GRABBE, Lester L. (ed.) Leading Captivity Captive: ‘The Exile’ as History and Ideology. London: Bloomsbury T & T Clark, 1998, 161 p. – ISBN 9781850759072
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Lester L. Grabbe é Professor de Bíblia Hebraica e Judaísmo Antigo na Universidade de Hull, Reino Unido. Este livro, Conduzindo um cativo ao cativeiro: ‘o exílio’ como história e ideologia foi publicado em 1998, como resultado do 20 Seminário Europeu de Metodologia Histórica, realizado em Lausanne, Suíça, de 27 a 30 de julho de 1997, do qual participaram cerca de metade dos 21 pesquisadores de 9 países europeus e 18 Universidades que fazem parte do grupo.
Para a constituição e história do Seminário Europeu de Metodologia Histórica, peço ao leitor que confira a resenha de GRABBE, L. L. (ed.), Can a ‘History of Israel’ Be Written? London: T & T Clark, 2005.
O livro tem 9 capítulos, uma introdução feita por Lester Grabbe e, no final, um índice de citações bíblicas e de autores antigos e um índice dos autores modernos mencionados no livro. Não há uma bibliografia final, mas sim numerosas notas de rodapé. O assunto está dividido em três partes: cinco artigos (de Rainer Albertz, Bob Becking, Robert P. Carroll, Lester L. Grabbe e Thomas L. Thompson), três réplicas (de Hans M. Barstad, Philip R. Davies e Knud Jeppesen) e as conclusões do debate, elaboradas por Lester Grabbe.
Por que debater ‘o exílio’?
Na Introdução, p. 11-19, Lester Grabbe explica: porque o exílio é um forte símbolo na Bíblia e na pesquisa veterotestamentária. Quando história de Israel e literatura bíblica são discutidas, as coisas costumam ser classificadas em pré-exílicas e pós-exílicas. O conceito de culpa-exílio (castigo)-restauração teve grande impacto tanto no Antigo Testamento quanto na discussão teológica sobre o Antigo Testamento. Sem dúvida, ‘o exílio’ é um divisor de águas nas discussões sobre o Antigo Testamento, tendo como rivais apenas os esquemas de pré-monárquico/monárquico ou preestabelecimento/estabelecimento na terra.
Recentemente, dúvidas sobre o exílio foram levantadas. Estamos lidando com um evento histórico ou não? Os judaítas foram de fato para a Babilônia no século VI AEC e voltaram (seus descendentes) para reconstruir o Templo e o país? Ou não estaríamos nós lidando com um conceito teológico e literário que serviu muito bem às necessidades dos judeus oprimidos, dos líderes religiosos, pregadores, teólogos e escritores, mas que teria sido totalmente inventado? Estas são algumas das perguntas que motivaram a escolha deste tema para o 20 Seminário Europeu de Metodologia Histórica, cujas intervenções passo agora a comentar.
R. Albertz, A época do exílio como questão crítica para uma reconstrução histórica sem textos bíblicos: as inscrições reais neobabilônicas como ‘fontes primárias’
Rainer Albertz, Professor de Antigo Testamento na Westfälische Wilhelms-Universität de Münster, examina, neste seu artigo escrito em alemão, nas p. 22-39, inscrições reais neobabilônicas do século VI AEC – portanto contemporâneas do exílio – explicando como estas fontes têm seu próprio viés (Tendenz), à semelhança das fontes bíblicas.
O que pretende Rainer Albertz? Mostrar que fontes consideradas ‘primárias’ pelos pesquisadores bíblicos não são assim tão isentas quanto acreditam, como mostra o “mito de fundação” (Gründungsmythos) da Babilônia em uma estela da época de Nabônides, que reinterpreta texto anterior (ANET, 308-311). E também que não se pode descartar uma fonte bíblica, como o Deuteronomista ou o Dêutero-Isaías, simplesmente porque exibe uma tendência teológica, do mesmo modo como não são descartadas as inscrições de Nabônides que, apesar de sua forte carga ideológica, descrevem eventos históricos.
Mas R. Albertz reconhece a enorme dificuldade que existe quando se tenta reconstruir historicamente o exílio judaíta: “Die Exilzeit stellt in der biblischen Geschichtesdarstellung ein finsteres Loch dar” (“A época do exílio representa um buraco negro na narrativa histórica bíblica”), admite o autor, usando imagem cosmológica, na primeira frase de seu artigo, na p. 22.
B. Becking, A reedição do exílio por Esdras
Bob Becking, Professor de Estudos do Antigo Testamento na Universidade de Utrecht, Países Baixos, nas p. 40-61, vai falar de reedição do exílio por Esdras a partir da hermenêutica da história de Collingwood, segundo o qual, diante de um passado inacessível, o que o historiador faz é reeditar o passado em sua mente, o mais das vezes na forma de uma narrativa. Narrativa que não é a mesma coisa que ficção: narrativa é uma ideia metasintática através da qual os textos podem ser classificados, enquanto ficção tem a ver com a distância em que o texto se coloca em relação com a realidade.
Bob Becking, ao trabalhar a questão histórica do exílio, vê aí vários problemas: o ano em que o exílio babilônico começa não é certo (587 ou 586 AEC?), a data do final do exílio é problemática, não é claro se houve continuidade étnica entre os exilados e os que voltaram e, finalmente, não está claro o que aconteceu em Judá e Jerusalém na época em questão (cf. p. 42-46).
Por outro lado, o livro de Esdras é problemático quando se tenta classificar a sua narrativa, levando Becking à suposição de que o livro de Esdras não deve ser visto como uma fonte primária sobre a volta ou uma evidência desta volta, mas como uma narração competindo com outras histórias sobre o mesmo período. Além do que, mantém-se aberta a discussão sobre a pertença de Esdras à Obra do Cronista e sua ligação com o livro de Neemias, duas relações que Becking exclui, preferindo falar do livro como uma composição autônoma (cf. p. 47-55).
Bob Becking observa que o livro de Esdras, ao reeditar o exílio, o faz em três narrativas: Esd 1-2: o retorno dos exilados judeus; Esd 3-6: a abolição da não celebração da Páscoa e Esd 7-10 a estória das ações de Esdras em Jerusalém. As duas primeiras são apresentadas como ‘volta do exílio’, mas não a terceira, além de outras diferenças, e não está claro para o autor o que fazer com elas. Estas diferenças “parecem abrir a possibilidade de que as diferentes ondas vindas da Mesopotâmia tinham raízes étnicas ou religiosas diferentes, algumas no Judá pré-exílico e algumas, talvez, mesmo na Samaria preexílica”, sugere o autor na p. 60.
Bob Becking termina seu artigo com a questão: “Pode o livro de Esdras ser usado para a reconstrução da história da assim chamada época do exílio?” E conclui: “Minha resposta deveria ser a de que o livro de Esdras pode ser usado para uma reconstrução ou para várias reconstruções daquele período. Se eu fosse escrever esta história, eu a faria em uma forma narrativa dizendo ao leitor que minha estória é apenas uma tentativa, que é frequentemente hipotética e que muitos vazios são preenchidos pela imaginação. Entretanto, o livro de Esdras, ou melhor, alguns elementos de suas narrativas, teriam uma função em minha reedição do exílio” (p. 61).
R. P. Carroll, Exílio! Que exílio? Deportação e os discursos de diáspora
Robert P. Carroll, Professor de Antigo Testamento na Universidade de Glasgow, Reino Unido, apresenta um polêmico panfleto, nas p. 62-79, contra o uso da categoria ‘exílio’, fruto de uma ideologia centrada em Jerusalém, que deveria ser abandonada em favor da categoria ‘diáspora’, muito mais representativa da realidade do judaísmo ao longo dos séculos. Neste sentido, ele diz que escreveria em letras garrafais as palavras ainda não suficientemente ouvidas de Charles Cutler Torrey, que, no início do século XX (Ezra Studies, Chicago, University of Chicago Press, 1910, p. 289), já dizia: “Os termos ‘exílico’, ‘pré-exílico’ e ‘pós-exílico’ deveriam ser banidos para sempre, porque eles nada mais são que descaminhos e não correspondem a nada do que é real na vida e na literatura hebraicas” (citado por Carroll na p. 77).
Para Carroll o exílio é um símbolo literário bíblico e, embora possa ser tratado como evento no mundo histórico-social, ele deve ser abordado mesmo é como um elemento fundamental da poética cultural dos discursos bíblicos. O exílio pode até ter referentes históricos, mas é como metáfora que ele mais contribui para a narrativa bíblica.
Para Robert Carroll exílio e êxodo são duas faces do mesmo mito que caracteriza o subtexto das narrativas e a retórica da Bíblia Hebraica. Entre estes dois ‘topoi’ (e sua noção mediadora da terra vazia) é desenhada e construída a estória essencial da Bíblia Hebraica. Eles refletem uma profunda estrutura narratológica e uma preocupação constante com jornadas para dentro e para fora de territórios, diz na p. 63.
Foi o Cronista – e a literatura associada a ele (Esdras-Neemias) – que tratou o exílio como um prolongado sabbath da terra. “Esta sabatização da deportação transformou-a efetivamente em um exílio e produziu o correspondente mito da terra vazia, através do qual a pátria palestina esvaziada espera a volta dos deportados”, diz Robert Carroll na p. 65. Isto faz desta versão de Jerusalém uma tentativa de silenciar as outras deportações, os exílios permanentes, os muitos exílios sem volta.
É por isso que, frente a tais representações, o autor questiona no título: “Exílio! Que Exílio?” E daí surgem muitas questões. “Questões sem fim. Questões sem respostas definitivas, também porque elas são muito difíceis de serem respondidas com a pouca informação disponível no texto bíblico. Mas estas são as verdadeiras questões que precisam ser levantadas por este Seminário de historiografia”, provoca Robert P. Carroll na p. 66.
L. L. Grabbe, ‘O exílio’ sob o teodolito: historiografia como triangulação
Lester L. Grabbe, Professor de Bíblia Hebraica e Judaísmo Antigo na Universidade de Hull, Reino Unido, no seu artigo, nas p. 80-100, começa levantando alguns problemas que o ‘exílio’ suscita, como: por ser um poderoso símbolo no Antigo Testamento e na pesquisa bíblica – como já dissera na Introdução ao livro – o ‘exílio’ fica ainda mais difícil de ser historicamente construído; não temos uma descrição do exílio, apenas o que o precede (em 2 Reis e 2 Crônicas) e o que o finaliza (Esdras); nenhum texto descreve o transporte dos judaítas para a Babilônia ou o que aconteceu com eles desde então…
Frente a isso ele se propõe analisar três questões: 1. Comunidades exiladas perderam suas identidades e jamais voltaram para suas terras de origem ou não? 2. O que as fontes extrabíblicas podem confirmar sobre os eventos descritos no texto bíblico? 3. Como ficaria uma história construída a partir desse estudo?
Grabbe vai concluir, de sua análise de textos bíblicos e extrabíblicos, que houve uma volta de exilados judaítas, e apresenta seis argumentos favoráveis à sua tese nas p. 95-96. Tira, em seguida, quatro ‘conclusões metodológicas’ do estudo anterior, conclusões que me parecem mais pressupostos do que qualquer outra coisa! Entre elas (ou eles!), a óbvia de quem é o mediador do Seminário: “Eu rejeitarei qualquer posição que se recuse a usar o texto bíblico na reconstrução histórica do exílio ou que se mantenha numa atitude puramente agnóstica, assim como eu também rejeitarei qualquer posição que aceite sem mais o texto bíblico a não ser que ele possa ser refutado” (p. 98).
Finalmente, Lester Grabbe apresenta, em grandes linhas, o que seria a sua história do exílio, para concluir seu texto com o seguinte parágrafo: “O conceito bíblico de exílio e volta estava, por conseguinte, baseado em eventos reais. Embora exílio e volta representem um tema teológico significativo no texto bíblico, eles não foram construídos apenas com objetivos teológicos. Neste caso específico, a teologia representa uma reinterpretação e reutilização de eventos históricos” (p. 99-100).
T. L. Thompson, O exílio na história e no mito: uma resposta a Hans Barstad
Thomas L. Thompson, Professor de Antigo Testamento no Instituto de Exegese Bíblica da Universidade de Copenhague, Dinamarca, no seu artigo, nas p. 101-118, se propõe dar uma resposta – mais do que fazer uma crítica – à monografia de Hans Barstad, The Myth of the Empty Land: A Study in the History and Archaeology of Judah during the ‘Exilic’ Period. Oslo: Scandinavian University Press, 1996 [O mito da terra vazia: um estudo de história e arqueologia de Judá durante o período ‘exílico’]. Obra, aliás, muito citada pelos participantes do Seminário.
Thompson começa falando das práticas orientais de transferência de populações como uma política de ‘pacificação’, mas que, na verdade, era um verdadeiro crime de guerra. Mostra como a Pérsia, de Ciro em diante, modificou esta prática, combinando, de modo mais eficaz, propaganda com terror para controlar os vencidos.
Em seguida, aborda o assunto das deportações de Israel e Judá, onde elenca cerca de uma dúzia, colocando entre elas as transferências de populações para Judá na época persa, aquelas que a Bíblia chama de ‘volta do exílio’. Aliás, Thompson nega que tenha ocorrido qualquer ‘volta’ de judeus do ‘exílio’.
Debate, em seguida, a possível identidade dos deportados, para mostrar que no processo de integração dos refugiados em Jerusalém e Samaria com as populações aí residentes, vários efeitos de longo prazo caracterizaram essa sociedade, como o uso da língua aramaica, o desenvolvimento de tradições comuns acerca das origens, o isolamento de Samaria e os conflitos de legitimidade ‘judaica’ entre os vários grupos.
Finalmente, sob o título “O Mito do Exílio”, Thompson trabalha o exílio como metáfora e mito na Bíblia, passando por Jeremias, Lamentações, Dêutero-Isaías, Zacarias… O ‘exílio’ é a devastação moral de Jerusalém, o vazio da alma sem Deus: não é historiografia, mas pietismo!
H. M. Barstad, O estranho medo da Bíblia: algumas reflexões sobre a ‘bibliofobia’ na recente historiografia israelita antiga
Hans M. Barstad, Professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Oslo, Noruega, começa observando, nas p. 120-127, que “frequentes vezes, durante as discussões sobre o ‘antigo Israel’ em Dublin e Lausanne, objeções foram levantadas por alguns membros de nosso Seminário quando eram feitas tentativas de se referir a informações históricas tiradas da Bíblia Hebraica” (p. 120). Dizendo que sempre achou esta atitude um tanto estranha para quem reivindica ser um historiador da Palestina da Idade do Ferro, ele decidiu fazer, após a realização do Seminário, algumas observações a respeito desta ‘bibliofobia’.
Ele sublinha que sua posição é a seguinte: não podemos tratar a Bíblia de modo diferente de outras fontes históricas ou literárias antigas, como as da Grécia antiga ou da antiga historiografia mesopotâmica. Para exemplificar que problemas existem em todas as fontes antigas, e que isto não é exclusividade da Bíblia, Hans Barstad passa, em seguida, a mostrar os problemas de credibilidade histórica, hoje em debate, em Heródoto e na “Lista dos Reis Sumérios”.
Barstad defende também, como já fizera no 10 Seminário, a substituição da busca de uma “verdade histórica factual” por uma “verdade histórica narrativa” (p. 126) e termina o seu texto dizendo enfaticamente: “Como uma fonte histórica, a Bíblia Hebraica é da ‘mesma’ natureza e qualidade dos outros textos literários do Antigo Oriente Médio (….) Nós devemos aceitar, para o bem ou para o mal, a Bíblia Hebraica não só como necessária, mas também, de longe, como a mais importante fonte para nosso conhecimento da história da Palestina da Idade do Ferro. Negar isto é não apenas ser injustificadamente hipercrítico, mas é também se fundamentar em uma visão positivista de história que hoje está irremediavelmente ultrapassada” (p. 127).
P. R. Davies, Exílio? Que exílio? Qual exílio?
Philip R. Davies, Professor de Estudos Bíblicos na Universidade de Sheffield, Reino Unido, nas p. 128-138, vai mostrar em seu texto que a noção de ‘exílio’ opera em três níveis: canônico, literário e historiográfico.
No nível canônico o ‘exílio’ encerra os Profetas Anteriores e o período de desobediência e ira divina; no nível literário o ‘exílio’ faz paralelismo com os arquétipos de criação e expulsão do paraíso e realiza a mediação da punição e salvação; e no nível historiográfico bíblico marca as épocas do ‘pré-exílio’ e do ‘pós-exílio’.
Trabalha, em seguida, vários conceitos relativos ao ‘exílio’, visto como legitimação ideológica dos grupos que foram transferidos para Judá – Davies nega qualquer ‘volta’ – e que, ao construir e impor a sua identidade de ‘judeus’ e ‘Israel’ silenciam os outros grupos que reclamam o direito de viverem nesta terra.
O autor, curiosamente, denomina a sua abordagem de ‘materialista’ – sem nenhuma referência a qualquer marxismo – por considerar que, em suas palavras, na nota 12 da p. 132, “as configurações históricas e culturais de alguma maneira esclarecem os produtos ideológicos”… No meu entender, há aqui algum equívoco epistemológico!
K. Jeppesen, Exílio, uma época – Exílio, um mito
Knud Jeppesen, Professor de Antigo Testamento na Universidade de Aarhus, Dinamarca, escreve nas p. 139-144 de nosso livro, avaliando as contribuições de alguns participantes do Seminário, que ele classifica em dois grupos: as contribuições de Rainer Albertz, Bob Becking e Lester L. Grabbe, que lidam com o problema de se e de que maneira nós podemos reconstruir a história da época do exílio e as contribuições de Thomas L. Thompson e Robert P. Carroll que, de outro lado, procuram explorar o exílio mais como mito e metáfora.
Knud Jeppesen mostra a dificuldade do tema nas posições dos debatedores citados. Rainer Albertz, por exemplo, que de modo algum pretende ser um minimalista, acaba admitindo que o exílio é “um buraco negro” na narrativa histórica bíblica ou uma “caixa preta”, na qual os pesquisadores colocam tudo o que não cabe no período pré-exílico. Já Bob Becking, discutindo o livro de Esdras está convencido de que processos como ‘exílio’ e ‘volta’ ocorreram, mas conclui que sabemos muito pouco sobre isso. Grabbe é quem parece não ter muitas dúvidas!
Ele diz que, em princípio, concorda com Albertz, Becking e Grabbe e acha que nós ainda podemos contar alguma estória sobre o ‘exílio’ de 587-586 AEC. Mas ele vê também que o exílio é interpretado pela Bíblia como um mito universal, e, por isso, aprecia as colocações de Thompson e Carroll, quando trabalham o exílio como mito, metáfora e símbolo.
E conclui: “Eu ainda acredito que deve haver alguma forma de conexão entre o exílio na história e o exílio na narrativa mítica (….) A ideologia – o mito – e a narrativa – a ‘história’ – são duas diferentes maneiras de conhecimento que nós devemos manter distintas. Os pesquisadores frequentemente as misturam e, por isso, é difícil para o mito e a história conviverem em paz. Nós precisamos dos dois, mas nós devemos traçar uma linha divisória entre eles (…) Para os pesquisadores bíblicos, uma escolha entre mito e história é equivalente a uma escolha entre a história e a Bíblia. E se houvesse a possibilidade de escolha, eu iria sempre preferir a Bíblia – ela é muito mais excitante do que a história”.
L. L. Grabbe, Reflexões sobre a discussão
Finalmente, nas p. 146-156, Lester L. Grabbe faz uma reflexão e síntese deste denso e proveitoso Seminário sobre o Exílio.
Dois pontos em que todos concordaram: 1. Ocorreram uma ou mais deportações dos reinos de Israel e Judá; 2. O termo ‘exílio’ é fortemente marcado por significados teológicos e ideológicos e não é, de modo algum, um termo neutro para se referir a uma época ou a um episódio históricos.
Uma das principais questões debatidas no Seminário foi se o uso do termo ‘exílio’ deveria ser banido ou não do meio acadêmico, já que sua carga teológica e ideológica é um problema para o estudo deste fenômeno ou época. Dois grupos se formaram: Lemche, Thompson e Davies consideraram seu uso problemático e prefeririam seu banimento; Knauf, Barstad, Becking e Albertz, por outro lado, consideraram o seu uso adequado. Alguns sugeriram ‘deportação’ no lugar de ‘exílio’, alegando ser este um termo neutro (Davies), enquanto outros, como Lemche, discordaram também deste termo porque isto seria assumir ainda uma agenda bíblica e não histórica. Não houve consenso quanto a este ponto.
Outro ponto de desacordo foi a questão da ‘volta’ do exílio. Alguns acham que não houve continuidade entre os deportados da época babilônica e os que se estabeleceram na Judeia na época persa. Outros acham que se pode falar de uma ‘volta do exílio’. E aí no meio se discutiu o que significa ‘continuidade’, que não precisa ser necessariamente biológica, pode ser cultural. Discutiu-se aí o significado de etnia. Mas e se foi outro(s) povo(s) que veio para Judá na época persa, deportado, por sua vez, de sua terra natal? Ainda: se nem todos os judaítas foram exilados – apesar do mito da ‘terra vazia’ –, por que falar de ‘restauração’, outro conceito extremamente problemático?
Outro problema discutido: não existe descrição do ‘exílio’ e parece que os judeus da época do Segundo Templo não se viam como exilados, como concordaram Carroll, Grabbe e Davies. Por isso, alguns sugeriram falar de ‘diáspora’ ao invés de ‘exílio’. Mas qual é a diferença real entre ‘diáspora’ e ‘exílio’ se o hebraico usa a mesma palavra (gôlâh) tanto para ‘exílio’ quanto para ‘diáspora’ e ‘deportação’?
Forte discussão e grande desacordo, assim como no primeiro Seminário, ocorreram quando se tratou do uso das fontes, especialmente do texto bíblico. E aí, naturalmente, a disputa sobre a validade histórica de Esdras esteve em primeiro plano.
Finalmente, Lester L. Grabbe traz, nas p. 154-156, as respostas dos participantes do Seminário às duas seguintes questões: Pode uma história do ‘exílio’ ser escrita? Se pode, como ela seria?
Rainer Albertz disse que, apesar de termos alguns dados, não podemos narrar uma história do exílio. Bob Becking acha que pode, só que seria uma história/estória à base de tentativas e aberta ao debate. Hans M. Barstad disse que uma pequena história pode ser escrita, enquanto Robert P. Carroll acredita que seria uma história ideológica, uma ‘história’, entre aspas. Já Philip R. Davies propõe a escrita de duas histórias: uma seria sobre a ideia de exílio e sua emergência no judaísmo e na literatura judaica que venha até o século XIX, enquanto a outra seria sobre os movimentos populacionais na área, onde, de modo especulativo, até que poderia ser usada a literatura bíblica. Lester L. Grabbe acredita que uma história do exílio pode ser escrita, o mesmo acontecendo com Knud Jeppesen que propõe uma versão mais curta com os fatos históricos conhecidos e uma versão mais longa que preencheria os vazios entre os fatos com outras fontes, como o mito do exílio. Ernst Axel Knauf escreveria uma história entre 20 e 200 páginas, enquanto Niels Peter Lemche escreveria duas histórias, como Philip Davies, e, finalmente, Thomas L. Thompson escreveria uma história de umas 300 páginas baseada somente na arqueologia…
De modo geral, o tema do exílio foi tratado em suas múltiplas características com categoria e profundidade e, o mais importante, este ‘divisor de águas’ na História de Israel foi trazido para o primeiro plano do debate sobre a metodologia histórica. O Seminário manteve o nível do anterior e a leitura deste livro é altamente recomendável para todos os estudantes de História de Israel.
Esta resenha foi publicada em 2000.
Última atualização: 13.07.2024 – 11h12