O fim do fim do mundo

Lamento comunicar aos interessados que foi decretado o fim do fim do mundo.

Éschaton, em grego, significa “último”, éschata “as últimas coisas”. O termo hebraico correspondente é aharît: “fim”, “conclusão”, “resultado”, “desfecho”.

Éschaton como “fim do tempo do mundo”, “destruição total do mundo” é um conceito que a Bíblia Hebraica (= AT) ignora. É que para o pensamento hebraico, mesmo um acontecimento intra-histórico tem o valor de definitivo, é aharît. A escatologia é, na Bíblia Hebraica, a transformação do mundo e da história, atingindo um “novo estado de coisas”, sem um encerramento definitivo das coisas. A escatologia está, assim, ligada à história.

Para o pensamento apocalíptico desenvolvido em Israel  a partir do século II a.C., a história não é uma série de acontecimentos isolados, mas um todo unificado, um processo contínuo do começo ao fim do mundo. Seu tempo é mítico: início e fim (do mundo) encontram-se em um lugar teórico – mítico -, onde tudo começa enquanto tudo termina. O mundo está sempre nascendo como novo. A morte deste mundo, para o surgimento de um mundo novo, assegura a existência do mundo. A oposição, ou melhor, a continuidade entre “este mundo” e o “mundo que virá”, a passagem de um mundo para o outro é típico da apocalíptica.

Chega? Talvez mais coisas possam ser lidas.

O verbo grego kalýpto significa “cobrir”, “esconder”, “ocultar”, “velar”. Neste sentido ele é usado, por exemplo, em Lc 23,30 ou 2Cor 4,3. Aqui, Paulo diz: “Por conseguinte, se o nosso evangelho permanece velado (kekalymménon) está velado (kekalymménon) para aqueles que se perdem…”.

Na LXX (= Setenta ou Septuaginta) – tradução grega da Bíblia Hebraica feita a partir do século III a.C. – kalýpto é usado no mesmo sentido em Ex 24,15;27,2; Nm 9,15; 1Rs 19,13 e em muitos outros lugares. Ex 24,14 diz: “Depois, Moisés e Josué subiram à montanha. A nuvem cobriu (ekálypsen) a montanha”. Nm 9,15 diz: “No dia em que foi levantada a Habitação, a Nuvem cobriu (ekálypsen) a Habitação, ou seja, a Tenda da Reunião…”. O verbo hebraico assim traduzido é khâsah, “cobrir”, “ocultar”.

A preposição grega apó indica um movimento de afastamento ou retirada de algo que está na parte externa de um objeto. Assim é usada em Mt 5,29: “Caso o teu olho direito te leve a pecar, arranca-o e lança-o para longe de ti (apó sou)”.

Em hebraico, o verbo gâlâh é usado com o significado de “despir”, “descobrir”, “revelar”, “desvelar”. Ex 20,26 diz: “Nem subirás o degrau do meu altar, para que não se descubra (thigâleh) a tua nudez”. E 1Sm 2,27: “Um homem de Deus veio a Eli e lhe disse: ‘Assim diz Iahweh. Eis que me revelei (nighlêthî) à casa de teu pai…'”.

Dn 2,29 usa o verbo gâlâh para a revelação do que deve acontecer: “Enquanto estavas sobre o teu leito, ó rei, acorriam-te os pensamentos sobre o que deveria acontecer no futuro, e aquele que revela (weghâlê‘) os mistérios te deu a conhecer o que deve acontecer”.

A LXX traduz o verbo gâlâh pelo grego apokalýptô, que significa “descobrir”, “revelar”, “desvelar”, “retirar o véu”.

O NT usa o mesmo verbo neste sentido. Mt 10,26, por exemplo: “Não tenhais medo deles, portanto. Pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto (apokalyfthêsetai)”. Ou Lc 10,22: “Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, e quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar (apokalýpsai)”.

Deste verbo deriva o substantivo feminino grego apokálypsis, “revelação”, “apocalipse”. Em Gl 2,2 Paulo diz a propósito de sua ida a Jerusalém: “Subi em virtude de uma revelação (apokálypsin)…”. E o livro do Apocalipse começa assim: “Revelação (apokálypsis) de Jesus Cristo…”.

De “apocalipse” deriva “apocalíptica” e é exatamente com esse nome que designamos uma corrente de pensamento e uma literatura surgidas em Israel entre os anos 200 a.C. e 100 d.C., mais ou menos.

Sobre isto, mais coisas podem ser lidas em meu artigo Apocalíptica: Busca de um Tempo sem Fronteiras.