Deus? Há dois: o dos oprimidos e o dos opressores

Diz o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Referência de militantes de esquerda em todo o mundo, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos veio ao Brasil para o lançamento de dois livros: Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos e Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento, o segundo em coautoria com a filósofa Marilena Chauí. Em entrevista que concedeu ao jornalista Ricardo Mendonça, da Folha de S. Paulo, publicada hoje, 26/10/2013, entre outras coisas, ele diz:

“Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos” é um título provocador. Sugere que o senhor acredita em Deus. E sugere que Deus poderia dar mais importância para os direitos humanos. É isso?
De fato, não. O título é provocador. Eu não me comprometo com a existência de Deus. Sou como Pascal [filósofo francês, 1623-1662]: diria que não temos meios racionais para poder afirmar com segurança se Deus existe ou não. O que podemos é fazer uma aposta: apostar se existe ou se não existe. Como sociólogo, o que penso é que há muita gente que aposta na existência de Deus e que organiza sua vida ao redor disso. Estamos num momento de fortes movimentos sociais em todo o mundo, com protestos, muita indignação, muita revolta. Alguns desses movimentos trazem no seu interior pessoas e grupos que seguem diferentes religiões. Ou que transformam a religião e a existência de Deus no motivo da ação ou num impulso para a ação. Portanto, eu tive curiosidade de analisar. Esse fenômeno é extremamente ambíguo.

Quando surgiu a curiosidade?
Eu já tinha notado desde o Fórum Social Mundial de 2001, onde vi que havia movimentos sociais e organizações de diferentes partes do mundo com vivências religiosas, como a Teologia da Libertação e outros. Tinham uma dinâmica de grupo onde o elemento religioso, espiritual, era forte. Havia movimentos indígenas, para quem o elemento da religiosidade é sempre forte. Essa dimensão do transcendente é que me fascinou, pois eu venho de uma cultura eurocêntrica, que há muito tempo tenho criticado, mas sou filho dela, por assim dizer. Essa cultura tinha resolvido o problema através do que chamamos de secularismo, que é expulsar a religião do espaço público.

(…)

O pensamento crítico da esquerda, de uma sociologia crítica, sempre foi muito renitente em analisar o fenômeno religioso. Pois qualquer análise que não seja simplesmente dizer que religião é o ópio do povo fica como suspeita. Minha experiência no Fórum Social Mundial fez-me crer que, se eu mantivesse essa atitude pouco complexa, eu deixaria fora da minha análise muita gente que genuinamente luta contra a desigualdade, a injustiça, a discriminação, a opressão. Não é gente alienada. É gente que realmente luta por um mundo melhor e que, no entanto, tem uma referência religiosa. Eu não posso considerar que isso é alienante. Então escrevi esse livro também para fazer as contas comigo mesmo.

Qual é a sua conclusão?
Termino dizendo que não há um Deus. Há dois: o Deus dos oprimidos e o Deus dos opressores. Enquanto a sociedade for dividida e houver tanta desigualdade social, penso que o Deus que estiver do lado dos oprimidos não se reconhece num Deus que esteja do lado dos opressores.

Recomendo a leitura da entrevista. E observo, para terminar, que cada um vê o que quer. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães, já dizia Guimarães Rosa no Grande Sertão: Veredas.

Compare o título da Folha, que ataca Dilma [‘Dilma tem grande insensibilidade social’, diz guru da esquerda], com o título do Brasil 24/7, que ataca Marina [Boaventura: “Marina é uma cara nova para a direita”].

:: Sobre os livros

Boaventura de Sousa Santos, Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez Editora, 2013, 168 p. – ISBN 9788524920622.

Sinopse da editora:
Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos, Ele ou Ela estaria em busca de uma concepção contra-hegemônica dos direitos humanos e de uma prática coerente com ela. Nesta obra, o autor centra-se nas dificuldades e contradições enfrentadas pelos direitos humanos quando confrontados com movimentos que reivindicam presença da religião na esfera pública. Propõe uma aliança entre as diferentes teologias da libertação existentes em diferentes religiões e concepções contra-hegemônicas de direitos humanos.

Boaventura de Sousa Santos e Marilena Chauí, Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez Editora, 2013, 136 p.  – ISBN 9788524921377.

Sinopse da editora:
Este livro teve origem na concessão do grau de Doutor Honoris Causa ao Professor Boaventura de Sousa Santos pela Universidade de Brasília em 29 de outubro de 2012. A saudação, que ficou a cargo da Professora Marilena Chauí, salienta que “a obra inovadora de Boaventura de Sousa Santos abre perspectivas e horizontes inéditos para a compreensão de nosso presente. Num mundo atualmente pobre em pensamento, acomodado na razão indolente, é preciso fazer valer o trabalho criador do pensamento”. O texto de Boaventura de Sousa Santos é a versão revista e muito ampliada da sua palestra de aceitação do grau. Nele são analisados os dilemas com que hoje se enfrentam os direitos humanos na sua relação com a democracia e as políticas de desenvolvimento que constituem a pauta dominante do mundo em que vivemos. O livro conta ainda com o Prefácio do Professor José Geraldo Sousa Junior, ao tempo Reitor da Universidade de Brasília (2008-2012), que presidiu a cerimônia de outorga do título.

Boaventura de Sousa Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale (USA), Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal), Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison (USA) e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick (Reino Unido). É igualmente Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

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