9. O verbo
O verbo é a parte da oração que afirma a ação ou o estado. O verbo é classificado como transitivo ou intransitivo.
. O verbo pode ser transitivo, quando a ação descrita por ele exige um complemento para completar seu significado:
Transitivo direto: os alunos ouviram uma história
uma história: objeto direto
Transitivo indireto: os alunos gostam de histórias
de histórias: objeto indireto
. O verbo pode ser intransitivo, quando não requer um complemento para completar seu significado:
Ele correu
A chuva passou
Alguns verbos gregos são, ao mesmo tempo, transitivos e intransitivos, com dois sentidos diferentes, como:
ἄγειν (transitivo): conduzir
ἄγειν (intransitivo): ir
Quando encontramos um verbo grego, devemos fazer-lhe seis perguntas:
1. O sujeito está produzindo, participando ou sofrendo a ação? É a pergunta pela voz do verbo.
2. Quem está praticando a ação? É a pergunta pela pessoa do verbo.
3. Quantos estão praticando a ação? É a pergunta pelo número do verbo.
4. Como a pessoa que fala e/ou escreve está concebendo a ação? É a pergunta pelo modo do verbo.
5. Quando está acontecendo a ação descrita? É a pergunta pelo tempo do verbo.
6. Como se apresenta a ação, sob que aspecto? É a pergunta pela qualidade do verbo.
9.1. A voz
A voz indica como o sujeito se relaciona com a ação. Em grego, a voz pode ser ativa, média ou passiva.
:. A voz ativa descreve o sujeito como:
a) produzindo a ação: Lc 16,15: ὁ δὲ Θεὸς γινώσκει τὰς καρδίας ὑμῶν – Mas Deus conhece vossos corações.
ou
b) representando o estado expressado pelo verbo: Jo 1,1b: ὁ λόγος ἦν πρός τὸν Θεόν – O Verbo estava com Deus.
:. A voz média descreve o sujeito como participando nos resultados da ação. A voz média acentua o agente (enquanto a voz ativa acentua a ação), relacionando a ação mais intimamente com o sujeito.
Por meio dos verbos reflexivos podemos representar, em português, uma parte dos usos da voz média grega (o restante é traduzido na voz ativa): βουλεύω (voz ativa): eu aconselho – βουλεύομαι (voz média): eu me aconselho.
:. A voz passiva denota o sujeito como recebendo a ação. Em grego, a voz passiva constrói-se de duas maneiras diferentes:
1. O agente que produz a ação significada no verbo passivo expressa-se com ὑπό + genitivo:
At 21,30: κατηγορεῖται ὑπό τῶν ‘Iουδαίων – Foi acusado pelos judeus.
2. Quando o agente é o meio pelo qual se efetuou a ação verbal, constrói-se com διά + genitivo:
Jo 1,3: πάντα δι’ αὐτοῦ ἐγένετο – Todas as coisas por ele foram feitas.
Vale observar que a voz passiva desenvolveu-se tardiamente e não construiu terminações pessoais distintas. Só tem flexão característica no futuro e no aoristo. Nos restantes tempos ela é igual, na forma, à média.
> É conveniente anotar que há irregularidades na voz:
. Verbos defectivos: são aqueles que não se usam em todas as três vozes, ou em todos os tempos de uma ou mais vozes. Assim são quase todos os verbos irregulares, como ἔρχομαι : ir, vir (está na voz média, pois a ativa não existe)
. Verbos depoentes: são aqueles que têm forma passiva ou média, porém, significado ativo. Ou seja, sua forma de voz é diferente de sua função de voz. Como δέχομαι (voz na forma média/passiva) que significa eu recebo (significado ativo) e não eu me recebo ou eu sou recebido.
9.2. Pessoa e Número
Pessoa e número são determinados pela relação estabelecida entre o que fala e/ou escreve e a afirmação contida no verbo. É a relação sujeito/verbo.
O verbo concorda com o sujeito em pessoa e número.
1a pessoa: a afirmativa contém uma ação que diz respeito àquele que a faz: eu estudo, eu aprendo, nós estudamos…
2a pessoa: quando se apresenta uma ação relativa à pessoa a quem se dirige a afirmativa: tu estudas, vós estudais…
3a pessoa: quando o verbo apresenta uma ação que não diz respeito nem à pessoa que faz a afirmação nem aquele à qual ela se dirige, mas a um terceiro (ou terceiros): ele sabe, eles sabem…
9.3. Modo
Ao exprimir uma ideia verbal é necessário definir sua relação com a realidade.
Se afirmo que um menino corre, sou obrigado também a afirmar:
. ou o fato de sua corrida: o menino corre (corria, correu, correra etc)
. ou a possibilidade de sua corrida: se o menino corresse, caso o menino corra
Esta afirmação de relação com a realidade é o modo. O modo é a maneira pela qual se concebe um assunto, é a maneira da afirmação.
Temos, na realidade, apenas dois modos de conceber uma ação em relação com a realidade:
. o real: é definido pelo modo indicativo, como em Jo 1,1: ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος = No princípio era o Verbo.
. o possível ou potencial, que é definido pelos modos subjuntivo (objetivamente possível), optativo (subjetivamente possível) e imperativo (volitivamente possível) , como em 1Tm 5,21: διαμαρτύρομαι ἵνα ταῦτα φυλάξῃς = Peço-te que guardes estas coisas.
9.4. Tempo e Qualidade
Podemos olhar uma ação, em grego, de dois modos diferentes, no que diz respeito ao tempo:
. perguntando por sua duração no tempo, ao descrevê-la, ou
. simplesmente enunciando-a, sem a preocupação com o tempo
Por exemplo: um tiro em um filme. O tiro pode ser representado por um ponto, já que não nos interessa a noção de tempo, sua duração. Já o filme pode ser representado por uma linha contínua, pois tem duração.
Mas há uma terceira maneira de olharmos uma ação em grego na sua relação com o tempo: basta combinarmos os dois aspectos vistos (ação pontual + ação contínua) e teremos uma ação começada em um ponto e continuada, nos seus efeitos, pelo tempo afora, o que dá uma ação completa.
Por exemplo:
. ação pontual: eu comi uma fruta verde
. ação contínua: eu estava comendo uma fruta verde
. ação completa: eu comi um fruta verde e estou me sentindo mal
O que acabo de descrever é a chamada qualidade (classe, aspecto) do verbo grego. Portanto, a qualidade da ação é determinada de três maneiras:
. a ação contínua (linear, durativa) expressa-se no presente
. a ação pontual (indefinida, simplesmente acontecida) expressa-se no aoristo (ἀόριστος = sem limites, indefinido. O aoristo simplesmente indica uma ação ou acontecimento, sem definir absolutamente o seu tempo de duração)
. a ação completa (olha a ação e vê seus resultados como continuando a existir) expressa-se no perfeito.
Vamos falar agora de tempo. Sabemos que uma ação pode ser descrita como acontecendo em certo tempo: passado, presente ou futuro.
:: Tomo um verbo grego no tempo presente:
πιστεύω: eu creio, eu estou crendo – em grego, digo, na verdade: creio (πιστευ) eu (ω).
Agora, coloco-o no tempo passado:
ἐπίστευον: eu cria, eu estava crendo – em grego, digo, na verdade: no passado (ἐ) cria (πιστευ) eu (ον)
Quando se coloca um ε antes do tema de um verbo, ele vai para o passado. Este ε chama-se aumento. O aumento no imperfeito – caso do exemplo – indica uma ação linear, persistente, em tempo passado.
:: Novamente, tomo o mesmo verbo no tempo presente:
πιστεύω: eu creio, eu estou crendo – em grego, digo, na verdade: creio (πιστευ) eu (ω).
Agora, coloco-o no tempo futuro:
πιστεύσω: eu crerei – em grego, digo, na verdade: crerei (πιστευ) no futuro (σ) eu (ω)
Quando se coloca um σ após a raiz do verbo, ele vai para o futuro.
Que tal combinarmos tempo e qualidade de uma ação, exemplificando com o verbo cantar?
ação contínua | no tempo presente | presente | canto |
---|---|---|---|
no tempo passado | imperfeito | cantava | |
no tempo futuro | futuro | terei cantado | |
ação pontual | no tempo presente | (não existe, sendo substituída pelo presente do indicativo) | |
no tempo passado | aoristo | cantei | |
no tempo futuro | futuro | cantarei | |
ação completa | no tempo presente | perfeito | tenho cantado |
no tempo passado | mais-que-perfeito | cantara | |
no tempo futuro | futuro do pretérito | cantaria (raro em o NT) |
9.5. Alguns usos do verbo grego
A combinação das noções de qualidade e tempo de uma ação possibilita variados matizes no uso dos verbos gregos. Alguns exemplos:
:: Ação contínua no tempo presente: o presente é usado para descrever uma ação que está acontecendo neste preciso momento, como em Mc 5,31:
βλέπεις τὸν ὄχλον: Estais vendo a multidão – βλέπεις: 2a pess. sing. pres. ind. ativo de βλέπω
:: Ação contínua no tempo passado: o imperfeito é usado para sugerir uma tentativa feita no passado, mas cujo fim não foi alcançado, como em Lc 1,59:
καὶ ἐκάλουν αὐτὸ Ζαχαρίαν: E iam chamá-lo de Zacarias – ἐκάλουν: 3a pess. pl. imperf. ind. ativo de καλέω
:: Ação pontual no tempo futuro: o futuro simples é usado para predizer um acontecimento que se espera no futuro, como em Jo 14,26:
ἐκεῖνος ὑμᾶς διδάξει πάντα: Ele vos ensinará todas as coisas – διδάξει: 3a pess. sing. futuro ind. ativo de διδάσκω
:: Ação completa no tempo presente: o perfeito é usado para dar ênfase a um fato ou condição, como em Rm 14,23:
ὁ δὲ διακρινόμενος ἐὰν φάγῃ κατακέκριται: Mas quem duvida e assim mesmo toma o alimento é condenado – κατακέκριται: 3a pess. sing. perfeito ind. passivo de κατακρίνω.
9.6. As categorias dos verbos gregos
. Verbos regulares em ω: são verbos que terminam em ω na 1a pessoa sing. presente do indicativo, como παιδεύ-ω: eu educo
. Verbos irregulares: são aqueles que apresentam variações na estrutura do tema, como
ἔρχομαι: tema ἐρχ (pres. ind.): eu vou, eu venho
ἐλεύσομαι: tema ἐλευ (fut. ind.): eu irei, eu virei
ἦλθον: tema ἐλθ (aor. ind.): eu fui, eu vim
. Verbos contratos: são verbos em ω, mas cujo tema termina em uma vogal instável: α ε ο. Estas vogais formam uma contração com a desinência, como ἀγαπά-ω: eu amo
. Verbos em μι: são os mais antigos verbos gregos e têm a desinência em μι, como εἰμί: eu sou.
Última atualização: 16.10.2020 – 16h17