Quem escreveu os quatro evangelhos canônicos?

Recomendo este artigo como uma boa e rápida introdução para quem nunca ouviu dizer que até hoje não sabemos quem escreveu os quatro evangelhos canônicos.

 

Evangelhos são obra de autores desconhecidos, dizem pesquisadores

Atribuição a Mateus, Marcos, Lucas e João provavelmente aconteceu de forma tardia. Com exceção do texto joanino, relatos parecem ter se baseado fortemente em Marcos.

Os Evangelhos do Novo Testamento, quatro relatos sobre a vida de Jesus aceitos por todas as igrejas cristãs, tradicionalmente são atribuídos a dois dos Doze Apóstolos (Mateus e João, filho de Zebedeu), a um companheiro do apóstolo Pedro (Marcos) e a um colaborador de São Paulo (Lucas). Para os atuais estudiosos da Bíblia, no entanto, o mais provável é que nenhuma dessas autorias tradicionais esteja totalmente correta. Embora muitos dos fatos contados pelos evangelistas possam realmente remontar à vida de Jesus, inconsistências e contradições deixam claro que nenhum de seus discípulos originais sentou-se pessoalmente para escrever uma biografia de Cristo.

“O que está claro é que os títulos que temos são um fenômeno editorial, que veio mais tarde”, resume Luiz Felipe Ribeiro, professor de pós-graduação em história do cristianismo antigo da Universidade de Brasília (UnB), que está concluindo seu doutorado na Universidade de Toronto (Canadá). “Os títulos demoraram para aparecer no corpo do texto. Os primeiros papiros com a fórmula atual para os títulos — ‘Evangelho segundo Marcos’ ou ‘Evangelho segundo João’, por exemplo — são de meados do século 3 [mais de 150 anos depois da data em que os textos teriam sido escritos].”

De acordo com Ribeiro, os estudos sobre como os livros da época recebiam seus títulos e atribuições de autoria também revelam que essa fórmula (envolvendo uma estrutura gramatical do grego conhecida como acusativo) é curiosamente única dos Evangelhos; nenhum copista anterior teria pensado em falar da “Ilíada segundo Homero”, por exemplo. “É muito improvável que essa mesma maneira de designar os textos surgisse de forma independente em quatro deles ao mesmo tempo. Por isso, tudo indica que se trata de uma mudança na maneira como os Evangelhos passaram a circular naquela época”, diz ele.

Testemunho antigo — ou não?

O fato é que, além dos títulos explícitos em papiros, a primeira referência a quatro Evangelhos escritos pelos autores que conhecemos tradicionalmente — Mateus, Marcos, Lucas e João, nessa ordem — vem do bispo Ireneu de Lyon, escrevendo por volta do 190. No começo do mesmo século, outro bispo, Papias (cuja obra original não sobreviveu, mas acabou sendo citada por escritores cristãos posteriores), menciona apenas Mateus e Marcos.

A poucas décadas de “distância” dos apóstolos originais, Papias até parece dispor de informações mais confiáveis, mas uma série de coisas em suas afirmações não batem. Primeiro, ele parece se referir a Mateus como uma simples coleção de ditos de Jesus (logia, em grego), escritos originalmente em aramaico, a língua do dia-a-dia na Palestina do século 1. No entanto, Mateus é na verdade uma narrativa, e o texto que temos parece ter sido composto diretamente em grego. Já Marcos seria o secretário ou intérprete de Pedro, o qual teria anotado (“de forma desordenada”, diz Papias), as pregações do líder dos apóstolos em Roma.

Além do fato de, na verdade, o Evangelho de Marcos ser uma narrativa altamente estruturada, sem sinal de desordem, ele não parece o tipo de coisa que um ex-colaborador de Pedro escreveria, afirma Ribeiro. “Existe, na verdade, uma hostilidade grande em relação a Pedro no Evangelho de Marcos, e talvez até uma rejeição de todos os Doze, que são retratados como covardes”, diz o pesquisador. Todos os Evangelhos mostram Pedro vacilando e até negando Jesus, mas enquanto Mateus atenua isso com a famosa cena em que Jesus promete a seu apóstolo “as chaves do Reino do Céu”, Marcos não apenas omite qualquer menção a isso como é bem provável que, originalmente, nem mostrasse Jesus aparecendo aos apóstolos depois de ressuscitar.

É que os mais antigos manuscritos do Evangelho de Marcos terminam de forma meio abrupta, no versículo 8 do capítulo 16. O relato se encerra com Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé — três seguidoras de Jesus — indo ao sepulcro de Cristo. Lá, porém, encontram a tumba aberta e um misterioso rapaz de roupas brancas (talvez um anjo) dizendo que Jesus tinha ressuscitado. As mulheres, então, fogem assustadas, “e nada diziam a ninguém, porque temiam”. O mais provável é que, mais tarde, foram adicionados os versículos de 9 a 20, que encerram o Evangelho que temos hoje e contêm as aparições do Jesus ressuscitado a seus seguidores.

Marcos, o primeiro

Na verdade, apesar de a ordem dos Evangelhos nas Bíblias atuais começar com Mateus, Marcos é quase certamente o mais antigo de todos os textos, talvez escrito um pouco antes do ano 70, quando o Templo de Jerusalém foi destruído pelos romanos. O consenso entre os estudiosos é que Mateus e Lucas usaram Marcos como a base de seus próprios Evangelhos.

“Ambos se baseiam na estrutura narrativa de Marcos; Mateus e Lucas foram aumentados acrescentando-se a Marcos extratos de uma coletânea de ditos de Jesus que hoje está perdida”, escreve Geza Vermes, professor emérito de estudos judaicos da Universidade de Oxford, em seu livro “Quem é quem na época de Jesus” (Editora Record), recém-lançado no Brasil. “Quando Lucas e Mateus concordam entre si a respeito de algo, também concordam com Marcos; quando são diferentes de Marcos, também são diferentes entre si”, diz Ribeiro.

Além disso, Marcos é o evangelista que mais coloca expressões aramaicas na boca de Jesus ou das pessoas que entram em contato com ele, como o uso de Éfata (“abre-te”) para curar um surdo-mudo e Talitha cum (“menina, levanta-te”) para ressuscitar uma menina. “É o único evangelista que permite ao leitor ouvir um eco eventual das palavras de Jesus em sua própria língua”, diz Vermes.

Judeus ou pagãos?

Por essas e outras, a identificação do autor de Evangelho de Marcos como pagão de nascimento — e mesmo de Lucas ou João, autores de narrativas que parecem muito influenciadas pela cultura grega — não é tão confiável quanto alguns estudiosos costumavam imaginar. “Eu, por exemplo, acho que Marcos poderia muito bem ter uma origem na Galileia”, diz Ribeiro. “De modo geral, essa dicotomia cultural muito forte entre judeus e pagãos de origem grega que a gente costuma imaginar é relativa. O judaísmo estava sob forte influência helenística fazia tempo.”

A influência judaica mais clara é a de Mateus, texto talvez escrito entre os anos 80 e 90 e repleto de referências à Lei de Moisés e às profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias. “Mas, mesmo no caso de Lucas, há um lado judaico bastante forte. A narrativa dele começa e termina no Templo de Jerusalém, por exemplo. Jesus nunca pisa fora do território de Israel na narrativa de Lucas. Isso não me parece à toa”, diz Vilson Scholz, professor de teologia exegética da Universidade Luterana do Brasil (RS) e consultor de traduções da Sociedade Bíblica do Brasil.

Scholz diz acreditar que, embora figuras como os apóstolos João e Mateus não tenham escrito pessoalmente os Evangelhos, é possível que as narrativas sejam obra de pessoas de “escolas” ligadas a eles, que teriam transmitido a tradição oral relacionada aos primeiros discípulos em forma escrita. Para Scholz, o Evangelho de Lucas, escrito pelo mesmo autor dos Atos dos Apóstolos (em ambos os casos a obra é dedicada a um patrono conhecido como Teófilo, e há remissões entre um livro e outro), é o que tem associação mais plausível com o autor tradicional.

Explica-se: Lucas teria sido um médico de origem grega e, de fato, sua linguagem é uma das mais polidas e de estilo cuidadoso entre os Evangelhos, diz Scholz. Os Atos dos Apóstolos também usam o pronome “nós” em certas passagens, dando a entender que o narrador estava viajando junto com Paulo. “Eu já acho que Lucas é tão problemático [como autor verdadeiro do Evangelho] quanto os demais”, afirma Ribeiro. Ele lembra que há diferenças consideráveis entre o relacionamento de Paulo com os demais membros da Igreja como é retratado em Atos e a maneira como Paulo fala de Pedro e dos demais apóstolos em suas cartas — nesse caso, Paulo é bem mais agressivo e menos condescendente em suas críticas aos seguidores originais de Jesus.

Testemunhas oculares

Um detalhe que solapa, ao menos à primeira vista, a idéia de que alguns dos autores do Evangelho presenciaram as pregações de Jesus é a falta de uma identificação de quem escreve no próprio texto, ou mesmo de afirmações diretas de que o escritor viu tais e tais fatos acontecerem. “Isso pode ser apenas um detalhe de gênero literário — uma tentativa de demonstrar objetividade, por exemplo”, pondera Scholz.

A única exceção é o Evangelho de João — justamente o “estranho no ninho” entre os quatro textos aceitos no Novo Testamento, por não seguir a mesma linha básica de narrativa dos outros três e apresentar uma visão teológica muito desenvolvida e elevada de Jesus, considerado o Verbo de Deus encarnado. Com base nisso, ele seria o texto mais tardio, escrito por volta do ano 100. “Muita gente vê influência da filosofia grega sobre João, mas a divisão clara do mundo entre luz e trevas, que a gente vê nele, já aparece nos Manuscritos do Mar Morto, a poucos quilômetros de Jerusalém”, diz Scholz. Em um ou dois trechos, o Evangelho de João diz que “a testemunha viu” os fatos narrados acontecerem.

“Eu acho possível que esse Evangelho remonte a uma testemunha ocular, mas o que ela viu foi retrabalhado pela comunidade à qual ela pertencia”, avalia Ribeiro. Seria o misterioso “discípulo amado” de Jesus — mas esse discípulo certamente não é João, o qual é mencionado separadamente no mesmo Evangelho. “Também vemos uma tensão política entre a comunidade desse discípulo amado e o grupo que seguia Pedro, por exemplo”, diz o pesquisador, lembrando que, numa das narrativas sobre o sepulcro vazio de Jesus, Pedro e o tal discípulo correm até a tumba, mas o discípulo amado é o primeiro a chegar. Pedro entra no sepulcro e vê os lençóis que cobriam o corpo de Jesus; o discípulo amado entra depois, “e viu, e creu”, diz o Evangelho. Seria uma forma de mostrar a precedência dele sobre Pedro.

No fundo, o que se sabe de seguro sobre os escritores dessas quatro obras-primas da cristandade primitiva está mesmo embutido no próprio texto — e, como tal, sujeito a interpretações. É muito difícil, por enquanto, colocar uma “cara” nos evangelistas. “Enquanto não houver outras descobertas arqueológicas de peso, ficamos nesse impasse”, diz Scholz.

Fonte: Reinaldo José Lopes – G1: 27/07/2008

 

Quem já conhece o assunto deve ler livros sobre Métodos de Leitura da Bíblia e de Introdução ao Novo Testamento, além de visitar sites e blogs criados e mantidos por especialistas na área.

Paulo e os judeus: seminário em Leuven

Essa notícia vem da Bélgica. Da Faculdade de Teologia da Katholieke Universiteit Leuven. E deve ser colocada no contexto do Ano Paulino.

The conference is organised by the Faculty of Theology, K. U. Leuven, with the support of the Flemish Scientific Research Foundation (FWO Vlaanderen) and the University Research Council (Onderzoeksraad) of the K. U. Leuven

New Perspectives on Paul and the Jews
Interdisciplinary Academic Seminar
September 14-15, 2009

Diz a página do seminário:
The twenty-first century is proving to be a challenging time for Jewish-Christian relations. 2008-2009 is the bi-millennial anniversary of Paul’s birth, a figure not unproblematic for Jewish-Christian dialogue. On different levels initiatives are being taken to promote Paul and his legacy. Our Leuven interdisciplinary research project on the New Perspectives on Paul and the Jews is seeking to address the issue of Paul and his relationship to Judaism in an academic setting. An important feature of our project consists in the fact that the exegetical issues are being discussed in a larger hermeneutical, theological and dialogical framework. The academic seminar will allow for scholars from various disciplines to enter into dialogue with one another and exchange expertise on different aspects of Paul and their relevance for Jewish-Christian Dialogue. The goal of this seminar is to provide the opportunity for high-level academic discussion. The conference is organised around 8 topics…

Leia Mais:
The Paul Page. Dedicated to the New Perspective on Paul

Paulo de Tarso, segundo alguns filósofos atuais

Filósofos em diálogo com Paulo de Tarso

Uma reflexão fecunda sobre a natureza da identidade aberta desde os tempos messiânicos. Há uns dez anos os filósofos Alain Badiou, Giorgio Agamben e Slavoj Zizek fizeram seus questionamentos em confronto com os escritos de Paulo. A reportagem é de Élodie Maurot e publicada pelo jornal La Croix, 28-06-2008.

Paulo não é propriedade exclusiva dos teólogos. Está a demonstrá-lo o renovado interesse de numerosos filósofos pelos seus escritos. Nestes últimos anos, Paulo se tornou um importante interlocutor no debate sobre muitos questionamentos filosóficos: a questão da identidade, a relação com a história, a tensão entre o particular e o universal, o lugar da Lei, o enigma do surgimento do sujeito, o lugar do dom e da gratuidade… E não nos enganemos: são precisamente filósofos, e não teólogos disfarçados que interpelam aqui o apóstolo: Em Saint Paul. La fondation de l’universalisme (1), o filósofo francês Alain Badiou esclarece logo: “Paulo não é para mim um apóstolo ou um santo. Não me interessa a Boa Nova que ele anuncia ou o culto que lhe tem sido dedicado”.

Falta a especificação, pode começar o diálogo, “livremente”, “sem devoção nem repulsão”. E o pensamento de Paulo pode ser reconhecido em sua “contemporaneidade”. Badiou põe em seu confronto os seus questionamentos de hoje. Sua busca de uma “nova figura militante”, que possa superar os ângulos cegos do “universal abstrato do capital”, mas também o beco sem saída das oclusas identidades comunitárias, que são como o seu correlato, e são legitimadas pelo “relativismo cultural e histórico” contemporâneo. O filósofo convoca, então, Paulo para procurar deslindar o seu problema: “Quais são as condições para uma singularidade universal?”.

Ele encontra um eco ao seu questionamento no “gesto inaudito” de Paulo, consistindo em “subtrair a verdade à influência comunitária, quer se trate de um povo, de uma cidade, de um império, de um território ou de uma classe social”. Identifica em Paulo um modo de expressar o universal, em que o universal não é a simples negação da particularidade, mas “o avançar de uma distância com respeito à particularidade sempre subsistente”. Assim, já que toda particularidade é “um conformar-se”, um “conformismo”, trata-se de “sustentar uma não-conformidade com aquilo que sempre nos conforma”, no modo com que Paulo solicitava aos romanos: “Não vos conformeis com o século presente, mas sede transformados pela renovação do vosso pensamento” (Romanos 12, 2).

É também a questão do sujeito que atrai o filósofo italiano Giorgio Agamben em sua leitura da epístola aos Romanos (2), na qual o Apóstolo exorta: “Que aqueles que têm mulher façam como se não tivessem, e aqueles que choram como se não chorassem, e aqueles que se alegram como se não se alegrassem, e aqueles que compram como se não possuíssem, e aqueles que usam do mundo como se não usassem dele plenamente. Porque passa o cenário deste mundo…”.

Estudando a surpreendente estrutura deste texto – centrada na figura “como se não…” -, Agamben abre uma reflexão fecunda sobre a natureza da identidade aberta dos tempos messiânicos. O apelo messiânico, precisa Agamben, não tem nenhum conteúdo específico: não constitui uma identidade. É por isso que ele “pode ser aplicado a qualquer condição; mas, pela mesma razão, ele a revoga e a põe radicalmente em questão no próprio momento em que lhe é aplicado”. A reflexão de Agamben, a partir de Paulo, renova aqui profundamente a questão do sujeito, tornando impossível identificá-lo com suas propriedades e com suas pretensões identitárias.

É, ao invés, a questão da relação com a Lei que interessa ao psicanalista e filósofo esloveno Slavoz Zizek na leitura de são Paulo, que cruza com aquela de Lacan. Em La Marionette et le nain. Le christianisme entre perversion et subversion (3), Slavoj Zizek se interessa pelo paradoxo enunciado por Paulo, segundo o qual “a própria Lei faz nascer o desejo de violar a Lei”. Para Zizek, o gesto de Paulo, e o do cristianismo com ele, é de suspender a “face oculta, obscena, não escrita” da Lei, aquela que, enquanto enuncia a proibição, impele, por assim dizer, à sua transgressão. Com Paulo, o desafio cristão consiste em “desfazer o nó górdio”, “romper o círculo vicioso da Lei e de sua transgressão fundadora” (4).

(1) PUF, 119 p., 2007.
(2) Il tempo que resta. Um commento alla lettera ai Romani. Bollati Bloringhieri, 2000 (Le temps qui reste, Rivages poche, 287 p., 2004, 8,40 Euros).
(3) Seuil, 2006, 238 p.
(4) La fragilità dell’assoluto (ovvero perché vale la pena combattere per le nostre radici cristiane), Transeuropa (Massa), 2007(Fragile absolu. Pourquoi l’héritage chrétien vaut-il d’être défendu?, Flammarion, 2008, 238 p.)

Fonte: IHU – 04/07/2008

 

Des philosophes en dialogue avec une pensée stimulante

Depuis une dizaine d’années, les philosophes Alain Badiou, Giorgio Agamben et Slavoj Zizek ont confronté leurs interrogations aux écrits de Paul.

Paul n’est pas la propriété des seuls théologiens. L’intérêt renouvelé de nombreux philosophes pour ses écrits en témoigne. Ces dernières années, Paul est devenu un interlocuteur de choix pour débattre de nombreuses interrogations philosophiques : la question de l’identité, le rapport à l’histoire, la tension entre le particulier et l’universel, la place de la Loi, l’énigme du surgissement du sujet, la place du don et de la gratuité…

Qu’on ne se méprenne pas : ce sont bien des philosophes, et non des théologiens déguisés, qui interpellent ici l’apôtre. Dans Saint Paul. La fondation de l’universalisme (1), le philosophe français Alain Badiou précise d’emblée : « Paul n’est pas pour moi un apôtre ou un saint. Je n’ai que faire de la Nouvelle qu’il déclare, ou du culte qui lui fut voué. » Précision faite, le dialogue peut se déployer, « librement », « sans dévotion, ni répulsion ». Et la pensée de Paul peut être reconnue dans sa « contemporanéité ». Badiou y confronte ses interrogations présentes : sa recherche d’une « nouvelle figure militante », qui puisse traverser les impasses de l’« universel abstrait du capital », mais aussi le cul-de-sac des identités communautaires, fermées, qui en sont comme le pendant, et sont légitimées par le « relativisme culturel et historique » contemporain.

Le philosophe convoque alors Paul pour tenter de débroussailler sa question : « Quelles sont les conditions d’une singularité universelle ? » Il trouve un écho à son interrogation dans le « geste inouï » de Paul consistant à « soustraire la vérité à l’emprise communautaire, qu’il s’agisse d’un peuple, d’une cité, d’un empire, d’un territoire, ou d’une classe sociale ». Il identifie chez Paul une manière de parler l’universel, où l’universel n’est pas la simple négation de la particularité, mais « le cheminement d’une distance par rapport à la particularité toujours subsistante ». Ainsi, puisque toute particularité est « une conformation », un « conformisme », il s’agit de « soutenir une non-conformité à ce qui toujours nous conforme », à la manière dont Paul demandait aux Romains : « Ne vous conformez pas au présent siècle, mais soyez transformés par le renouvellement de votre pensée » (Romains 12, 2).

C’est aussi la question du sujet qui retient le philosophe italien Giorgio Agamben dans sa lecture de l’Épître aux Romains (2), où l’Apôtre exhorte : « Que ceux qui ont des femmes soient comme n’en ayant pas, et ceux qui pleurent comme non pleurants, et ceux qui ont de la joie comme n’en ayant pas, et ceux qui achètent comme non possédants, et ceux qui usent le monde, comme non abusants. Car elle passe la figure de ce monde… » Étudiant l’étonnante structure de ce texte, – centrée sur la figure « comme…, ne pas… » -, Agamben ouvre une réflexion féconde sur la nature de l’identité ouverte par les temps messianiques.

L’appel messianique, précise Agamben, n’a aucun contenu spécifique : il ne constitue pas une identité. C’est pourquoi il « peut s’appliquer à n’importe quelle condition ; mais, pour la même raison, il la révoque et la met radicalement en question au moment même où il s’y applique ». La réflexion d’Agamben à partir de Paul renouvelle ici profondément la question du sujet, en rendant impossible de l’identifier à ses propriétés et à ses prétentions identitaires.

C’est en revanche la question du rapport à la Loi qui intéresse le psychanalyste et philosophe slovène Slavoj Zizek dans une lecture de saint Paul, qu’il croise à celle de Lacan. Dans La Marionnette et le nain. Le christianisme entre perversion et subversion (3), Slavoj Zizek s’intéresse au paradoxe énoncé par Paul selon lequel « la Loi elle-même fait naître le désir de violer la Loi ». Pour Zizek, le geste de Paul, et celui du christianisme avec lui, est de suspendre la « face cachée, obscène, non écrite » de la Loi, celle qui, en même temps qu’elle énonce l’interdit, pousse pour ainsi dire à sa transgression. Avec Paul, le pari chrétien consiste alors à « trancher le nœud gordien », « rompre ce cercle vicieux de la Loi et de sa transgression fondatrice ». (4).

(1) PUF, 119 p., 2007, 10,50 €.(2) Le temps qui reste, Rivages poche, 287 p., 2004, 8,40 €.(3) Seuil, 2006, 238 p., 22 €.(4) Fragile absolu. Pourquoi l’héritage chrétien vaut-il d’être défendu ?, Flammarion, 2008, 238 p., 20 €.

Fonte: MAUROT Elodie – La Croix: 27/06/2008

Pistas para libertar Paulo

Recomendo a leitura do artigo do biblista José Bortolini, Libertar Paulo. Publicado na revista Vida Pastoral n. 260 – maio/junho de 2008 – toda dedicada ao Ano Paulino, o texto foi reproduzido pela Adital no dia 25 passado. Bortolini é Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma.


Diz Bortolini na Introdução, entre outras coisas:

“Pobre apóstolo Paulo, o que fizeram com você nestes dois mil anos!? Lá no começo, alguns cristãos não admitiam que você usasse o título de apóstolo (1Cor 9,2; 15,9) só porque você não conheceu pessoalmente a Jesus de Nazaré. Ficamos intrigados com muitas coisas a seu respeito (…) Com o passar dos tempos, você foi divorciado das comunidades, e passou a ser visto como um teólogo profissional que pensa e produz teologia a partir de coisas abstratas, sem contato com o chão e a vida do povo. O tempo rolou, e os cristãos brigaram, fizeram guerras e se mataram, em parte por causa da carta aos Romanos… Ultimamente você entrou de cheio na Liturgia da Palavra das Missas, onde se faz leitura contínua de suas cartas. Mas poucos são os que valorizam o que você deixou escrito. Agora foi instituído o Ano Paulino, um ano dedicado a você, dois mil anos de seu nascimento. Será que no fim de tudo você será mais conhecido e amado, como você amou o Senhor Jesus e as comunidades? Tomara que consigamos libertá-lo das algemas de nossos preconceitos, de modo que não tenha de arrastar a capa de chumbo que lhe impuseram nossas leituras descontextualizadas”.


Veja, em seguida, as pistas apontadas por Bortolini para libertar Paulo.



Vou contar ao leitor um segredo: lecionei Literatura Paulina durante os meus primeiros oito anos no CEARP, em Ribeirão Preto, SP. Depois transferi a disciplina para outro colega, e passei a trabalhar somente com Antigo Testamento/Bíblia Hebraica.


Mas me recordo bem: o estudo das cartas de Paulo é apaixonante. É uma espécie de febre que toma conta da gente…

Leia também:
Paulo de Tarso: a sua relevância atual –  IHU On-Line, ed. 286: 22.12.2008

Oxford vai discutir a questao sinotica em 2008

Mark Goodacre, que é da área, recebeu e postou em seu NT Gateway Weblog, a notícia da realização de importante conferência sobre a questão sinótica a ser realizada no Lincoln College da Universidade de Oxford, Reino Unido, de 7 a 10 de abril de 2008.

Veja Oxford Conference in the Synoptic Problem.

A Conferência quer marcar o centenário das conversações sobre a questão sinótica que levaram à publicação da obra Oxford Studies in the Synoptic Problem (ed. William Sanday; Oxford: Clarendon, 1911).

A proposta é traçar um panorama da pesquisa sobre a questão sinótica nos últimos cem anos e indicar os rumos que esta poderá tomar no futuro. Os resultados serão publicados por Peeters, de Leuven, Bélgica.

Veja a lista dos participantes no post de Mark Goodacre, que, por sinal, apresentará um trabalho na conferência, a quem agradeço pela notícia. É um assunto que pode interessar a vários colegas brasileiros que pesquisam e lecionam Novo Testamento.

What is the New Perspective on Paul?

Uma rápida e clara introdução à Nova Perspectiva nos posts de Scot McKnight, publicados em seu blog Jesus Creed de 6 a 10 de agosto de 2007.

:: New Perspective 1 – E. P. Sanders
:: New Perspective 2 – James Dunn
:: New Perspective 3 – N. T. Wright
:: New Perspective 4 – I wish now to state what we have to do when we start talking about the “New Perspective”…
:: New Perspective 5 – The crux of the fierce criticism of the New Perspective on Paul is what I will call an Augustinian anthropology

 

Leia Mais:
:: Further Reading on the New Perspective
:: N. T. Wright Page, unofficial website
:: Simon Gathercole on the New Perspective on Paul, post de Mark Goodacre em NT Gateway Weblog

Sobre a questão sinótica

Estive estudando hoje, com o Primeiro Ano de Teologia do CEARP, a Questão Sinótica – o “Synoptic Problem” do título. E, coincidentemente, Brandon Wason coloca em seu blog Novum Testamentum uma votação sobre a questão sinótica.

Visite, como recomenda Brandon, o Synoptic Problem Website, de Stephen C. Carlson. Neste site há um bom panorama das várias hipóteses da relação entre os evangelhos sinóticos.

Por que estamos estudando este assunto já no primeiro ano? Para exemplificar a aplicação da Crítica Literária – um dos aspectos do método histórico-crítico de leitura da Bíblia – ao Novo Testamento.

Para o Antigo Testamento o exemplo usado foi a formulação da teoria das fontes e/ou tradições do Pentateuco, desde seus inícios, passando pelo consenso wellhauseniano até a sua crise atual. Crise que foi deflagrada, em boa parte, pelo pioneirismo de Thomas L. Thompson, ao estudar os patriarcas, e pelos estudos fundamentais de John Van Seters, H. H. Schmid e Rolf Rendtorff. Veja aqui.

A Folia de Reis

Quando o bom Jesus nasceu
De toda a parte souberam
Aí para adorar o nascimento
Foi que os Reis Magos vieram.

 

Explica Carlos Rodrigues Brandão, em Sacerdotes de Viola, Petrópolis, Vozes, 1981, p. 36;40-41;50-51:

“A Folia de Reis é um espaço camponês simbolicamente estabelecido durante um período de tempo igualmente ritualizado, para efeitos de circulação de dádivas – bens eBRANDÃO, C. R. Sacerdotes de Viola. Petrópolis: Vozes, 1981, 274 p. serviços – entre um grupo precatório e moradores do território por onde ele circula (…)

Por debaixo das palavras universais da linguagem cristã, a Folia canta uma espécie de crônica da vida camponesa. Mais do que isso, a ‘cantoria’ conduz, passo a passo, as ações das pessoas, definindo quem são, o que estão fazendo e o que está acontecendo, por causa do que se faz (…)

Ao constituir o espaço simbólico da jornada dos Reis, a Folia transporta para dentro dele, com nomes e proclamações de bênçãos: as pessoas, os animais, os objetos e as trocas do próprio mundo camponês. Assim, os mesmos homens do trabalho agrário cotidiano aparecem por sete dias revestidos de cumplicidade com os mitos populares de uma história sagrada que todos conhecem por ali (…)

Tudo o que fazem é recontar, nos versos e no que eles comandam, a jornada da busca de um Deus nascido pobre, por Três Reis Magos (muito mais nomeados como ‘santos’ do que como ‘magos’ ou ‘sábios’), entre trocas de ofertas de dons e contradons (…)

Aí então (…) as palavras da cantoria proclamam a própria vida e a morte da gente do lugar”.

Leia o meu artigo sobre A visita dos Magos: Mt 2,1-12. Ouça Hino de Reis. Baixe o livro Sacerdotes de Viola clicando aqui.

Kloppenborg e a parábola dos meeiros da vinha

Kloppenborg, J. S. The Tenants in the Vineyard: Ideology, Economics, and Agrarian Conflict in Jewish Palestine. Tübingen: Mohr Siebeck, 2006, xxix + 651 p. ISBN 3-16-148908-X

Minha dissertação de Mestrado foi sobre uma parábola, a de Mt 25,1-13, a Parábola das Dez Virgens, sob orientação de Ugo Vanni. Desde a década de 90 nunca mais estudei as parábolas, por estar me dedicando somente à Bíblia Hebraica, e hoje nem sei qual é a orientação dominante dos estudos da área. Estudei muito, na época, na linha de Joachim Jeremias, e também tive a oportunidade de ser aluno de Jacques Dupont.

Agora, me deparo com o livro de John S. Kloppenborg, o grande especialista em Quelle, professor da Universidade de Toronto, Canadá, que escreveu, neste ano um livro de 651 páginas sobre a Parábola dos Vinhateiros, em Mc 12,1-12 e Evangelho de Tomé 65.

O título do livro é: Os Meeiros da Vinha: ideologia, economia e conflito agrário na Palestina judaica.

O autor diz que o conflito que a parábola descreve não era incomum na época, e ele a situa de maneira sólida no contexto das práticas da viticultura antiga. Mas o mais interessante é que Kloppenborg mostra que esta parábola, que foi contada por Jesus contra a elite dominante da época, acabou sendo lida, pela exegese e pela pregação, como sustentação do status quo.

Veja a descrição do livro na página da editora Mohr Siebeck:

John S. Kloppenborg gives a detailed analysis of one of the most difficult of Jesus’ parables, the parable of the Tenants (Mark 12:1-12; Gospel of Thomas 65). He examines the ways in which Christians have typically read and mis-read the parable, and places the parable firmly in the context of the practices of ancient viticulture. The author models a new approach to the interpretation of the parables of Jesus. First, he critically engages the history of interpretation of the text, inquiring into the ideological interests that the parable has engaged during the history of its use in Christian churches and in political discourse. Second, he reconstructs the social world in which the parable was first told, in particular the economic, social, and legal aspects of ancient viticulture. He demonstrates that the parable of the Tenants has mostly been interpreted from the standpoint of those who wield social and political power, a strange irony considering the social status of the Jesus of history and the literary uses of the parable. All of the features common to the parable as it is told by Mark and the Gospel of Thomas make it a perfectly realistic story. It is only Mark’s editing of the story that takes it beyond the realistic idiom characteristic of Jesus’ other parables. The book concludes with a dossier of 58 papyrus documents relating to various aspects of viticulture and agrarian conflict.

Quem é John S. Kloppenborg?

Born 1951; M.A. and Ph.D. at the University of St. Michael’s College; Professor and Associate Chair of the Department for the Study of Religion, University of Toronto, Canada. John S. Kloppenborg is a specialist in Christian origins and second Temple Judaism, in particular the Jesus tradition (the canonical and non canonical gospels), and the social world of the early Jesus movement in Jewish Palestine and in the cities of the eastern Empire. He was written extensively on the Synoptic Sayings Gospel (Q) and the Synoptic Problem, and is currently writing on the parables of Jesus, the letter of James, and cultic, professional, and ethnic associations in the Graeco-Roman world. He has taught and conducted research in Toronto, Windsor, Jerusalem, Cambridge, UK, Calgary, Helsinki, and Claremont, Calif. Is one of the general editors of the International Q Project.

Nascimento de Jesus e visita dos Magos

Está na hora de se ler A Visita dos Magos: Mt 2,1-12, texto que escrevi na Ayrton’s Biblical Page em 2002.

Entre os temas tratados, com indicação de ampla bibliografia, estão:. O método de leitura a ser usado
. O sentido de Mt 1-2
. Herodes Magno
. A data do nascimento de Jesus
. Jesus nasceu em Belém ou em Nazaré?
. Quem são os Magos e que papel exercem em Mateus?
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