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7. Os Ptolomeus governam a Palestina
Alexandre morre, em 323 a.C., sem deixar herdeiros. Roxana, sua mulher, está grávida. E há um meio-irmão, com problemas mentais, chamado Filipe Arrideu, 4 anos mais velho que Alexandre, filho de Filipe II com Filina, uma bailarina tessália.
Os generais de Alexandre, conhecidos como Diádocos (= sucessores) decidem inicialmente manter unido o Império, esperando pelo herdeiro, enquanto o administram. Na verdade, os diádocos seguem uma política personalista e se enfrentam em várias guerras, cada qual querendo herdar o Império para si.
Abordarei, neste capítulo, portanto, a situação da Palestina durante o período de luta dos diádocos e, em seguida, durante os 103 anos de domínio dos Ptolomeus, reis do Egito, sobre a região.
As perguntas que procurarei responder aqui são as seguintes:
:. como é a luta dos diádocos após a morte de Alexandre?
:. qual é a situação da Palestina nestes 22 anos de luta dos diádocos pelo controle do Império?
:. como é a luta entre Ptolomeus e Selêucidas pelo controle da Celessíria?
:. como é o governo dos Ptolomeus, estabelecidos em Alexandria?
:. como é a administração ptolomaica da Palestina?
7.1. Os diádocos lutam pela herança de Alexandre
Quando morre Alexandre em Babilônia, o exército macedônio designa como seus herdeiros seu meio-irmão Filipe Arrideu (com o nome de Filipe III) e o filho que vai nascer de Roxana, caso seja homem. De fato, um menino nascerá em outubro de 323 a.C. e seu nome será Alexandre IV.
Por que dois herdeiros?
Porque Pérdicas e o conselho real, apoiados pela cavalaria, entendem que o herdeiro deve ser o filho de Roxana. Isto lhes convém, já que a perspectiva de uma longa regência durante a menoridade do herdeiro é extremamente sedutora para os companheiros de Alexandre. Mas Roxana não é macedônia e o herdeiro seria meio-persa, o que desagrada à falange que toma posição contra a orientalização do poder. Por isso a infantaria escolhe Filipe Arrideu para herdeiro, que, entretanto, é incapaz de assumir o governo por causa de sua deficiência mental. Daí que o único modo de evitar o conflito dentro do exército ser, assim, a designação de dois herdeiros que partilhariam o poder.
Para administrar o Império, enquanto isso, Pérdicas fica com a função máxima. Ele é nomeado quiliarca[1] e detém a autoridade geral sobre o exército, o Império e os outros generais. Cratero é o regente do Império, controlando as finanças (pelo menos da Ásia), enquanto Antípater, o velho regente que governa a Macedônia desde a partida de Alexandre, é o estratego, encarregado dos negócios da Europa, responsável, portanto, pela Macedônia e pela Grécia. Pérdicas, Cratero e Antípater são os tutores dos reis, constituindo uma espécie de triunvirato que administra a herança de Alexandre a partir da Babilônia, virtual capital do Império.
Tudo parece em ordem, mas as coisas não são o que parecem. “As relações pessoais entre os protagonistas são extremamente complexas. No momento da morte de Alexandre, Antípater estava em franco desentendimento com o rei por causa de sua política orientalizante e Cratero” – que seguira para a Macedônia no comando de veteranos que voltavam para casa – “deveria substituí-lo. A morte do rei muda tudo, pois Pérdicas – que não confia na lealdade de Cratero à sua pessoa – precisa do apoio de Antípater, a quem propõe imediatamente uma aliança matrimonial. Percebe-se porque Cratero não tem pressa, nem de voltar a Babilônia para assumir suas novas funções, nem de chegar à Macedônia…”[2] .
Já o governo das satrapias é assim distribuído: Ptolomeu, filho de Lagos, administra o Egito, que inclui a Cirenaica (= Líbia) e a Arábia; Laomedonte de Anfípolis governa a Síria; Eumênio de Cárdia, a Anatólia do centro e do norte (Capadócia e Paflagônia); Antígono Monoftalmo, a Anatólia do sul (Grande Frígia, Lícia, Panfília); Lisímaco, a Trácia; Antípater, a Macedônia. As satrapias mais orientais ficam nas mãos de sátrapas locais, não macedônios. As decisões devem ser tomadas em conjunto e aplicadas às respectivas satrapias.
O que, entretanto, vai acontecer é uma série de conflitos entre os diádocos na sua luta pelo poder. Um só exemplo ilustra bem as manobras políticas desse momento.
Antípater, para fortalecer os acordos de 323 a.C., oferece suas três filhas em casamento a Pérdicas, Cratero e Ptolomeu. Cratero casa-se com Fila, Ptolomeu com Eurídice e Pérdicas se compromete com Nikaia.
Mas a mãe de Alexandre, exilada no Épiro, tenta jogar Pérdicas contra Antípater, seu velho inimigo. Para tanto, oferece a Pérdicas a mão de sua filha viúva, Cleópatra, irmã de Alexandre Magno. Pérdicas cai em inquietante dilema: está comprometido com Nikaia, mas percebe que se se casar com Cleópatra fica em ótimas condições para ser o sucessor de Alexandre. Pois o casamento o fará genro de Filipe II, cunhado de Alexandre e tio do herdeiro Alexandre IV. E Filipe II não chegara ao trono quando era tio do herdeiro legítimo?
Nesse meio tempo, contudo, chega Nikaia a Babilônia e Pérdicas casa-se com ela. Em seguida chega Cleópatra e Pérdicas despede Nikaia para ficar com ela. Isto porque ao tentar controlar Antígono este se junta a Antípater e Pérdicas percebe que sua aliança com o velho macedônio não é possível. A ofensa cometida contra Antípater, renegando sua filha, aumenta a desconfiança deste em relação a Pérdicas e cresce o conflito. Fica evidente que Pérdicas almeja a realeza.
Vale observar, neste episódio, como as tradições políticas e diplomáticas das cidades gregas clássicas já estão ultrapassadas. Nelas, as mulheres não exerciam qualquer influência nos negócios do Estado. Aqui, entretanto, lida-se com um mundo novo de intrigas pessoais e jogos dinásticos, no qual os casamentos representam apenas mais um lance político.
O que se destaca nestes 22 anos de conflito entre os diádocos?
Em 321 a.C. Ptolomeu leva o corpo de Alexandre para Mênfis[3]. Seu sucessor o colocará em Alexandria. Esta é uma manobra política e militar: política, porque o corpo ou deveria ir para a Macedônia para a necrópole da família, ou para o oásis líbio de Siwah, já que Alexandre se via como filho de Amon; militar, porque permite a Ptolomeu desfilar com seu exército no território da Celessíria[4] , diante da população admirada com a beleza do cortejo fúnebre[5]. A Celessíria é cobiçada por Ptolomeu, que lutará, em seguida, por ela.
Tentando impedir os projetos de Ptolomeu, Pérdicas morre ao pretender invadir o Egito. Parte de seu exército passa para o outro lado e os oficiais sobreviventes executam Pérdicas, responsabilizado pelo enorme desastre que foi a tentativa de invasão. Seu cargo é oferecido a Ptolomeu, que o recusa, pois ele quer é separar o Egito e não manter a unidade do Império de Alexandre. Enquanto isso, Cratero é morto em batalha contra Eumênio de Cárdia, que agora controla quase toda a Anatólia.
Como resultado da morte de Pérdicas, o governo das satrapias e os cargos gerais são redistribuídos em Triparadisos, em 321 a.C.
Antípater assume as funções de Pérdicas na tutela dos reis, que voltam assim para a Macedônia. Selêuco, antes comandante da cavalaria, recebe a satrapia da Babilônia. Antígono Monoftalmo, além de manter sua satrapia, recebe o título de “estratego da Ásia” e a função de destruir Eumênio de Cárdia, que é condenado à morte pelos outros diádocos. Ptolomeu permanece com o Egito.
Fila, viúva de Cratero, considerada uma das mais belas mulheres da época, casa-se com Demétrio Poliorceta, filho de Antígono; Nikaia, viúva de Pérdicas, casa-se com Lisímaco, sátrapa da Trácia.
Assim, as mortes de Pérdicas e de Cratero conduzem ao desaparecimento dos dois últimos companheiros de Alexandre que poderiam manter o Império unido. Unidade que repousava sobre sua pessoa, daí sua impossibilidade após a sua morte. O que se vê agora não é um Estado único, mas um agregado artificial de pelo menos três Estados: Macedônia, Egito e “Ásia”. Não há mais dúvidas: Triparadisos, dois anos apenas após a morte de Alexandre, já sepulta seu projeto.
Em 319 a.C. morre Antípater, deixando confusão: passa a tutela dos reis para um general de sua geração, Polipercon, e não para seu filho Cassandro. Além do mais, esta é uma atitude arbitrária, porque a assembleia dos diádocos é que deveria decidir sobre a tutela dos dois herdeiros.
Cassandro une-se a Lisímaco, Antígono, Ptolomeu e Eumênio de Cárdia para retomar o poder na Macedônia. Lisímaco e Antígono, porém, querem é para si mesmos o governo da Macedônia e a tutela dos reis. Polipercon fica acuado.
Ainda em 319 a.C. Ptolomeu invade a Síria e a Fenícia, mas não consegue retê-las. Política dos antigos faraós que controlavam as rotas marítimas e terrestres da região, vitais para o Egito. Mas também aviso aos outros diádocos: ninguém vai lhe tomar o Egito.
Em 317 a.C. a mãe de Alexandre, Olímpia, apoiada por Polipercon, volta à Macedônia, onde assassina Filipe Arrideu, que estava do lado de Cassandro. Mata também Eurídice, mulher de Arrideu, e um irmão de Cassandro. Cassandro consegue prendê-la e o exército a condena à morte. Cassandro casa-se com uma meia-irmã de Alexandre, filha de Filipe II, chamada Tessalônica, e se apossa de Alexandre IV e de sua mãe Roxana.
Em 316 a.C. Eumênio de Cárdia é executado por seu próprio exército, enquanto Antígono torna-se senhor de toda a região desde a Ásia Menor até a Pérsia. Selêuco se refugia junto a Ptolomeu. Antígono recusa o ultimato dos outros diádocos e aceita a guerra.
Em 312 a.C. Ptolomeu vence o filho de Antígono, Demétrio Poliorceta, em Gaza, e Selêuco reconquista sua satrapia babilônica, estendendo-a até os confins orientais da Pérsia. A chamada era selêucida começa em outubro de 312 a.C., segundo o calendário macedônio, ou abril de 311, segundo o calendário babilônico.
Em 311 a.C. é feito um acordo entre Antígono, Cassandro, Lisímaco e Ptolomeu: Cassandro é o estratego da Europa e tutor de Alexandre IV; Lisímaco, sátrapa da Trácia; Ptolomeu, do Egito; Antígono, senhor de “toda a Ásia” (só que uma parte da Ásia pertence a Selêuco, que não participa desse acordo).
O que se observa é o irreversível processo de fragmentação do Império: são 5 Estados ficticiamente unidos. Antígono é o único que quer o Império unido, mas para si e não para Alexandre IV.
Em 310 a.C. Cassandro manda assassinar o filho de Alexandre Magno, Alexandre IV, e sua mãe Roxana. Em 309/8 a.C. são eliminados também Cleópatra, irmã de Alexandre, e Héracles, filho bastardo de Alexandre. Termina assim a dinastia dos argeadas.
Agora, eliminados os herdeiros naturais, os diádocos, acabando de vez com a unidade do Império, proclamam-se reis. É o ano de 306 a.C. e o seu governo será o seguinte:
. Cassandro (306-297 a.C.): governa a Macedônia
. Selêuco (306-281 a.C.): será o rei da Babilônia e da Síria
. Antígono (306-301 a.C.) e Demétrio Poliorceta (306-286 a.C.): reis da Celessíria
. Lisímaco (306-281 a.C.): rei da Trácia.
Só Ptolomeu é que se proclama rei apenas no ano seguinte, 305 a.C., e governa até 282 a.C., fundando a dinastia dos Lágidas, sediada em Alexandria.
Em Ipsos, na Frígia, uma coalizão de reis – Cassandro, Selêuco e Lisímaco – vence Antígono Monoftalmo, que morre na batalha, enquanto Ptolomeu ocupa a Celessíria. Termina, assim, em Ipsos, qualquer pretensão de formar um império que unifique Europa e Ásia. É o ano 301 a.C.
Após Ipsos acontece nova redivisão de territórios: Lisímaco fica com a Ásia Menor, Cassandro com a Macedônia, Selêuco com a Síria e Ptolomeu com o Egito e a Celessíria. Selêuco quer a Celessíria para si, mas Ptolomeu não a entrega. Selêuco funda, em 300 a.C., Antioquia para ser a capital de seu reino.
“Em certo sentido, o desaparecimento de Antígono Monoftalmo marca o fim de uma época (…) É com ele, no campo de batalha de Ipsos, que desaparece a concepção de um império renovado ou mesmo herdado de Alexandre”[6].
[1]. Quiliarca é um título herdado, pelos macedônios, da hierarquia persa e que corresponde mais ou menos ao de grão-vizir. “Quiliarca” é a tradução grega do termo persa hazarapatish, que designa o “primeiro depois do rei”. O estratego corresponde mais ou menos ao posto de governador militar. Cf. PRÉAUX, C. Le Monde hellénistique. La Gréce et l’Orient (323-146 av. J.-C.) I. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2003, p. 127.
[2]. WILL, E. Histoire politique du monde hellénistique (323-30 av. J.-C) I. 2. ed. Nancy: Presses Universitaires de Nancy, 1979, p. 24 [3. ed. Paris: Seuil, 2003].
[3]. Cf. WILL, E. Histoire politique du monde hellénistique I, p. 27-83; TARN, W. La civiltà ellenistica. Firenze: La Nuova Italia, 1978, p. 3-64.
[4]. Celessíria significa “Síria Côncava” e compreende os territórios do sul da Síria, da Fenícia e da Palestina. A origem do nome é controvertida. É possível que venha do semítico, algo assim como o hebraico kl sûryh, “toda a Síria”, que teria se tornado, em grego, por assonância, koílê syrîa. Originariamente a Celessíria compreendia toda a Síria, mas na época helenística já se distingue entre a syrîa hê ánô (Síria do norte) e a koílê Syrîa. “Celessíria”, entretanto, só se torna designação oficial da região sob o governo dos Selêucidas, após 198 a.C. Os Ptolomeus chamavam a região de Síria e Fenícia. Cf. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I. Jerusalem: The Israel Academy of Sciences and Humanities, 1976, p. 14.
[5]. Cf., sobre isso, ABEL, F.-M. Histoire de la Palestine I, p. 22-25.
[6]. WILL, E. Histoire politique du monde hellénistique I, p. 80-81. Embora não nos interesse ir além de 301 a.C., a época dos diádocos só termina em 280 a.C., quando morrem os últimos protagonistas deste período.
Última atualização: 30.08.2021 – 05h49