2 וְהָאָרֶץ הָיְתָה תֹהוּ וָבֹהוּ וְחֹשֶׁךְ עַל־פְּנֵי תְהוֹם וְרוּחַ אֱלֹהִים מְרַחֶפֶת עַל־פְּנֵי הַמָּיִם׃ | |
Vehaárets haietá tóhu vavóhu vehósher al-pné tehóm verúah elohím merahéfet al-pné hamáyim | Pronúncia |
Vehâ’ârets hâyethâh thōhû vâbhōhû vehōshekh ‘al-penê thehôm verûah ’elōhîm merahepheth ‘al-penê hammâyim. | Transliteração |
A primeira palavra de Gn 1,2 é, transliterada, vehâ’ârets. Analisada a palavra, descobrimos que temos, na verdade, três palavras juntas: וְ conjunção: e, ora, mas + הָ artigo: a + אָרֶץ substantivo: terra.
A conjunção “e” – mas que pode ser traduzida de muitos outros modos – é prefixada ao nome e é conhecida como vav conjuntivo, porque ela é representada pelo vav e é conjunção, ou seja, palavra que liga duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração.
Observo que o vav tem mais de um nome e uso. Existe outro uso do vav, no caso, junto do verbo, que o faz ser chamado de vav consecutivo. Mas isto é assunto para depois.
Como funciona o vav conjuntivo?
Regra 1 – Normalmente a conjunção é desvocalizada e vem com shevá:
וְהָאָרֶץ vehâ-’â-rets: e a terra
וְחֹשֶׁךְ vehō-shekh: e uma escuridão
וְרוּחַ verûah: e um vento
Regra 2 – Antes de um shevá e antes das consoantes labiais bêth, mêm, pê, a conjunção toma a forma de וּ e é transliterado como “û”. Só há dois casos em Gn 1,1-8 e com a mesma labial, o bêth (nos versículos 4 e 7):
וּבֵין ûbhên: e entre
Mas e o caso que aparece em Gn 1,2? Há aí um thōhû vâbhōhû … que não está obedecendo à regra? Está e não está…
Regra 3 – O vav conjuntivo quando vem antes de uma sílaba tônica, fica sendo vâ, especialmente quando liga duas palavras como “dia e noite”, “bom e mau”… “deserta e vazia”… E thōhû vâbhōhû é pronunciado assim: “tóhu vavóhu”:
תֹהוּ וָבֹהוּ thō-hû vâ-bhō-hû: deserta e vazia
Acabaram-se as regras? De jeito nenhum. Há mais casos, mas não aparecem em Gn 1,1-8.
A última palavra de Gn 1,2 é hamâyim. Observando a palavra, verificamos que temos duas palavras unidas: הַ artigo: as + מָּיִם substantivo: águas.
Como já se pôde observar, não existe artigo indefinido em hebraico, como “um” ou “uma”. O artigo é, portanto, apenas definido, como “o” ou “a”. E não tem formas diferentes para os gêneros masculino e feminino, como o português “o” e “a”, e nem para o singular e o plural, como o português “os” e “as”.
Regra 1 – O artigo, antes de consoantes comuns, é ha seguido por dâghēsh forte dentro da consoante seguinte, o que a duplica. Assim:
הַשָּׁמַיִם hash-shâ-ma-yim: os céus
הַמָּיִם ham-mâ-yim: as águas
Por que o dâghēsh forte na consoante seguinte? Porque o artigo definido tinha originariamente a forma הַל (como o árabe “al”). Quando anexado à palavra que ele define, o lámedh, desvocalizado, foi assimilado e a letra seguinte foi, em consequência, duplicada com o dâghēsh forte.
Mas, e quando a letra que segue o artigo é incompatível com o dâghēsh forte? Algumas consoantes, como as guturais (áleph, hê, hêth, áyin) e o rêsh não podem ser duplicadas. Aí começam as costumeiras variações da regra básica, o que pode ser visto nas regras 2 e 3.
Regra 2 – Antes das guturais fracas (que são o áleph e o áyin) e do rêsh o artigo tem a sua vogal alongada, tomando a forma hâ:
הָאָרֶץ hâ-’â-rets: a terra
הָאוֹר hâ-’ôr: a luz
הָרָקִיעַ hâ-râ-qîa‘: o firmamento
Regra 3 – Antes das guturais fortes (que são o hê e o hêth) o artigo tem a forma ha (atenção: sem o dâghēsh forte):
הַחֹשֶׁךְ ha–hō-shekh: a escuridão
Ainda tem mais: antes dos átonos הָ e עָ e sempre antes de חָ o artigo é הֶ E antes de um acentuado הָ e עָ o artigo é הָ Mas estes casos não estão presentes em Gn 1,1-8. Nosso texto tem, porém, outros artigos: só que estão camuflados pela presença de uma preposição ligada à palavra, como se verá daqui a pouco.
A primeira palavra da Bíblia Hebraica, a primeira palavra do Gênesis, é בְּרֵאשִׁית Esse בְּ é uma preposição. Ela é companheira de outras duas, formando um trio de preposições que não têm existência como palavras separadas, mas, assim como o artigo, são anexadas, como prefixos, às palavras que elas regem. Por isso são chamadas de “preposições inseparáveis”. São as conhecidas “para”, “em”, “como”.
ל para, a
בּ em, com, por
כּ como, conforme
Sua origem? Os gramáticos explicam que ל é o elemento essencial de אֶל “para”, בּ de בֵּית “dentro” e כּ de כֵּן “assim”, “conforme”.
Regra 1 – Normalmente elas são desvocalizadas, levando, por isso, um shevá:
בְּרֵאשִׁית berē’-shîth: em um princípio
בְּתוֹךְ bethôkh: em meio
Regra 2 – Quando são seguidas pelo artigo, o ה do artigo desaparece, ficando a sua vogal com a preposição. Assim:
לְהָאוֹר torna-se לָאוֹר lâ-’ôr: à luz
וְלְהַחֹשֶׁךְ torna-se וְלַחֹשֶׁךְ vela–hō-shekh: e à escuridão
לְהָרָקִיעַ torna-se לָרָקִיעַ lâ-râ-qîa‘: ao firmamento
Regra 3 – Antes de uma sílaba tônica, as preposições inseparáveis levam, frequentemente, â, como em Gn 1,6:
לָמָיִם lâ-mâ-yim: e águas
Tem mais, só que não em Gn 1,1-8. Pois: antes de um shevá, as preposições inseparáveis levam hîreq; antes de um yôdh, levam hîreq, mas o shevá sob o yôdh desaparece; antes de um shevá composto, assumem sua vogal. Antes de..
Há outra preposição que, em geral, é também utilizada como partícula inseparável da palavra que a segue. É a preposição min, que significa “de”, indicando procedência, como o inglês “from”. Temos dois casos em Gn 1,7.
Regra 1 – Normalmente, ao ser unida a uma palavra que começa por letra normal (excluem-se, aqui, as quatro guturais e o rêsh), a preposição min perde o “n” final, ficando mi e colocando um dâghēsh forte na consoante que a segue. É o caso de Gn 1,7, que é curioso porque a palavra que está após o min também é uma preposição e o tau com o dâghēsh é ao mesmo tempo dâghēsh forte (consoante duplicada) e dâghēsh fraco (consoante “endurecida”). Estão lembrados do Beghadh Kephath?
Portanto: min + letra comum = mi + dâghēsh forte: מִתַּחַת mith-tha-hath: debaixo (de + sob)
Regra 2 – Antes das guturais e do rêsh, a preposição min passa a ser mē.
Portanto: min + gutural = mē: מֵעַל mē-‘al: acima (de + sobre)
Há outros casos? Como sempre! Antes do artigo também é mē e o artigo permanece intacto. Ou, às vezes, a preposição conserva a forma min ligando-se à palavra seguinte com aquela espécie de hífen, chamado em hebraico de maqqēph, (“ligação”), existente em Gn 1,2, indicando que as palavras estão profundamente associadas em seu sentido e jogando o acento para a segunda palavra (ou terceira, quando são três).
Última atualização: 23.03.2023 – 16h44