leitura: 11 min
1.3. O Egito
O Egito foi habitado desde o V milênio a.C. por brancos do grupo linguístico hamita com mistura de semitas e negros. A cultura de aldeia mais antiga que conhecemos é a de Fayum, do período neolítico, situada entre 4440 e 4150 a.C.
A vida no Egito era organizada na total dependência do Nilo e de suas cheias. O vale fértil do Nilo tem a largura de 5 a 25 km. O leito do rio varia de 460 a 500 metros. As águas do Nilo sobem de 5 a 7 metros, na inundação. Pico da enchente: setembro. O Nilo tem, dizem, 6800 km de extensão, dos quais cerca de 2500 km dentro do Egito.
O nome do país, Egito, vem do grego Aigyptos, derivado do egípcio het-ka-ptah, “casa de Ptah”, um dos nomes da cidade de Mênfis. Os egípcios chamavam seu país de km.t (leia-se khemi), “terra negra”, por causa da cor do solo.
O Egito, assim como a Mesopotâmia, se divide em Alto e Baixo Egito. Originariamente eram dois reinos separados, unidos em seguida sob um mesmo poder e governo. Os faraós usavam uma coroa dupla, para significar os dois reinos.
Vamos percorrer o Nilo desde o sul (Alto Egito). Seguindo o Nilo numa extensão de 1000 km desde o delta, encontraremos Elefantina, uma ilha sobre o rio, sede de uma colônia militar israelita, fundada no século V a.C.
Cerca de 160 km para o norte está Tebas (Luxor ou Karnak), com templos magníficos, capital do Egito de 1570 a 1345 a.C. Ainda 320 km rio abaixo, encontramos Akhetaton (atualmente Tell el-Amarna) que foi capital do Egito sob o faraó Akhenaton. Já próximo ao delta, a 150 km do mar está Mênfis, a mais antiga capital do Egito, construída antes do ano 3000 a.C. Um pouco mais ao norte está On (ou Heliópolis).
Entre Mênfis e Heliópolis havia um grande cemitério, onde foram construídas as famosas pirâmides e a esfinge. Ali, depois da invasão muçulmana, foi construída a cidade do Cairo, a atual capital do Egito. Sobre as pirâmides, uma curiosidade apenas: as três grandes pirâmides, de Quéops, Quéfren e Miquerinos foram construídas entre os anos 2700 e 2500 a.C. A Grande Pirâmide, a de Quéops, tem 147 metros de altura, uma base quadrada de 217 metros e foi construída com cerca de dois milhões e trezentos mil blocos de pedra lavrada, pesando cada uma cerca de duas toneladas e meia.
A noroeste do delta, Alexandre Magno mandou construir Alexandria em 331 a.C., cidade que se tornou célebre porto e grande centro cultural. Vivia ali importante colônia judaica.
No delta está Avaris (Tânis, Zoan), capital do Egito sob os hicsos, um povo asiático que invadiu o país em 1670 a.C. e o dominou durante um século.
A agricultura, atividade básica do país, era regulada pelos três típicos períodos egípcios: a inundação (julho-outubro), a semeadura (novembro-fevereiro) e a colheita (março-junho).
A irrigação era fundamental: faziam-se tanques ao longo do rio, através de um sistema de diques construídos em ângulo reto em relação ao Nilo. Canais de tamanhos e extensões variáveis levavam as águas das cheias a alguns quilômetros de seu leito, fertilizando as terras cultiváveis.
As sementes eram lançadas na terra quando ainda havia a lama das enchentes. Em seguida, faziam passar sobre os campos o gado miúdo e, às vezes, com a ajuda de arados e enxadas, estas eram cobertas pela terra.
Os egípcios cultivavam cereais como o trigo, a cevada, o linho. Praticavam a horticultura, plantando especialmente o alho, a cebola, pepino, alface etc. As árvores frutíferas, a videira e outras plantas também eram conhecidas. O azeite de oliva era importado.
O gado compunha-se de bovinos, asininos, equinos, caprinos, ovinos e suínos. Criados especialmente nas regiões pantanosas do delta. Criavam também aves, como gansos, patos e pombos. Praticava-se a pesca, importante na alimentação.
A mão de obra básica era a camponesa. Homens livres que viviam em aldeias espalhadas ao longo do Nilo. Mas na entressafra eram eles que trabalhavam, em regime obrigatório, nas grandes obras estatais, como a construção de túmulos, palácios e templos. Os escravos existiam, mas não constituíam a mão de obra dominante.
As terras pertenciam, na sua maioria, ao Estado, aos templos, a grandes proprietários da nobreza e, em menor proporção, aos pequenos proprietários que nela trabalhavam. Um dos traços mais visíveis da economia egípcia antiga era o estatismo faraônico. O controle da vida econômica passava na sua quase totalidade pelo rei, seus funcionários e templos. Este rígido controle da economia colocava nas mãos do Estado a quase totalidade do excedente econômico, que, obviamente, era distribuído segundo a lógica das classes dominantes: quem ficava com a maior parte eram as aristocracias sacerdotal, burocrática e militar.
A história egípcia é tradicionalmente dividida em dinastias. Isto se deve a um sacerdote egípcio da época ptolomaica, chamado Maneton, que escreveu uma História do Egito, hoje perdida, mas cujos fragmentos foram transmitidos por outros autores. Em particular, temos as listas das casas reais egípcias ou dinastias. Maneton deve ter utilizado os arquivos dos templos de sua época. Apesar dos erros contidos em suas listas, gerando muita incerteza em quase todas as datas, o seu quadro parece ser insubstituível.
Períodos da história egípcia
Períodos | Dinastias | Datas a.C. | Duração |
---|---|---|---|
Unificação | Protodinástico | 3100-2920 | 180 anos |
Dinástico Primitivo | I-III | 2920-2575 | 345 anos |
Reino Antigo | IV-VIII | 2575-2134 | 441 anos |
10 Período Intermediário | IX-X | 2134-2040 | 94 anos |
Reino Médio | XI-XIV | 2040-1640 | 400 anos |
20 Período Intermediário | XV-XVII | 1640-1550 | 90 anos |
Reino Novo | XVIII-XX | 1550-1070 | 480 anos |
30 Período Intermediário | XXI-XXIV | 1070-712 | 358 anos |
Época Tardia | XXV-XXX | 712-332 | 380 anos |
Alguns fatos importantes da história egípcia:
. A unificação do Alto e Baixo Egito se deu a partir do sul e provavelmente o primeiro faraó – título egípcio que significa “a grande casa”. Aliás o título completo do faraó era composto de 5 nomes, sendo este apenas o quinto – foi um certo Narmer. Ele já usava a dupla coroa: branca do Alto Egito e vermelha do Baixo Egito.
. Foi durante o período dinástico primitivo que se estabeleceu a forma definitiva da escrita hieroglífica. A mais antiga pirâmide (Pirâmide dos Degraus) foi construída por Zoser, fundador da III dinastia. Mênfis, provavelmente, foi a primeira capital egípcia.
. A IV dinastia construiu as monumentais pirâmides de Quéops (Khufu), Quéfren (Khafra) e Miquerinos (Menkaura). Foi a época do florescimento clássico do Egito.
. Nas pirâmides da V e VI dinastias foram encontrados os “Textos das Pirâmides”, os escritos religiosos mais antigos do Egito.
. O primeiro período intermediário é um período de depressão e confusão: o poder passava progressivamente das mãos do faraó para as mãos da nobreza provincial hereditária. Houve uma tumultuada revolução social. O interesse pela justiça social está refletido no famoso escrito “O camponês eloquente” e o pessimismo aparece em “O diálogo de misantropo com a sua alma”.
. Foi Mentuhotep, príncipe tebano da XI dinastia, que, por volta de 2040 a.C., reunificou o império. Capital: Tebas. A XII dinastia transferiu-a para Mênfis, inaugurando um dos períodos mais estáveis do Egito: houve desenvolvimento agrícola, literário, científico, político (“democratização” de certas prerrogativas reais, como: a vida futura não é mais um privilégio do faraó apenas, mas os nobres devidamente sepultados podem tê-la).
. Durante o segundo período intermediário houve novo declínio do poder, por pressão da nobreza feudal e de estrangeiros. Os hicsos conquistam o Egito em 1670 a.C. e o dominam durante um século. Capital hicsa: Avaris.
. A XVIII dinastia, comandada por Amósis, expulsa os hicsos e transforma o Egito na maior potência mundial. A capital volta para Tebas. Tutmósis III foi quem levou o Egito ao auge do poder, estendendo seu domínio até o Eufrates. Amenófis IV (= Akhenaton) declarou Aton (= o disco solar) o deus principal e construiu uma nova capital Akhetaton (= o horizonte do disco solar). Entrou em choque com os poderosos sacerdotes de Amon. Seu genro e sucessor Tutankhaton restaurou o antigo culto, levou a capital para Tebas novamente e mudou seu próprio nome para Tutankhamon.
. Ramsés II, o suposto faraó do êxodo de Israel, era da XIX dinastia, período do reino novo. Seu filho Merneptah cita Israel numa estela, por volta de 1220 a.C.: é a primeira menção extra-bíblica deste povo. Diz o texto: “Os príncipes estão prostrados dizendo: paz. Entre os Nove Arcos nenhum levanta a cabeça. Tehenu [ Líbia] está devastado; o Hatti está em paz. Canaã está privada de toda a sua maldade; Ascalon está deportada; Gazer foi tomada; Yanoam está como se não existisse mais; Israel está aniquilado e não tem mais semente. O Haru [Canaã] está em viuvez diante do Egito”.
. Durante a XX dinastia o Egito é invadido pelos “povos do mar”, dos quais fazem parte os filisteus.
Como na Mesopotâmia, as cosmogonias egípcias têm grande importância nas orações e rituais, mas, ao contrário da Mesopotâmia, exercem papel fundamental também nas especulações filosóficas (obviamente todas religiosas). Não há no Egito um interesse na criação em si mesma e também não existe uma versão canônica, mas múltiplas cosmogonias convivendo paralelamente.
Importante é a teologia da realeza. A realeza existe desde o começo do mundo. O deus criador é o primeiro rei e é ele quem transmite o poder ao seu filho, o primeiro faraó. A realeza é uma instituição divina e os atos do faraó são divinos.
O faraó é a encarnação da ma’at (= verdade), que significa “a boa ordem”, “o direito”, “a justiça”. É o oposto do caos, pertence à ordem original.
Assim é o faraó quem assegura a estabilidade do Estado e do Cosmos, garantindo a continuidade da vida no Egito e no mundo inteiro. O culto era função do faraó, que o delegava aos sacerdotes. Os ritos reproduziam, direta ou indiretamente, a criação original e procuravam defender a estabilidade das coisas. Os templos eram, na sua arquitetura e decoração, representações simbólicas do universo.
A vida depois da morte ocupava importante lugar no pensamento teológico e religioso egípcio. A morada dos mortos era subterrânea, segundo algumas tradições, ou estelar, segundo outras. Após a morte, o ka (= uma espécie de “duplo” da pessoa) ia viver na eternidade das estrelas. O céu era a deusa-mãe e a morte era, portanto, um renascimento (sideral). Depois de morto, renascido cosmicamente, o homem era amamentado pela deusa-mãe, representada sob a forma de uma vaca.
Importante mesmo era a existência do faraó após a morte. Ele voa ao céu sob a forma de uma ave (falcão, garça real, ganso selvagem), ou sob a forma de um escaravelho ou de um gafanhoto. Ou ainda: em certos casos ele sobe aos céus por uma escada.
Após passar pelos complexos rituais dos mortos na morada celeste (há um tribunal que julga o faraó e há ritos de purificação), o faraó é recebido pelo deus sol e então se anuncia a todo o mundo sua vitória sobre a morte. Sua vida no céu é um prolongamento da vida terrena. Por isso a preservação do corpo através da mumificação é fundamental no Egito: garante o renascimento no além túmulo.
Falemos agora, para terminar, do mito de Osíris, porque ele é muito importante para compreendermos a divinização do faraó e do poder do Estado.
Osíris era um rei lendário, vigoroso e justo, que governava o Egito. Mas foi assassinado por seu irmão Seth. Mesmo assim, Ísis, sua esposa, consegue ser fecundada por Osíris morto, e dá à luz, escondida nos papiros do delta do Nilo, a Horus (o falcão).
Horus, quando adulto, ataca Seth. Seth arranca-lhe um olho, mas é Horus quem vence a luta. Com seu olho recuperado e oferecido a Osíris, este retorna à vida. Seth é condenado pelos deuses a carregar a própria vítima: com efeito ele é transformado na barca que transporta Osíris sobre o Nilo.
Então, Horus é coroado rei. Assim, Osíris (= o faraó morto) vai garantir, daqui para a frente, a fertilidade vegetal e animal do reino, dirigido por seu filho Horus (= o faraó que assume o poder). A ordem está assegurada.
Última atualização: 27.04.2019 – 12h44