Ler a Bíblia no Brasil hoje 2

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3. Para que se lê a Bíblia?

É o momento de apontar alguns desafios que o uso da Bíblia propõe. Parece haver duas tendências, hoje: uma, que faz da leitura bíblica um instrumento para incentivar a organização popular, mas não para na Bíblia e sim desemboca na vida; outra que produz uma reificação da Bíblia, conduzindo a uma espécie de “sionismo cristão”, tendo como meta a Igreja, na reestruturação de uma neocristandade.

 

3.1. Da Bíblia à sociedade: passagem para o político

No primeiro caso, a própria Bíblia pode ser ultrapassada em determinado momento da mobilização popular. Isto acontece quando são conquistados outros canais de participação política, levando a Igreja comprometida com a pastoral popular à perda da hegemonia da contestação popular.

Tal acontece porque o discurso pastoral tende a ser genérico, privilegiando uma linguagem utópica. Ele encontra sensíveis dificuldades em fazer a passagem dos princípios éticos para as propostas políticas concretas. Ele tende a fazer da política objeto de crença. E isto pode ser reforçado pelas categorias bíblicas, para dar conta das necessidades da racionalidade política moderna. Isto pode ser claramente observado no Brasil atual. Daí a urgência de uma organização política mais eficaz.

Bíblia do PeregrinoEstas dificuldades, entretanto, poderiam ser enfrentadas com o uso de instrumentos socioanalíticos válidos, tanto na leitura da Bíblia quanto na leitura da realidade social atual. Enquanto a leitura histórico-crítica ajuda a desvendar melhor o próprio texto da Bíblia, a mediação socioanalítica ajuda a compreender melhor o contexto. Donde a pertinência de uma abordagem socioantropológica, que considere categorias tais como transformação, totalidade e contradição, repito, tanto na análise da Bíblia quanto na análise da realidade.

Por que estas categorias, pertencentes ao método dialético, poderiam ser úteis? Vejamos:

. a transformação, hipótese fundamental da dialética, adverte que nada existe de fixo, estabelecido de uma vez por todas, sejam ideias, categorias, princípios ou estruturas sociais. Todos os fenômenos humanos são produtos sociais e todos têm que ser analisados em sua historicidade. Afirma-se, aqui, a radical historicidade de todas as formas de vida social, inclusive das ideologias, utopias e religiões

. a totalidade indica que, na análise de cada um dos elementos ou dimensões da realidade social, não se pode perder de vista a sua relação com o conjunto. Não se pode entender um texto, uma proposta ética ou política, sem relacioná-la com os aspectos sociais, econômicos, políticos, religiosos do momento histórico em questão

. a contradição, finalmente, supõe que existe um conflito social permanente, levando a enfrentamentos ideológicos, políticos, religiosos que, em última instância, são os confrontos entre as várias classes sociais.

Tal abordagem evitaria alguns dos mais recorrentes obstáculos hermenêuticos na leitura da Bíblia, tais como o idealismo que nega o Real, o individualismo que nega o Social, o moralismo que nega o Político e o espiritualismo que nega a História.

 

3.2. Da Bíblia à Igreja: permanência no religioso

A outra tendência absolutiza a Bíblia e se torna vítima das atrações do populismo. Como se dá isso?

Na medida em que as igrejas dão voz e vez ao povo através da intervenção da consciência crítica hierarquizada e institucionalizada, elas se legitimam em sua prática religiosa pelo processo de identificação do “povo brasileiro” com “povo de Deus”.

Esta atitude é paralela à do populismo político que explora a ideia de unidade nacional para manter o domínio das elites sobre as classes populares. Os dois jogos se completam e se amparam na relação entre o político e o religioso.

Esta atitude soteriológica tem suas regras: cada ato humano, mais ou menos político, pouco importa, é transfigurado pela leitura teológica que o insere no plano divino global de salvação do homem. De certo modo, são as igrejas recriando a sociedade brasileira mediante o filtro teológico.

Roberto Romano vê um jogo hegeliano nesta atitude: as igrejas sempre se veem como essências desenvolvidas e idênticas a si mesmas –  instituições de origem divina –  exteriorizadas historicamente no outro – o povo.

A sustentação do jogo tem o referencial simbólico da encarnação: “A Igreja [católica] se faz povo, torna-se povo com o povo, e se recolhe na afirmação universal de Si como consciência do Homem enquanto ser genérico e absoluto. Todo este movimento, que se dá na consciência de si da Igreja, aparece como se fosse produzido pela consciência de si dos homens”[12].

Neste caso, a Bíblia é usada pela hierarquia como “chave sagrada” para entrar na consciência do povo e lhe dar a medida da realidade.

As consequências políticas de tal atitude soteriológica são evidentes: modernizam-se as estruturas eclesiásticas para atingir a estrutura social eBíblia da CNBB “salvar” o povo… salvando-se o povo, salvam-se as igrejas… Assim o jogo se inverte e mostra “seu real sentido: é preciso transformar as estruturas sociais para salvar o povo, para salvar as igrejas”[13].

Márcio Moreira Alves já apontava, na década de 70 do século XX, tais limites da Igreja católica no Brasil. “A imutabilidade da cadeia de comando e a estrutura de tomada de decisões eclesiais tornam difícil, diria mesmo, improvável, o comprometimento do conjunto da instituição numa luta pela transformação radical das estruturas sociais do país, ou seja, numa luta pela construção do socialismo. A estrutura monárquica da Igreja resiste às iniciativas democráticas, tanto no plano nacional como no internacional”[14].

Márcio acrescentava que, para a Igreja católica ajudar efetivamente o regime brasileiro de dominação, ela não precisa fazer nada ativamente. Basta que repita sua posição clássica,  já que ela sempre foi um dos elementos da estrutura conservadora do país.

E o que dizer das igrejas neopentecostais, ferramentas religiosas do neoliberalismo? Confira, por exemplo, Religiosidade contemporânea: aproximações entre o neopentecostalismo e o neoliberalismo.

 

Conclusão

Gostaria de concluir estas observações com uma reflexão sobre a palavra, pois Bíblia é, antes de tudo, palavra.

Sabe-se que o termo hebraico dâbâr significa, ao mesmo tempo, “palavra” e “acontecimento”. É uma palavra que se realiza no processo concreto da vida humana: assim é entendida a Palavra que Iahweh dirige ao povo de Israel. Para o pensamento semita, portanto, a verdade da palavra está contida no próprio acontecimento e não fora, acima e antes dele.

Ora, a sociedade capitalista possui enorme habilidade para transformar discursos instituintes e históricos em discursos instituídos e competentes[15].

O mecanismo funciona da seguinte maneira: um discurso que era histórico torna-se instituído e competente, podendo ser ouvido e aceito como autorizado porque perde os laços com o lugar e o tempo de sua origem. É o discurso que funciona segundo a restrição seguinte: “Não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância”.

E isto acontece porque a divisão capitalista do trabalho burocratiza as sociedades contemporâneas e transforma os discursos por ela autorizados em discursos dissimuladores de suas relações de dominação.

Este discurso competente e autorizado – o discurso de mestre – pressupõe a incompetência e a não autoridade dos ouvintes, que não são considerados como sujeitos sociais e políticos. Mas são considerados como sujeitos individuais e pessoas privadas, revalidando, aparentemente, dessa maneira, a sua competência social usurpada.

O homem religioso relaciona-se com Deus privadamente, interiormente, intuitivamente, sentimentalmente. E tem no agente autorizado o mediador de seu discurso. Claro, o mediador, mestre do discurso, tem seu lugar aquém da referência do próprio discurso, lugar inquestionável.

Este é, a meu ver, o risco maior que tocaia a palavra bíblica hoje.

 

Bibliografia

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.

BENEDETTI, L. R. Templo, Praça, Coração – A articulação do campo religioso católico. São Paulo: Humanitas/USP/FAPESP, 2000.

BOFF, C. Teologia e Prática: Teologia do Político e suas mediações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

CARRANZA, B. Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. 2. ed. Aparecida: Santuário, 2000.

CELAM Documentos do CELAM – Conclusões das conferências do Rio de Janeiro, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004.

CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

DIAS DA SILVA, C. M. A Bíblia não serve só para rezar. São Paulo: Loyola, 2011.

DIAS DA SILVA, C. M. Leia a Bíblia como literatura. São Paulo: Loyola, 2007.

DIAS DA SILVA, C. M. com a colaboração de especialistas, Metodologia de exegese bíblica. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2009.

EGGER, W. Metodologia do Novo Testamento: introdução aos métodos linguísticos e histórico-críticos. São Paulo: Loyola, 1994.

KONINGS, J.; RIBEIRO, S. H. et al. Bíblia: Teoria e Prática. Leituras de Rute. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 98, 2008.

LÖWY, M. Ideologias e Ciência Social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

MESTERS, C. Flor sem defesa: uma explicação da Bíblia a partir do povo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2020.

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA  A interpretação da Bíblia na Igreja, 1993. Disponível online no site do Vaticano.

ROMANO, R. Brasil: Igreja contra Estado: crítica ao populismo católico. São Paulo: Kairós, 1979.

SCHNELLE, U. Introdução à exegese do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2004.

TEIXEIRA, F. A gênese das CEBs no Brasil: elementos explicativos. São Paulo: Paulinas, 1988.

VV.AA. Brasil & EUA: religião e identidade nacional. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

VV.AA. Traduções da Bíblia. Pistis & Praxis, Curitiba, v. 8, n. 1, 2016.

>> Bibliografia atualizada em 13.09.2020

> Este artigo foi publicado inicialmente em Cadernos do Cearp, Ribeirão Preto, n. 3, p. 23-36, 1995.

Artigos


[12]. ROMANO, R. Brasil: Igreja contra Estado: crítica ao populismo católico. São Paulo: Kairós, 1979, p. 38.

[13]. Idem, ibidem, p. 220.

[14]. ALVES, M. M. A Igreja e a Política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 247.

[15]. Cf. a categoria em CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 3-13.


Minimalistas 2

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Niels Peter Lemche – Dinamarca (1945-)

Professor Emérito no Instituto de Exegese Bíblica da Universidade de Copenhague, Dinamarca.

Obras: Early Israel: Anthropological and Historical Studies on the Israelite Society Before the Monarchy. Leiden: Brill, 1985, 496 p. – ISBN 9789004078536; Ancient Israel: A New History of Israelite Society. 2. Revised Edition. London: T&T Clark, 2015 [1988], 296 p. – ISBN 9780567662781; The Canaanites and Their Land: The Tradition of the Canaanites. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, 560 p. – ISBN 9781850753100; Die Vorgeschichte Israels. Von den Anfängen bis zum Ausgang des 13. Jahrhunderts v.Chr. Stuttgart: Kohlhammer, 1996, 231 p. – ISBN 9783170123304; The Israelites in History and Tradition. Louisville: Kentucky, Westminster John Knox, 1998, ix + 246 p. – ISBN 9780664220754; Prelude to Israel’s Past: Background and Beginnings of Israelite History and Identity. Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 1998, 272 p. – ISBN 9781565633438; Historical Dictionary of Ancient Israel. Lanham, MD: The Scarecrow Press, 2004, 314 p. – ISBN 9780810848481; The Old Testament Between Theology and History: A Critical Survey. Louisville, KY: Westminster John Knox, 2008, 504 p. – ISBN 9780664232450; Biblical Studies and the Failure of History: Changing Perspectives 3. London: Routledge, 2013, 352 p. – ISBN 9781781790175; Back to Reason: Minimalism in Biblical Studies. London: Equinox Publishing, 2022, 198 p. – ISBN 9781800501881.

Posicionamento: talvez seja o mais produtivo e fundamentado entre os minimalistas. Tem as mesmas posições de Thompson, Davies e Keith Whitelam. Bastante radical.

Niels Peter LemcheLEMCHE, N. P. From Patronage Society to Patronage Society, em FRITZ, V.; DAVIES, P. R. (eds.) The Origins of the Ancient Israelite States. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996, 168 p. – ISBN 9781850757986, p. 106-120, começa falando dos estudos de David W. Jamieson-Drake, Scribes and Schools in Monarchic Judah: A Socio-Archaeological Approach. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, 235 p. – ISBN 9781850752752 [Escribas e Escolas no Judá Monárquico: Uma Abordagem Sócio-Arqueológica] e de H. M. Niemann, Herrschaft, Königtum und Staat: Skizzen zur soziokulturellen Entwicklung im monarchischen Israel. Tübingen: Mohr Siebeck, 1993, x + 318 p. – ISBN 9783161460593 [Senhorio, Reino e Estado].

Estes dois estudos, por diferentes caminhos, chegaram à mesma conclusão de que não houve um Estado no território da Judeia no século X AEC. Estudos que não tiveram repercussão, porque as consequências teológicas da possível não existência de um Davi assustaram tremendamente tanto judeus quanto cristãos. Lemche explica, a seguir, as boas intuições e as deficiências destes estudos e propõe a discussão da natureza da sociedade que se supõe tenha existido nesta época como um caminho viável para a condução do debate.

O método normal, na linha de Albrecht Alt, seria a discussão da evolução da sociedade tribal para o Estado, mas este continuum constituído pela sociedade tribal de um lado e pelo Estado de outro não é evidente. Então, por que não discutir a evolução da sociedade tribal para a sociedade patronal? É que ‘tribo’ é uma palavra sem sentido: com ela encobrimos a variedade de sociedades tradicionais (primitivas) para as quais não temos definição.

Então, diz Lemche, “para evitar este problema eu introduzi o conceito de sociedade patronal [patronage society] como mais viável cobertura da variedade social da Síria e especialmente da Palestina no Período do Bronze Recente” (p. 110). Este modelo, frequentemente chamado de ‘sistema social mediterrâneo’ parece ter sido onipresente em sociedades com um certo grau de complexidade, mas que não constituíam ainda Estados burocráticos. E Lemche define: “Típico de uma sociedade patronal é sua organização vertical, onde no topo encontramos o patrono [patron], um membro de uma linhagem líder, e abaixo dele seus clientes [clients], normalmente homens e suas famílias” (p. 111). A ligação entre patrono e cliente é de tipo pessoal, com juramento de lealdade do cliente ao patrão e de proteção do patrono para o cliente. Em tal sociedade, códigos de leis não são necessários: ninguém vai dizer ao patrono como julgar.

Biblical Studies and the Failure of History: Changing Perspectives 3A crise da Palestina que aparece nas Cartas de Tell el-Amarna é explicada por Mario Liverani, segundo Lemche, a partir desta realidade: os senhores das cidades-estado palestinas viam o Faraó como seu patrono e reivindicam sua proteção em nome de sua fidelidade; porém, o Estado egípcio, não os vê do mesmo modo e os trata de modo impessoal, seguindo normas burocráticas. Daí, a (falsa) percepção dos pequenos reis das cidades de Canaã de que foram abandonados pelo faraó, que não está cuidando de seus interesses na região.

Sem dúvida, houve uma crise social na Palestina no final do Bronze Recente. E aqui o autor apresenta uma proposta bastante razoável para o que pode ter acontecido: “As fortalezas do patrono, a ‘cidade do rei’, desapareceram e foram substituídas por estruturas locais, ‘povoados’, organizados sem um sistema de proteção como o do patrono – o assim chamado ‘rei’ – ou com patronos locais” (p. 118).

E no parágrafo seguinte: “Deste modo, a cultura de povoados da região montanhosa do centro da Palestina simplesmente representa um intervalo entre dois períodos de sistemas patronais mais extensos e melhor estabelecidos, simplesmente porque o que aconteceu, digamos entre 1000 e 900 AEC, foi de fato o restabelecimento de um sistema de Burg-Gesellschaft, semelhante ao sistema do Bronze Recente encontrado na mesma área”. Isto explica o título do capítulo: De uma sociedade patronal a outra sociedade patronal.

LEMCHE, N. P. Clio Is Also among the Muses! Keith W. Whitelam and the History of Palestine: a Review and a Commentary, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 123-155, em um texto anteriormente publicado, faz uma resenha do livro de Keith Whitelam, The Invention of Ancient Israel: The Silencing of Palestinian History. London: Routledge, 1996, 296 p. – ISBN 9780415107594, à qual ele acrescenta um curto comunicado lido em Dublin, História da Palestina ou História da Síria.

Lemche diz na p. 149: “Eu chego agora à conclusão desta resenha que, no geral, foi crítica, mas positiva. E ela tinha de ser! Nenhuma dúvida quanto a isto. Whitelam escreveu um livro corajoso – mas também politicamente correto -, afinado com o estabelecimento na Palestina das primeiras instituições de um Estado Palestino”. Whitelam, em seu livro, mostra que a história dos povos antigos da Palestina tem sido silenciada em favor de um interesse exclusivo em Israel.

Mas em História da Palestina ou História da Síria, Lemche alerta o leitor para o fato de que Whitelam “não define adequadamente a identidade de seus antigos palestinos (…) porque, provavelmente, ele introduziu no cenário histórico uma nova entidade, os antigos palestinos, tendo, deste modo, inventado um novo povo que pode, de fato, nunca ter existido ou ter reconhecido a si mesmos como sendo palestinos” (p. 151).

 

Philip R. Davies – Reino Unido (1945-2018)

Foi professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Sheffield, Reino Unido.

Obras: In Search of ‘Ancient Israel’. London: T & T Clark, [1992] 2005 [2. ed. 2015], 166 p. – ISBN 9781850757375; Whose Bible Is It Anyway? London: T & T Clark, [1995] 2009, 159 p. – ISBN 9780567438850; Scribes and Schools. The Canonization of the Hebrew Scriptures. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox, 1998, 232 p. – ISBN 9780664227289; The Origins of Biblical Israel. London: T & T Clark, 2007, 192 p. – ISBN 9780567043818 (Hardcover); 2009: – ISBN 9780567137616 (Paperback); Memories of Ancient Israel: An Introduction to Biblical History – Ancient and Modern. Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2008, 208 p. – ISBN 9780664232887; On the Origins of Judaism. Abingdon: Routledge, 2014, 183 p. – ISBN 9781845533267; Changing Perspectives 4: Rethinking Biblical Scholarship. Abingdon: Routledge, 2014, 256 p. – ISBN 978-1844657278; The History of Ancient Israel: A Guide for the Perplexed. London: Bloomsbury T & T Clark, 2015, 200 p. – ISBN 9780567655851.

Posicionamento: um dos autores mais criativos e questionadores entre os assim chamados “minimalistas”.

DAVIES, P. R. In Search of ‘Ancient Israel’. London: T & T Clark, [1992] 2005 [2. ed. 2015], 166 p. – ISBN 9781850757375. Em seus nove capítulos, o autor adverte o leitor de que este é um livro sobre história e não outra “História de Israel”, um gênero provavelmente obsoleto. E avisa que estará trabalhandoPhilip R. Davies com três “Israéis”: um literário, o Israel bíblico; outro histórico, os habitantes da região montanhosa da Palestina do norte durante parte da Idade do Ferro; e, um terceiro, o “antigo Israel”, citado entre aspas, por ser um construto dos estudiosos, resultado do amálgama dos dois primeiros. Este construto erudito é considerado pelo autor como contraditório, fantasioso e ideológico. Na p. 21 ele diz: “Eu estou sugerindo que não há uma procura pelo verdadeiro (histórico) antigo Israel, porque tal busca não tem sido considerada necessária; mas a tese deste livro é de que uma busca é necessária, na medida em que o ‘antigo Israel’ não é uma construção histórica e que, por isso, ele desalojou algo que é histórico”.

Após questionar a continuidade étnica entre os exilados judaítas do século VI e os que vieram da Babilônia na época persa para repovoar Yehud, sobre a literatura bíblica, que tem outra versão dos fatos, diz Davies que ela foi inventada nas épocas persa e grega, surgindo assim a possibilidade do judaísmo em sentido cultural e, muito importante, como um produto de exportação. Na produção da literatura bíblica, não havia tradição a ser colocada por escrito: as estórias foram inventadas e depois organizadas na sequência atual (cf. p. 126).

No Capítulo 9, finalmente, Philip R. Davies sugere que o Estado Asmoneu (ou Macabeu) é que viabilizou, de fato, a transformação do Israel literário em um Israel histórico, por ser este o momento em que os reis-sacerdotes levaram o país o mais próximo possível do ideal presente nas leis bíblicas. A Bíblia, como uma criação literária e histórica é um conceito asmoneu, garante o autor na p. 154.

DAVIES, P. R. Whose History? Whose Israel? Whose Bible? Biblical Histories, Ancient and Moderns, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 104-122, aceita que histórias de um antigo Israel podem ser escritas, mas não a história do antigo Israel.

Davies, In Search of 'Ancient Israel'Philip R. Davies pensa que o Antigo Testamento ou a Bíblia Hebraica pode ser usado para a reconstrução histórica de Israel de dois modos: um primário e outro secundário. De modo primário, “a primeira tarefa do historiador é descobrir (ou determinar) o contexto histórico destes escritos, baseado no princípio de que o testemunho histórico de qualquer obra será relevante, em primeira mão, para a época na qual ela foi escrita” (p. 104). De modo secundário “o que estes escritos dizem sobre eventos históricos pode ser usado para construir um quadro das épocas sobre os quais eles dizem estar descrevendo” (…), mas “o uso da narrativa historiográfica bíblica para a reconstrução crítica das épocas que ela descreve (…) é precário e possível somente onde há dados independentes adequados”, argumenta na p. 105.

Finalmente, ele recomenda que um historiador pode fazer hoje três coisas: “Não desencorajar a produção de boas historiografias; (…) denunciar as fraudes praticadas em nome da história e (…) permanecer cético, minimalista e pessimista” (p. 122).

DAVIES, P. R. Exile? What Exile? Whose Exile? em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 128-138, vai mostrar em seu texto que a noção de ‘exílio’ opera em três níveis: canônico, literário e historiográfico.

No nível canônico o ‘exílio’ encerra os Profetas Anteriores e o período de desobediência e ira divina; no nível literário o ‘exílio’ faz paralelismo com os arquétipos de criação e expulsão do paraíso e realiza a mediação da punição e salvação; e no nível historiográfico bíblico marca as épocas do ‘pré-exílio’ e do ‘pós-exílio’.

Trabalha, sem seguida, vários conceitos relativos ao ‘exílio’, visto como legitimação ideológica dos grupos que foram transferidos para Judá – Davies nega qualquer ‘volta’ – e que, ao construir e impor a sua identidade de ‘judeus’ e ‘Israel’ silenciam os outros grupos que reclamam o direito de viverem nesta terra.

O autor, curiosamente, denomina a sua abordagem de ‘materialista’ – sem nenhuma referência a qualquer marxismo – por considerar que, em suas palavras, na nota 12 da p. 132, “as configurações históricas e culturais de alguma maneira esclarecem os produtos ideológicos”… No meu entender, há aqui algum equívoco epistemológico!

 

Rainer Albertz – Alemanha (1943-)

Professor Emérito de Antigo Testamento na Westfälische Wilhelms-Universität de Münster, Alemanha

Obras: Religionsgeschichte Israels in alttestamentlicher Zeit, 2 Bde. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1996-1997, … p. – ISBN 9783525516751; Die Exilzeit: 6. Jahrhundert v. Chr. Stuttgart: Kohlhammer, 2001, 344 p. – ISBN 9783170123366; Geschichte und Theologie: Studien zur Exegese des Alten Testaments und zur Religionsgeschichte Israels. Berlin: Walter De Gruyter, 2003, x + 396 p. – ISBN 9783110176339.

Posicionamento: posição moderadíssima, quase conservadora! Segundo Lemche, em The Israelites in History and Tradition, Louisville,Rainer Albertz Westminster John Knox, 1998, p. 145-148, Albertz tenta fazer uma síntese de Wellhausen a Lemche, passando por Albright e sua escola, e, ao invés de fazer uma “história da religião de Israel”, título de seu livro mais importante, faz uma “história religiosa de Israel”. Defende, é claro, o uso dos textos bíblicos na construção de uma História de Israel.

ALBERTZ, R. Die Exilszeit als Ernstfall für eine historische Rekonstruktion ohne biblische Texte: Die neubabylonischen Königsinschriften als ‚Primärquelle’, em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 22-39, examina as inscrições reais neobabilônicas, do século VI AEC – portanto contemporâneas do exílio – explicando como estas fontes têm seu próprio viés (Tendenz), à semelhança das fontes bíblicas.

O que pretende Rainer Albertz? Mostrar que fontes consideradas ‘primárias’ pelos pesquisadores bíblicos não são assim tão isentas quanto acreditam, como mostra o “mito de fundação” (Gründungsmythos) da Babilônia em uma estela da época de Nabônides, que reinterpreta texto anterior (ANET, 308-311). E também que não se pode descartar uma fonte bíblica, como o Deuteronomista ou o Dêutero-Isaías, simplesmente porque exibe uma tendência teológica, do mesmo modo como não são descartadas as inscrições de Nabônides que, apesar de sua forte carga ideológica, descrevem eventos históricos.

Mas R. Albertz reconhece a enorme dificuldade que existe quando se tenta reconstruir historicamente o exílio judaíta: “Die Exilzeit stellt in der biblischen Geschichtesdartellung ein finsteres Loch dar” (“A época do exílio representa um buraco negro na narrativa histórica bíblica”), admite o autor, usando imagem cosmológica, na primeira frase de seu artigo, na p. 22.

 

Robert P. Carroll – Reino Unido (1941- 2000)

Ex-professor de Antigo Testamento na Universidade de Glasgow, Reino Unido.

Obras: Jeremiah. 2 vols. Sheffield: Sheffield Phoenix Press, 2006. Vol. I: 508 p. – ISBN 9781905048632; Vol. II: 384 p. – ISBN 9781905048649.

Posicionamento: um dos minimalistas mais radicais.

CARROLL, R. P. Madonna of Silences: Clio and the Bible, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 84-103, questiona os limites entre realidade e ficção, usando a analogia de Ossian, um suposto poeta céltico do terceiro século e as figuras de Balaão, Omri e Baruch. E, respondendo à questão “Pode uma história do antigo Israel ser escrita?”, ele diz: “Estou inclinado a responder ‘Não’” (p. 101).

CARROLL, R. P., Exile! What Exile? Deportation and the Discourses of Diaspora, em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 62-79, apresenta um polêmico panfleto contra o uso da categoria ‘exílio’, fruto de uma ideologia centrada em Jerusalém, que deveria ser abandonada em favor da categoria ‘diáspora’, muito mais representativa da realidade do judaísmo ao longo dos séculos. Neste sentido, ele diz que escreveria em letras garrafais as palavras ainda não suficientemente ouvidas de Charles Cutler Torrey, que, no início do século XX (Ezra Studies, Chicago: University of Chicago Press, 1910, p. 289), já dizia: “Os termos ‘exílico’, ‘pré-exílico’ e ‘pós-exílico’ deveriam ser banidos para sempre, porque eles são nada mais que descaminhos e não correspondem a nada do que é real na vida e na literatura hebraicas” (citado por Carroll na p. 77).

Para Carroll o exílio é um símbolo literário bíblico e, embora possa ser tratado como evento no mundo histórico-social, ele deve ser abordado mesmo é como um elemento fundamental da poética cultural dos discursos bíblicos. O exílio pode até ter referentes históricos, mas é como metáfora que ele mais contribui para a narrativa bíblica. Para Robert Carroll exílio e êxodo são duas faces do mesmo mito que caracteriza o subtexto das narrativas e a retórica da Bíblia Hebraica. Entre estes dois ‘topoi’ (e sua noção mediadora da terra vazia) é desenhada e construída a estória essencial da Bíblia Hebraica. Eles refletem uma profunda estrutura narratológica e uma preocupação constante com jornadas para dentro e para fora de territórios, diz na p. 63.

Foi o Cronista – e a literatura associada a ele (Esdras-Neemias) – que tratou o exílio como um prolongado sabbath da terra. “Esta sabatização da deportação transformou-a efetivamente em um exílio e produziu o correspondente mito da terra vazia, através do qual a pátria palestina esvaziada espera a volta dos deportados”, diz Robert Carroll na p. 65. Isto faz desta versão de Jerusalém uma tentativa de silenciar as outras deportações, os exílios permanentes, os muitos exílios sem volta.

É por isso que, frente a tais representações, o autor questiona no título: “Exílio! Que Exílio?” E daí surgem muitas questões. “Questões sem fim. Questões sem respostas definitivas, também porque elas são muito difíceis de serem respondidas com a pouca informação disponível no texto bíblico. Mas estas são as verdadeiras questões que precisam ser levantadas por este Seminário de historiografia”, provoca Robert P. Carroll na p. 66.

 

Thomas L. Thompson  – Dinamarca (1939-)

Professor Emérito do Instituto de Exegese Bíblica da Universidade de Copenhague, Dinamarca

Obras: The Historicity of the Patriarchal Narratives: The Quest for the Historical Abraham. Berlin: Walter de Gruyter, 1974 e Harrisburg: Trinity Press International, 2002, 404 p. – ISBN 9781563383892; Early History of the Israelite People from the Written and Archaeological Sources. 2. ed. Leiden: Brill, [1992], 2000, xv + 489. – ISBN 9789004119437; The Mythic Past: Biblical Archaeology and the Myth of Israel. New York: Basic Books, 1999, 436 p. – ISBN 9780465006496; Jerusalem In Ancient History And Tradition. London: T & T Clark, 2004, 301 p. – ISBN 9780567083609; The Messiah Myth: The Near Eastern Roots of Jesus and David. New York: Basic Books, 2005, 414 p. – ISBN 9780465085774;  Biblical Narrative and Palestine’s History: Changing Perspectives 2. London: Routledge, 2012, 320 p. – ISBN 9781908049957.

Thomas L. ThompsonPosicionamento: o mais polêmico dos minimalistas! Teve dificuldades para conseguir seu doutorado e publicar sua dissertação sobre os patriarcas – livro que começou a “revolução” dos estudos do Pentateuco – e nunca foi bem visto pelos meios acadêmicos tradicionais, especialmente na Alemanha e nos USA. Está em Copenhague desde 1993. Em todos os seus textos bate pesado nos adversários: William G. Dever que o diga. Seu programa é fazer uma história do Levante Sul sem contar com os míticos textos bíblicos e considerando todos os outros povos da região, não só Israel. É contra qualquer arqueologia e história bíblicas! Qual é o mais polêmico de seus livros? Talvez o de 2005, The Messiah Myth. Seu posicionamento pode ser visto no artigo Creating Biblical Figures, publicado em maio de 2005 pela revista The Bible and Interpretation.

THOMPSON, T. L. Historiography of Ancient Palestine and Early Jewish Historiography: W. G. Dever and the Not So New Biblical Archaeology, em FRITZ, V.; DAVIES, P. R. (eds.) The Origins of the Ancient Israelite States. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996, 168 p. – ISBN 9781850757986, p. 26-43, faz de seu texto um feroz ataque ao arqueólogo norte-americano William G. Dever, a quem acusa de não desenvolver, de fato, uma nova arqueologia, mas de estar ancorado no velho paradigma albrightiano – de W. F. Albright – de busca da harmonia entre os dados arqueológicos e os textos bíblicos. “As discussões de arqueologia bíblica de William Dever, nos últimos anos, convenceram-me de que (…) esta não é uma nova arqueologia bíblica e que ela não tem pressuposto um novo ponto de partida de nossa abordagem da história do Levante sul. Esta tem sido, pelo contrário, uma reiteração de abordagens antigas da Bíblia e da história (…) Os métodos de Dever permaneceram enraizados na harmonia albrightiana da ‘história’ do Antigo Oriente Médio com as estórias ilustradas da Bíblia” (p. 26).

A posição de Thompson sobre a arqueologia e a história aparece na p. 38 onde ele diz que é preciso abandonar a arqueologia e a historiografia bíblicas e fazer uma história da Palestina e do Mediterrâneo Oriental da qual a História de Israel seria apenas uma parte, já que Israel é, de fato, apenas uma parte desta realidade.

THOMPSON, T. L. Defining History and Ethnicity in the South Levant, em GRABBE, L. L. (ed.) Can a ‘History of Israel’ Be Written? Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, 201 p. [T & T Clark: 2005 – ISBN 0567043207], p. 166-187, divide sua comunicação em três partes: na primeira, ele critica algumas publicações recentes do arqueólogo William G. Dever; na segunda, ele passa em revista as intuições do recente livro de Keith Whitelam, A Invenção do Antigo Israel: O Ocultamento da História Palestina (“Este novo livro pode muito bem servir como uma proveitosa introdução metodológica à história da Palestina”, diz Thompson na p. 178); e, na última parte, ele defende uma historiografia mais fundamentada na arqueologia e na geografia. Thompson, Cryer e Lemche estão trabalhando na elaboração de um ‘método espectral’ que “promete lidar bem ao mesmo tempo com grandes quantidades de dados e dados de grande variedade” (p. 181).

THOMPSON, T. L. The Exile in History and Myth: A Response to Hans Barstad, em GRABBE, L. L. (ed.) Leading Captivity Captive. The ‘Exile’ as History and Ideology. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072, p. 101-118, se propõe dar uma resposta – mais do que fazer uma crítica – à monografia de Hans Barstad, The Myth of the Empty Land: A Study in the History and Archaeology of Judah during the ‘Exilic’ Period. Oslo: Scandinavian University Press, 1996. Obra, aliás, muito citada pelos participantes do Seminário.

Thompson começa falando das práticas orientais de transferência de populações como uma política de ‘pacificação’, mas que, na verdade, era um verdadeiro crime de guerra. Mostra como a Pérsia, de Ciro em diante, modificou esta prática, combinando de modo mais eficaz propaganda com terror para controlar os vencidos. Em seguida, aborda o assunto das deportações de Israel e Judá, onde elenca cerca de uma dúzia, colocando entre elas as transferências de populações para Judá na época persa, aquelas que a Bíblia chama de ‘volta do exílio’. Aliás, Thompson nega que tenha ocorrido qualquer ‘volta’ de judeus do ‘exílio’.

Debate, em seguida, a possível identidade dos deportados, para mostrar que no processo de integração dos refugiados em Jerusalém e Samaria com as populações aí residentes, vários efeitos de longo prazo caracterizaram essa sociedade, como o uso da língua aramaica, o desenvolvimento de tradições comuns acerca das origens, o isolamento de Samaria e os conflitos de legitimidade ‘judaica’ entre os vários grupos.

Finalmente, sob o título “O Mito do Exílio”, Thompson trabalha o exílio como metáfora e mito na Bíblia, passando por Jeremias, Lamentações, Dêutero-Isaías, Zacarias… O ‘exílio’ é a devastação moral de Jerusalém, o vazio da alma sem Deus: não é historiografia, mas pietismo!

 

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>> Bibliografia atualizada em 05.08.2023

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Flávio Josefo 3

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5. No cerco de Jerusalém

No cerco de Jerusalém ele está ao lado de Tito e tenta, repetidamente, convencer os sitiados a se renderem. Objetivamente, Josefo é um traidor, mas não é assim que ele se vê. Diz, por exemplo, aos sitiados que os romanos são os senhores do universo, que ninguém pode escapar deles, e, até mesmo, que Deus agora está é do lado deles e não com os judeus…

Disse Josefo

“Que, se é vergonhoso estar sujeito a um poder desprezível, não o é ter como senhores àqueles que reinam em toda a terra, pois, que país está isento do domínio dos romanos, senão aquele que um excessivo calor ou um frio insuportável o teria tornado inútil? Que se via que de todos os lados a fortuna lhes estendia os braços e que Deus, que tem em suas mãos o império do mundo, depois de tê-lo, no correr dos séculos, dado a diversas nações, tinha então estabelecido a sua sede na Itália?”[27].

Além desse argumento “teológico”, oferecido aos sitiados, Josefo fornece ao leitor outras razões para explicar a derrota de Jerusalém. Segundo ele, a cidade estava tão dividida em facções em luta que os próprios judeus foram os maiores responsáveis por sua derrota. Em suas palavras:

“Podemos dizer com verdade que uma guerra tão cruel em seu interior, não lhes era menos funesta que uma guerra externa e que Jerusalém não sofreu mais da parte dos romanos, do que o furor dessas infelizes divisões, que já lhe havia feito experimentar males ainda maiores. Assim não tenho receio de afirmar que é principalmente a esses inimigos de sua pátria e não aos romanos, que devemos atribuir a ruína dessa poderosa cidade e que a única glória que lhes pode caber  é ter exterminado esses malfeitores, cuja impiedade unida a tantos outros crimes que nem poderíamos imaginar, lhe tinha destruído a união que lhe dava muito mais força que suas mesmas muralhas. Não podemos pois dizer, com razão, que os crimes dos judeus são a verdadeira causa de suas desgraças e que, o que os romanos lhes fizeram sofrer, não foi um justo castigo? Deixo, porém, a cada qual, que julgue como lhe aprouver”[28].

E o pior é que, em sua frase final, ele instala, no leitor, a dúvida: você deve decidir… Não terá sido merecido o “castigo” infligido aos judeus? E é preciso acrescentar o seguinte: em toda esta parte de A Guerra Judaica, Tito sempre aparece como bom e compassivo, enquanto os líderes da revolta são terríveis e sanguinários. Se no acampamento romano acontece algo de cruel com judeus desertores ou capturados – como o caso dos dois mil que tiveram suas barrigas abertas pelos soldados que procuravam o pretenso ouro que teriam engolido ao sair de Jerusalém – jamais é com a aprovação do “justo” Tito. São “excessos” cometidos por tropas auxiliares…[29].

Creio que aqui será o momento certo para colocarmos a dura avaliação que Giuseppe Ricciotti faz de Flávio Josefo em sua introdução à tradução para o italiano de A Guerra Judaica[30].

Diz Ricciotti na p. 6: “Josefo (…) tinha tanta ambição e tanto apego à sua carreira política que preferiu curvar-se, como um frágil caniço, em várias direções”. E na p. 12: “O fator político contava, para Josefo, apenas enquanto era um meio para triunfar, e qualquer ideologia abstrata era afirmada ou negada segundo as circunstâncias o exigiam”.

Ou na p. 34 da mesma obra: “Julgado como homem, Josefo aparece como um espírito mesquinho, sem caráter, disposto a fazer qualquer negocio desde que alcançasse seus objetivos”. E na p. 41: “Considerando o título Guerra judaica como original e autêntico, temos nele mesmo o ponto de vista a partir do qual fala o historiador: é o ponto de vista dos romanos, não o dos judeus…”.

Por sua vez, Emil Schürer diz que sobre o caráter de Josefo as opiniões expressas ao longo dos séculos são bastante contraditórias. Supervalorizado na Idade Média, ele tem sido mais duramente tratado pelos críticos modernos. E acrescenta: “Ninguém vai querer defender o seu caráter. As características básicas de sua personalidade foram vaidade e complacência. E mesmo que ele não tenha sido o infame traidor que a Autobiografia parece mostrar, a sua passagem para o lado dos romanos e sua íntima adesão à família imperial Flávia foram feitas com mais ingenuidade e indiferença do que se poderia esperar de alguém que lamentava a queda da própria nação” [31].

 

6. A condição privilegiada em Roma

Após a guerra, Flávio Josefo vai viver em Roma, recebendo de Vespasiano uma casa, pensão, propriedades e a cidadania romana. Casa-se 4 vezes, tem 3 filhos, como vimos, e morre em 102 ou 103 d.C., em Roma.

Nestes cerca de 30 anos morando em Roma, Josefo escreve extensa obra sobre os judeus e a guerra judaica contra Roma: Bellum Iudaicum (A Guerra Judaica) em 7 livros; Antiquitates Iudaicae (Antiguidades Judaicas) em 20 livros; Contra Apionem (Contra Apião) em 1 livro e Vita (Autobiografia) também em 1 livro.

A Guerra Judaica é escrita primeiramente em aramaico e, em seguida, entre 79 e 81 d.C., traduzida para o grego. Alguns acham que é por remorso – pelo modo suspeito como salva sua vida – que Flávio Josefo escreve esta obra. Mas é mais provável que A Guerra Judaica seja uma obra de encomenda. Sendo ainda numerosos os judeus tanto no Império Romano quanto nas regiões dos partos, babilônios e árabes, e esboçando-se possibilidades de novas revoltas, é preciso dissuadir qualquer nova tentativa de insurreição. E a melhor dissuasão é o relato da guerra na Judeia. E quem melhor do que Josefo para fazê-lo?[32]

Ao descrever o poderio do exército romano, como, aliás, já anotamos acima, Josefo diz:

 “Meu fim, no que acabo de dizer, não é tanto tecer elogios aos romanos, mas consolar àqueles que eles venceram e fazer os outros perder o desejo de se revoltar contra eles” (sublinhado meu)[33].

Josefo não faz uma simples crônica dos acontecimentos da guerra. Ele dedica o primeiro livro inteiro às causas remotas da guerra, voltando no tempo até a revolta dos Macabeus no século II a.C.

Seus modelos são os gregos Tucídides e Políbio. Tucídides é um historiador ateniense que vive entre 460 e 400 a.C., aproximadamente. Escreve a história da guerra do Peloponeso, considerada uma das mais importantes obras históricas de todos os tempos por sua imparcialidade e seu método científico.

Políbio nasceu em Megalópolis, na Arcádia em 202 aproximadamente e morreu em 120 a.C. Escreveu, além de outras obras, a “História”, em 40 livros, dos quais somente os 5 primeiros sobreviveram na íntegra. A obra visa registrar a ascensão rápida e dramática de Roma à supremacia do Mediterrâneo. “Ele teve a percepção clara, notável num contemporâneo, do posição a que Roma havia chegado no mundo mediterrâneo. Políbio procura sistematicamente as causas dos eventos (‘nada, seja provável, seja improvável, pode acontecer sem uma causa’), seguindo a evolução das nações e seu declínio, e não se equivocou ao expor as causas da decadência da Grécia. Sua narrativa é clara e simples, sem artifícios de retórica, escrita no dialeto comum baseado no ático, predominante na Grécia a partir de 300 a.C.”, comenta  Paul Harvey[34].

Mas, como bom judeu, Josefo sempre destaca, em sua história, além das causas humanas, a ação da providência divina que tudo dirige. No prefácio de A Guerra Judaica, o próprio Josefo explica a sua concepção de história:

“Indiscutivelmente, o historiador que merece elogios é aquele que consigna acontecimentos cuja história nunca foi escrita e que elabora a crônica de seu tempo, tendo em vista as gerações futuras”[35].

Antiguidades Judaicas, publicada em grego, é sua segunda obra e fica pronta em 93 d.C.

Josefo, como qualquer judeu da época, sofre muito com a ignorância do mundo greco-romano acerca dos judeus e de seus costumes, tradições e crenças. Os judeus são vistos e julgados a partir dos padrões culturais e civilizatórios gregos, transformando-se assim a sua história em uma história muitas vezes mítica e absurda porque a diferença cultural não é respeitada. Os costumes alimentares e cultuais judaicos, em geral causam profunda estranheza ao mundo grego. Além do que, as origens de Israel são frequentemente desfiguradas por feroz antissemitismo que tem sua origem nos conflitos da época, e que não deveria ser assim retroprojetado, pelos autores gregos que escrevem sobre os judeus, para o fim do II milênio.

Antiguidades Judaicas não tem, portanto, apenas o objetivo de informar, mas Josefo quer, através de uma história de milênios, defender seu povo e impressionar os romanos. Mostrar a antiguidade das origens é, na sua época, fundamental para qualquer povo que queira ser respeitado.

Para nós, Antiguidades Judaicas é importante, especialmente quando trata da história dos Macabeus e do governo de Herodes Magno.

Como dissemos acima, o antissemitismo está em pleno florescimento no século I d.C. e se manifesta sobretudo entre escritores egípcios helenizados de Alexandria. É contra este antissemitismo que Josefo escreve o Contra Apião em 95 d.C., contestando como falsas várias ideias bastante difundidas em Roma por esse popular autor[36].

Apião (Apíôn), que pode ser situado na primeira metade do século I d.C., “era um escritor e professor grego de origem egípcia, que exerceu um importante papel na vida cultural e política de seu tempo. Ele ficou famoso como um mestre em Homero e como autor de uma obra sobre a história do Egito”[37].

Apião não nasce em Alexandria, mas torna-se cidadão alexandrino. Representa os gregos contra os judeus de Alexandria diante de Calígula, enquanto Fílon de Alexandria representa os judeus, no ano 40 d.C., na questão dos direitos cívicos dos judeus alexandrinos.

Apião é o mais ferrenho dos antissemitas do mundo helenístico e, como é um escritor muito popular, tem grande influência na formação da opinião pública culta de sua época, e, por isso, Flávio Josefo o escolhe como alvo entre todos os antissemitas. Ele fala dos judeus nos livros 3 e 4 de sua Aegyptiaca.

A última obra de Josefo é a Autobiografia, escrita após 95 d.C., não se sabe exatamente em que ano. O livro é motivado por um relato da guerra escrito por seu velho inimigo Justo de Tiberíades.

Justo é um dos mais ardorosos líderes galileus na revolta contra Roma e confronta-se com o moderado Josefo nos meses que antecedem a chegada de Vespasiano. Em sua obra, infelizmente perdida, Justo, entretanto, descreve Josefo como um nacionalista judeu fanático e destaca o seu papel antiromano na guerra, deixando o nosso autor em situação perigosa com essa inversão dos fatos.

Josefo critica violentamente a história escrita por Justo, chamando-o ironicamente de o mais genial dos escritores e perguntando-lhe porque não escreveu sua obra quando ainda estavam vivos Vespasiano e Tito, que conduziram as operações da guerra.

A Autobiografia não é uma grande obra: polêmica, pesada e confusa, deixa o leitor indiferente ou cansado. Mas, por outro lado, traz muitos dados sobre Josefo, transformando-o no escritor da antiguidade sobre quem mais informações possuímos.

 

Bibliografia

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>> Bibliografia atualizada em 03.12.2016

> Este artigo foi publicado inicialmente em Cadernos de Teologia, Campinas, n. 5, p. 29-51, 1998.

Artigos


[27] . Idem, ibidem, p. 655.

[28] . Idem, ibidem, p. 649.

[29] . Cf. o episódio em Idem, ibidem, p. 664.

[30] . Cf. RICCIOTTI, G.  La Guerra Giudaica. 3. ed. Torino: Società Editrice Internazionale, 1963.

[31] . SCHÜRER, E. Storia del popolo giudaico al tempo de Gesù Cristo, p. 92.

[32] . Cf.  HADAS-LEBEL, M. Flávio Josefo, o judeu de Roma, p. 237-238.

[33] . JOSEFO, F. História dos Hebreus, p. 589.

[34]. HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, verbete Políbios.

[35] . JOSEFO, F. História dos Hebreus, p. 497.

[36] . Cf. FELDMAN, L. H. ; LEVISON, J. R. (eds.) Josephus’ Contra Apionem: Studies in its Character and Context with a Latin Concordance to the Portion Missing in Greek. Leiden: Brill, 1996. 

[37] . Cf. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I. Jerusalem: The Israel Academy of Sciences and Humanities, 1976, p. 389.


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4. O comando da Galileia

Quando explode o conflito com Roma, em 66 d.C., Josefo aceita, talvez por ambição, quem sabe por vaidade, o comando da Galileia. Entretanto, mais do que preparar o território e a população para o enfrentamento inevitável com as legiões romanas de Vespasiano e Tito, Josefo preocupa-se em combater os conflitos internos provocados pelas várias facções judaicas em luta. Sua atitude é tão ambígua que ele é repetidamente acusado por vários grupos galileus de traição à causa judaica.

Mireille Hadas-Lebel faz uma observação interessante: Flávio Josefo “sentirá mais tarde tamanha necessidade de se justificar a respeito desse período de sua vida que, por isso mesmo, se torna suspeito. Nove décimos de sua Autobiografia são, com efeito, dedicados aos poucos meses em que ele exerceu as funções de general governador da Galileia (…) A superabundância de detalhes relativos a esta época é muito enganadora, pois Josefo nos fornece, com vinte anos de distância, na Guerra e na Autobiografia, dois relatos paralelos, um na terceira pessoa, o outro na primeira pessoa, entre os quais subsistem divergências não desprezíveis. Onde ele diz a verdade? E se houvesse uma terceira verdade? Por ter querido demais justificar-se, Josefo abre a porta para o pior inimigo do historiador: a dúvida da posteridade”[12].

Martin Goodman, em obra sobre as origens da revolta judaica contra Roma, diz confiar intensamente na narrativa de Josefo, historiador que pode ser acusado de negligente, mas que se mostra impressionantemente preciso quando confrontado com outras evidências. Sendo assim, diz: “A minuciosa narrativa de Josefo foi, por isso, totalmente explorada neste livro”. Contudo, acrescenta: “Mas seus juízos de valor foram tratados como mais do que um pouco suspeitos. Quando não podem ser comprovados por sua minuciosa narrativa eles foram considerados como representativos da atitude apenas da classe dirigente à qual ele pertencia, e não de todos os judeus da Judeia”[13].

Os rebeldes de Jerusalém deram a Josefo os poderes que eram anteriormente atribuídos ao prefeito romano, já que sua tarefa é, ao mesmo tempo administrativa, judiciária e militar. Josefo tinha como função sublevar toda a população da Galileia contra Roma e unificar todos as facções e comandos, pois graças à sua proximidade com a Síria, a região seria a primeira a ser atacada pelos romanos, como, de fato, o foi. Eis o relato de Josefo, em terceira pessoa, na Guerra Judaica, quando fala da distribuição dos comandos:

“Josefo, filho de Matias, [foi escolhido] para exercer um cargo semelhante na alta e na baixa Galileia, acrescentando-se ao seu governo Gamal, que é a praça mais forte de todo o país (…). O primeiro cuidado de Josefo foi conquistar o afeto do povo, para tirar grandes vantagens e reparar assim as faltas que pudesse cometer. Para conquistar também os mais poderosos, dividindo com eles a sua autoridade, escolheu setenta dos mais sábios e dos mais hábeis, que constituiu administradores da província e deu assim àqueles povos a alegria de serem governados por pessoas do próprio país e conhecedores dos seus costumes. Além disso estabeleceu em cada cidade sete juízes, para julgar as pequenas causas, segundo a forma que ele lhes havia determinado. Quanto às grandes, reservou para si mesmo o julgamento”[14].

Josefo descreve, em seguida, como fortificou a Galileia, construindo muralhas em cidades da baixa e da alta Galileia, assim como recrutou um exército considerável de sessenta mil homens de infantaria, duzentos e cinquenta cavaleiros, quatro mil e quinhentos mercenários e seiscentos guardas pessoais. Estabeleceu em seu exército, à maneira dos romanos, cuja estrutura militar demonstra conhecer bem, uma rígida hierarquia, para que a disciplina pudesse suprir a falta de armamento adequado e de treinamento militar que o curto tempo não permitia obter. É o que lemos em A Guerra Judaica:

“Como sabia que o que tornava os romanos maximamente invencíveis era a obediência e a disciplina, e via que o tempo não lhe permitia exercitar seus homens tanto quanto ele desejara , julgou dever pelo menos torná-los obedientes.Como para isso contribui eficazmente o número de comandantes, ele lhos deu, à imitação dos romanos, muitos oficiais e chefes”. Além do urgente (e precário) treinamento, “falava-lhes principalmente da disciplina dos romanos, que era rígida e extrema e que eles tinham que combater contra homens, cuja força corporal unida a uma invencível firmeza de alma, tinha conquistado quase todo o mundo”[15]

Entretanto, o comportamento de Josefo logo despertou suspeitas entre os galileus, pois em duas ocasiões ele se mostrou favorável a Agripa II, o último governante da família herodiana e aliado de Roma. Josefo precisou usar de toda a sua comprovada astúcia para sobreviver. Teve em João de Gíscala, um dos líderes da rebelião, seu pior inimigo. Este conseguiu que uma comissão viesse de Jerusalém para investigar as atividades de Josefo, acusado de não preparar a Galileia para a resistência, mas a delegação tinha ordens de obter a demissão de Josefo e, em caso de resistência, de matá-lo sem hesitação.

Avaliando a missão de Josefo na Galileia, diz Mireille Hadas-Lebel: “Apesar de todos os esforços de Josefo para fazer sua ação aparecer sob um luz favorável, o balanço desses poucos meses é totalmente negativo. Não só ele não conseguiu unificar a região sob seu comando, como nela provocou novas clivagens. Suscitou inimizades ferozes, escapou a várias tentativas de assassinato, e só se manteve em seu posto graças a apoios junto aos poderosos”[16].

De sua parte, Josefo interpreta sua missão como sendo a de manter a paz na Galileia, ou seja, “primeiro a paz interna, impedindo os confrontos entre judeus e os ataques surpresa de bandos armados contra as populações pagãs, em suma tudo o que prejudica a ordem e a unidade; e igualmente abster-se, pelo máximo de tempo possível, de provocar a intervenção dos romanos ou de seus aliados”[17].

Vespasiano, enfim, ataca a Galileia com um bem aparelhado exército de mais de 60 mil homens. Josefo, na Guerra Judaica, faz uma detalhada descrição do exército romano, com a finalidade, se justifica, de não

“tanto tecer elogios aos romanos, mas consolar àqueles que eles venceram e fazer os outros perder o desejo de se revoltar contra eles”[18].

Por outro lado, sobre o seu próprio exército, diz ele que

“somente a notícia de sua [Vespasiano] chegada, de tal modo assustou os judeus, que quantos se haviam reunido a Josefo e tinham acampado em Garis, perto de Séforis, fugiram, não somente antes do combate, mas mesmo sem ter visto o exército”[19].

A devastação da Galileia pelos romanos é total. Os galileus não tinham com enfrentá-los em campo aberto e, sitiadas, as cidades foram caindo uma a uma. Bloqueado, por fim, em Jotapata, Josefo resiste, com extrema habilidade, a 47 dias de cerco.

Ocorre, então, na queda de Jotapata em 20 de julho de 67, um dos mais suspeitos episódios de toda a vida de Josefo. Vejamos sua descrição em A Guerra Judaica:

“Ele [Josefo] fora tão feliz, que depois da queda da cidade, fugindo pelo meio dos inimigos, desceu a um poço muito profundo, ao lado do qual havia uma caverna espaçosa, que não podia ser vista do alto. Lá encontrou quarenta dos mais valentes dos seus, que também ali se tinham refugiado e que tinham todo o necessário para vários dias (…) Dois dias assim se passaram; no terceiro, uma mulher o denunciou (…) Vespasiano mandou Paulino e Galicano, dois tribunos, garantir-lhe que o trataria bem, exortando-o a sair; ele não quis fazê-lo, porque, não estando persuadido da clemência dos romanos, e sabendo do seu ressentimento, pelo mal que lhes havia feito, temia que quando o tivessem em seu poder, procurassem vingar-se”[20].

Como não conseguiam convencê-lo a se entregar, os soldados romanos decidiram incendiar a caverna, só não o fazendo porque Vespasiano o queria vivo, garante Josefo. E prossegue:

“Josefo então lembrou-se dos sonhos que tivera, nos quais Deus lhe fizera ver as desgraças que sucederiam aos judeus e os felizes resultados obtidos pelos romanos, pois ele sabia explicar os sonhos e ver a verdade mesmo no meio das trevas, a qual Deus muitas vezes se compraz em esconder e como ele era sacrificador, também conhecia as profecias que estão nos livros santos. Como se, naquele momento, estivesse cheio do Espírito de Deus, tudo o que Ele lhe havia feito ver nos sonhos pareceu renovar-se, e ele dirigiu-lhe esta oração: ‘Grande Deus, Criador do universo, pois que resolvestes terminar a prosperidade dos judeus para aumentar a dos romanos e me escolhestes para lhes predizer o que está para acontecer, eu me submeto à vossa vontade, entrego-me aos romanos e consinto em continuar a viver. Mas, protesto diante de vossa eterna majestade, que, como um vosso ministro e não como um traidor, eu me entrego a eles’”[21].

E, então, o óbvio aconteceu: os que estavam com ele não concordaram com esta “brilhante” ideia! Depois de um discurso no qual denunciam sua decisão como traição às leis judaicas, eles puxaram das espadas para matá-lo. Seus companheiros estavam firmemente decididos a morrer ali por suas próprias mãos, mas jamais se entregariam aos romanos. Contudo, uma vez mais, prevaleceu a astúcia de Josefo:

“Josefo, por seu lado, não perdeu a calma, em tão grave perigo: confiando na proteção de Deus, assim lhes falou: ‘Pois que estais mesmo resolvidos a morrer, lancemos a sorte para ver quem deverá ser morto por primeiro por aquele que o seguirá; continuemos a fazer sempre do mesmo modo, a fim de que nenhum de nós se mate por si mesmo, mas receba a morte das mãos de um outro’ (…) Foi então lançada a sorte e o que era determinado apresentava o pescoço ao que o devia matar; isso continuou até que restavam somente Josefo e um outro; o que aconteceu, talvez, por uma especial proteção de Deus ou por casualidade. Josefo, vendo que se ele lançasse a sorte, ela, ou lhe custaria a vida ou ele teria que manchar suas mãos no sangue de um amigo, aconselhou-o a viver, dando-lhe garantia de salvá-lo”[22].

Feito prisioneiro, “prediz” a Vespasiano o Império e consegue sobreviver. Quando, em junho de 69 d.C., Vespasiano é feito imperador, Josefo passa da condição de prisioneiro a protegido dos romanos.

A “predição” feita a Vespasiano, como descrita em A Guerra Judaica, é peça para se admirar… e para se espantar com a capacidade de sobrevivência de Josefo:

“Vós julgais, sem dúvida, senhor, que tendes somente a Josefo, prisioneiro em vossas mãos. Mas eu venho por ordem de Deus comunicar-lhe uma coisa que muito vos interessa, e é muito mais importante. Eu bem sei de que modo os que têm a honra de comandar os exércitos dos judeus devem morrer, por terem caído vivos em vossos mãos. Quereis mandar-me a Nero. E por que mandar-me, pois que ele e os que lhe devem suceder até vós têm tão pouco tempo de vida? É somente a vós e a Tito, vosso filho, que eu considero imperadores; a este, depois de vós, porque ambos subireis ao trono. Fazei-me pois guardar quanto vos aprouver, mas como vosso prisioneiro, não de outro; somente vós vos tornastes, pelo direito da guerra, senhores da minha liberdade e de minha vida; mas sê-lo-eis dentro em breve de toda a terra e eu merecerei um tratamento muito mais severo do que a prisão, seu eu for tão mau e tão ousado, em abusar do nome de Deus, para vos obrigar a prestar fé a uma impostura”[23].

O que poderia ter acontecido de fato? Embora o relato traga as marcas de fatos já acontecidos quando narrados, certamente Josefo estava, no momento da prisão, ciente de muitas coisas, entre elas a da origem humilde de Vespasiano, sua dura ascensão ao comando, sua crendice em muitos presságios que pareciam apontar-lhe o caminho do sucesso e outras coisas do gênero. E, assim, sabendo que nas mãos de Nero seu destino não seria nada agradável – pois era um dos chefes da revolta e sua protetora Popeia já havia morrido – Josefo falou a Vespasiano exatamente o que ele queria ouvir[24].

Mas, enquanto Vespasiano, ainda não feito imperador, continua a conquista da Galileia, Josefo permanece prisioneiro em Cesareia. São dois anos e meio, de julho de 67 a dezembro de 69. E, observa Mireille Hadas-Lebel, “é neste ponto do relato de Josefo que sentimos mais claramente o quanto sua perspectiva sobre as operações militares se deslocou. Tudo é agora visto do campo do vencedor”[25].

De fato, a narrativa de A Guerra Judaica assume agora uma perspectiva que demonstra uma romanização crescente de Josefo. Das ações militares de Tito faz uma verdadeira hagiografia e as mais crueis atitudes de Vespasiano são descritas como naturais, como quando, fingindo anistiá-los, reúne os estrangeiros sobreviventes do ataque a Tariqueia no estádio de Tiberíades e os massacra:

“Ali fez matar todos os velhos e os incapazes de pegar em armas, em número de mil e duzentos; mandou a Nero seis mil homens fortes e robustos para trabalhar no istmo de Moreia [em Corinto, onde Nero tentou abrir o canal, ação que só se concretizou em 1893]. O povo foi feito escravo; foram vendidos trinta mil e quatrocentos deles; o resto foi dado a Agripa, para fazer o que quisesse dos que eram do seu reino”[26].

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[12]. HADAS-LEBEL, M. Flávio Josefo: o judeu de Roma, p. 77.

[13]. GOODMAN, M. A classe dirigente da Judeia: as origens da revolta judaica contra Roma, 66-70 d.C. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 35.

[14]. JOSEFO, F. História dos Hebreus, p. 579-580. Para maior conhecimento da estrutura econômica, política e social da Galileia desta época pode se ler FREYNE, S. A Galileia, Jesus e os evangelhos: enfoques literários e investigações históricas. São Paulo: Loyola, 1996, especialmente as p. 121-153.

[15]. Idem, ibidem, p. 580.

[16]. HADAS-LEBEL, M. Flávio Josefo: o judeu de Roma, p. 103-104.

[17]. Idem, ibidem, p. 104. Diz Josefo na Autobiografia: “Como eu nada mais tinha a peito do que manter a paz na Galileia…”. Cf. JOSEFO, F. História dos Hebreus, p. 480.

[18]. Idem, ibidem, p. 589.

[19]. Idem, ibidem, p. 590.

[20]. Idem, ibidem, p. 599.

[21]. Idem, ibidem, p. 599.

[22]. Idem, ibidem, p. 601.

[23]. Idem, ibidem, p. 601.

[24]. Cf. SUETÔNIO A vida dos Doze Césares. São Paulo: Martin Claret, 2010, p. 315-330. Suetônio, historiador romano, viveu de ap. 70 a 160 d.C. A vida dos Doze Césares é a mais importante de suas obras conservadas. Contém as biografias de Júlio César e de onze imperadores, de Augusto a Domiciano. Suetônio recolhe um grande número de presságios que pareciam confirmar o futuro imperial de Vespasiano. Descreve também a “predição” de Josefo: “José, um dos mais nobres cativos, no instante em que o punham a ferros, não cessou de afirmar que cedo seria libertado pelo próprio Vespasiano, mas por Vespasiano feito imperador” (p. 320).

[25]. HADAS-LEBEL, M. Flávio Josefo: um judeu de Roma, p. 144.

[26]. JOSEFO História dos Hebreus, p. 607.


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6.5. A estrela de Belém

Há centenas de tentativas, antigas e modernas, para explicar o que é a estrela de Mt 2,1-12 e como pôde uma estrela guiar os magos até Belém por ocasião do nascimento de Jesus.

Descartando, porém, as teorias mais exóticas – capazes até de “desmontar” o Universo para confirmar crenças ingênuas – há, fundamentalmente, apenas dois pressupostos que regulam as várias explicações:

. Estamos lidando com um fenômeno astronômico natural que teria ocorrido por ocasião do nascimento de Jesus e que é visto aqui como um sinal importante por Mateus.

. Estamos vendo aqui uma estrela “teológica”, onde Mateus não pensa em nenhum fenômeno natural, mas apenas na sua função, pois o tema do aparecimento de uma estrela que anuncia o nascimento de um personagem importante era bastante difundido na época.

 

Algumas explicações astronômicas possíveis

:: A explosão de uma  nova ou supernova

Uma nova é uma estrela que, explodindo, se torna, de repente, muito luminosa. Aparecendo assim para nós tão bruscamente, dá a ideia de ser “nova”, daí o nome, embora já existisse há muito tempo. Brilha intensamente durante alguns dias – durante 2 ou 3 dias sua luminosidade pode ser multiplicada por um fator de 10.000 – voltando gradualmente ao seu brilho original. A cada ano descobrem-se cerca de 5 estrelas novas.

Uma supernova é uma estrela, que, ao explodir multiplica seu brilho normal por um fator de 100 milhões de vezes, e pode ser visível durante vários meses, mesmo à luz do dia. As supernovas são bem mais raras do que as novas. Até hoje, são documentadas três supernovas na Via Láctea: a supernova dos chineses (1054), que deu origem à Nebulosa de Caranguejo, a estrela de Tycho (1572) e a estrela de Kepler (1604)[25].

Os chineses, que documentavam estes fenômenos meticulosamente, não registram nenhuma supernova nos anos dos quais estamos tratando. Falam, entretanto, de uma nova visível durante mais de 70 dias na constelação de Capricórnio e que apareceu em março/abril de 5 a.C. O grande astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) defendia ser esta nova a estrela de Belém.

Mas, muitos pensam que para datar o nascimento de Jesus, este fenômeno falha por ser muito tardio.

:: A passagem de um cometa

O cometa Halley é documentado desde 467 a.C. Em 1682 o astrônomo inglês Edmond Halley (1656-1742) determinou sua órbita, sendo o Halley um cometa periódico visível a cada 76 anos. Sua última passagem foi em 1986.

Os chineses documentaram o Halley em 12 a.C., assim como  documentaram também a passagem de outros cometas na mesma época, sendo o mais interessante o de 5 a.C. Entretanto, esta teoria  sofre do mesmo problema da teoria anterior: data improvável. Além do que, cometas na antiguidade eram arautos de desgraças e não de bênçãos.

Um dos primeiros a apostar que a estrela de Belém era um cometa foi Orígenes (ca. 184-254), Padre da Igreja nascido em Alexandria, Egito.

Giotto, Adorazione dei Magi - Cappella degli Scrovegni, Padova, Italia (ca. 1303-1305)Em nossos presépios é extremamente comum vermos a estrela de Belém representada como um cometa. Só que a cauda do astro está voltada para o estábulo, o que é cientificamente inaceitável. Quando o Sol se põe as caudas dos cometas apontam para cima, pois elas sempre  ficam em direção contrária ao Sol.

Giotto pintou o Halley na posição correta, com a cauda voltada em sentido oposto ao estábulo, na adoração dos magos da Capela Arena, em Padova, Itália, pois o viu em 1301.

:: A  tríplice conjunção de Júpiter e Saturno

Uma conjunção, segundo Mourão, é a configuração apresentada por dois astros no instante em que as suas longitudes geocêntricas, ou as suas ascensões retas atingem um mesmo valor. Uma conjunção tríplice, por sua vez, são três conjunções sucessivas de dois mesmos planetas, não uma conjunção de três planetas. O fenômeno, na verdade, é causado pelo movimento da Terra em torno do Sol, dando a impressão de que os dois planetas se aproximaram.

Uma conjunção tríplice de Júpiter e Saturno ocorreu entre 8 e 7 a.C. na constelação de Peixes, acontecendo a terceira “aproximação” entre os dois planetas em 6 de dezembro do ano 7 a.C. Este cálculo foi feito por Johannes Kepler, que observou em sua época uma conjunção simples. Este fenômeno da conjunção tríplice destes dois planetas é muito raro, demorando mais de 900 anos para se repetir. O astrônomo David Hughes, em 1979, defendeu ser este fenômeno a estrela de Belém. E datou o nascimento de Jesus numa tarde de terça-feira, 15 de setembro do ano 7 a.C.

Porém, há problemas: os dois planetas não aparecem, em nenhuma das três “aproximações”, como um único astro, além da dinâmica do fenômeno não combinar com o relato de Mateus. Por isso, muitos rejeitam tal teoria[26].

:: O ‘ponto estacionário’ de Júpiter

Júpiter, em seu trajeto aparente no céu, move-se de leste para oeste. Mas, por causa do movimento relativo da Terra e dos outros planetas, este movimento de Júpiter diminui e o planeta parece parar, quando atinge o que é chamado de “ponto estacionário”. Em seguida, ele se move novamente de leste para oeste, “para” de novo e retoma seu movimento.

Alguns defendem ser esta a estrela de Belém mencionada por Mateus, como Ivor Bulmer-Thomas (1992) e Michael Molnar (2000)[27].

Há, ainda, outras explicações, como o de uma estrela variável em seu brilho, ou  o de uma combinação de conjunção de planetas com uma nova, como parece que aconteceu na época. Vários planetas, como Júpiter, Saturno, Marte e Urano são igualmente candidatos a preencher o significado deste astêr, palavra grega usada por Mateus que pode ser traduzida tanto como estrela quanto como planeta.

 

Uma estrela teológica?

Para muitos esta estrela é “teológica”. Mateus está fazendo um midrash, que não é relato de fatos, mas interpretação de tradições e, por isso, não pensa em estrela concreta nenhuma, apenas no significado do nascimento de um personagem importante.

E não era incomum, na época, o tema do aparecimento de uma estrela no nascimento de um personagem importante[28].

A tradição judaica fala do aparecimento de uma estrela por ocasião do nascimento de Abraão, indicando sua futura grandeza: “Quando nasceu o patriarca Abraão, os astrólogos viram no oriente uma estrela luminosa que ofuscava todas as outras. Buscaram então a Nimrod e lhe disseram: ‘Nasceu hoje ao velho Terá um filho, que destruirá todos os nossos deuses e conquistará todas as nossas terras'”[29].

A estrela é a metáfora do rei messias. Nm 24,17 diz o seguinte:

“Eu o vejo – mas não agora,
eu o contemplo – mas não de perto:
Um astro procedente de Jacó se torna chefe,
um cetro se levanta, procedente de Israel.
E esmaga as têmporas de Moab
e o crânio de todos os filhos de Set”.

Este texto, “traduzido” para o aramaico, segundo o Targum Neophiti I, fica assim:

“Eu o vejo, mas não no presente,
eu o contemplo, mas ele não está próximo.
Um rei deve levantar-se
dentre os da casa de Jacó,
um libertador e um chefe
dentre os da casa de Israel.
Porá à morte os poderosos dos moabitas,
exterminará todos os filhos de Set
e despojará os que possuem riquezas”.

 

Bibliografia

AUTORES CLÁSSICOS: recomendo The Perseus Collections, The Perseus Catalog, LacusCurtius e Loeb Classical Library.

A Visita dos Magos na arte: conferir WikiArt e Google.

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>> Bibliografia atualizada em 28.04.2016

Artigos


[25]. Cf. MOURÃO, R. R. de Freitas Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, verbete Nova.

[26]. Cf. YAHAMUCHI, E. M. Persia and the Bible, p. 482. O livro de Hughes é The Star of Bethlehem. New York: Walker, 1979. Para a definição de conjunção, cf. MOURÃO o. c., verbetes Conjunção e Conjunção Tríplice.

[27]. Cf. STROBEL, N. The Star of Bethlehem: An Astronomical Perspective.

[28]. Cf. KITTEL, G.(ed.) Theological Dictionary of the New Testament I. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979, verbete astêr, p. 505, nota 18.

[29]. Trecho do Midrash Sefer Ha-Yashar, em GUINSBURG, J. (org.) Histórias do povo da Bíblia: relatos do Talmud e do Midrash. São Paulo: Perspectiva, 1967, p. 77. Cf. também BECK, E. O Filho de Deus veio ao mundo: para você entender os relatos da infância de Jesus. São Paulo: Paulus, 1982, p. 109.


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6.3. Jesus nasceu em Belém ou em Nazaré?

E o local do nascimento de Jesus? Tanto Mateus como Lucas afirmam que foi em Belém, porém só em Mt 2 e Lc 2 existe essa afirmação de forma clara. Nem nas narrativas da infância, nem no resto do Novo Testamento essa afirmação volta a ser feita e mesmo em outras partes de Mateus e Lucas Jesus é simplesmente Jesus de Nazaré ou o Nazareno[16].

Mas as opiniões dos especialistas quanto ao local real do nascimento de Jesus são divergentes. Alguns defendem ser Belém e apelam para a própria Escritura, como o faz Mateus; outros defendem ser Nazaré e aceitam ser Belém apenas o “lugar teológico” do nascimento do Messias, por causa da tradição usada pelos primeiros cristãos.

Belém, aqui em Mt 1,1-12, exerce dupla função:
. é a cidade de Davi, com tudo o que Davi representa para Israel
. opõe-se ao poder opressor de Jerusalém, lugar do idumeu Herodes e do Sinédrio.

Na citação de Mq 5,1 + 2Sm 5,2, Mateus usa o texto da Septuaginta, tradução grega da Bíblia feita no século III a.C., onde o sentido messiânico é mais acentuado.

O texto hebraico (TM = texto massorético) diz: “embora pequena entre os clãs“… Mateus muda para “de modo algum és o menor entre os clãs de Judá…“, para exaltar a cidade de Davi e de Jesus. Mateus muda também o “Belém, Éfrata” de Miqueias, para “Belém, terra de Judá“, para evitar confusão com a Belém do norte.

E como era habitual na exegese rabínica, o contexto messiânico – ou seja, o texto lido messianicamente na sinagoga – de Mq 5,1 atraiu 2Sm 5,2, que fala de Davi: “És tu que apascentarás o meu povo Israel e és tu quem serás chefe de Israel“.

A posição de John P. Meier sobre o assunto é a seguinte: “Mesmo que o nascimento de Jesus em Belém não possa ser totalmente excluído (raramente consegue-se ‘provar uma negativa’ em história antiga), temos que aceitar o fato de que, na opinião predominante nos Evangelhos e nos Atos, Jesus veio de Nazaré e – exceto pelos capítulos 1-2 de Mateus e Lucas – somente de Nazaré. Os caminhos um tanto sinuosos e suspeitos que Mateus e Lucas percorrem para conciliar a tradição dominante de Nazaré com a tradição especial de Belém das suas Narrativas da Infância talvez indiquem que o nascimento de Jesus em Belém deva ser entendido não como fato histórico, mas como um teologúmeno, ou seja, um princípio teológico (p. ex., Jesus é o verdadeiro Descendente de Davi, o Messias real da profecia), sob a forma de uma narrativa aparentemente histórica. É preciso admitir, no entanto, que não se pode ter certeza nesse ponto”[17].


 Um esboço da vida de Jesus, segundo John P. Meier

“Jesus de Nazaré nasceu – mais provavelmente em Nazaré, e não em Belém – por volta de 7 ou 6 a.C., alguns anos antes da morte do Rei Herodes, o Grande (4 a.C.). Após ter sido educado de forma convencional numa família devota de camponeses judeus da Baixa Galileia, ele foi atraído para o movimento de João Batista, cujo ministério começou na região do Vale do Jordão, entre o final de 27 ou começo de 28 d.C.; batizado por João, logo Jesus seguiu seu próprio caminho, iniciando seu ministério ainda em 28, com a idade de 33 ou 34 anos. Regularmente ele dividiu sua atividade entre a região da Galileia e Jerusalém (incluindo a área adjacente da Judeia), dirigindo-se para  a cidade santa para as grandes festas, quando as grandes multidões de peregrinos lhe proporcionariam um público que, de outra forma, ele não conseguiria atingir. Seu ministério se prolongou por dois anos e alguns meses.

Em 30 A.D., estando em Jerusalém para a festa da Páscoa que se avizinhava, Jesus aparentemente sentiu que a crescente hostilidade entre as autoridades do templo e ele estava prestes a alcançar seu clímax. Jesus celebrou uma solene ceia de despedida com seu círculo mais íntimo de discípulos, ao anoitecer da quinta-feira, 6 de abril (pela nossa contagem atual), quando começava o décimo quarto dia de Nisan, o dia de preparação para a Páscoa (de acordo com a contagem litúrgica judaica). Preso em Getsêmani na noite de 6 para 7 de abril, ele foi primeiro inquirido por alguns funcionários judeus (pouco provavelmente por todo o Sinédrio) e depois entregue a Pilatos na madrugada de sexta-feira, 7 de abril. Pilatos prontamente o condenou à morte na cruz. Depois de flagelado e humilhado, Jesus foi crucificado no mesmo dia, nos arredores de Jerusalém. Morreu na sexta-feira, 7 de abril de 30, com a idade de 36 anos aproximadamente” (MEIER, J. P.  Um judeu marginal: repensando o Jesus Histórico. Volume Um: as raízes do problema e da pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 401-402).

 

6.4. Os Magos

Segundo o historiador grego Heródoto (ap. 480-ap. 425 a.C.), os magos eram originariamente uma tribo dos medos que atuavam como sacerdotes e adivinhos sob os reis aquemênidas (séculos VI-IV a.C.). Diz Heródoto: “As tribos dos medos são as seguintes: os busos, os paretacenos, os estrúcatos, os arizantos, os búdios e os magos” (História I,101)… “Astiages relatou a visão que tivera em sonho aos intérpretes magos, e ficou apavorado ao ouvir as suas palavras” (História I,107)… “Astiages (…) para decidir a sorte de Ciros, mandou chamar os mesmos magos que, como dissemos, tinham interpretado seu sonho; quando eles chegaram Astiages lhes perguntou qual havia sido a sua interpretação da visão. Os magos lhe deram a mesma resposta anterior: disseram que o menino teria fatalmente reinado” (História I, 120)… “Dizendo essas palavras ele [Astiages] mandou primeiro empalar os magos intérpretes de sonhos, que o haviam convencido a deixar Ciros viver” (História I, 128)… “Sua maneira de sacrificar aos deuses é a seguinte (…) Depois de a carne ser arrumada dessa maneira um mago se aproxima e canta por cima dela uma teogonia (dizem que esse é o assunto de seu canto); ninguém tem o direito de oferecer um sacrifício sem a presença de um mago” (História I, 132)[18].

O geógrafo grego Estrabão (ap. 64 a.C.-19 d.C.) diz que os magos oferecem libações e sacrifícios diante do altar do fogo: “Na Capadócia (pois ali a seita dos Magos, que são também chamados Pýraithoi [‘acendedores de fogo’], é grande e neste país há também muitos templos dos deuses persas) o povo…” (Geografia 15.3.15)[19]. O escritor ateniense Xenofonte (ap. 430- ap.355 a.C.), em sua obra Ciropedia 4.5.14, faz a mesma afirmação sobre as libações.

Quando Cambises estava no Egito, lutando para conquistá-lo em 525 a.C., um mago chamado Bardiya/Smerdis, fazendo-se passar por irmão de Cambises, tomou o poder na Pérsia, sendo, em seguida, derrotado por Dario I. Na famosa inscrição no rochedo de Behistun, o impostor, também conhecido como Gaumata, é chamado por Dario, em Persa Antigo, de magush. Aliás, palavra de sentido incerto. Sugeriu-se que possa vir do Proto-Indo-Europeu magh– = “ser capaz de”.

Os persas continuaram a usar derivações da palavra magush como uma palavra para “sacerdote” até o fim da era sassânida, por volta de 650 d.C. Um sacerdote comum era chamado mog e o sacerdote chefe era magupat, “senhor dos magos”.

A relação dos magos com Zaratustra é controvertida, assim como a religião dos magos sob os aquemênidas. É possível que os magos medos tenham sido substituídos por Dario I pelos magos persas – que aceitavam o zoroastrismo – após a revolta de Gaumata. De qualquer maneira, em muitos escritos antigos, os magos aparecem associados ao zoroastrismo e a Zaratustra. Na época helenística os magos aparecem também cada vez mais associados à astrologia. E Zaratustra com eles[20].

 

Três reis magos: Melquior, Baltazar e Gaspar?

Os presentes dos magos em Mt 2,11 – ouro, incenso e mirra – representam para o evangelista as riquezas orientais. É possível que Mateus não visse aqui nenhum simbolismo especial na escolha de cada um deles.

Is 60,6 diz a propósito do esplendor de Jerusalém, glorificada por Iahweh, que recebe as riquezas vindas das nações pelas mãos de seus reis e de seus povos:

“Uma horda de camelos te inundará
os camelinhos de Madiã e Efa;
todos virão de Sabá
trazendo ouro e incenso
e proclamando os louvores de Iahweh”.

O Sl 72,10-11 diz:

“Os reis de Társis e das ilhas vão trazer-lhe ofertas.
Os reis de Sabá e Seba vão pagar-lhe tributo;
todos os reis se prostrarão diante dele,
as nações todas o servirão”.

Os presentes são, assim, também lidos à luz da Escritura por Mateus, embora indiretamente. O ouro de Ofir (algum ponto no sudoeste da Arábia), o incenso e a mirra do Iêmen (Sabá, na Bíblia) e da Somália eram muito apreciados na época bíblica.

Mas a tradição posterior desenvolveu toda uma história sobre os magos a partir dos presentes.

Os Padres da Igreja, por exemplo: Tertuliano os chama de reis, Justino Mártir, Tertuliano e Epifânio, sabedores da origem dos presentes, dizem que eles vêm da Arábia… (embora outros Padres achem que eles vêm da Pérsia, como Clemente de Alexandria, Cirilo de Alexandria, São João Crisóstomo, Orígenes…).

Os Evangelhos Apócrifos expandem muito a tradição sobre os magos.

O Proto-evangelho de Tiago [21], o mais antigo deles (ca. 150) diz em 21,1-4:

1. Em Belém da Judeia houve uma confusão, porque vieram magos, dizendo: ‘Onde está o nascido rei dos Judeus? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo’.

2. Ouvindo isso, Herodes se perturbou e enviou ministros aos magos; mandou também chamar os sumos sacerdotes e os interrogou, dizendo: “Como está escrito a respeito do Cristo, onde deve ele nascer?” Eles responderam: “Em Belém da Judeia, porque assim está escrito”. Depois ele os dispensou. Interrogou também os magos dizendo: “Que sinal vistes a respeito do rei que nasceu?” Os magos responderam: “Vimos uma estrela grandíssima brilhando entre essas estrelas e obscurecendo-as, tanto que as estrelas não apareciam mais. Foi assim que ficamos sabendo que tinha nascido um rei em Israel e viemos adorá-lo”. “Ide e procurai”, disse Herodes, “e se o encontrardes, fazei-me sabê-lo, para que também eu vá adorá-lo”. Em seguida, os magos partiram.

3. E eis, a estrela que tinham visto no Oriente precedia-os até que chegaram à gruta, e parou em cima da gruta. Os magos, vendo o menino com Maria, sua mãe, tiraram presentes de suas sacolas: ouro, incenso e mirra.

4. Tendo sido avisados por um anjo para não entrarem na Judeia, voltaram ao seu país por outro caminho.

Um texto siríaco do século VI, chamado A Caverna dos Tesouros, nomeia os magos como Hormizdah, rei da Pérsia, Yazdegerd, rei de Sabá e Perozadh, rei de Seba.

O Excerpta Latina Barbari, um manuscrito latino traduzido do grego, do século VI, conservado na Biblioteca Nacional de Paris, nomeia os magos como Bithisarea, Meliquior e Gathaspa.

Um tratado atribuído a Beda, O Venerável (monge do mosteiro de Jarrow, Inglaterra, ca. 673-735), chamado Excerpta et Collectanea chama os magos de Melquior, Gaspar e Baltazar. E foram estes os nomes que prevaleceram. Diz o texto:

“Melquior, um homem velho com cabelos brancos e longa barba… ofereceu ouro para o Senhor como a um rei. O segundo, de nome Gaspar, jovem, imberbe e de pele avermelhada… honrou-o como Deus com seu presente de incenso, oferenda digna da divindade. O terceiro, de pele negra e de barba cerrada, chamado Baltazar… com o seu presente de mirra testemunhou o Filho do Homem que deveria morrer”[22].

O Evangelho Armênio da Infância [23] diz em V,10:

“Um anjo do Senhor foi apressadamente ao país dos persas para avisar os reis magos que fossem adorar o menino recém-nascido. Eles, guiados durante nove meses pela estrela, chegaram no momento em que a Virgem acabava de dar à luz. Porque, nesse tempo, o reino dos persas dominava, por seu poder e suas vitórias, todos os reis que existiam nos países do Oriente. Os reis dos magos eram três irmãos: o primeiro Melquior (Melcon), reinava sobre os persas; o segundo, Baltazar, reinava na Índia; o terceiro, Gaspar, reinava no país dos árabes. Tendo-se reunido, por ordem de Deus, chegaram no momento em que a Virgem se tornava mãe. Eles tinham apressado a viagem e encontram-se lá no momento exato do nascimento de Jesus”.

O Evangelho Siro-Árabe da Infância diz:

“Nesta mesma noite, um anjo da guarda foi mandado à Pérsia e apareceu às pessoas do país na forma de uma estrela muito brilhante, a qual iluminou toda a terra dos persas. Ora, como no dia 25 do primeiro kanun – festa da natividade de Cristo – celebrava-se uma grande festa na casa de todos os persas adoradores do fogo e das estrelas, os magos, com grande pompa, celebravam magnificamente sua solenidade, quando, de repente, uma luz viva brilhou por cima de suas cabeças. Deixando seus reis, suas festas, todos os seus divertimentos e suas casas, saíram para apreciar o espetáculo. Viram no céu uma estrela brilhante em cima da Pérsia. Pelo seu brilho, ela se assemelhava a um grande sol.

E seus reis disseram aos sacerdotes em sua língua: ‘Que sinal é este que estamos vendo?’ E eles, como por adivinhação, disseram: ‘Nasceu o rei dos reis, o deus dos deuses, a luz emanada da luz. Eis que um dos deuses veio anunciar-nos seu nascimento para irmos oferecer-lhe presentes e adorá-lo’.

Levantaram-se então todos, chefes, magistrados, generais, e disseram aos seus sacerdotes: ‘Que presentes convém levarmos?’ E os sacerdotes lhes disseram: ‘Ouro, mirra e incenso’.

Então os três reis, filhos dos reis da Pérsia, tomaram, como que por uma disposição misteriosa, um, três libras de mirra, o outro, três libras de ouro, e o terceiro, três libras de incenso. Estavam revestidos de seus preciosos indumentos, a tiara na cabeça e seu tesouro nas mãos. Ao canto do galo, deixaram seu país, com nove homens que os acompanhavam, e partiram, precedidos da estrela que lhes tinha aparecido”.

Nas pinturas, em alguns momentos os magos foram representados pelos cristãos como sendo doze, em outros quatro, em outros ainda dois… Acabaram tornando-se santos, como no famoso mosaico do século VI da igreja de Santo Apolinário Novo em Ravenna, na Itália, onde acima de suas figuras se lê SCS. (=Sanctus) Baltazar, SCS. Melquior, SCS. Gaspar.

Quando o veneziano Marco Polo (ca.1254-ca.1324) viajou para a Pérsia,  as tumbas dos magos lhe foram mostradas, com seus corpos perfeitamente conservados…

Competindo com esta tradição, diz outra que o Imperador Zeno recuperou as relíquias dos magos em 490, em Hadramaut, na Arábia do sul. De Constantinopla elas foram para Milão. Quando o Imperador alemão Frederico I Barba-Ruiva (1152-1190) conquistou Milão, seu chanceler Reinald von Dassel, conseguiu levar as relíquias dos magos para sua cidade natal, Colônia. Assim, os magos, depois de tantas andanças, descansam em paz na famosa catedral gótica de Colônia, Alemanha, desde 1164…[24].

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[16]. Cf. MEIER, J. P. Um judeu marginal I, p. 214.

[17]. Idem, ibidem p. 216. De que não se pode ter certeza nesta questão é também a posição de BROWN, R. E. The Birth of the Messiah. Garden City, NY: Doubleday, 1977, p. 513-516 [tradução brasileira: O nascimento do Messias. São Paulo: Paulinas, 2009].

[18]. HERÔDOTOS História. Brasília: Editora da UnB, 1985. Sobre os magos, cf. YAMAUCHI, E. M. Persia and the Bible. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1996, p. 467-491.

[19]. STRABO Geography, Books 15-16. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995. Sobre as libações, cf. Geografia 15.3.14.

[20]. Cf. YAMAUCHI, E. M. Persia and the Bible, p. 467-474. “Zoroastro” é apenas outra forma, derivada do grego, para falar do mesmo Zaratustra.

[21]. O Proto-evangelho de Tiago suscita até hoje grande controvérsia quanto à sua autoria. Pensava-se ser o autor Tiago Menor, o chamado “irmão do Senhor”, mas isto é improvável. O que se sabe é que este evangelho é a compilação, feita talvez no século IV, de três documentos gregos originariamente independentes. Cf. introdução e texto em MORALDI, L. Evangelhos Apócrifos. 4. ed. São Paulo: Paulus, 1999, p. 91-117.

[22]. Cf. YAMAUCHI, E. M. Persia and the Bible, p. 486-487. O nome Melquior significa “meu rei é luz”; Baltazar deriva, provavelmente, do nome babilônico dado a Daniel, “Belteshazzar” (cf. Dn 1,7); Gaspar pode vir do nome indiano Gundaphorus, segundo Edwin M. Yamauchi, o. c., p. 486, nota 115.

[23]. O Evangelho Armênio da Infância é uma tradução de um texto siríaco feita no século VI. Cf. DE SANTOS OTERO, A. Los Evangelios Apócrifos: Edición crítica e bilingue. Madrid: BAC, 2006, p. 359-365.

[24]. Cf. YAMAUCHI, E. M. o. c., p. 491.


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3. Impossibilidade histórica

a. O deslocamento de personagens ilustres de uma terra distante em busca de um menino desconhecido.

b. O aparecimento/desaparecimento de um astro celeste em função de um fato terrestre.

c. O comportamento de Herodes que consulta os especialistas, mas não vai a Belém.

d. A perturbação de toda Jerusalém.

d. A conversão de gentios logo após o nascimento de Jesus.

 

Tudo isto nos leva em outra direção

 

4. Mateus, um evangelho antissemita?

Durante muito tempo, Mateus foi considerado o mais antissemita dos evangelhos, no qual se revelaria como os seguidores do Nazareno teriam entrado em choque, nos anos que se seguiram à destruição de Jerusalém em 70 d.C., com um farisaísmo sectário, acusado ao longo do evangelho de perversão, tirania, ambição, intemperança. Enfim, acreditava-se que a polêmica de Mateus com o judaísmo poderia ser resumida na seguinte frase: os judeus recusaram Jesus como Messias, enquanto que os gentios o acolheram favoravelmente. Esta é a posição clássica da exegese e prevalece ainda em muitos comentaristas.

Entretanto, pesquisas dos períodos pós-exílico e pós-guerra dos anos 60/70 d.C. contra Roma levaram autores importantes como Anthony J. Saldarini e J. Andrew Overman à defesa de uma visão radicalmente diferente sobre o evangelho de Mateus: o texto de Mateus é mais judaico do que imaginamos. É a expressão de um grupo dissidente judaico que tenta, no contexto pluralista judaico do Segundo Templo e do pós–guerra de 70, impor sua visão e interpretação da vértebra do judaísmo deste período: a Torá e as tradições judaicas[2].

O movimento de Jesus é intra-judaico. “O texto de Mateus é um texto judaico que tem um programa normativo para uma comunidade judaica e quer ver este programa triunfar sobre o de seus rivais. O autor considera ter a verdadeira interpretação da Torá, o que ele faz mediante a tradição de Jesus, que ele declara ser o Messias e Filho de Deus”[3].

E o que diz J. Andrew Overman? Na situação e no ambiente da comunidade de Mateus, o fator que influenciou mais profundamente seu desenvolvimento foi a competição e o conflito com o chamado judaísmo formativo, um grupo, que, como a comunidade de Mateus, estava envolvido em um processo de construção e definição social após a destruição do Templo de Jerusalém. “Na época da escritura do Evangelho de Mateus, os dois grupos, o judaísmo formativo e o judaísmo de Mateus, estavam evidentemente em competição e, ao que parece, o judaísmo formativo estava ganhando terreno. Isso tem um impacto significativo na forma e no conteúdo do Evangelho de Mateus. Muitos dos desenvolvimentos na vida da comunidade de Mateus ocorriam em resposta ao impacto que um judaísmo formativo em organização e consolidação estava tendo sobre as pessoas da comunidade e sobre seu mundo”[4].

Saldarini, por sua vez, garante que “em nenhuma passagem Mateus rejeita o ‘Judaísmo’ ou o ‘povo judeu’. Nem, ao contrário da opinião de muitos intérpretes, afastou-se da comunidade judaica em favor de uma nova comunidade cristã. Nenhuma das polêmicas de Mateus apontam para o Judaísmo ou o povo judeu como um todo, mas sim para certas interpretações do Judaísmo e para líderes da oposição e, ocasionalmente, para o povo que os segue na rejeição do grupo mateano e seu entendimento da vontade de Deus”. E mais adiante: “Embora seja, às vezes, descrito como antijudaico, na verdade Mateus reserva seu veneno para líderes judaicos hostis e, ocasionalmente, para quem segue estes líderes em uma firme rejeição de Jesus”. E ainda: “Mateus e seu grupo estão em luta pelos corações e mentes dos companheiros judeus”[5].

E os gentios? “Presentes de diversas maneiras, os gentios fazem parte do mundo judaico de Mateus. Alguns deles desempenham papel especial, como os magos, a mulher cananeia e o centurião ao pé da cruz. Quando Mateus enfatiza a presença e a fé dos não judeus, faz disso um artifício para que seu grupo dê uma resposta mais convincente à sua fé. Contudo, como afirmamos, Mateus, mantém abertas as fronteiras para os gentios, desde que estes estejam dispostos a se aproximarem, positivamente, de Israel e de Jesus, confirmando suas tradições e a Lei”, nos lembra Carlos Alberto Rodrigues Jorge quando fala do 40 capítulo do livro de Saldarini, O horizonte de Mateus: as nações[6].

Saldarini é enfático ao afirmar no capítulo conclusivo de seu livro: “Mateus não substitui Israel pelos gentios, ao contrário do que pensam muitos comentaristas. A teoria de substituição ou supercessionária foi desenvolvida por autores cristãos do século II, por exemplo, Barnabé e Justino, e foi depois projetada de volta para Mateus, em geral pela construção de uma teologia da história da salvação alheia a Mateus. Mateus abre as portas para não judeus, mas espera que eles observem a lei revelada na Bíblia”[7].

A quem se dirige Mateus? Saldarini, ainda nas Conclusões, define: “Este estudo conclui que o evangelho de Mateus dirige-se a um grupo dissidente na comunidade judaica da grande Síria, uma seita reformista que procura influência e poder (relativamente sem sucesso) na comunidade judaica como um todo”[8].

E quem é o autor do evangelho? “O autor de Mateus (…) provavelmente é um judeu que, embora expulso da assembleia de sua cidade, ainda se identifica como membro da comunidade judaica e apoia a obediência à Lei judaica de acordo com a interpretação de Jesus”, diz Saldarini[9].

 

5. O sentido de Mt 1-2

É neste contexto da comunidade de Mateus que devemos ler os capítulos 1e 2, onde são respondidas duas questões:

Quem é Jesus?
a. Mt 1,1-17  : filho de Davi, filho de Abraão

b. Mt 1,18-25: Emanuel, Salvador, Filho de Deus.

De onde é Jesus e de que época?
a. Mt 2,1-12  : nascido em Belém, no tempo de Herodes

b.  Mt 2,13-15: fugiu para o Egito, por causa de Herodes

b’. Mt 2,16-18: escapou do massacre ordenado por Herodes

a’. Mt 2,19-23: voltou para Nazaré, após a morte de Herodes.

 

Olhando de outro ângulo, pode-se dizer que temos em Mt 1-2 um tema de abertura, como na música erudita, e o desenvolvimento do tema em cinco amostras de quem é Jesus para a comunidade cristã. Assim:

1. Tema
1,1-17: Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão

2. Desenvolvimento do tema ou amostras de quem é Jesus
a. 1,18-25: gerado pelo Espírito

b. 2,1-12: rejeitado pelas elites judaicas, aceito pelos sábios gentios

c. 2,13-15: realiza o itinerário exodal de Israel, como um novo Moisés

d. 2,16-18: realiza o itinerário exílico de Israel

e. 2,19-23: cumpre o fim do exílio e volta à terra

 

Portanto, Mt 1-2 deve ser lido à luz da ressurreição e da confissão da comunidade de que Jesus é o Messias. Não é uma narração de fatos históricos precisos, mas um painel teológico construído com os pedaços da tradição judaica e cristã, com função pastoral.

Mt 1-2 é um midrash, gênero rabínico de exegese ou explicação da Bíblia. É uma atualização de um dado bíblico em função da situação atual. O termo vem da raiz darash, “procurar”, e significa, portanto, “procura”, “busca”. Em um dos tipos de midrash, a haggadah (da raiz higgid, “anunciar”, “narrar”, significa “o que diz a Escritura”), por exemplo, os escribas refletiam sobre os grandes acontecimentos da salvação narrados na Escritura e sobre os homens importantes, para mostrar a sua atualidade[10].

Nos meios (essênios e) cristãos insistia-se muito no cumprimento das promessas da Escritura: agora, no momento adequado e definitivo, via-se a sua realização na vida da comunidade. É o midrash pesher. Mateus faz exatamente tal leitura das Escrituras em 1-2. O pressuposto do pesher é o seguinte: o profeta, salmista ou sábio não escreveu para a sua época, mas para os tempos finais, de realização das promessas. O princípio que rege tal comentário é o da apocalíptica, fazendo da Escritura uma imensa alegoria… Pesher significa “explicação”, “significado”.

 

6. Os elementos mais importantes de Mt 2,1-12

6.1. Herodes Magno

Herodes Magno (37-4 a.C.) é um usurpador do trono judeu, com aprovação de Roma. Ele é idumeu e Edom foi um tradicional inimigo de Israel. Deste modo, por ser estrangeiro, não tem para com os judeus nenhuma relação de reciprocidade e sua legitimidade se funda na própria estrutura do poder exercido[11].

Herodes constrói uma estrutura de poder independente da tradição judaica:

. nomeia o sumo sacerdote do Templo: destitui os Asmoneus e nomeia um sacerdote da família sacerdotal babilônica e, mais tarde, da alexandrina

. exige de seus súditos um juramento que obriga a pessoa a obedecer às suas ordens em oposição às normas patriarcais; se a pessoa recusar o juramento, é perseguida

. interfere na justiça do Sinédrio

. manda vender os assaltantes e os revolucionários políticos capturados como escravos no exterior, sem direito a resgate

. a venda à escravidão e a execução pessoal (a morte) tornam-se normas comuns do arrendamento estatal.

Mas, se ele viola assim a tradição, como consegue legitimidade? A estrutura de poder do Estado sob Herodes é bem diferente da estrutura da época dos Macabeus:

. o rei é legitimado como pessoa e não por descendência

. o poderio não se orienta pela tradição, mas pela aplicação do direito pelo senhor

. o direito à terra é transmitido pela distribuição: o dominador a dá ao usuário: é a “assignatio

. a base filosófica helenística é que legitima o poder do rei, quando diz que o rei é “lei viva” (émpsychos nómos), em oposição à lei codificada, ou seja: o rei é a fonte da lei, porque ele é regido pelo “nous“: o rei tem função salvadora e, por isso, dá aos seus súditos uma ordem racional, através das normas do Estado. “O rei em sua pessoa é a continuação do seu reino e o salvador de seus súditos”, diz H. G. Kippenberg[12].

. o poder militar de Herodes se baseia em mercenários estrangeiros que ficam em fortalezas ou em terras dadas aos mercenários (cleruquias) por ele (terras no vale de Jezrael), e nas cidades não judaicas por ele fundadas, a cujos cidadãos ele dá como posse o território que as rodeia, com os camponeses dentro!

Daí seu pavor, segundo Mateus, ao ouvir falar de um rei dos judeus descendente de Davi. Para Mateus, ele é a figura do Faraó que persegue o novo Moisés, libertador do povo.

 

6.2. A data do nascimento de Jesus

Como pode Jesus ter nascido antes da Era Cristã?

Vamos começar pela citação de uma extensa nota de rodapé de um dos mais importantes estudos sobre o Jesus histórico existentes atualmente, que é o de John P. Meier, Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. 

No volume I, capítulo 11, nota 24, Meier observa: “O paradoxo de Jesus ter nascido em alguma data anterior a 4 a.C. se deve ao nosso atual sistema de contagem dos anos, a.C. (‘antes de Cristo’ e d.C. (‘depois de Cristo’) ou A.D. (anno Domini = ‘no ano do Senhor [Jesus]’), estabelecido pelo monge Dionísio Exíguo. Na primeira metade do século VI A.D., Dionísio sugeriu que os cristãos deveriam contar os anos a partir do nascimento de Cristo, e não do reinado do Imperador Diocleciano (notório por sua perseguição aos cristãos) – isto para não falar da contagem a partir da tradicional data da fundação da cidade de Roma (A.U.C. [ab urbe condita], que corresponderia a 753 a.C. no nosso atual sistema de contagem). Infelizmente, a aritmética de Dionísio não estava no mesmo nível de sua devoção; ele calculou erradamente o ano da morte de Herodes (dessa forma antecipando as posições de alguns exegetas do século XX) e, em decorrência, o ano do nascimento de Jesus. Dionísio considerou que 1 A.D. fosse equivalente a 754 A.U.C., errando por quatro anos no mínimo, pois Herodes morreu em 750 A.U.C.”[13].

O mesmo autor, tratando das narrativas da infância de Jesus segundo Mateus e Lucas, vai dizer: “Será que as Narrativas da Infância têm algo a contribuir para o nosso conhecimento do Jesus histórico? Alguns exegetas responderiam: praticamente nada. Contudo, um julgamento totalmente negativo pode ser muito radical”.

E continua dizendo que a teoria mais bem aceita sobre a relação entre os evangelhos sinóticos mostra que Mateus e Lucas não se conheceram. Além do que as narrativas da infância são bem diferentes entre si. Em que isto contribui?

“Quaisquer concordâncias entre os dois [Mateus e Lucas] nessas narrativas se tornam historicamente significativas, em especial quando o critério da múltipla confirmação é invocado. Essas concordâncias em duas narrativas independentes e profundamente contrastantes representariam, no mínimo, um recurso a uma tradição mais antiga, e não a criação dos evangelistas (…) Por exemplo, apesar de todas as suas divergências, tanto Mateus como Lucas situam o nascimento de Jesus durante o reinado de Herodes, o Grande (37-4 a.C.; cf. Mateus 2,1 e Lucas 1,5)”[14].

Para concluir: “A correlação de Mateus 2 e Lucas 3,23 torna provável – embora não certo – que Jesus tenha nascido poucos anos, e apenas poucos, antes de 4 a.C.”[15].

Página 3


[2]. Cf. SALDARINI, A. J. A comunidade judaico-cristã de Mateus. São Paulo: Paulinas, 2000. Cf. também a resenha desta obra, feita por Carlos Alberto Rodrigues Jorge, à época aluno do 30 ano de Teologia, em Cadernos de Teologia, Campinas, n. 8,  p. 71-75, 2000.

[3]. RODRIGUES JORGE, C. A. o. c., p. 72.

[4]. OVERMAN, J. A. O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo: o  mundo social da comunidade de Mateus. São Paulo: Loyola, 1997, p. 14; Cf., do mesmo autor, Igreja e comunidade em crise: o Evangelho segundo Mateus. São Paulo: Paulinas, 1999.

[5]. SALDARINI, A. J. A comunidade judaico-cristã de Mateus, p. 80 e 119.

[6]. RODRIGUES JORGE, C. A. o. c., p. 73.

[7]. SALDARINI, A. J. o. c., p. 321.

[8]. Idem, ibidem, p. 320.

[9]. Idem, ibidem, p. 42.

[10]. Cf. KETTERER, E. ; REMAUD, M. O Midraxe. São Paulo: Paulus, 1996.

[11]. Cf., para o que se segue, KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, [1988] 1997, p. 109-116. Há um resumo deste livro no Observatório Bíblico, publicado em 2007.

[12]. KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia, p. 114.

[13]. MEIER, J. P. Um judeu marginal: repensando o Jesus Histórico. Volume Um: as raízes do problema e da pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 411, nota 24.

[14]. Idem, ibidem, p. 213-214.

[15]. Idem, ibidem, p. 371.


O discurso socioantropológico 9

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Conclusão

Como conclusão, talvez fosse conveniente lembrar ao leitor que muitos autores, somando as contribuições das teorias antropológicas e sociológicas, preferem falar das abordagens vistas acima de modo diferente, como Charles E. Carter, na introdução ao livro Community, Identity and Ideology. Social Sciences Approaches to the Hebrew Bible[60].

Algumas perspectivas enfatizam as forças ou conflitos que produzem mudanças sociais, enquanto outras enfatizam a estabilidade de uma determinada sociedade baseada sobre a estrutura e a função das instituições e então teríamos, de um lado uma perspectiva de conflito, como em Max Weber, e de outro uma perspectiva estrutural funcional, como a de E. Durkheim, ambos com significativo número de seguidores nos estudos bíblicos.

Charles Carter diz ainda que alguns teóricos enfatizam os modos específicos de subsistência que caracterizam uma sociedade, enquanto outros enfatizam as relações econômicas existentes dentro do processo social, o que nos leva à classificar suas abordagens com o nome de estratégias de subsistência, como em Hopkins, versus modo de produção como em Marx e seguidores.

Outros ainda sublinham a importância das ideias e da ideologia na explicação de como se organizam as sociedades, enquanto outra corrente vê a ideologia como um processo que deve ser explicado a partir das condições materiais próprias de uma sociedade, colocando de um lado, Max Weber como defensor de um idealismo cultural, e de outro Karl Marx como o teórico do materialismo cultural.

Charles Carter nos lembra finalmente que estas perspectivas são, às vezes, utilizadas individualmente, mas outras vezes duas ou mais abordagens podem ser colocadas lado a lado como complementares pelos estudiosos da Bíblia.

 

Bibliografia

*. Lembro aos interessados na leitura dos textos fundamentais que muitos deles estão disponíveis gratuitamente na internet em formato digital. E em várias línguas, desde as originais até traduções em português. Confira: Mais ebooks gratuitos para Kindle e outros leitores.

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>> Bibliografia atualizada em 07.06.2015

Artigos


[60]. Cf. CARTER, C. E. A Discipline in Transition: The Contributions of the Social Sciences to the Study of the Hebrew Bible, em CARTER, C. E. ; MEYERS, C. L.(eds.) Community, Identity and Ideology, p. 9-13. Cf. também JOHNSON, A. G. Dicionário de Sociologia, verbetes Perspectiva de conflito, Perspectiva estrutural-funcionalista, Perspectiva interacionista.


O discurso socioantropológico 8

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Fundamentada em tais pressupostos, a antropologia desenvolveu, neste período, grande interesse pelas sociedades primitivas e buscaram-se práticas e ideias primitivas que teriam sobrevivido na forma de crenças e superstições nas sociedades modernas. Assim, a diferença entre uma sociedade primitiva e uma sociedade complexa não é de “essência”, mas apenas de “grau”.[56]

A fase seguinte da antropologia é marcada pela preocupação com o rigor na pesquisa de campo e com a abordagem funcionalista. A antropologia orienta-se, agora, para uma observação mais objetiva das culturas ou instituições, numa abordagem mais descritiva que valorativa, enfatizando a relação entre os diversos elementos que as compõem. Os funcionalistas defendem a observação participativa: os antropólogos devem conviver com os povos analisados observando os detalhes dos seus costumes sociais, mesmo quando parecem sem sentido.

Malinowski (1884-1942)O funcionalismo mudou a tendência das teorias evolucionistas, partindo do princípio de que cada sociedade deve ser analisada em si mesma como um todo integrado de relações e costumes. Assim, “a permanência de formas tradicionais de organização social deveria ser explicada pela função que elas desempenhassem do ponto de vista da sociedade global, e não pelo ‘atraso’ em relação a uma suposta evolução geral das sociedades humanas”, explica Maria Cristina Castilho Costa[57].

Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942), antropólogo polonês, foi o grande teórico da observação participante. Malinowski viveu entre os nativos das ilhas Trobiand, próximo à Nova Guiné, de 1914 a 1918. Definiu o conceito de função, em nível primário, como a resposta de uma cultura determinada às necessidades básicas do homem, tais como a alimentação, a habitação ou a defesa. Mas função é também social, respondendo às necessidades sociais do grupo, tais como as relações conjugais e a paternidade[58].

Outro importante antropólogo funcionalista foi o inglês Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955), que pesquisou os nativos das ilhas Andaman, no golfo de Bengala. Destacam-se entre suas obras A organização social das tribos australianas; Sistemas africanos de parentesco e casamento; Estrutura e função na sociedade primitiva[59].

Muitos outros aspectos e correntes da antropologia poderiam ser abordados, como a abordagem estruturalista e seu campeão Claude Lévi-Strauss. Mas vamos parar por aqui.

Página 9


[56]. Cf. CASTILHO COSTA, M. C. Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade, p. 92.

[57]. Idem, ibidem, p. 93. Cf. também CARTER, C. E. A Discipline in Transition: The Contributions of the Social Sciences to the Study of Hebrew Bible, p. 7-8.

[58]. De Malinowski podem ser lidos Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1978, Coleção “Os Pensadores” e Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

[59]. CASTILHO COSTA, M. C. o. c., p. 95, observa que “Malinowski e Radcliffe-Brown concordavam num ponto: a grande lei sociológica universalmente aplicável era a de que toda e qualquer sociedade constitui um todo integrado de aspectos que respondem a problemas de sobrevivência enfrentados por todos os homens em todos os lugares. As necessidades de alimento, abrigo, reprodução e defesa são respondidas nas formações sociais por modos peculiares de vida, por um sistema singular de instituições inter-relacionadas e que funcionam conjuntamente”.


O discurso socioantropológico 7

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Raymond Aron define isto com muita competência quando diz que “Marx era incontestavelmente um sociólogo, mas um sociólogo de tipo determinado, sociólogo-economista, convicto de que não podemos compreender a sociedade moderna sem uma referência ao funcionamento do sistema econômico, nem compreender a evolução do sistema econômico se desprezamos a teoria do seu funcionamento. Enfim, como sociólogo, ele não distinguia a compreensão do presente da previsão do futuro e da determinação de agir. Comparativamente às sociologias ditas objetivas, de hoje, era, portanto, um profeta e um homem de ação, além de um cientista”[51].

Não tratarei aqui do polêmico tema da religião em Marx, mas o que foi dito já é suficiente para percebermos que, como a religião pertence ao nível ideológico da realidade, ao nível da consciência humana, é preciso, quando se quer analisá-la, antes de qualquer coisa, desvendar a influência dos fatores materiais de uma sociedade determinada sobre as práticas religiosas e os sistemas de crenças das pessoas que a vivem.

Para se compreender a Bíblia, neste caso, devemos verificar a totalidade do processo social ao qual ela pertence. Não são misteriosas inspirações nem complexas psicologias dos autores que, em nosso caso, explicam os textos bíblicos. O que explica um texto é sua mundivisão, sua maneira específica de ver a realidade, condicionada pelas ideologias da sua época e classe social.

Compreender um texto bíblico implica, portanto, analisar as relações complexas e indiretas – em geral, extremamente mediatizadas – entre este texto e o mundo em que foi produzido e lido.

 

11. Origem e características do discurso  antropológico

Enquanto que a sociologia foi aqui definida como o estudo da sociedade humana e de suas instituições, a antropologia pode ser definida, de modo geral, como o estudo dos seres humanos e da cultura humana. O Dicionário Aurélio assim a caracteriza: “Ciência que reúne várias disciplinas cujas finalidades comuns são descrever o homem e analisá-lo com base nas características biológicas (antropologia física) e culturais (antropologia cultural) dos grupos em que se distribui, dando ênfase, através das épocas, às diferenças e variações entre esses grupos”[52].

Como se vê na definição do Aurélio, a antropologia divide-se em duas áreas: a antropologia física e a antropologia cultural. Há certa ambiguidade na terminologia usada para designar esta última, mas o mesmo Aurélio vem nos socorrer: “A designação antropologia cultural é mais usada nos E.U.A., enquanto na Grã-Bretanha o termo antropologia social designa ou a etnologia, ou a antropologia cultural. Nos demais países europeus – p. ex., na França – observa-se uma tendência para o uso dos três termos que representam os níveis de pesquisa que, gradualmente, se vêm estabelecendo nos E.U.A. dentro da antropologia cultural: etnografia, etnologia comparada, antropologia social. Os autores nacionais fazem uso de ambas as designações”[53].

Refazendo o percurso histórico dos conceitos antropológicos, Philippe Laburthe-Tolra e Jean-Pierre Warnier explicam os motivos da diferença terminológica: “Por oposição à antropologia americana definida e considerada uma antropologia cultural herdeira de Herder e de Tylor, a antropologia definiu-se na Grã-Bretanha por referência a Morgan e Durkheim, isto é, como uma antropologia social. À medida que não existe civilização que não seja a de uma dada sociedade, nem sociedade que não seja portadora de uma civilização, os adjetivos ‘cultural’ e ‘social’ que qualificam, respectivamente, a antropologia americana e britânica não indicam uma divergência teórica radical mas uma diferença de ênfase, ou, antes, de opção quanto à forma escolhida para abordar os fatos socioculturais”[54].

Quanto ao seu desenvolvimento, podemos dizer que da segunda metade do século XIX até o começo deste século dominava na antropologia a perspectiva da evolução cultural e o método comparativo, que fundamentou melhor o estudo das culturas humanas.

Sobre Durkheim já falamos o suficiente para percebermos que segundo seu pensamento todas as sociedades poderiam ser classificadas de acordo com um movimento de transformação do mais simples para o mais complexo. As mudanças na divisão do trabalho social são vistas por ele como a lei que explica o processo evolutivo na sociedade. Durkheim fala de solidariedade mecânica nas sociedades pré-capitalistas e de solidariedade orgânica nas sociedades capitalistas.

Já o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936) formulou a distinção, tornada clássica, entre dois tipos básicos de organização social: a comunidade (Gemeinschaft) e a sociedade (Gesellschaft). As relações de comunidade, típicas de grupos de caçadores/coletores e hordas – portanto, grupos relativamente pequenos e pré-industriais – baseiam-se na coesão nascida do parentesco, das práticas herdadas dos antepassados e dos fortes sentimentos religiosos que unem o grupo. Já as relações de sociedade são típicas de grupos que vivem vida urbana desenvolvida, organizam-se em Estados e possuem uma complexa divisão do trabalho[55].

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[51]. ARON, R. o. c., p. 135.

[52]. LACERDA, C. A. ; GEIGER, P. (eds.) Dicionário Aurélio Eletrônico, versão 2.0, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, verbete Antropologia.

[53]. Idem, ibidem, verbete Antropologia. Cf. também CARTER, C. E. A Discipline in Transition: The Contributions of the Social Sciences to the Study of Hebrew Bible, em CARTER, C. E. ; MEYERS, C. L.(eds.) Community, Identity and Ideology, p. 7, nota 7. Por outro lado, Philip R. Davies, In Search of Ancient Israel, p. 11, nota 1, diz que não consegue encontrar uma distinção satisfatória entre as abordagens sociológica e antropológica: “Onde, por exemplo, a sociologia é entendida como ‘a antropologia de sociedades industrializadas’ e se afirma a existência da antropologia social, é difícil ver uma demarcação nítida”. Cf. a mesma perspectiva em CASTILHO COSTA, M. C. Sociologia:Introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1987, p. 90 e 104-105.

[54]. LABURTHE-TOLRA, Ph. ; WARNIER, J.-P. Etnologia-Antropologia. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 68.

[55]. A principal obra de Ferdinand Tönnies é Gemeinschaft und Geselschaft e foi publicada em 1887. A tradução inglesa é Community and Association. London: Routledge & Kegan Paul, 1955.