Atordoado

Assim fora do campo como dentro dele. Há nações capazes de superar seus períodos civilizatórios de subordinação econômica e cultural a potências estranhas. Mas há momentos de ruptura em que o viralatismo tem que ser vencido para que os povos adquiram autonomia de julgamento e conduta. Para qualquer análise isenta o Brasil tem enfrentado nos últimos anos precisamente um desafio de tal magnitude. Diante da oportunidade de ingressar em patamar superior de coexistência internacional, é fundamental que forje a convicção de ser um País vencedor, potente por sua economia, cultura e sociedade, e em busca da igualdade em todas as arenas. E não se trata estritamente de futebol, porque os vencedores, ocasionalmente, também perdem uma partida. Perdem, mas não cabisbaixos, conformados, apenas adiam a decisão para futuros embates (Wanderley Guilherme dos Santos: Abaixo o complexo de vira latas – Carta Maior 08/07/2014).

Nesta noite tive um sonho. Não, não foi um sonho. Foi um sofrido e persistente pesadelo. Daqueles que, embora você acorde para dele escapar, ao dormir novamente, ele continua no ponto em que parou: os alemães eram perigosos extraterrestres que nos atacavam com força mortal e da qual só poderíamos escapar com fina astúcia.

Tal pesadelo pode ter sido resultado do atordoamento e da vergonha que me tomou ao ver, impotente, o massacre do Pentacampeão em sua casa. Mais do que o 7 a 1, foi chocante o que aconteceu do segundo ao quinto gols.

E eis que então, no Day After, o campo se amplia, fica do tamanho do Brasil, e entra a revanche política dos que sempre jogam contra o país e contra o seu povo.

Pois esse massacre gerou um tremendo mal-estar no meio de uma bela festa, e é com isso que a oposição e a velha mídia contam. Acham que essa sensação que atingiu até o mais otimista e o mais confiante nos rumos do país irá ajudá-las a derrotar quem trouxe a Copa para cá e a organizou.

Está agora, em campo, neste Dia Seguinte, com sinistro propósito, a seleção dos arautos do conservadorismo e defensores do livre mercado, como Arnaldo Jabor, Augusto Nunes, Danilo Gentili, Demétrio Magnoli, Diogo Mainardi, Dora Kramer, Eliane Catanhede, Guilherme Fiúza, Lobão, Marco Antonio Villa, Marcelo Madureira, Merval Pereira, Reinaldo Azevedo, Ricardo Noblat, Rodrigo Constantino… E outros mais. Em campo ou no banco de reservas.

Que proclamam, velada ou abertamente, ser o povo brasileiro o problema do Brasil.

Como enfrentá-los com fina astúcia?

Leia Mais:
A derrota e a disputa pelo imaginário brasileiro – Saul Leblon: Carta Maior 09/07/2014
Ao contrário da equidistância que seus candidatos cobravam de Dilma ainda há pouco, quando o time de Felipão  avançava na classificação, a derrota nacional na Copa do Mundo certamente será explorada pelo conservadorismo. A disputa pelo imaginário brasileiro ganhará decibéis redobrados a partir de agora, na tentação rastejante de  transformar  a humilhação esportiva  na metáfora de um Brasil corroído pelo ‘desgoverno petista’. O tiro pode sair pela culatra. A tese não é apenas  oportunista. Ela é errada. O que acontece é simplesmente o oposto. A estrutura do futebol brasileiro, na verdade, está aquém dos avanços sociais e políticos assistidos no país nas últimas décadas. Há um descompasso entre a sociedade e o gramado.

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