Centro para o estudo dos manuscritos do Novo Testamento

O Center for the Study of New Testament Manuscripts (Centro para o Estudo dos Manuscritos do Novo Testamento) traz reproduções digitalizadas dos manuscritos do Novo Testamento que foram preservados, além de oferecer uma série de recursos para a crítica textual do Novo Testamento.

Nestes dias o site colocou online um facsimile do Codex Alexandrino, como explica Chris Weimer, no seu blog Thoughts on Antiquity (um códex, ou códice, é um manuscrito em pergaminho cujas folhas são enfeixadas em forma de livro).

Não existe mais nenhum texto original dos livros do Novo Testamento (e nem do AT). Possuímos, na verdade, milhares de manuscritos gregos, versões antigas em outras línguas e citações feitas pelos Padres da Igreja.

Os manuscritos gregos eram escritos em papiro (predominaram até o início do século IV) ou pergaminho (o mais usado, do século IV ao século XIII). O pergaminho já escrito podia, e era, muitas vezes, raspado e reescrito. Hoje, com modernas técnicas, mesmo a escrita raspada pode ser lida. Tal tipo de pergaminho chama-se palimpsesto.

Os manuscritos gregos eram escritos com letras maiúsculas ou unciais (1 uncia = talvez 1 polegada, indicação da medida da letra, mas o significado original da palavra é incerto) ou letras minúsculas (estes, mais recentes, começaram a aparecer no século IX).

Os lecionários eram compilações dos textos gregos feitas para uso das comunidades. Mesmo retalhados em pequenos textos, contêm eles a maior parte do NT.

São atualmente [em 2023] conhecidos quase seis mil manuscritos gregos do NT, assim divididos:

128 papiros – designados por um P e um número: P1, P2, P45 etc
322 pergaminhos maiúsculos – representados por letras maiúsculas latinas, gregas e hebraicas
2.925 pergaminhos minúsculos – indicados por algarismos: 1, 2, 25 etc
2.460 lecionários – designados por um l minúsculo e um número: l1, l2 etc

Naturalmente estes manuscritos quase nunca contêm todo o NT. Em número maior aparecem cópias dos evangelhos, seguidos pelas cartas de Paulo. E o Apocalipse é o mais desconsiderado.

O mais antigo fragmento do NT é o P52, conhecido como Papiro Ryland, que se encontra em Manchester, Inglaterra. Contém Jo 18,31-33.37-38. Uns poucos versículos, como se vê. Sua data: início do século II.

Entre os mais importantes pergaminhos maiúsculos, temos:

O Vaticano porque desde o século XV está na Biblioteca Vaticana. Contém, além do AT quase todo, a maior parte do NT. É do princípio do séc. IV, vem provavelmente do Egito, é um dos melhores textos do NT e o mais antigo dos grandes manuscritos bíblicos.

O Sinaítico, encontrado no Mosteiro de Santa Catarina, no Sinai, está hoje, na sua maior parte, na British Library de Londres, enquanto partes menores estão em outros três lugares. Data da metade do século IV, é originário do Egito ou da Palestina. Contém todo o NT.

O Alexandrino, do século V, Egito, ficou do século XIV até 1627 na biblioteca do Patriarca de Alexandria e agora está no British Museum. Contém o NT todo, com lacunas.

O Ephraemi Rescriptus, do século V, é um palimpsesto apagado no século XII. Contém 5/8 do NT e está hoje na Biblioteca Nacional de Paris.

Teocracia americana: uma dura crítica ao governo Bush

PHILLIPS, K. American Theocracy: The Peril and Politics of Radical Religion, Oil, and Borrowed Money in the 21st Century. New York: Penguin Group, Reprint edition, 2007, 464 p. – ISBN 9780143038283.

Kevin Phillips, conhecido analista político dos Estados Unidos, faz neste livro uma análise extremamente crítica da coalizão política, liderada pela religião radical, que estáPHILLIPS, K. American Theocracy: The Peril and Politics of Radical Religion, Oil, and Borrowed Money in the 21st Century. New York: Penguin Group, Reprint edition 2007 levando o país à beira do desastre. Da Roma Antiga ao Império Britânico, Phillips demonstra que todas as potências que dominaram o mundo foram derrubadas por um conjunto relacionado de causas: uma combinação letal de alcance global, religião militante, problemas de recursos e dívida crescente. É esse mesmo eixo de males que veio a definir a identidade política e econômica dos Estados Unidos na última década. Erros de cálculo militares no Oriente Médio, o surgimento da religião fundamentalista, a dívida nacional impressionante, os custos da dependência do petróleo dos EUA – todos esses fatores estão minando a segurança, a solvência e a posição desta nação no mundo. Se não forem controladas, as mesmas forças colocarão de joelhos uma América cheia de dívidas, pregadora e faminta de energia. De olho no passado e com uma visão marcante do futuro, Phillips escreveu um livro que nenhum americano pode ignorar.

In his two most recent bestselling books, American Dynasty and Wealth and Democracy, Kevin Phillips established himself as a powerful critic of the political and economic forces that rule–and imperil–the United States, tracing the ever more alarming path of the emerging Republican majority’s rise to power. Now Phillips takes an uncompromising view of the current age of global overreach, fundamentalist religion, diminishing resources, and ballooning debt under the GOP majority. With an eye to the past and a searing vision of the future, Phillips confirms what too many Americans are still unwilling to admit about the depth of our misgovernment.

 

Clear and Present Dangers – By Alan Brinkley – The New York Times – March 19, 2006

Four decades ago, Kevin Phillips, a young political strategist for the Republican Party, began work on what became a remarkable book. In writing “The Emerging Republican Majority” (published in 1969), he asked a very big question about American politics: How would the demographic and economic changes of postwar America shape the long-term future of the two major parties? His answer, startling at the time but now largely unquestioned, is that the movement of people and resources from the old Northern industrial states into the South and the West (an area he enduringly labeled the “Sun Belt”) would produce a new and more conservative Republican majority that would dominate American politics for decades. Phillips viewed the changes he predicted with optimism. A stronger Republican Party, he believed, would restore stability and order to a society experiencing disorienting and at times violent change. Shortly before publishing his book, he joined the Nixon administration to help advance the changes he had foreseen.

Phillips has remained a prolific and important political commentator in the decades since, but he long ago abandoned his enthusiasm for the Republican coalition he helped to build. His latest book (his 13th) looks broadly and historically at the political world the conservative coalition has painstakingly constructed over the last several decades. No longer does he see Republican government as a source of stability and order. Instead, he presents a nightmarish vision of ideological extremism, catastrophic fiscal irresponsibility, rampant greed and dangerous shortsightedness. (His final chapter is entitled “The Erring Republican Majority.”) In an era of best-selling jeremiads on both sides of the political divide, “American Theocracy” may be the most alarming analysis of where we are and where we may be going to have appeared in many years. It is not without polemic, but unlike many of the more glib and strident political commentaries of recent years, it is extensively researched and for the most part frighteningly persuasive.

Although Phillips is scathingly critical of what he considers the dangerous policies of the Bush administration, he does not spend much time examining the ideas and behavior of the president and his advisers. Instead, he identifies three broad and related trends — none of them new to the Bush years but all of them, he believes, exacerbated by this administration’s policies — that together threaten the future of the United States and the world. One is the role of oil in defining and, as Phillips sees it, distorting American foreign and domestic policy. The second is the ominous intrusion of radical Christianity into politics and government. And the third is the astonishing levels of debt — current and prospective — that both the government and the American people have been heedlessly accumulating. If there is a single, if implicit, theme running through the three linked essays that form this book, it is the failure of leaders to look beyond their own and the country’s immediate ambitions and desires so as to plan prudently for a darkening future.

The American press in the first days of the Iraq war reported extensively on the Pentagon’s failure to post American troops in front of the National Museum in Baghdad, which, as a result, was looted of many of its great archaeological treasures. Less widely reported, but to Phillips far more meaningful, was the immediate posting of troops around the Iraqi Oil Ministry, which held the maps and charts that were the key to effective oil production. Phillips fully supports an explanation of the Iraq war that the Bush administration dismisses as conspiracy theory — that its principal purpose was to secure vast oil reserves that would enable the United States to control production and to lower prices. (“Think of Iraq as a military base with a very large oil reserve underneath,” an oil analyst said a couple of years ago. “You can’t ask for better than that.”) Terrorism, weapons of mass destruction, tyranny, democracy and other public rationales were, Phillips says, simply ruses to disguise the real motivation for the invasion.

And while this argument may be somewhat too simplistic to explain the complicated mix of motives behind the war, it is hard to dismiss Phillips’s larger argument: that the pursuit of oil has for at least 30 years been one of the defining elements of American policy in the world; and that the Bush administration — unusually dominated by oilmen — has taken what the president deplored recently as the nation’s addiction to oil to new and terrifying levels. The United States has embraced a kind of “petro-imperialism,” Phillips writes, “the key aspect of which is the U.S. military’s transformation into a global oil-protection force,” and which “puts up a democratic facade, emphasizes freedom of the seas (or pipeline routes) and seeks to secure, protect, drill and ship oil, not administer everyday affairs.”

Phillips is especially passionate in his discussion of the second great force that he sees shaping contemporary American life — radical Christianity and its growing intrusion into government and politics. The political rise of evangelical Christian groups is hardly a secret to most Americans after the 2004 election, but Phillips brings together an enormous range of information from scholars and journalists and presents a remarkably comprehensive and chilling picture of the goals and achievements of the religious right.

He points in particular to the Southern Baptist Convention, once a scorned seceding minority of the American Baptist Church but now so large that it dominates not just Baptism itself but American Protestantism generally. The Southern Baptist Convention does not speak with one voice, but almost all of its voices, Phillips argues, are to one degree or another highly conservative. On the far right is a still obscure but, Phillips says, rapidly growing group of “Christian Reconstructionists” who believe in a “Taliban-like” reversal of women’s rights, who describe the separation of church and state as a “myth” and who call openly for a theocratic government shaped by Christian doctrine. A much larger group of Protestants, perhaps as many as a third of the population, claims to believe in the supposed biblical prophecies of an imminent “rapture” — the return of Jesus to the world and the elevation of believers to heaven.

Alan Brinkley (June 2, 1949 – June 16, 2019)Prophetic Christians, Phillips writes, often shape their view of politics and the world around signs that charlatan biblical scholars have identified as predictors of the apocalypse — among them a war in Iraq, the Jewish settlement of the whole of biblical Israel, even the rise of terrorism. He convincingly demonstrates that the Bush administration has calculatedly reached out to such believers and encouraged them to see the president’s policies as a response to premillennialist thought. He also suggests that the president and other members of his administration may actually believe these things themselves, that religious belief is the basis of policy, not just a tactic for selling it to the public. Phillips’s evidence for this disturbing claim is significant, but not conclusive.

The third great impending crisis that Phillips identifies is also, perhaps, the best known — the astonishing rise of debt as the precarious underpinning of the American economy. He is not, of course, the only observer who has noted the dangers of indebtedness. The New York Times columnist Paul Krugman, for example, frequently writes about the looming catastrophe. So do many more-conservative economists, who point especially to future debt — particularly the enormous obligation, which Phillips estimates at between $30 trillion and $40 trillion, that Social Security and health care demands will create in the coming decades. The most familiar debt is that of the United States government, fueled by soaring federal budget deficits that have continued (with a brief pause in the late 1990’s) for more than two decades. But the national debt — currently over $8 trillion — is only the tip of the iceberg. There has also been an explosion of corporate debt, state and local bonded debt, international debt through huge trade imbalances, and consumer debt (mostly in the form of credit-card balances and aggressively marketed home-mortgage packages). Taken together, this present and future debt may exceed $70 trillion.

The creation of a national-debt culture, Phillips argues, although exacerbated by the policies of the Bush administration, has been the work of many people over many decades — among them Alan Greenspan, who, he acidly notes, blithely and irresponsibly ignored the rising debt to avoid pricking the stock-market bubble it helped produce. It is most of all a product of the “financialization” of the American economy — the turn away from manufacturing and toward an economy based on moving and managing money, a trend encouraged, Phillips argues persuasively, by the preoccupation with oil and (somewhat less persuasively) with evangelical belief in the imminent rapture, which makes planning for the future unnecessary.

There is little in “American Theocracy” that is wholly original to Phillips, as he frankly admits by his frequent reference to the work of other writers and scholars. What makes this book powerful in spite of the familiarity of many of its arguments is his rare gift for looking broadly and structurally at social and political change. By describing a series of major transformations, by demonstrating the relationships among them and by discussing them with passionate restraint, Phillips has created a harrowing picture of national danger that no American reader will welcome, but that none should ignore.

Alan Brinkley (June 2, 1949 – June 16, 2019) was an American political historian who taught for over 20 years at Columbia University. He was the Allan Nevins Professor of History until his death.

O terceiro aniversário da invasão do Iraque

Bush diz que violência no Iraque não acabará tão cedo

Três anos depois da invasão do Iraque e com mais de 2.300 mortos desde então, o desapontamento toma conta dos americanos, mas o presidente George W. Bush, cujo legado está em jogo no país árabe, mantém sua política e garante que não voltará atrás.

“Estes últimos três anos testaram nossa determinação. Vimos dias duros e passos para atrás”, admitiu o presidente, que declarou que seu Governo “está consertando o que não funcionou”.

“Terminaremos a missão. Vencendo os terroristas no Iraque, traremos mais segurança para o nosso país”, disse Bush em seu programa semanal de rádio.

As declarações do presidente acontecem dois dias depois que as tropas americanas lançassem o maior ataque aéreo desde o começo da invasão no Iraque, na chamada “Operação Enxame”, em que mais de 60 pessoas foram detidas.

Cenário devastado

O terceiro aniversário do conflito encontra Bush em condições muito diferentes daquela noite do dia 19 (madrugada de 20 no país árabe) de março de 2003, quando deu a ordem de começar a invasão no Iraque com o argumento que o regime de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, que nunca seriam encontradas.

Se então 69% dos americanos apoiavam o presidente e a guerra, hoje as pesquisas apontam que a popularidade de Bush está no menor nível de seus cinco anos de mandato: entre 36 e 37%.

Atualmente, 57% dos americanos consideram a invasão um erro, contra os 23% que tinham essa opinião em março de 2003.

As mesmas pesquisas também indicam que o andamento do conflito, em que os EUA ainda mantêm mais de 130.000 soldados, é a principal preocupação dos americanos, superando qualquer outro aspecto da política da atual Administração.

Dois terços dos americanos acham que a história lembrará Bush pelo conflito no país árabe e as consequências a longo prazo que este venha a ter, segundo pesquisa elaborada esta semana pelo instituto Gallup.

A fraqueza do presidente relacionada ao Iraque o debilitou muito para enfrentar outros problemas.

A situação ficou clara na semana passada, quando a oposição no Congresso levou ao fracasso de um acordo, apoiado pessoalmente por Bush, para que uma empresa árabe administrasse seis portos americanos.

Numerosos legisladores republicanos se opunham a essa iniciativa, algo que teria sido insólito há apenas um ano, quando o presidente acabava de ser reeleito para um segundo mandato.

Agora, o presidente enfrenta uma moção de censura dentro do Senado, iniciativa do senador democrata Russ Feingold que tem um único precedente, em 1834, contra Andrew Jackson. Apesar de ter caráter meramente formal, a moção requer a realização de uma votação no plenário da câmara.

Bush também teve que abrir mão de uma série de iniciativas internas promovidas com estardalhaço, como a reforma do sistema previdenciário, e optar por objetivos muito mais modestos, como mudanças na assistência médica aos idosos.

Segundo declarou ao jornal “USA Today” o analista político Steven Schier, autor do livro “High Risk and Big Ambition: The Presidency of George W. Bush”, a Casa Branca “esperava no segundo mandato se dedicar a outra série de coisas, como a reforma da Previdência Social, mas tudo isso ficou de lado por causa do Iraque”.

Um dos principais assessores das campanhas eleitorais de Bush, Mark McKinnon, afirmou que “a guerra está sendo o motor de praticamente tudo neste Governo”.

Diante da situação, o presidente se viu obrigado, pela segunda vez em quatro meses, a iniciar uma campanha de discursos em defesa da guerra.

A primeira, em novembro, levou a uma alta nos índices de popularidade de Bush em um momento em que o presidente enfrentava uma difícil situação devido não apenas à guerra, mas também ao impacto do furacão Katrina e à apresentação de acusações formais de perjúrio contra um alto funcionário da Casa Branca, entre outras questões.

Em sua nova campanha, apresentada na segunda-feira passada, Bush assegurou, como tem feito até agora, que os EUA se manterão no Iraque o tempo que for necessário.

Mas também reconheceu que o país árabe atravessa momentos muito delicados, especialmente com a violência confessional que explodiu após o atentado contra a Mesquita Dourada de Samarra, um dos principais santuários xiitas.

“Gostaria de poder dizer que a violência está diminuindo e que o caminho pela frente será um mar de rosas. Não será”, disse o presidente ao pedir paciência aos americanos.

A mensagem é muito diferente da transmitida pela faixa com a frase “Missão cumprida” que aparecia atrás do presidente americano quando este deu por encerradas, no começo de maio de 2003, as principais operações militares no Iraque.

Fonte: Folha Online – 18/03/2006

 

Europa e Ásia protestam contra invasão no Iraque

Uma série de protestos contra os três anos da invasão dos Estados Unidos no Iraque, que serão completados amanhã, aconteceram neste sábado. Além da Europa, ocorreram manifestações na Austrália, no Japão e na Turquia.

Em Sidney, na Austrália, 500 pessoas protestaram nas ruas da cidade com placas com frases como “Parem a guerra agora” e “Tropas fora do Iraque”. Alguns traziam fotografias do presidente norte-americano George W. Bush, afirmando que ele era o maior terrorista do momento.

Em Londres, na Inglaterra, os protestos aconteceram próximo à sede do Parlamento e do Big Ben. Placas brancas cobertas com tinta vermelha simbolizavam o sangue derramado pelas vítimas da guerra acompanhavam os manifestantes. Segundo estimativa da polícia inglesa, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas da cidade para protestar.

Em Tóquio, no Japão, cerca de 2 mil pessoas também passaram a manhã nas ruas. O mesmo aconteceu nas principais ruas de Istambul, na Turquia, na Suíça, na Espanha, na Grécia, entre outros locais.

Fonte: Folha Online – 18/03/2006

 

Iraquianos vivem com medo e insatisfeitos

Três anos após a invasão que acabou com a ditadura de Saddam Hussein, a incerteza e o temor caracterizam a vida cotidiana dos iraquianos, marcada pela insegurança e pela falta de serviços básicos.

Apesar de terem à disposição agora muitos jornais para ler e mais redes de TV para assistir do que antes, os iraquianos lembram com frustração as promessas feitas pelos “libertadores” de tornar o país um modelo de democracia e prosperidade para o resto das nações árabes do Oriente Médio.

As explosões, o barulho das ambulâncias, dos aviões militares e dos tanques são ouvidos diariamente em várias cidades do país, especialmente em Bagdá, onde a criminalidade e a violência política dispararam.

Nesta situação, as famílias pensam duas vezes todos os dias antes de mandarem seus filhos à escola, e as mulheres preferem fazer as compras necessárias por temer que seus maridos sejam assassinados se saírem às ruas.

“Esperávamos que os EUA nos trouxessem calma e prosperidade, mas três anos depois só vimos ataques e carências nos serviços públicos”, disse à Efe Nasser Hassan, proprietário de uma loja de venda de roupa.

Ele se queixa de que teve que contratar um funcionário para trabalhar em sua loja, evitando saídas diárias de casa.

Mais de 30 mil iraquianos, tanto civis como militares, morreram desde 20 de março de 2003 nos atentados que sacodem o país quase diariamente.

São frequentes os anúncios pagos nos jornais sob o título de “Desaparecido”, com a foto de um ser querido supostamente sequestrado ou assassinado, e as aglomerações em frente aos depósitos de corpos e dos hospitais para procurar um parente que “saiu e não voltou”.

Sara, uma viúva de aproximadamente 30 anos e mãe de três filhos, diz que seu marido foi assassinado, supostamente, por um grupo xiita, quando saía de uma mesquita sunita na capital, e que sua família a obrigou a sair de casa para morar na de seu pai devido ao medo de ataques.

Abdelrasul Ali, um mecânico xiita de 37 anos, lamenta a perda de dois membros de sua família durante o regime de Saddam “só por serem xiitas”, e agora sente que, pela mesma razão, está “no ponto de mira dos terroristas, com seus carros-bomba e suas operações suicidas”.

Quem mais teme ser assassinado são os funcionários do novo Governo, os cientistas e os acadêmicos. Segundo Issam al-Rawi, presidente da Liga de Professores Universitários, pelo menos 185 acadêmicos morreram nos últimos três anos.

“O cidadão iraquiano vive em uma situação trágica e obscura. Eu, por exemplo, não trabalho porque sei de que se sair de casa talvez não volte”, disse Abdel Karim Maaruf, professor de Ciências da Universidade de Bagdá.

Uma postura parecida é a de Mazen Abd, formado em Economia e Ciências Políticas. “Estive a ponto de morrer duas vezes, uma na explosão de um carro-bomba há dois anos e outra este ano em um tiroteio quando estava esperando em um posto de gasolina de Bagdá”, lembra.

Os contínuos cortes de fornecimento água potável, eletricidade e gás de uso doméstico, e a falta de gasolina em um país que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo também dificultam a vida dos iraquianos.

“Minha família teve que voltar a usar os antigos fogões de querosene para cozinhar, depois de desaparecerem os bujões de gás doméstico”, diz Hussein Fadel, taxista que passa diariamente horas nas longas filas dos postos de gasolina de Bagdá.

Segundo Assem Jihad, porta-voz do Ministério do Petróleo, o Governo iraquiano teve que importar gasolina e gás para uso doméstico devido aos constantes ataques contra as instalações petrolíferas, repetidos também contras as unidades de tratamento de água e as centrais de energia elétrica.

Os cortes de luz na capital duram 11 horas todos os dias, enquanto os habitantes de outras cidades, especialmente na província rebelde de Al Anbar, vivem 16 horas diárias sem eletricidade.

Analistas do setor elétrico afirmam que a produção atual é de aproximadamente 4.000 megawatts, ou seja, 750 megawatts a menos do que o Iraque produzia até março de 2003.

Fonte: Folha Online – 18/03/2006

 

Milhares vão às ruas para exigir retirada de americanos do Iraque

Milhares de manifestantes saíram às ruas neste sábado em diversas cidades dos Estados Unidos, do Canadá e em São Paulo exigir a retirada das tropas americanas do Iraque, três anos depois do início da ocupação no país.

Em Nova York, o protesto reuniu mil pessoas nas imediações da Times Square, no centro da cidade. “A opinião pública está em peso do nosso lado. Cada dia que passa demonstra que a ocupação é a causa da violência no Iraque”, afirmou Dustin Langley, membro da “Troups Out Now” (Tirem as tropas já), um dos grupos que organizaram as manifestações, por ocasião dos três anos da invasão pela coalizão liderada pelos Estados Unidos no Iraque.

“Mas não são os políticos, qualquer que seja seu partido, quem vai acabar com a guerra, por isso temos que sair às ruas”, acrescentou Langley.

Os americanos também se manifestaram em Washington, São Francisco, Los Angeles e dezenas de cidades menores dos Estados Unidos.

Além disso, o grupo pacifista “United for Peace and Justice Coordinating” prometeu mais de 500 eventos nos 50 Estados do país.

Em seu programa semanal de rádio, neste sábado, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, reafirmou que o movimento rumo ao Iraque foi “a decisão certa”, mas prometeu superar a violência que causou a morte de 2.300 soldados americanos.

“Terminaremos a missão. Vencendo os terroristas no Iraque, traremos mais segurança para o nosso país”, disse Bush em seu programa semanal de rádio.

Recentes pesquisas mostraram que a popularidade do presidente está no seu menor nível, com cada vez mais americanos céticos em relação à sua gestão da guerra e à invasão para derrubar Saddam Hussein.

No Brasil, cerca de 2.000 pessoas participaram em São Paulo da jornada mundial de protestos contra a guerra do Iraque. A manifestação foi convocada pelos integrantes do Fórum Social Mundial.

Os participantes da marcha denunciaram a militarização dos conflitos e a presença de bases americanas na América Latina.

Brasília se opôs há três anos à intervenção liderada pelo governo do presidente George W. Bush para retirar Saddam Hussein do poder.

No Canadá, país vizinho aos Estados Unidos, centenas de pessoas também protestaram pelo fim da guerra no Iraque e pela retirada das tropas do país do Afeganistão.

Pelo menos 300 pessoas se reuniram no centro de Montreal sob o chamado da organização “Não à Guerra”.

O porta-voz da entidade, Raymond Legault, fez um discurso que condenou a ocupação americana no Iraque, pedindo a saída imediata das tropas canadenses do Afeganistão.

Em Toronto, a cidade mais importante do Canadá, outra manifestação reuniu 1 milhão de pessoas em frente ao consulado americano. Em Ottawa, centenas de manifestantes, principalmente estudantes, desfilaram nas ruas da Embaixada dos Estados Unidos e do Parlamento.

Fonte: Folha Online – 18/03/2006

Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – V

BOLLE, W. Grandesertão.br. São Paulo: Editora 34, 2004, 478 p.

E o “Urutú Branco”? Ah, não me fale. Ah, esse… tristonho levado, que foi – que era um pobre menino do destino…



Publicado em 1956, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, tem suscitado desde então um grande número de estudos e interpretações. O mais recente lançamento da Coleção Espírito Crítico – Grandesertão.br, de Willi Bolle – vem abrir uma perspectiva inteiramente nova nesse panorama. Partindo da idéia de que a obra-prima de Rosa ganha em complexidade quando lida como uma reescrita crítica de Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, o professor de literatura alemã da Universidade de São Paulo mapeia toda a rede de relações existentes entre o Grande Sertão e os principais ensaios de interpretação de nosso país; desde a obra matricial de Euclides até os estudos fundamentais de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Antonio Candido e Celso Furtado, entre outros. Em sua abordagem, aspectos centrais do romance – tais como a narração labiríntica e em forma de rede, o sistema da jagunçagem e, sobretudo, o pacto de Riobaldo com o Diabo (lido em chave materialista, que dispensa a interpretação metafísico-existencial) emergem sob luz nova. Para tanto, Bolle lança mão de diversas ferramentas que, além da ampla erudição, vêm se somar à crítica literária; entre elas, a filosofia política, as ciências sociais, a estética, a lingüística e até mesmo a geografia, já que o livro se faz acompanhar de vários mapas que situam para o leitor as andanças da personagem Riobaldo e o cenário da ação de Grande Sertão: Veredas (sinopse da editora).

Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – IV

BARBOSA, A. A epopeia brasileira ou: para ler Guimarães Rosa. Goiânia: Imery Publicações, 1981, 143 p.

Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira.

Esta anotação foi feita quando li o livro na década de 80: o livro de Alaor Barbosa é um guia mais ou menos didático para a leitura de Grande Sertão: Veredas. Obra de um apaixonado pela criação literária de Guimarães Rosa. Mas não é de grande fôlego… perde-se em ingênua louvação e, às vezes, despudorado deslumbramento!

Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – III

ARROYO, L. A cultura popular em Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984, 315 p.

 

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

Li, na década de 80, pela primeira vez, o estudo de Leonardo Arroyo (1918-1986). Desde então, tenho consultado, com frequência, esta obra, onde anotei, ao final da primeira leitura: Excelente! Verdadeira enciclopédia da cultura popular mineira do sertão. Se não fosse por mais razões, só o inventário dos provérbios riobaldianos nas p. 252-282 já valeria a leitura. Mas é o autor quem nos diz no primeiro parágrafo da Introdução, p. 4, o que pretende:

A intenção deste ensaio é colocar teses sobre o conteúdo e a origem de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, de filiação e raízes na cultura popular.

Arroyo é grande admirador das ideias de Giovanni Battista Vico (1668-1744) e Johann Gottfried Herder (1744-1803) sobre cultura e história. Por isso, vai nos dizer por exemplo, na p. 16, que

não se cometeria nenhuma heresia, possivelmente, ao se afirmar, como se faz aqui, que a cultura popular, na sua experiência milenar, representaria muito mais para o gênero humano do que a criação erudita, pelo menos na área vivencial e lúdica. Procuramos destacar essa importância, as mais das vezes não reconhecida em virtude de preconceitos, interesses, vaidades e até mesmo de ignorância, através desta tentativa de inventário do tema e das formas da cultura popular em Grande Sertão: Veredas. A fonte de toda a sabedoria é o próprio homem do povo. Vico já reconhecia que a História se faz pela sabedoria vulgar do gênero humano ‘força coletiva, da qual as grandes figuras são símbolos apenas’.

E na p. 18 emenda:

Herder afirmava que ‘a arte de cada país só seria verdadeira quando refletisse a psique do seu povo, ou melhor, suas essências folclóricas’, conceito que poderia, com toda validade, extrapolar para categorias menos lúdicas, tais como a política e a economia de cada país. Com efeito, uma nação não é apenas a sua elite, mas é principalmente o seu povo, em torno do qual devem girar os interesses maiores da nacionalidade.

Assim é que entendemos porque a Introdução da obra tem por título A Megera Cartesiana… na qual, no segundo parágrafo, Arroyo nos diz que

seria longo enumerar a série de estudos inspirados na saga riobaldiana. Parece difícil a abordagem de Grande Sertão: Veredas em termos de objetividade crítica. Esta dificuldade seria decorrente das próprias formas da obra, dos valores múltiplos que a integram e definem como síntese de uma herança cultural de profundas ressonâncias. O romance é uma acumulação cultural, por isso se entendendo o resumo da experiência humana na sua frequência cósmica e na sua formação de camadas de mistérios e espantos do homem. Por isso, por exemplo, o cartesianismo peca por si mesmo e por sua própria natureza de racionalismo feroz no exame do livro, tais os elementos subjetivos, tradicionais, de folk, que dominam e enformam o texto.

Enfim, se no lema cartesiano podemos escrever ordem, clareza e forma, na criação literária de Guimarães Rosa podemos enxergar intuição, revelação e inspiração.