O texto hebraico do livro de Oseias é difícil

O texto hebraico do livro de Oseias é difícil, digo sempre aos estudantes de Literatura Profética. Basta ver a quantidade significativa de notas de rodapé que as traduções modernas da Bíblia precisam colocar. E isto é uma pena, já que dificulta a leitura e a compreensão do texto.

Especialmente porque considero Oseias e Jeremias como os profetas mais radicais de Israel. Em que sentido? Porque “quase” entenderam, apesar dos limites da linguagem teológica, que a raiz principal de todos os problemas que eles denunciam é a estrutura tributária dos dois estados israelitas governados por Samaria e Jerusalém.

No citado artigo, Brad E. Kelle fala das dificuldades do texto hebraico de Oseias e das explicações apresentadas pelos estudiosos do livro do profeta para tal fenômeno ao longo do século XX e primeira década do século XXI. Ele diz nas p. 317-321:

 

Hosea has garnered particular attention among text critics over the last century, largely because the Hebrew text of the book is exceedingly difficult and often obscure. Virtually every major commentary from the modern period contains some statement that the text of Hosea is second only to Job in the Hebrew Bible in the number of textual problems, literary idiosyncrasies, unintelligible passages, and generally having ‘many verses so badly preserved that the original sense can scarcely be determined with certainty’ (Neef 1999: 522; see Mays 1969: 5; Andersen and Freedman 1980: 66; Stuart 1987: 13). Such linguistic difficulties include ellipses, hapax legomena, and other constructions out of keeping with standard Hebrew grammar (e.g., see hapax legomena in 5.2, 13; 7.9; 8.6).

Throughout the first three-quarters of the twentieth century, Hosea scholarship commonly attributed the obscurities of the book’s language to textual corruption that had occurred in the transmission process, and thus proposed numerous emendations based on other available manuscripts and versions (…) The final quarter of the twentieth century witnessed a significant change in the assessment of the textual particularities of Hosea. In contrast to earlier scholars’ explanations involving the corruption of the text during transmission, the present consensus concludes that Hosea’s textual difficulties reflect a peculiar northern dialect of Hebrew, coming from Hosea’s origins in Israelite territory, and evidenced in a few other places in the Hebrew Bible (e.g., Mays 1969; Stuart 1987; Davies 1992; Macintosh 1997a).

(…)

Andersen and Freedman’s textual work (1980) seeks a third way between the corruption/emendation and northern dialect proposals, arguing for a linguistic method based on comparative ancient Near Eastern texts, and concluding that many of the so-called ‘problematic’ features of Hosea (unusual verb forms, archaic spellings, etc.) are legitimate grammatical and syntactical elements when viewed in their broader linguistic context.

(…)

More recently, Sherwood (2004) has drawn upon postmodernist literary theories to change common conceptions of the irregularities and complexities of the text of Hosea, including especially the hapax legomena, irregular structures, interrupted construct chains, and so on. She reads these features as a ‘disjointed rhythm’ that serves to destabilize the text’s images of God and people, and disorient the reader in ways that engender multiple readings. This perspective, she argues, invites one to explore Hosea’s linguistic particularities through the lens of the postmodern conception of the ‘back-broke sentence’ and the ways in which prophecy uses ‘lexically and sexually exhibitionistic terms’ to confront the reader (2004: 329).

 

No século XX Oseias chamou a atenção dos especialistas em crítica textual, em grande parte porque o texto hebraico do livro é extremamente difícil e muitas vezes obscuro. Praticamente todos os comentários importantes do período moderno contêm alguma afirmação de que o texto de Oseias perde apenas para Jó, na Bíblia Hebraica, quanto ao número de problemas textuais, idiossincrasias literárias e passagens ininteligíveis. E, geralmente, tendo muitos versículos tão mal preservados que o sentido original dificilmente pode ser determinado com certeza. Tais dificuldades linguísticas incluem elipses, hapax legomena e outras construções que vão além da gramática hebraica padrão.

Ao longo dos primeiros três quartos do século XX, os estudiosos de Oseias atribuíram as obscuridades da linguagem do livro à corrupção textual ocorrida no processo de transmissão e, assim, propuseram numerosas emendas baseadas em outros manuscritos e versões disponíveis (…) Contudo, o último quartel do século XX testemunhou uma mudança significativa na avaliação das particularidades textuais de Oseias. Em contraste com as explicações anteriores dos estudiosos envolvendo a corrupção do texto durante a transmissão, o consenso atual [2010] conclui que as dificuldades textuais de Oseias refletem um dialeto peculiar do hebraico do norte, por ser Oseias um profeta do reino de Samaria. Dialeto este que aparece em alguns outros textos da Bíblia Hebraica.

(…)

Entretanto, há autores que buscam uma terceira via entre a proposta de corrupção/emenda do texto e a proposta de um dialeto do norte, concluindo que muitas das Yvonne Sherwood, The Prostitute and the Prophet: Reading Hosea in the Late Twentieth Century. 2 ed. London: Bloomsbury T&T Clark, 2004.características “problemáticas” de Oseias, como formas verbais incomuns, ortografia arcaica etc, são elementos gramaticais e sintáticos legítimos quando vistos em seu contexto linguístico mais amplo, especialmente em comparação com outros textos do antigo Oriente Médio.

(…)

E há autores que recorrem a teorias literárias pós-modernas para explicar as dificuldades do texto de Oseias. Yvonne Sherwood, The Prostitute and the Prophet: Reading Hosea in the Late Twentieth Century. 2 ed. London: Bloomsbury T&T Clark, 2004, por exemplo, lê as irregularidades do texto como a elaboração proposital de um “ritmo desarticulado”, que serve para chacoalhar as imagens de Deus e do povo de Israel, presentes no texto, e desorientar os leitores para que possam fazer múltiplas leituras. Essa perspectiva nos convida a explorar as particularidades linguísticas de Oseias sob a ótica de uma linguagem de impacto que usa termos sexualmente chamativos para provocar o leitor.

Este artigo de Brad E. Kelle, assim como o anterior, pode ser acessado no site Academia.edu.

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