia, entre outras coisas, significa existência de partidos, de representantes eleitos pelo voto popular, do debate político como espaço de articulação e mediação das demandas da sociedade, do direito de livre expressão, de livre manifestação, de ir e vir. Na noite de quinta-feira, todos esses traços constitutivos da democracia foram ameaçados e atacados, de diversas formas, em várias cidades do país. Houve violência policial? Houve. Mas aconteceram muitas outras coisas, não menos graves e potencializadoras dessa violência: ataques e expulsão de militantes de esquerda das manifestações, ataques a sedes de partidos políticos, a instituições públicas. Uma imagem marcante dessa onda de irracionalidade: os focos de incêndio na sede do Itamaraty, em Brasília. Essa imagem basta para ilustrar a gravidade da situação.

Não foram apenas militantes do PT que foram agredidos e expulsos de manifestações. O mesmo se repetiu, em várias cidades do país, com militantes do PSOL, do PSTU, do MST e pessoas que representavam apenas a si mesmas e portavam alguma bandeira ou camiseta de seu partido ou organização. Em Porto Alegre, as sedes do PT e do PMDB foram atacadas. Em Recife, cerca de 200 pessoas foram expulsas da manifestação. Militantes do MST e de partidos apanharam. O prédio da prefeitura da cidade foi atacado. Militantes do MST também apanharam em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre outras cidades.

Em São Paulo, algumas dessas agressões foram feitas por pessoas armadas com facas. E quem promoveu todas essas agressões e ataques. Ninguém sabe ao certo, pois os agressores agiram sob o manto do anonimato propiciado pela multidão. Sabemos a identidade de quem apanhou, mas não de quem bateu.

Desde logo, cabe reconhecer que os dirigentes dos partidos, dos governos e dos meios de comunicação têm uma grande dose de responsabilidade pelo que está acontecendo. Temos aí dois fenômenos que se retroalimentam: o rebaixamento da política à esfera do pragmatismo mais rasteiro e a criminalização midiática da política que coloca tudo e todos no mesmo saco, ocultando da população benefícios diários que são resultados de políticas públicas de qualidade que ajudam a vida das pessoas. Há uma grande dose de responsabilidade a ser compartilhada por todos esses agentes. A eternamente adiada Reforma Política não pode mais esperar. Em um momento grave e difícil da história do país, o Congresso Nacional não está em funcionando. É sintomático não ter ocorrido a nenhum dos nossos representantes eleitos pelo voto convocar uma sessão extraordinária ou algo do tipo para conversar sobre o que está acontecendo.

Dito isso, é preciso ter clareza que todos esses problemas só poderão ser resolvidos com mais democracia e não com menos. O rebaixamento da política à esfera do pragmatismo rasteiro exige partidos melhores e um voto mais esclarecido. A criminalização da política, dos partidos, sindicatos e movimentos sociais exige meios de comunicação mais responsáveis e menos comprometidos com grandes interesses privados. Não são apenas “os partidos” e “os políticos” que estão sendo confrontados nas ruas. É a institucionalidade brasileira como um todo e os meios de comunicação são parte indissociável dessa institucionalidade. Não é a toa que jornalistas, equipamentos e prédios de meios de comunicação estão sendo alvos de ataques também. Mas não teremos meios de comunicação melhores agredindo jornalistas, incendiando veículos de emissoras ou atacando prédios de empresas jornalísticas.

Uma certa onda de irracionalidade atravessa esse conjunto de ameaças e agressões, afetando inclusive militantes, dirigentes políticos e ativistas sociais experimentados que demoraram para perceber o monstro informe que estava se formando. E muitos ainda não perceberam. Após as primeiras grandes manifestações que começaram a pipocar por todo o país, alimentou-se a ilusão de que havia um “movimento em disputa” nas ruas. O que aconteceu na noite de sexta-feira mostra claramente que não há “um movimento” a ser disputado. O que há é uma multidão disforme e descontrolada, arrastando-se pelas ruas e tendo alvos bem definidos: instituições públicas, prédios públicos, equipamentos públicos, sedes de partidos, jornalistas, meios de comunicação. Os militantes e ativistas de organizações que tentaram começar a fazer essa disputa na noite de quinta foram repelidos, expelidos e agredidos. Talvez isso ajude a clarear as mentes e a desarmar um pouco os espíritos para o que está acontecendo.

Não é apenas a democracia, de modo geral, que está sob ameaça. Há algo chamado luta de classes, que muita gente jura que não existe, que está em curso. Não é à toa que militantes do PT, do PSOL, do PSTU, do MST e de outras organizações de esquerda apanharam e foram expulsos de diversas manifestações ontem. Com todas as suas imperfeições, erros, limites e contradições, o ciclo de governos da última década e em outros países da América Latina provocou muitas mudanças na estrutura de poder. Não provocou todas as necessárias e esse é, aliás, um dos fatores que alimentam a explosão social atual. Mas muitos interesses de classe foram contrariados e esses interesses não desistiram de retornar ao poder plenamente. Tem diante de si uma oportunidade de ouro.

Como jornalista, militante político de esquerda e cidadão, já firmei uma convicção a respeito do que está acontecendo. Uma multidão cuja direção (rumo) passou a ser atacar instituições públicas, sem representantes, sequestrada por grupos de extrema-direita, que rejeita partidos políticos e hostiliza manifestantes de esquerda, não só não me representa como passa a ser algo a ser combatido politicamente. Ou alguém acha que setores das forças armadas e da direita brasileira estão assistindo a tudo isso de braços cruzados?

Obs.: Reproduzi na íntegra o artigo do editor de Carta Maior.

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A ordem neoliberal é uma usina de desordem Urbi et Orbi

Os acontecimentos desta segunda, 17.06.2013, mudaram a conjuntura. Nos próximos meses, as multidões serão, ao que tudo indica, atores centrais na cena política. Mas ainda não está claro para onde este vulcão popular direcionará suas energias.  As manifestações, que levaram para as ruas cerca de 250 mil pessoas, aconteceram em 11 capitais e no Distrito Federal –  Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – e, ao menos, 16 cidades do interior do país.

Em 11 capitais [e no Distrito Federal], milhares foram às ruas. Os 20 centavos que motivaram a mobilização original em São Paulo, no dia 6 de junho, tornaram-se ainda mais irrisórios diante da abrangência e da intensidade do que se vê, 12 dias depois. O que está em jogo é muito mais do que caraminguás. As ruas requisitam uma nova agenda política para o Brasil. Não significa desqualificar conquistas e avanços preciosos dos últimos anos. Mas a história apertou o passo.

No capitalismo globalizado não temos mais o ‘privilégio’ do sofrimento exclusivamente local. A ordem neoliberal tornou-se uma usina de desordem Urbi et Orbi. Líderes não lideram. Mercados mandam. Governantes obedecem. A soberania nacional tornou-se intrinsecamente subversiva e disfuncional. Ao mesmo tempo e com igual intensidade. Os instrumentos convencionais de escrutínio coletivo não respondem aos estímulos. As urnas decidem; o dinheiro desautoriza. A mídia abjura. Os fundamentos do sistema perderam a aderência da sociedade.

Como um trem fora dos trilhos, o que seria o fim da História forma hoje um comboio desgovernado, que marcha ora na inércia, ora fora dos trilhos. Mas não cai. E não cairá por si. A liderança do processo brasileiro está em aberto. Mais que isso. A ausência de uma plataforma capaz de dar unidade e coerência a aspirações fragmentadas e avulsas pode asfixiar o que as ruas tentam dizer. Vem da Espanha reluzente de protestos na Praça do Sol um alerta desconcertante.

Madri e Barcelona consagraram-se como o epicentro da indignação global. Desde 15 de maio de 2011, quando o ‘Democracia Já’ convocou uma manifestação na Praça do Sol, até os protestos em 92 países, em 15 de outubro de 2011, passaram-se fulminantes cinco meses de ascensão linear das ruas. A passeata original deu lugar a um acampamento formado por um mar de indignados. A ocupação na Praça do Sol resistiria por 79 dias. O termo ‘indignado’ globalizou-se.

Em outubro de 2011, o sentimento nascido na Praça do Sol tornou-se o novo idioma político global, compartilhado por um milhar de cidades em todos os continentes. Mas nem por isso imune às sombras. No momento em que as praças rugiam a insatisfação de milhares de vozes, o voto popular consagrava nas urnas o Partido Popular, de Aznar. A cepa herdeira do franquismo obteve uma vitória esmagadora nas eleições espanholas de 20 de novembro de 2011. A votação recebida pelo conservadorismo, que hoje esfola e sangra o povo espanhol, estendendo o desemprego a 52% de sua juventude, garantiu-lhe, ainda, maioria folgada no Parlamento.

O paradoxo do ‘sol e da escuridão’ não pode ser esquecido, nem minimizado pelo frescor da indignação que ecoa agora de uma dezena de capitais do país. Hoje, ninguém é de ninguém. Em política, como dizem, com razão, suas ‘raposas’, não existe vácuo. Na Espanha, a vitória eleitoral do ultra-conservadorismo, em 2011, só foi possível porque a abstenção, sobretudo jovem, atingiu proporções epidêmicas no berço mundial dos indignados. A exemplo do que ocorreu na Espanha, nos EUA e, mais recentemente, na Itália, em algum momento os indignados brasileiros serão chamados a refletir – talvez precocemente – sobre as escolhas do poder. O poder de Estado. Os compromissos que a luta pelo poder impõe. A impossibilidade de ignorá-la; e, sobretudo, a escolha da melhor estratégia para pautar o seu exercício, a cada movimento da história.

Estes são apenas trechos do texto de Saul Leblon: Saturação e projeto, no Blog das Frases, publicado na Carta Maior em 18/06/2013 – 4h27, depois de “uma noite daquelas”.

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