Grego Bíblico 8

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9. O verbo

 

O verbo é a parte da oração que afirma a ação ou o estado. O verbo é classificado como transitivo ou intransitivo.

. O verbo pode ser transitivo, quando a ação descrita por ele exige um complemento para completar seu significado:

Transitivo direto: os alunos ouviram uma história
uma história: objeto direto

Transitivo indireto: os alunos gostam de histórias
de histórias: objeto indireto

. O verbo pode ser intransitivo, quando não requer um complemento para completar seu significado:
Ele correu
A chuva passou

Alguns verbos gregos são, ao mesmo tempo, transitivos e intransitivos, com dois sentidos diferentes, como:
ἄγειν (transitivo): conduzir
ἄγειν (intransitivo): ir


Quando encontramos um verbo grego, devemos fazer-lhe seis perguntas:

1. O sujeito está produzindo, participando ou sofrendo a ação? É a pergunta pela voz do verbo.
2. Quem está praticando a ação? É a pergunta pela pessoa do verbo.
3. Quantos estão praticando a ação? É a pergunta pelo número do verbo.
4. Como a pessoa que fala e/ou escreve está concebendo a ação? É a pergunta pelo modo do verbo.
5. Quando está acontecendo a ação descrita? É a pergunta pelo tempo do verbo.
6. Como se apresenta a ação, sob que aspecto? É a pergunta pela qualidade do verbo.

 

9.1. A voz

A voz indica como o sujeito se relaciona com a ação. Em grego, a voz pode ser ativa, média ou passiva.

:. A voz ativa descreve o sujeito como:
a) produzindo a ação: Lc 16,15: ὁ δὲ Θεὸς γινώσκει τὰς καρδίας ὑμῶν – Mas Deus conhece vossos corações.
ou
b) representando o estado expressado pelo verbo: Jo 1,1b: ὁ λόγος ἦν πρός τὸν Θεόν – O Verbo estava com Deus.

 

:. A voz média descreve o sujeito como participando nos resultados da ação. A voz média acentua o agente (enquanto a voz ativa acentua a ação), relacionando a ação mais intimamente com o sujeito.

Por meio dos verbos reflexivos podemos representar, em português, uma parte dos usos da voz média grega (o restante é traduzido na voz ativa): βουλεύω (voz ativa): eu aconselho – βουλεύομαι (voz média): eu me aconselho.

 

:. A voz passiva denota o sujeito como recebendo a ação. Em grego, a voz passiva constrói-se de duas maneiras diferentes:
1. O agente que produz a ação significada no verbo passivo expressa-se com ὑπό + genitivo:
At 21,30: κατηγορεῖται ὑπό τῶν ‘Iουδαίων – Foi acusado pelos judeus.

2. Quando o agente é o meio pelo qual se efetuou a ação verbal, constrói-se com διά + genitivo:
Jo 1,3: πάντα δι’ αὐτοῦ ἐγένετο – Todas as coisas por ele foram feitas.

Vale observar que a voz passiva desenvolveu-se tardiamente e não construiu terminações pessoais distintas. Só tem flexão característica no futuro e no aoristo. Nos restantes tempos ela é igual, na forma, à média.

> É conveniente anotar que há irregularidades na voz:
. Verbos defectivos: são aqueles que não se usam em todas as três vozes, ou em todos os tempos de uma ou mais vozes. Assim são quase todos os verbos irregulares, como ἔρχομαι : ir, vir (está na voz média, pois a ativa não existe)

. Verbos depoentes: são aqueles que têm forma passiva ou média, porém, significado ativo. Ou seja, sua forma de voz é diferente de sua função de voz. Como δέχομαι (voz na forma média/passiva) que significa eu recebo (significado ativo) e não eu me recebo ou eu sou recebido.

 

9.2. Pessoa e Número

Pessoa e número são determinados pela relação estabelecida entre o que fala e/ou escreve e a afirmação contida no verbo. É a relação sujeito/verbo.

O verbo concorda com o sujeito em pessoa e número.

1a pessoa: a afirmativa contém uma ação que diz respeito àquele que a faz: eu estudo, eu aprendo, nós estudamos…

2a pessoa: quando se apresenta uma ação relativa à pessoa a quem se dirige a afirmativa: tu estudas, vós estudais…

3a pessoa: quando o verbo apresenta uma ação que não diz respeito nem à pessoa que faz a afirmação nem aquele à qual ela se dirige, mas a um terceiro (ou terceiros): ele sabe, eles sabem…

 

9.3. Modo

Ao exprimir uma ideia verbal é necessário definir sua relação com a realidade.

Se afirmo que um menino corre, sou obrigado também a afirmar:
. ou o fato de sua corrida: o menino corre (corria, correu, correra etc)
. ou a possibilidade de sua corrida: se o menino corresse, caso o menino corra

Esta afirmação de relação com a realidade é o modo. O modo é a maneira pela qual se concebe um assunto, é a maneira da afirmação.

Temos, na realidade, apenas dois modos de conceber uma ação em relação com a realidade:
. o real: é definido pelo modo indicativo, como em Jo 1,1: ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος = No princípio era o Verbo.

. o possível ou potencial, que é definido pelos modos subjuntivo (objetivamente possível), optativo (subjetivamente possível) e imperativo (volitivamente possível) , como em 1Tm 5,21: διαμαρτύρομαι ἵνα ταῦτα φυλάξῃς = Peço-te que guardes estas coisas.

 

9.4. Tempo e Qualidade

Podemos olhar uma ação, em grego, de dois modos diferentes, no que diz respeito ao tempo:
. perguntando por sua duração no tempo, ao descrevê-la, ou
. simplesmente enunciando-a, sem a preocupação com o tempo

Por exemplo: um tiro em um filme. O tiro pode ser representado por um ponto,  já que não nos interessa a noção de tempo, sua duração. Já o filme pode ser representado por uma linha contínua, pois tem duração.

Mas há uma terceira maneira de olharmos uma ação em grego na sua relação com o tempo: basta combinarmos os dois aspectos vistos (ação pontual + ação contínua) e teremos uma ação começada em um ponto e continuada, nos seus efeitos, pelo tempo afora, o que dá uma ação completa.

Por exemplo:
. ação pontual: eu comi uma fruta verde
. ação contínua: eu estava comendo uma fruta verde
. ação completa: eu comi um fruta verde e estou me sentindo mal

O que acabo de descrever é a chamada qualidade (classe, aspecto) do verbo grego. Portanto, a qualidade da ação é determinada de três maneiras:
. a ação contínua (linear, durativa) expressa-se no presente
. a ação pontual (indefinida, simplesmente acontecida) expressa-se no aoristo (ἀόριστος = sem limites, indefinido. O aoristo simplesmente indica uma ação ou acontecimento, sem definir absolutamente o seu tempo de duração)
. a ação completa (olha a ação e vê seus resultados como continuando a existir) expressa-se no perfeito.

 

Vamos falar agora de tempo. Sabemos que uma ação pode ser descrita como acontecendo em certo tempo: passado, presente ou futuro.

:: Tomo um verbo grego no tempo presente:
πιστεύω: eu creio, eu estou crendo – em grego, digo, na verdade: creio (πιστευ) eu (ω).

Agora, coloco-o no tempo passado:
ἐπίστευον: eu cria, eu estava crendo – em grego, digo, na verdade: no passado (ἐ)  cria (πιστευ) eu (ον)

Quando se coloca um ε  antes do tema de um verbo, ele vai para o passado. Este ε chama-se aumento. O aumento no imperfeito – caso do exemplo – indica uma ação linear, persistente, em tempo passado.

:: Novamente, tomo o mesmo verbo no tempo presente:
πιστεύω: eu creio, eu estou crendo – em grego, digo, na verdade: creio (πιστευ) eu (ω).

Agora, coloco-o no tempo futuro:
πιστεύσω: eu crerei – em grego, digo, na verdade: crerei (πιστευ) no futuro (σ) eu (ω)

Quando se coloca um  σ  após a raiz do verbo, ele vai para o futuro.

 

Que tal combinarmos tempo e qualidade de uma ação, exemplificando com o verbo cantar?

ação contínuano tempo presentepresentecanto
no tempo passadoimperfeitocantava
no tempo futurofuturoterei cantado
ação pontual no tempo presente(não existe, sendo substituída pelo presente do indicativo)
no tempo passadoaoristocantei
no tempo futurofuturocantarei
ação completano tempo presenteperfeitotenho cantado
no tempo passadomais-que-perfeitocantara
no tempo futurofuturo do pretéritocantaria (raro em o NT)

 

9.5. Alguns usos do verbo grego

A combinação das noções de qualidade e tempo de uma ação possibilita variados matizes no uso dos verbos gregos. Alguns exemplos:

:: Ação contínua no tempo presente: o presente é usado para descrever uma ação que está acontecendo neste preciso momento, como em Mc 5,31:
βλέπεις τὸν ὄχλον: Estais vendo a multidão – βλέπεις: 2a pess. sing. pres. ind. ativo de βλέπω

:: Ação contínua no tempo passado: o imperfeito é usado para  sugerir uma tentativa feita no passado, mas cujo fim não foi alcançado, como em Lc 1,59:
καὶ ἐκάλουν αὐτὸ Ζαχαρίαν: E iam chamá-lo de Zacarias – ἐκάλουν: 3a pess. pl. imperf. ind. ativo de καλέω

:: Ação pontual no tempo futuro: o futuro simples é usado para predizer um acontecimento que se espera no futuro, como em Jo 14,26:
ἐκεῖνος ὑμᾶς διδάξει πάντα: Ele vos ensinará todas as coisas – διδάξει: 3a pess. sing. futuro ind. ativo de διδάσκω

:: Ação completa no tempo presente: o perfeito é usado para dar ênfase a um fato ou condição, como em Rm 14,23:
ὁ δὲ διακρινόμενος ἐὰν φάγῃ κατακέκριται: Mas quem duvida e assim mesmo toma o alimento é condenadoκατακέκριται: 3a pess. sing. perfeito ind. passivo de κατακρίνω.

 

9.6. As categorias dos verbos gregos

. Verbos regulares em ω: são verbos que terminam em ω na 1a pessoa sing.  presente do indicativo, como παιδεύ-ω: eu educo

. Verbos irregulares: são aqueles que apresentam variações na estrutura do tema, como
ἔρχομαι: tema ἐρχ (pres. ind.): eu vou, eu venho
ἐλεύσομαι: tema ἐλευ (fut. ind.): eu irei, eu virei
ἦλθον: tema ἐλθ (aor. ind.): eu fui, eu vim

. Verbos contratos: são verbos em ω, mas cujo tema termina em uma vogal instável: α  ε  ο. Estas vogais formam uma contração com a desinência, como ἀγαπά-ω: eu amo

. Verbos em μι: são os mais antigos verbos gregos e têm a desinência em μι, como εἰμί: eu sou.

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Última atualização: 16.10.2020 – 16h17