O discurso socioantropológico 5

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9. A sociologia compreensiva

Foram os alemães, sobretudo, os defensores de uma atitude antipositivista nas ciências sociais, herdeiros que eram dos filósofos da época do Romantismo. Os neokantianos, por exemplo, estabeleceram algumas distinções fundamentais entre as ciências humanas e as ciências da natureza. Importante é a distinção formulada pelo filósofo e historiador Wilhelm Dilthey (1833-1911) entre explicação (Erklären) e compreensão (Verstehen).

As ciências naturais procuram explicar as relações causais entre os fenômenos, enquanto que as ciências humanas precisam compreender processos da experiência humana que são vivos, mutáveis, que precisam ser interpretados para que se extraia deles o seu sentido. Ao aplicar o método da compreensão aos fatos humanos sociais, M. Weber elabora os fundamentos de uma sociologia compreensiva ou interpretativa[39].

Ao contrário de Durkheim, Weber não pensa que a ordem social tenha que se opor e se distinguir dos indivíduos como uma realidade exterior a eles, mas que as normas sociais se concretizam exatamente quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação. E Weber distingue quatro tipos de ação social que orientam o sujeito:

. a ação racional com relação a um objetivo (Zweckrational), como, por exemplo, a de um engenheiro que constrói uma estrada, onde a racionalidade é medida pelos conhecimentos técnicos do indivíduo visando alcançar uma meta.

. a ação racional com relação a um valor (Wertrational), como um indivíduo que prefere morrer a abandonar determinada atitude, onde o que se busca não é um resultado externo ao sujeito mas a fidelidade a uma convicção.

. a ação afetiva, que é aquela definida pela reação emocional do sujeito quando submetido a determinadas circunstâncias.

. a ação tradicional que é motivada pelos costumes, tradições, hábitos, crenças, quando o indivíduo age movido pela obediência a hábitos fortemente enraizados em sua vida[40].

Max Weber (1864-1920)Weber vê como objetivo primordial da sociologia a captação da relação de sentido da ação humana, ou seja, chegamos a conhecer um fenômeno social quando o compreendemos como fato carregado de sentido que aponta para outros fatos significativos. O sentido, quando se manifesta, dá à ação concreta o seu caráter, quer seja ele político, econômico ou religioso. O objetivo do sociólogo é compreender este processo, desvendando os nexos causais que dão sentido à ação social em determinado contexto.

Por isso, para Weber, há profunda ligação entre as ciências históricas e a sociologia. Raymond Aron assim explica esta característica do pensamento de Weber: “Nas ciências da realidade humana deve-se distinguir duas orientações: uma no sentido da história, do relato daquilo que não acontecerá uma segunda vez, a outra no sentido da sociologia, isto é, da reconstrução conceitual das instituições sociais e do seu funcionamento. Estas duas orientações são complementares. Max Weber nunca diria, como Durkheim, que a curiosidade histórica deve subordinar-se à investigação de generalidades. Quando o objeto do conhecimento é a humanidade, é legítimo o interesse pelas características singulares de um indivíduo, de uma época ou de um grupo, tanto quanto pelas leis que comandam o funcionamento e o desenvolvimento das sociedades (…) A ciência weberiana se define, assim, como um esforço destinado a compreender e a explicar os valores aos quais os homens aderiram, e as obras que construíram”[41].

Mas este processo nunca é acabado, pois “o conhecimento é uma conquista que nunca chega ao seu termo”[42], fazendo da ciência um vir a ser constante. Aqui, vê-se como Max Weber se distancia de A. Comte, quando julga impossível que a sociologia possa um dia formular um quadro claro e definitivo das leis fundamentais da sociedade humana. E se distancia também de Marx, quando defende que um mesmo acontecimento pode ter causas econômicas, políticas e religiosas, sendo que nenhuma dessas causas pode ser considerada superior em relação às outras. O que garante a objetividade da explicação sociológica é o seu método e não a objetividade pura dos fatos.

É impossível fazer um resumo do pensamento de M. Weber em poucas linhas, mas quero lembrar aqui somente que a sociologia compreensiva de M. Weber, para chegar ao objetivo proposto acima, trabalha com um instrumento teórico chamado “tipo ideal”. O tipo ideal é um conceito sociológico construído e testado previamente, antes de ser aplicado às diferentes situações onde se acredita que ele tenha ocorrido. É um modelo teórico fabricado a partir de fenômenos isolados ou da ligação entre eles, e que é testado, em seguida, empiricamente.

A. Giddens diz que “um tipo ideal é construído pela abstração e combinação de um indefinido número de elementos que, embora encontrados na realidade, são raramente ou nunca descobertos nesta forma específica… Um tipo ideal assim não é nem uma ‘descrição’ de um aspecto definido da realidade, nem, segundo Weber, é uma hipótese; mas ele pode ajudar tanto na descrição como na explicação. Um tipo ideal não é, naturalmente, ideal em sentido normativo: ele não traz a conotação de que sua realização seja desejável… Um tipo ideal é um puro tipo no sentido lógico e não exemplar… A criação de tipos ideais não é um fim em si mesmo… o único propósito de construí-los é para facilitar a análise de questões empíricas”[43].

Weber assim define o tipo ideal na obra A “Objetividade” do Conhecimento nas Ciências Sociais: “Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Torna-se impossível encontrar empiricamente na realidade esse quadro, na sua pureza conceitual, pois se trata de uma utopia. A atividade historiográfica defronta-se com a tarefa de determinar, em cada caso particular, a proximidade ou afastamento entre a realidade e o quadro ideal (…) Ora, desde que cuidadosamente aplicado, esse conceito cumpre as funções específicas que dele se esperam, em benefício da investigação e da representação”[44].

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[39]. Cf. WEBER, M. Textos Selecionados. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980, Coleção “Os Pensadores”; COHN, G. (org.) Max Weber: Sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1982; WEBER, M. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva, Vol. 1. Brasília: Editora da UnB, 2004; Idem, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira/Editora da UnB, 1981; ARON, R. As etapas do pensamento sociológico, p. 461-540. A contribuição de Weber se estende por todas as áreas das Ciências Sociais, com exceção da Antropologia, sendo muito difundida no Brasil.

[40]. Cf. WEBER, M. Economia e Sociedade, p. 15-16.

[41]. ARON, R. As etapas do pensamento sociológico, p. 469-470.

[42]. Idem, ibidem, p. 467.

[43]. GIDDENS, A. Capitalism and Modern Social Theory: An Analysis of the Writings of Marx, Durkheim and Max Weber. Cambridge: Cambridge University Press, 1971, p. 141-142. Citado em CARTER, C. E. & MEYERS, C. L.(eds.) Community, Identity and Ideology, p. 260.

[44]. WEBER, M. A “Objetividade” do Conhecimento nas Ciências Sociais, em COHN, G. Max Weber: Sociologia, p. 106.

Última atualização: 27.04.2019 – 13h15