As vidas neoliberais de Jesus

Jesus não é apenas um objeto de interesse histórico, mas uma figura de imensa importância cultural e autoridade hoje, de maneira que qualquer declaração feita sobre ele é simultaneamente uma declaração sobre o mundo contemporâneo em que vivemos… A ideologia neoliberal impregnou as condições sob as quais as pesquisas recentes sobre o Jesus histórico foram produzidas, comercializadas e consumidas.

The Neoliberal Lives of Jesus

By Robert J. Myles – Faculty of Arts – The University of Auckland – New Zealand

Publicado em The Bible and Interpretation – Maio de 2016

A chave para a busca pelo Jesus histórico, eu argumentaria, não é a história ou a teologia – como normalmente se presume – mas, na verdade, a ideologia. Com algumas notáveis exceções ​​relegadas às margens do cânone acadêmico, a pesquisa histórica de Jesus – envolvida em uma espécie de positivismo brando – evitou de forma esmagadora um amplo envolvimento com seus próprios compromissos ideológicos, suposições e contextos discursivos. A compreensão acadêmica mais comum da ideologia, como Terry Eagleton a descreve, não se refere necessariamente a uma “falsa consciência”, mas sim às “maneiras pelas quais o que dizemos e acreditamos se conecta à estrutura de poder e às relações de poder da sociedade em que vivemos… Estes são modos de sentir, avaliar, perceber e acreditar que têm algum tipo de relação com a manutenção e reprodução do poder social ”[Terry Eagleton, Literary Theory: An Introduction, 2ª ed. (Malden: Blackwell, 1996), 13]. Schweitzer já reconheceu essa dimensão na pesquisa. Jesus não é apenas um objeto de interesse histórico, mas uma figura de imensa importância cultural e autoridade hoje, de maneira que qualquer declaração feita sobre ele é simultaneamente uma declaração sobre o mundo contemporâneo em que vivemos. Ele cunhou a frase “The Liberal Lives of Jesus” para se referir à abundância de livros escritos no século XIX que domesticaram Jesus às então formas dominantes de ideologia liberal. Além de diminuir a perspectiva escatológica que impulsiona a atividade profética de Jesus, a vida liberal de Jesus intensificou sua “psicologia natural” de maneiras que solidificaram anacronicamente o indivíduo burguês moderno.

As “vidas neoliberais de Jesus”, então, é uma designação genérica útil para o amplo trabalho realizado sobre o Jesus histórico nos últimos quarenta anos. Essa “busca” ocorreu quando o neoliberalismo fez a transição de uma ideologia política emergente para uma racionalidade governante firmemente enraizada, exercendo influência sobre quase todos os domínios da vida em todos os setores, da política e do Estado atá a academia. De acordo com a teórica política Wendy Brown, o neoliberalismo deve ser entendido “não simplesmente como política econômica, mas como uma racionalidade governante que dissemina valores e métricas de mercado para todas as esferas da vida … Ele formula tudo, em todos os lugares, em termos de investimento de capital e valorização, incluindo especialmente os próprios humanos” [Wendy Brown, Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution (Cambridge: MIT Press, 2015), 176]. No neoliberalismo nos concebemos como sujeitos a serem comercializados e autopromovidos, seja por redes sociais, blogs ou sites pessoais. O neoliberalismo é intensamente focado no indivíduo, especificando a conduta empreendedora em todos os lugares e obrigando o sujeito a agir de forma a aumentar o capital. Os próprios sujeitos neoliberais são interpelados como consumidores individuais, “construídos interseccionalmente” por categorias complexas de identidade como gênero, sexualidade, raça e classe. A ideologia neoliberal impregnou as condições sob as quais as pesquisas recentes sobre o Jesus histórico foram produzidas, comercializadas e consumidas.

 

The key to the quest for the historical Jesus, I would argue, is not history or theology—as typically assumed—but, in fact, ideology. With some notable exceptions relegated to the margins of the scholarly canon, historical Jesus research—embroiled in a kind of soft-positivism—has overwhelmingly avoided extensive engagement with its own ideological commitments, assumptions, and discursive contexts. The most common scholarly understanding of ideology, as Terry Eagleton describes it, refers not necessarily to a “false consciousness”, but rather to “the ways in which what we say and believe connects to the power-structure and power-relations of the society we live in… [T]hose modes of feeling, valuing, perceiving and believing which have some kind of relation to the maintenance and reproduction of social power” [Terry Eagleton, Literary Theory: An Introduction, 2nd ed. (Malden: Blackwell, 1996), 13]. Schweitzer already recognized this dimension to the quest. Jesus is not merely an object of historical interest, but a figure of immense cultural significance and authority today, in that any statement made about him is simultaneously a statement about the contemporary world we inhabit. He famously coined the phrase “The Liberal Lives of Jesus” to refer to the plethora of books written in the nineteenth century that domesticated Jesus to then dominant forms of liberal ideology. In addition to diminishing the eschatological outlook driving Jesus’s prophetic activity, the liberal lives of Jesus heightened his “natural psychology” in ways that anachronistically solidified the modern, bourgeois individual.

The “neoliberal lives of Jesus”, then, is a useful catch-all designation for the varied and extensive work done on the historical Jesus over the past forty years. This “quest” has taken place when neoliberalism has transitioned from an emerging political ideology into a firmly entrenched governing rationality exerting influence over almost every domain of life in every realm from politics and the state to the academy. According to the political theorist Wendy Brown, neoliberalism is best understood “not simply as economic policy, but as a governing rationality that disseminates market values and metrics to every sphere of life… [I]t formulates everything, everywhere, in terms of capital investment and appreciation, including and especially humans themselves” [Wendy Brown, Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution (Cambridge: MIT Press, 2015), 176]. Under neoliberalism we even conceive of ourselves as subjects to be marketed and self-promoted, whether by social media, blogs, or personal websites. Neoliberalism is intensely focused on the individual, specifying entrepreneurial conduct everywhere, and constraining the subject to act in a capital-enhancing fashion. Neoliberal subjects themselves are interpellated as individual consumers, “intersectionally constructed” by complex categories of identity like gender, sexuality, race, and class. Neoliberal ideology has saturated the conditions under which recent historical Jesus research has been produced, marketed, and consumed.

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