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6.5. A estrela de Belém
Há centenas de tentativas, antigas e modernas, para explicar o que é a estrela de Mt 2,1-12 e como pôde uma estrela guiar os magos até Belém por ocasião do nascimento de Jesus.
Descartando, porém, as teorias mais exóticas – capazes até de “desmontar” o Universo para confirmar crenças ingênuas – há, fundamentalmente, apenas dois pressupostos que regulam as várias explicações:
. Estamos lidando com um fenômeno astronômico natural que teria ocorrido por ocasião do nascimento de Jesus e que é visto aqui como um sinal importante por Mateus.
. Estamos vendo aqui uma estrela “teológica”, onde Mateus não pensa em nenhum fenômeno natural, mas apenas na sua função, pois o tema do aparecimento de uma estrela que anuncia o nascimento de um personagem importante era bastante difundido na época.
Algumas explicações astronômicas possíveis
:: A explosão de uma nova ou supernova
Uma nova é uma estrela que, explodindo, se torna, de repente, muito luminosa. Aparecendo assim para nós tão bruscamente, dá a ideia de ser “nova”, daí o nome, embora já existisse há muito tempo. Brilha intensamente durante alguns dias – durante 2 ou 3 dias sua luminosidade pode ser multiplicada por um fator de 10.000 – voltando gradualmente ao seu brilho original. A cada ano descobrem-se cerca de 5 estrelas novas.
Uma supernova é uma estrela, que, ao explodir multiplica seu brilho normal por um fator de 100 milhões de vezes, e pode ser visível durante vários meses, mesmo à luz do dia. As supernovas são bem mais raras do que as novas. Até hoje, são documentadas três supernovas na Via Láctea: a supernova dos chineses (1054), que deu origem à Nebulosa de Caranguejo, a estrela de Tycho (1572) e a estrela de Kepler (1604)[25].
Os chineses, que documentavam estes fenômenos meticulosamente, não registram nenhuma supernova nos anos dos quais estamos tratando. Falam, entretanto, de uma nova visível durante mais de 70 dias na constelação de Capricórnio e que apareceu em março/abril de 5 a.C. O grande astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) defendia ser esta nova a estrela de Belém.
Mas, muitos pensam que para datar o nascimento de Jesus, este fenômeno falha por ser muito tardio.
:: A passagem de um cometa
O cometa Halley é documentado desde 467 a.C. Em 1682 o astrônomo inglês Edmond Halley (1656-1742) determinou sua órbita, sendo o Halley um cometa periódico visível a cada 76 anos. Sua última passagem foi em 1986.
Os chineses documentaram o Halley em 12 a.C., assim como documentaram também a passagem de outros cometas na mesma época, sendo o mais interessante o de 5 a.C. Entretanto, esta teoria sofre do mesmo problema da teoria anterior: data improvável. Além do que, cometas na antiguidade eram arautos de desgraças e não de bênçãos.
Um dos primeiros a apostar que a estrela de Belém era um cometa foi Orígenes (ca. 184-254), Padre da Igreja nascido em Alexandria, Egito.
Em nossos presépios é extremamente comum vermos a estrela de Belém representada como um cometa. Só que a cauda do astro está voltada para o estábulo, o que é cientificamente inaceitável. Quando o Sol se põe as caudas dos cometas apontam para cima, pois elas sempre ficam em direção contrária ao Sol.
Giotto pintou o Halley na posição correta, com a cauda voltada em sentido oposto ao estábulo, na adoração dos magos da Capela Arena, em Padova, Itália, pois o viu em 1301.
:: A tríplice conjunção de Júpiter e Saturno
Uma conjunção, segundo Mourão, é a configuração apresentada por dois astros no instante em que as suas longitudes geocêntricas, ou as suas ascensões retas atingem um mesmo valor. Uma conjunção tríplice, por sua vez, são três conjunções sucessivas de dois mesmos planetas, não uma conjunção de três planetas. O fenômeno, na verdade, é causado pelo movimento da Terra em torno do Sol, dando a impressão de que os dois planetas se aproximaram.
Uma conjunção tríplice de Júpiter e Saturno ocorreu entre 8 e 7 a.C. na constelação de Peixes, acontecendo a terceira “aproximação” entre os dois planetas em 6 de dezembro do ano 7 a.C. Este cálculo foi feito por Johannes Kepler, que observou em sua época uma conjunção simples. Este fenômeno da conjunção tríplice destes dois planetas é muito raro, demorando mais de 900 anos para se repetir. O astrônomo David Hughes, em 1979, defendeu ser este fenômeno a estrela de Belém. E datou o nascimento de Jesus numa tarde de terça-feira, 15 de setembro do ano 7 a.C.
Porém, há problemas: os dois planetas não aparecem, em nenhuma das três “aproximações”, como um único astro, além da dinâmica do fenômeno não combinar com o relato de Mateus. Por isso, muitos rejeitam tal teoria[26].
:: O ‘ponto estacionário’ de Júpiter
Júpiter, em seu trajeto aparente no céu, move-se de leste para oeste. Mas, por causa do movimento relativo da Terra e dos outros planetas, este movimento de Júpiter diminui e o planeta parece parar, quando atinge o que é chamado de “ponto estacionário”. Em seguida, ele se move novamente de leste para oeste, “para” de novo e retoma seu movimento.
Alguns defendem ser esta a estrela de Belém mencionada por Mateus, como Ivor Bulmer-Thomas (1992) e Michael Molnar (2000)[27].
Há, ainda, outras explicações, como o de uma estrela variável em seu brilho, ou o de uma combinação de conjunção de planetas com uma nova, como parece que aconteceu na época. Vários planetas, como Júpiter, Saturno, Marte e Urano são igualmente candidatos a preencher o significado deste astêr, palavra grega usada por Mateus que pode ser traduzida tanto como estrela quanto como planeta.
Uma estrela teológica?
Para muitos esta estrela é “teológica”. Mateus está fazendo um midrash, que não é relato de fatos, mas interpretação de tradições e, por isso, não pensa em estrela concreta nenhuma, apenas no significado do nascimento de um personagem importante.
E não era incomum, na época, o tema do aparecimento de uma estrela no nascimento de um personagem importante[28].
A tradição judaica fala do aparecimento de uma estrela por ocasião do nascimento de Abraão, indicando sua futura grandeza: “Quando nasceu o patriarca Abraão, os astrólogos viram no oriente uma estrela luminosa que ofuscava todas as outras. Buscaram então a Nimrod e lhe disseram: ‘Nasceu hoje ao velho Terá um filho, que destruirá todos os nossos deuses e conquistará todas as nossas terras'”[29].
A estrela é a metáfora do rei messias. Nm 24,17 diz o seguinte:
“Eu o vejo – mas não agora,
eu o contemplo – mas não de perto:
Um astro procedente de Jacó se torna chefe,
um cetro se levanta, procedente de Israel.
E esmaga as têmporas de Moab
e o crânio de todos os filhos de Set”.
Este texto, “traduzido” para o aramaico, segundo o Targum Neophiti I, fica assim:
“Eu o vejo, mas não no presente,
eu o contemplo, mas ele não está próximo.
Um rei deve levantar-se
dentre os da casa de Jacó,
um libertador e um chefe
dentre os da casa de Israel.
Porá à morte os poderosos dos moabitas,
exterminará todos os filhos de Set
e despojará os que possuem riquezas”.
Bibliografia
AUTORES CLÁSSICOS: recomendo The Perseus Collections, The Perseus Catalog, LacusCurtius e Loeb Classical Library.
A Visita dos Magos na arte: conferir WikiArt e Google.
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>> Bibliografia atualizada em 28.04.2016
[25]. Cf. MOURÃO, R. R. de Freitas Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008, verbete Nova.
[26]. Cf. YAHAMUCHI, E. M. Persia and the Bible, p. 482. O livro de Hughes é The Star of Bethlehem. New York: Walker, 1979. Para a definição de conjunção, cf. MOURÃO o. c., verbetes Conjunção e Conjunção Tríplice.
[27]. Cf. STROBEL, N. The Star of Bethlehem: An Astronomical Perspective.
[28]. Cf. KITTEL, G.(ed.) Theological Dictionary of the New Testament I. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979, verbete astêr, p. 505, nota 18.
[29]. Trecho do Midrash Sefer Ha-Yashar, em GUINSBURG, J. (org.) Histórias do povo da Bíblia: relatos do Talmud e do Midrash. São Paulo: Perspectiva, 1967, p. 77. Cf. também BECK, E. O Filho de Deus veio ao mundo: para você entender os relatos da infância de Jesus. São Paulo: Paulus, 1982, p. 109.
Última atualização: 09.08.2019 – 21h53