Brasil 2014: mais leituras sobre direita e golpismo

Há uma vontade de desestabilização estratégica em curso que está forçando os seus espaços de legitimação para além da institucionalidade democrática e constitucional e que não será paralisada ou isolada por procedimentos ou acordos, escreve Juarez Guimarães em 09/12/2014.

::  Na CartaCapital

Brasil: ressaca eleitoral ou polarização política? – Deutsche Welle – 06/12/2014
Faixas “Fora, Dilma” e “Fora, comunistas” em meio a gritos de “Somos coxinhas”. Assim, cerca de 500 manifestantes pediram o impeachment da presidente Dilma Rousseff no fim de semana passado, em São Paulo. As manifestações de grupos de direita e esquerda têm se intensificado no país desde as eleições presidenciais. Em novembro, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fez uma marcha na Avenida Paulista contra o ato de eleitores anti-PT descontentes com o resultado das urnas. Mesmo diante da divisão política expressada nas ruas, especialistas argumentam que o Brasil não vive uma polarização nos moldes de Estados Unidos e Venezuela. A divisão, afirmam, é apenas passageira (…) “O país vive, na verdade, uma ressaca política depois de uma eleição muito apertada. As pessoas estão usando a palavra ‘polarização’ de uma maneira bastante equivocada”, avalia Timothy Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford (…) Para Power, o descontentamento de uma pequena parte da população se concentra na escolha para presidente, por causa dos programas sociais criados pelos governos petistas desde 2002.

O PSDB vai se aproximar da extrema-direita? –  Renan Truffi –  27/11/2014
Para o cientista político Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o PSDB deixou de ser um partido de centro-esquerda e está, cada vez mais, à direita no espectro político. “O PSDB saiu do centro para a direita de cabeça. É um partido que se originou nas modernas classes médias, representada em Mario Covas e o Fernando Henrique daquela época, que era um professor de Sociologia antenado com as questões urbanas”, afirma. “Agora não. Virou um partido reacionário que flerta com essa extrema direita”, argumenta (…) Mas será que o caminho natural do PSDB é aglutinar essa nova classe ultraconservadora? “Tenho dúvidas que o PSDB vá abrigar essa extrema-direita, até pela reação que os seus membros começam a ter em relação a isso”, afirma Couto. “O que eu sinto, entretanto, é que há uma juventude tucana flertando com a extrema-direita, tendo posições realmente muito conservadores a ponto de cultuar ideólogos ultraconservadores como esse que eu falei”, conclui o cientista político Claudio Couto. “Acho que há motivos para alguém ficar com a pulga atrás da orelha com essa migração do PSDB para uma posição mais à direita”.

A democracia em risco – Marcos Coimbra – 24/11/2014
O ano de 2014 caminha para terminar de forma preocupante na política. Não era para ser assim. Há menos de um mês, realizamos uma eleição geral na qual a população escolheu o presidente da República, os governadores dos 26 estados e do Distrito Federal, um terço do Senado, a totalidade da Câmara dos Deputados e das Assembleias estaduais. Mesmo em democracias consolidadas, momentos como aquele, em que todos são convocados a participar diretamente das grandes escolhas de um país, são esporádicos e precisam ser respeitados e valorizados (…) Em quase tudo, o Brasil mostrou-se capaz de igualar ou superar as mais sólidas democracias na capacidade de fazer eleições legítimas. Menos no comportamento de parte das oposições à direita. Ao contrário do eleitorado e das instituições, reagiram de forma arcaica e atrasada aos resultados. Desde a hora em que ficou clara a derrota, insurgiram-se. Seu inconformismo em aceitar o simples fato de não contarem com o apoio da maioria da sociedade o levou a posições descabidas (…) Essa mistura canhestra de preconceitos, invencionices jurídicas e péssima aritmética seria apenas cômica se não fosse trágica. Se não tivesse o apoio da mídia hegemônica conservadora e se não tivesse contraparte na ação de segmentos autoritários espalhados na sociedade e incrustada em nichos da máquina pública, em especial no Judiciário e no Ministério Público. Mundo afora, existem e procuram impor-se correntes de opinião antidemocráticas e intolerantes. Neonazistas assombram a Europa, os Estados Unidos não conseguem se livrar dos supremacistas brancos, em muitos lugares o antissemitismo permanece vivo e perigoso. Lamentavelmente, o Brasil tem radicais de extrema-direita, a espalhar seus ódios e preconceitos. Um anticomunismo ridículo e a saudade da ditadura os identificam. Agora se acham no direito de questionar a eleição. O PSDB precisa refletir a respeito de quem pretende representar. Fazer o têm feito e falar o que têm falado algumas de suas lideranças apenas serve para açular os ultraconservadores.

Guilherme Boulos: “A elite brasileira é atrasadíssima e semeia o ódio” – Renan Truffi – 15/11/2014
À frente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos tem se firmado como uma nova liderança social no País. Nesta quinta-feira 13, Boulos foi responsável por uma passeata que reuniu pelo menos 10 mil pessoas, segundo a PM, na região central de São Paulo, durante três horas e sob forte chuva. A manifestação tinha o objetivo de “enfrentar a direita atrasada” e, ao mesmo tempo, deixar um recado para o governo da presidenta Dilma Rousseff (PT): se a próxima gestão petista não for voltada para reformas populares, como prometido nas urnas, o MTST não vai sair das ruas. “É preocupante que os primeiros sinais da presidenta [Dilma] não tenham sido esses [de que o governo será progressista]”, afirma. “Esse ato também tem o sentido de dar o recado que o povo vai lutar nas ruas pelo programa que foi eleito nas urnas”. Ao mesmo tempo, diz o líder do MTST, o ato foi um recado à direita conservadora. “[Há] um ranço de classe, de uma elite, de uma burguesia, que nunca aprendeu a conviver com o povo, uma elite que sequer admitiu a abolição da escravatura”, afirma Bouolos. “Então, para eles, falar de Bolsa Família é revolução socialista, falar de investimentos sociais é algo inaceitável”, diz. Segundo Boulos, o povo vai dar uma “resposta à altura, defendendo as reformas populares”. Leia a íntegra da entrevista, feita antes da manifestação.

:: No Brasil 24/7

PSDB radicaliza e se reinventa à direita – Breno Altman – 09/12/2014
Não são poucos aqueles que tratam de classificar como doidivanas o atual comportamento da oposição conservadora. O senador Aécio Neves e seus seguidores são vistos, por observadores de distintas origens, como se estivessem fora da casinha. A trupe pode ser acusada de representar os mais reacionários interesses políticos e de classe. Também resplandece o caráter antidemocrático e adverso à soberania popular de suas aleivosias. Mas não é um bando de loucos. Animados pela forte polarização da campanha eleitoral, oposicionistas de barricada estão rasgando fantasias e disputando a sociedade com um discurso sem maquiagem. Deram-se conta que parte importante do país, da qual brotam votos e apoios à coalizão política chefiada pelo PSDB, não deseja mais orbitar no campo de gravidade do centro político, cenário que se impôs desde a transição pactuada da ditadura para a democracia. Este setor quer ver suas aspirações, ideias, valores e emoções defendidos sem rapapés. Constitui-se de frações políticas e sociais que estão desembarcando da normalização implícita aos regimes democráticos liberais. Sua atitude passou a ter novos paradigmas, baseados em confrontação programática, ocupação de espaços públicos, tensão institucional e mobilização militante. Relevantes meios de comunicação funcionam como banda de música desta dança conservadora, além de fornecer bardos e menestréis para o minueto. São as vias de reinvenção da direita brasileira.

PML: a quem interessa a palavra impeachment? –  Paulo Moreira Leite – 09/12/2014
O jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, questiona o uso da palavra ‘impeachment’ no noticiário sobre as manobras da oposição, em sintonia com parcela do Judiciário e dos meios de comunicação, para tratar das dificuldades que cercam o segundo governo Dilma. “Em primeiro lugar, impeachment é uma forma democrática de um país declarar o impedimento de um presidente que, acusado gravemente numa investigação criminal, tornou-se incapaz de responder pelas responsabilidades de governar”, diz ele. “Não é isso o que assistimos no Brasil de hoje: temos uma oposição que faz ensaios para um golpe de Estado, mascarado pelo apoio de uma parcela do Judiciário e dos meios de comunicação, na esperança de dar ares de legalidade a uma infâmia.” O efeito do uso abusivo da expressão, diz ele, é o desgaste de Dilma. “Nesta circunstância, a palavra impeachment tem um único efeito: enfraquecer uma presidenta que se movimenta para dar novas bases ao segundo mandato”, afirma. “Num bolivarianismo ao contrário, a oposição tenta ir às massas na tentativa de construir uma base social para um jogo sujo. Encontra o vazio político, que é produto da  aprovação do governo, que permanece em patamares vergonhosamente altos para seus adversários. Enquanto gatos pingados carregam cartazes que pedem intervenção militar, 66% da população confirma seu apego a democracia”. Segundo PML, é preciso tratar as coisas como elas são. “O golpismo de 2014, que se inspira em 1964 e 1954, deve ser repudiado como aquilo que é: um ataque a democracia, que prefere entregar o país à treva em vez de respeitar a vontade da maioria.”

Se o golpe no TSE vingasse, todos perderiam – Eduardo Guimarães – 09/12/2014
Já que os fatos finalmente estão mostrando que jamais foi “alarmismo” denunciar (com muita antecedência) que a análise das contas de campanha de Dilma pela Justiça Eleitoral iriam produzir os devaneios golpistas que estão produzindo, pulemos a parte do “eu avisei” para a parte sobre “o que fazer”, que, no frigir dos ovos, é o que interessa a todos (…) Como se sabe, Lula já está se preparando para enfrentar um golpe no TSE que ainda há quem diga que é delírio (…) Suponhamos, agora, que, no TSE, os ministros João Otávio Noronha, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Dias Toffoli cumpram o script e, por maioria de quatro a três, rejeitem as contas de campanha de Dilma (…) Nesse momento, o PT estaria recorrendo ao STF contra a decisão do TSE (…) Com a hipotética derrota também no STF, Dilma perderia o mandato e novas eleições seriam convocadas. O país, nesse momento, estaria conflagrado e afundando economicamente. A radicalização de parte a parte racharia a sociedade, o eleitorado. Com Dilma impedida, Lula se candidataria, a menos que prevalecesse a sugestão do Reinaldo Azevedo e o PT fosse colocado na ilegalidade, em pleno século XXI. Como aí já é demais, pois seria a volta da ditadura militar, suponhamos que Lula não seria preso e o PT não seria posto na ilegalidade. Assim, com o país conflagrado, a economia afundando, Aécio Neves e Lula disputariam uma nova eleição. O mais provável é que Lula venceria, mas mesmo se perdesse e Aécio fosse eleito, ele receberia um país conflagrado e uma oposição tão feroz quanto a que está comandando. Será que vale a pena herdar um governo assim? Será que vale a pena atirar o país em tal buraco achando que não será cobrado pelo que os brasileiros vierem a passar? Só o que já se pode garantir é que, até lá – e até o país se recuperar disso tudo –, você, cidadão comum que odeia o PT, se não for ligado a políticos provavelmente estaria desempregado e com a vida virada de cabeça para baixo. E é possível garantir que a mídia e o PSDB não resolveriam os seus problemas pessoais só por você odiar o PT. A pergunta que fica, pois, é a seguinte: vale a pena correr tal risco só por marra da oposição e da mídia, só porque não querem aceitar uma derrota nas urnas e esperar a próxima eleição? Você tem certeza de que é isso o que quer? Vale a pena afundar um país só por birra? Você, que apoia essa aventura, tem certeza de que sabe o que está fazendo?

Lula organiza reação ao golpe contra Dilma – Tereza Cruvinel – 08/12/2014
Está em curso uma escalada política para sangrar a presidente Dilma, buscando condições para um eventual impeachment, desconstruir a imagem mítica do ex-presidente Lula, para inviabilizar sua eventual candidatura a presidente em 2018, e ferir de morte o PT.  Estão tentando realizar o que Jorge Bornhausen pregou em 2005, quando disse que era preciso “acabar com esta raça”, tem dito o ex-presidente aos mais próximos (…) Diante de todos os sinais de que a ofensiva de agora tem elementos mais corrosivos dos que os utilizados em 2005, Lula e o comando petista decidiram fazer em Brasília, na quarta-feira, um ato político de resposta, de denúncia e mobilização da militância para a conjuntura difícil que está se desenhando.

E se o Nassif tiver razão? – Miguel do Rosário – 08/12/2014
Há semanas que o blogueiro Luis Nassif, em geral um analista moderado e pacato, como convêm a um bom mineiro, tem martelado que a escolha de Gilmar Mendes para relatar as contas de campanha de Dilma Rousseff, não foi uma coincidência. Aliás, duas coincidências: Gilmar foi “sorteado” para relatar as contas da campanha de Dilma e também do PT. Reza a lenda que o raio da tempestade não cai jamais no mesmo lugar. Não foi o caso desta vez. O raio caiu três vezes no mesmo lugar. Gilmar foi sorteado para relatar as contas de Dilma. Gilmar foi sorteado para relatar as contas do PT. Gilmar foi sorteado para relatar a interpelação que o PT decidiu fazer contra Aécio Neves, quando este disse que perdeu as eleições para uma “organização criminosa”. Nassif especulou, com base na sua intuição mineira e quiçá em alguma informação mais sólida, que Toffoli entrou para o esquema da mídia e do golpe [Luis Nassif: Armado por Toffoli e Gilmar, já está em curso o golpe sem impeachment – 18/11/2014 e A ópera do impeachment perto do primeiro grand finale – 07/12/2014]. E por isso teria fraudado o processo de escolha do relator das contas de campanha da Dilma duas vezes: 1) ao não esperar a nomeação de um novo ministro do TSE, aproveitando-se da viagem da presidenta para fora do país; 2) manipulando o sorteio para escolher Gilmar Mendes. A teoria de conspiração de Nassif, apesar de irretocável, não fez muito sucesso. Eu mesmo não acreditei. Pois agora começo a acreditar.

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