A vocação de Jeremias

Arrancar e destruir, construir e plantar: a vocação de Jeremias

 

leitura: 49 min

 

Convido o leitor para uma viagem ao passado. Uma volta, no tempo, de uns 2600 anos. Primeira parada: Jerusalém, ano 605 a.C.

E aí o drama: a Jeremias, experiente profeta de 45 anos de idade, foi proibida a entrada no pátio do Templo. Após 22 anos de labuta, “homem de disputa e homem de discórdia para toda a terra” (Jr 15,10), o governo e os sacerdotes do Templo querem calar, definitivamente, a sua boca, afastando-o do povo.

Ele, porém, não é de desistir. Convoca seu secretário Baruc, a quem dita sua mensagem aos israelitas. Mensagem que, em seguida, é lida para o povo, para os altos funcionários do governo e até para o próprio rei.

Neste livro encontra-se uma página de extraordinária beleza e rico significado: é a que conta como Jeremias tornou-se um profeta (Jr 1,4-19). É a história de sua vocação. Não é um relato imediato dos acontecimentos, mas reflexão madura e revisão condensada daqueles 22 anos de luta profética. A chave que abre o sentido da vida e da ação de Jeremias.

Gostaria que o leitor me acompanhasse na leitura deste texto. Pois acredito que o espírito combativo de Jeremias pode nos estimular, hoje, diante das contantes crises que enfrentamos. Afinal, uma leitura da Bíblia que sirva de inspiração e luz para a vida real das pessoas é mais do que nunca necessária.

Penso fazer os seguintes passos:

  1. É absolutamente necessário começar com uma leitura atenta do texto, com a observação cuidadosa de seus elementos e de sua organização.
  2. Depois, pode-se verificar a situação da época. Aquilo que vem antes do texto.
  3. Em seguida, o porquê do texto, ou  a análise da situação feita pelo profeta, que lê os fatos à luz da fé.
  4. Agora, qual foi o comportamento de Jeremias naquela situação concreta?
  5. Finalmente, a sua proposta de saída da crise.

O artigo tem os seguintes itens:

1. Farei de minhas palavras um fogo em tua boca: o texto
1.1. Homem de disputa e homem de discórdia
1.2. Anuncia-se desastre sobre desastre
1.3. Eles abriram uma cova para me pegar

2. De repente, chega sobre nós o devastador: a situação
2.1. Eu trago do norte uma desgraça
2.2. Devorará os teus filhos e as tuas filhas
2.3. Vós vos fiais em palavras mentirosas, que não podem ajudar

3. Eu chorarei em segredo pelo vosso orgulho: a análise
3.1. Tu me seduziste, Javé, e eu me deixei seduzir
3.2. Tu serás como a minha boca
3.3. Eles lutarão contra ti

4. Sempre que falo devo gritar: “violência, opressão”: a ação
4.1. Um desastre enorme se anuncia
4.2. Tuas palavras eram para mim contentamento
4.3. Esta é a tua maldade, como é amarga
4.4. Eles cuidam da ferida de meu povo superficialmente
4.5. O rebanho de Javé é conduzido para o exílio
4.6. E tu, devastada, que vais fazer?

5. Então serei seu Deus e eles serão meu povo: a proposta

 

1. Farei de minhas palavras um fogo em tua boca: o texto

1.1. Homem de disputa e homem de discórdia

v. 4: E ACONTECEU A PALAVRA DE IAHWEH A MIM, DIZENDO:

v. 5: Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci; e antes que saísses de um útero, eu te separei. Profeta para os povos eu te constituo.

v. 6: MAS EU DISSE:

“Ah, Senhor Iahweh, eis que eu não sei falar, porque sou muito jovem”.

v. 7: MAS IAHWEH ME DISSE:

Não digas: “Eu sou muito jovem”. Porque a quem eu te enviar, irás, e tudo o que eu te ordenar, falarás.

v. 8: Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar, ORÁCULO DE IAHWEH.

v. 9: E ESTENDEU IAHWEH A SUA MÃO E FÊ-LA TOCAR SOBRE A MINHA BOCA. E IAHWEH ME DISSE:

Eis que eu coloco as minhas palavras na tua boca.

v. 10: Vê: eu te instituo, neste dia, sobre os povos e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para construir e para plantar.

v. 11: E ACONTECEU A PALAVRA DE IAHWEH A MIM, DIZENDO:

O que estás vendo, Jeremias?

E EU RESPONDI:

“Eu estou vendo um ramo de amendoeira”.

v. 12: E ENTÃO IAHWEH ME DISSE:

Viste bem, porque eu estou vigiando sobre a minha palavra para realizá-la.

v. 13: E ACONTECEU A PALAVRA DE IAHWEH A MIM, PELA SEGUNDA VEZ, DIZENDO:

O que estás vendo?

E EU RESPONDI:

“Estou vendo uma panela fervendo cuja boca está inclinada a partir do norte”

v. 14: E IAHWEH ME DISSE:

Do norte derramar-se-á a desgraça sobre todos os habitantes da terra.

v. 15a: Porque eis que eu estou convocando todos os clãs dos reinos do norte, ORÁCULO DE IAHWEH.

v. 17: Mas tu cinge os teus rins, levanta-te e diga-lhes tudo o que eu te ordenar. Não te amedrontes por causa deles, para que eu não te amedronte na presença deles.

v. 18: Quanto a mim, eis que te coloco, hoje, como uma cidade fortificada, como uma coluna de ferro, como uma muralha de bronze, contra toda a terra: contra os reis de Judá, contra os seus príncipes, contra os seus sacerdotes e contra o povo da terra.

v. 19: E eles lutarão contra ti, mas não te vencerão, porque eu estou contigo, ORÁCULO DE IAHWEH, para te libertar.

 

1. 2. Anuncia-se desastre sobre desastre

O que primeiro chama a atenção, na leitura: os vv. 15b-16 foram omitidos. É que parecem ser apenas uma explicação posterior dos vv. 13-14. Quebram o paralelismo dos vv. 13-15a com os da outra visão, os vv. 11-12. Além do que, representam um típico “vaticinium ex eventu”, uma profecia após o fato, muito comum nos livros proféticos. Após um acontecimento, antes vagamente mencionado, os redatores do livro costumam, às vezes, precisá-lo, porque já conhecido.

Foram igualmente omitidos do texto dois verbos do v. 10: “para exterminar e para demolir”. É que o v. 10 pareceJeremias de Andrew Mabanji, do Zimbabwe - St. John’s Abbey, Collegeville, MN (séc. XXI) ter sido sobrecarregado pelos redatores do livro com verbos vindos de contextos semelhantes, tais como Jr 18,7-9; 24,6; 31,28. Estes dois verbos nada acrescentam aos outros quatro.

Há autores que preferem eliminar também os vv. 7b.9-10 considerados, por eles, como acréscimos interpretativos da função e da pessoa de Jeremias.[1] Teriam sido feitos durante o exílio para sublinhar a dimensão global da missão do profeta de Anatot. Não obstante tal possibilidade, prefiro mantê-los no texto.

Apanhado num só olhar, pode-se dizer que Jr 1,4-19 apresenta o aspecto de um quadro, no qual a vocação e o envio do profeta representam a moldura, enquanto as duas visões reproduzem a mensagem a ser, por ele, levada ao povo.

Assim:

a) vv. 4-10: a vocação do profeta

b) vv. 11-12: a visão do ramo de amendoeira

b’) vv.13-15a: a visão da panela fervendo

a’) vv. 17-19: o envio do profeta

 

1.3. Eles abriram uma cova para me pegar

Olhando o texto de outro ângulo, nota-se que os personagens considerados são quatro:

  • Iahweh e sua palavra
  • Jeremias, ainda muito jovem
  • estrangeiros: a desgraça que vem do norte (v. 14) e os clãs dos reinos do norte (v. 15a) indicam o ataque das grandes potências mesopotâmicas, situadas além da Síria e do Líbano. Também os vv. 5 e 10 mencionam povos e reinos
  • judaítas: os reis de Judá, seus príncipes (= altos funcionários da corte), seus sacerdotes e o povo da terra (= proprietários de terra). É a elite dominante que se coloca acima do povo.

Quem comanda todos os acontecimentos é Iahweh, que:

  • elege, consagra e nomeia Jeremias profeta sobre os povos e os reinos
  • envia, dá ordens, autoriza e garante Jeremias diante de seus perseguidores
  • está atento para cumprir a sua palavra e derrama sobre Judá uma desgraça do norte, chamando os estrangeiros para puni-lo por seus crimes.

Jeremias, por sua vez:

  • protesta a Iahweh, por ser muito jovem e não ter autoridade/experiência para ser profeta
  • vê um ramo de amendoeira e uma panela fervendo e começa a compreender a situação
  • por ordem de Iahweh, irá e falará, cingirá os rins e levantar-se-á para dizer tudo o que Iahweh ordenar
  • em síntese, sua missão é de arrancar e destruir, construir e plantar.

Os estrangeiros atacarão o país, como instrumento de Iahweh para punir Judá.

Os judaítas, ou melhor, sua elite, lutarão contra Jeremias, porque já são adversários de Iahweh, e não ouvirão a palavra de seu mensageiro. Por outro lado, serão punidos por Iahweh com uma invasão e ruína.

Além disso, vale observar que o texto é eminentemente dialógico. O verbo “dizer” é usado 10 vezes e o verbo “falar” 3 vezes. Secundariamente se manifesta o aspecto da visão, com o verbo “ver” sendo usado 5 vezes. Nenhum outro verbo é usado mais do que três vezes.[2]

 

2. De repente, chega sobre nós o devastador: a situação

2.1. Eu trago do norte uma desgraça

Há alguns elementos do texto que apontam para o contexto. Especialmente a visão da panela fervendo, nos vv. 13-15a, cuja boca está inclinada a partir do norte.

Trata-se, provavelmente da imagem de uma panela que perde o equilíbrio sobre a trempe e derrama seu conteúdo em direção ao sul, embora sejam viáveis outras traduções.[3] Certamente, sob qualquer tradução, um símbolo de ameaça e extermínio. Uma cena comum, caseira. Mas que evoca a cólera, a ira, o furor de Iahweh “que se derrama” sobre o povo culpado. [4]

De que se trata? O que vem do norte? Qual potência (“os clãs dos reinos”) representava tão grande perigo para Judá, por volta de 605 a.C.? Ou seria antes, em 627 a.C., ainda no começo da atividade de Jeremias?

 

2.2. Devorará os teus filhos e as tuas filhas

Já fazia um século e meio que a Assíria representava o grande perigo para todas as pequenas nações da região. Destruíra Israel do norte, o reino de Samaria, em 722 a.C. e submetera Judá a pesados tributos durante muitos anos.

Mas em 609 a.C. outro grande império destronou a Assíria e dominou a região: a Babilônia.

Desde então Judá balançou entre o enfraquecido Egito dos faraós e a forte Babilônia de Nabucodonosor. AliadoJeremias de Portinari - MASP (1943) ora a um ora a outro, equilibrou-se mal o pequeno reino e encontrou tragicamente o seu fim.

Em 605 a.C. Nabucodonosor derrotou as forças egípcias que controlavam a Palestina, e o rei Joaquim, então com 29 anos de idade e 4 de governo, foi obrigado a fazer com ele um acordo de paz bastante oneroso para a população. Do contrário seria destruído o país.

Este acordo não durou nada. Por ter se rebelado contra o domínio babilônico, Jerusalém foi assediada e capitulou no dia 16 de março de 597 a.C.[5]

O rei, nessa ocasião, já era outro, era Joaquin, tinha apenas 18 anos de idade e acabou sendo deportado para a Babilônia com a sua corte. Tinha governado durante 3 meses apenas.

No seu lugar os babilônios colocaram seu tio Sedecias, 21 anos, um governo fraco para um país em profunda e definitiva crise.

Em 588 a.C. Judá rebelou-se novamente contra a Babilônia, foi dominada e destruída. Jerusalém resistiu ainda a um ano e meio de cerco, cedendo no dia 19 de julho de 586 a.C. Em agosto a cidade foi arrasada, enquanto a população era exilada para a Babilônia. Os principais líderes judaítas foram executados diante de Nabucodonosor.

 

2. 3. Vós vos fiais em palavras mentirosas, que não podem ajudar

Pois ao confrontar-se com o poderio estrangeiro, Judá estava totalmente despreparada para a crise.

Desde tempos antigos, talvez desde Ezequias – pois isto aparece em Isaías, que é do século VIII a.C. – vinha sendo elaborada uma crença específica, a da invencibilidade de Jerusalém, associada à crença na perpetuidade da dinastia davídica.

O rei Josias (640-609 a.C.), ao fazer uma reforma, tentara ir além, aprofundando o sentido da aliança com Iahweh.[6]

Mas, com a morte prematura de Josias quase tudo se perdeu: o poder real sob Joaquim tornou-se extremamente despótico e o Templo, fortalecido pela centralização do culto, associou-se, mais uma vez, aos desmandos da classe dominante enquanto a legitimava e ocultava suas práticas através de um culto de fachada.

Quanto mais próximo estava o desenlace da crise, mais a elite se apegava ao dogma da inviolabilidade da cidade, especialmente do Templo. Isto interessava aos poderes dominantes, pois garantia seus privilégios a curto prazo. Esta limitada visão levou a nação à ruína. Por isso a teologia oficial não pôde oferecer uma resposta adequada ao momento, perdendo o controle da situação enquanto o país agonizava. Alguns homens, contudo, buscaram uma saída. Entre eles, Jeremias.[7]

 

3. Eu chorarei em segredo pelo vosso orgulho: a análise

3.1. Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir

Jr 1,4-5 fala da vocação de nosso profeta. Vamos observar alguns de seus elementos.

A fórmula de introdução do v. 4 (“E aconteceu a palavra de Iahweh a mim, dizendo”) – depois repetida nos vv. 11 e 13 – é bastante usada nos textos proféticos. Aparece mais de uma centena de vezes no AT, com baixa ocorrência fora do âmbito profético.

A expressão “palavra de Iahweh” precisa ser adequadamente considerada. Tem um sentido objetivo e dinâmico. A palavra de Iahweh não é simplesmente. Ela acontece, irrompe, explode. E isto é reforçado pelo verbo hebraico hâyâh,  “acontecer”, que indica uma ocorrência histórica e igualmente dinâmica.[8]

Dâbhâr, “palavra”, em hebraico, tem igualmente o sentido de “coisa”. Isto pode nos parecer estranho, pois nas línguas modernas a palavra tem a função básica de transmitir um significado. É uma função que pode ser chamada de noética, pois contém uma “compreensão”, um “pensamento”, uma “inteligência”, nous, em grego.

Só que no mundo antigo, em nosso caso, no Israel da época do AT, a palavra tem outra forte função. A palavra tem uma função dinâmica, é possuidora  de um poder de realização que mal podemos imaginar.

No modelo israelita de uma sociedade solidária, tal como aparece no AT, sem classes sociais tão demarcadas, a diferenciação entre os “faziam os fatos”, trabalhando, e os que “faziam o sentido”, interpretando o trabalho, não era tão acentuada como em nossas sociedades classistas, onde os que trabalham, alienados do produto de suas mãos, não dizem o sentido social de seu trabalho. E os que dizem o sentido, não trabalham, exploram o trabalho dos outros, mediante a sua “verdade” social prévia.

Daí que em Israel, ou, pelo menos, nos textos bíblicos, a verdade da palavra está contida no próprio acontecimento e não no mundo das ideias alhures preconcebidas.

Neste universo bíblico, pode-se imaginar, então, a forte carga que tem a “palavra de Iahweh”. Observe-se a força da palavra de Iahweh em outros textos de Jeremias, como em 5,14 e 23,29, onde é “fogo devorador” e “martelo que arrebenta a rocha”.

A vocação de Jeremias, no v. 5, compreende uma eleição divina (“eu te conheci”), uma consagração (“eu te separei”) e uma nomeação (“eu te constituo”).

O v. 5 é composto por três elementos paralelos:

a) antes que
b) eu te formasse
c) no ventre materno
d) eu te conheci
a’) e antes que
b’) saísses
c’) de um útero
d’) eu te separei
e) profeta
f) para os povos
d’’) eu te constituo

Este versículo é tão bem elaborado em sua forma poética, como é extremamente denso em seu conteúdo teológico. Exprime de maneira dramática a consciência profética de Jeremias após muitos anos de luta. Jeremias se considerava irrevogavelmente destinado à função profética. Não tinha como escapar da escolha feita por Iahweh, reflete Jeremias, anos depois de começado o caminho.

A observação dos verbos hebraicos aqui é bastante proveitosa. Vejamos:[9]

A eleição é descrita pelo verbo yâdha’ “conhecer”. Este verbo, bastante usado no AT, exprime a ação de conhecer algo, saber alguma coisa. Mas traz frequentemente consigo a ideia de experiência, relação profunda, contato íntimo. Tanto que é usado para designar a relação sexual entre um homem e uma mulher.

Quando o sujeito do verbo é Iahweh, o verbo yâdha’ significa “destinar a uma função”, “eleger alguém para”. É um conceito muito próximo de bahar, “eleição”, usado pelo Deuteronômio para falar da vocação de Israel, escolhido por Iahweh para ser seu povo. Portanto, o verbo não diz apenas que Iahweh tomou conhecimento de Jeremias, mas que o escolheu para uma missão, dedicando-se de perto a ele, acompanhando-o. E isso desde sempre, ou seja, antes de sua geração.

A consciência profética de Jeremias é paralela à sua pregação de uma consciência necessária de Israel na sua relação com Iahweh. Isto significa que o profeta não via sua vocação como algo individual e isolado, mas como um processo histórico de grande significação, medida que se inseria na vocação histórica do próprio povo. Sua vocação não é para dentro, intimista, é um chamado para fora, para ir à luta em campo aberto.

A consagração é dita pelo verbo qâdhash, “separar”, “consagrar”, “dedicar”, “santificar”. O verbo não tem o sentido corrente cristão de “santificação” como isenção de pecado. Significa que alguém ou alguma coisa é especialmente “separada” para uma função sagrada. Também não dá a Jeremias uma qualidade especial, nem o isola das lutas, mas destina-o a uma função.

A nomeação é indicada pelo verbo nâthan, “constituir”, “pôr”, “colocar”, “dar”. O sentido comum deste verbo é “dar”. Mas, em passagens significativas do AT, com Iahweh como sujeito, adquire o sentido de “constituir”. Como nas vocações de Abraão (Gn 17,5), de Moisés (Ex 7,1) e do Servo de Iahweh (Is 49,6).

Jeremias se considera profeta. A etimologia da palavra “profeta”, de origem grega (o substantivo profêtês é formado pelo prefixo pro associado ao verbo fêmi = dizer, falar), passada para o português através do latim (propheta), permite três leituras:

  • o profeta é alguém que possui a capacidade de pre-dizer algo, já que o prefixo latino prae, neste caso, significa “antes”: assim entenderam-no os Padres da Igreja, enquanto a cultura grega desconhecia este sentido até o século II d.C.
  • ou o profeta é aquele que manifesta ou pro-fere (do latim pro-ferre) coisas ocultas, noção que vem quase sempre associada à primeira
  • ou, ainda, o profeta é um porta-voz, aquele que pro-clama (em latim o verbo é proclamare) uma mensagem em nome de outrem. Este é o uso corrente do termo nos clássicos gregos, para quem o profeta é um arauto.

Acontece que a palavra hebraica original, na Bíblia, que foi traduzida pelo grego profêtês, é nâbhî’. E nâbhî’ significa aquele que anuncia ou aquele que proclama a mensagem de outrem.

O profeta, no sentido bíblico original, é, portanto, um arauto, um porta voz de alguém que lhe confia uma mensagem, que autoriza sua comunicação e garante sua veracidade. É o que vemos em Jeremias.

Observo ainda, na nomeação de Jeremias, a dimensão global de sua missão (“profeta para os povos”). Considera-se aqui Iahweh com o senhor absoluto da história e Jeremias como seu mensageiro fiel. Há um profundo contraste entre a pequenez de sua aldeia natal e a dimensão enorme de sua missão. Somos nós, hoje, que podemos confirmar: as palavras de Jeremias atingiram realmente milhões de pessoas, em centenas de nações.[10]

 

3.2. Tu serás como a minha boca

O protesto de Jeremias, no v. 6, aponta para a grande dificuldade encontrada: por ser muito jovem, falta-lhe maturidade e credibilidade para proclamar uma mensagem a pessoas mais idosas e experientes. Com efeito, Jeremias devia ter, em 627 a.C., cerca de 20 anos apenas.

Seu protesto é veemente, pois a expressão hebraica inicial ‘ahâh é forte, manifestando desagrado e rebeldia. É usada por quem é atingido por algo extremamente desagradável.

O verbo “saber” aqui (“eis que eu não sei falar”), o já conhecido yâdha’, deve ser entendido como “ser versado em”, “ser especialista em”. Jeremias diz que não tem preparo para proclamar, função primordial do profeta.

A razão alegada por Jeremias é sua juventude. O termo na’ar “jovem”, não nos permite saber exatamente a Jeremias de Aleijadinho - Congonhas do Campo, MG (entre 1794 e 1804)idade de Jeremias. Mas indica o verdor da juventude, a imaturidade e o despreparo gerado pela falta de experiência. Tanto que pode ser traduzido como “criança” ou “garoto”.

A objeção de Jeremias adquire maior sentido ainda se considerarmos que ele vive em uma sociedade onde o jovem nada pode ensinar ao velho, ao ancião. É uma sociedade patriarcal, onde o ancião é quem tem experiência e poder. O jovem deve escutar e aprender com os mais velhos. Na’ar, “jovem”, “imberbe”, se opõe naturalmente aqui a zâqên, “ancião”, “barbado”.

A resposta de Iahweh, no v. 7, destrói o argumento de Jeremias completamente: não será sua experiência que autorizará sua proclamação profética, mas será Iahweh quem a legitimará.

A proibição (“não digas”) é forte: é um “não”, ‘al, com o verbo no jussivo, to’mar, “digas”. Não admite admite réplica, não deixa opção para um “mas”. Ou seja, é como se Iahweh dissesse: “Este argumento de que és muito jovem não serve e assunto encerrado”.[11]

Assim, aqui se aprende o que é ser profeta. Ser profeta implica em ser enviado, ter que obedecer e proclamar uma mensagem de Iahweh.

Lendo seu livro sabemos como Jeremias obedeceu: apoiou-se em uma “teologia da aliança” e declarou inútil a confiança da teologia oficial de Jerusalém no Templo e nas promessas davídicas.

Negou que a nação, com o procedimento criminoso que assumira, veria realizada algum das mencionadas promessas. A confiança popular na eleição de Sião era uma fraude e o destino da nação era a ruína total.

A amendoeira (shâqêd: a vigilante) é a primeira árvore a despertar do sono hibernal, em janeiro. A amendoeira é um símbolo, para Jeremias, de que Iahweh, dada a situação, está vigilante (shoqêd) para cumprir a sua palavra de punição pela ruptura da aliança (Jr 1,11-12).

 

3.3. Eles lutarão contra ti

O v. 8 afirma que, apesar de perseguido e maltratado, Jeremias tem sua vida garantida por Iahweh. Isto é feito através de uma fórmula estereotipada, gênero conhecido entre os especialistas como “oráculo sacerdotal”, presente em muitos salmos.

Quando uma pessoa se via ameaçada por grave injustiça, enfrentando situações perigosas causadas por catástrofes naturais ou por inimigos humanos, ele recorria ao sacerdote, no Templo. Ali recitava sua queixa e protestava sua inocência. Em contrapartida, o sacerdote lhe dava a garantia de que, sendo ele justo, Iahweh estava de seu lado e nada de mal poder-lhe-ia acontecer. A resposta do sacerdote era formulada de modo semelhante ao v. 8: “Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar”.[12]

Tem mais: esta expressão “eu estou contigo”, que pode nos parecer tão banal, é de enorme significação: evoca o “ser” de Iahweh, que é seu “estar” dinâmico e atuante com Israel através da história. É repetida no v. 19.

E possui ressonâncias do êxodo. O que é reforçado pelo verbo nâtsal, “salvar”, “livrar”, “libertar”, “socorrer”. Usado no hifil, forma causativa do verbo hebraico, é muito forte, significando salvar alguém da perseguição de inimigos que atentam contra a sua vida. É livrar da morte. Aqui significa que Iahweh protegerá Jeremias contra seus inimigos: ele será perseguido, porém não conseguirão destruí-lo. Mas é só. Nenhuma palavra prometendo êxito e sucesso em sua missão.[13]

Aliás, esta ideia de conflito é reforçada pelos vv. 17-19. Seus conterrâneos o perseguem, pois se sentem provocados por sua polêmica palavra e atingidos por suas denúncias. Ele é um homem isolado no meio de seu próprio povo. Tem muito medo e tenta fugir da luta. Sua única garantia é Iahweh.

O v. 18 nos diz quem lutou contra Jeremias: os reis de Judá, seus príncipes, seus sacerdotes e seus latifundiários (‘am hâ’ârets = o povo da terra). É a classe dirigente e dominante que combate o profeta. À medida que ele denuncia suas falcatruas e se coloca ao lado do camponês explorado, é agredido violentamente.

Por outro lado, o v. 17 reforça a missão de Jeremias com três comandos: a) “cinge os teus rins”; b) “levanta-te e dize-lhes tudo o que eu te ordenar”; c) “não te te amedrontes por causa deles, para que eu não te amedronte na presença deles”.

“Cinge os teus rins” ou “quadris” é uma maneira simbólica de dizer: “prepara-te”. Quem usava vestes longas, como os israelitas, devia amarrá-las à cintura com um cordão, ao iniciar uma atividade mais dedicada. Também a maneira imperativa com que a frase começa (“mas tu”), indica que se trata de algo sério, urgente e responsável, absolutamente decisivo.

O verbo qûm, “levantar-se”, quando seguido por outro verbo, como aqui (“e dize-lhes”), diz muito mais do que ficar de pé. Na verdade diz “levantar-se para fazer alguma coisa”. Indica o início da atividade profética. O v. 17 está, portanto, dizendo que Jeremias deve se preparar e começar a falar a eles (Quem? Só a sequência do texto esclarecerá…) tudo o que Iahweh ordenar.

Finalmente uma recomendação: não ter medo deles, seguida de uma ameaça: senão será com Iahweh que Jeremias terá de acertar as contas.

O v. 18, entretanto, usando imagens militares, fala da resistência que lhe é dada por Iahweh. Jeremias está cercado por inimigos, mas não cairá, porque é Iahweh quem o fortalece. Este tema está espalhado por todo o livro, dizendo da experiência de uma luta permanente.

É importante, neste ponto, que se chame a atenção para a tradicional visão de um Jeremias chorão e medroso. A meu ver, esta é uma disfarçada maneira de se evitar uma leitura mas comprometedora de seu livro.

Jeremias foi realmente um homem angustiado. Mas sua angústia não é doentia, intimista e egoísta. É o desespero de um homem obrigado a lutar contra a ideologia dominante de toda uma nação. E não é qualquer nação, em qualquer situação. Trata-se de seu povo e de seu fim. E logo ele, que nunca quis ser profeta…

 

4. Sempre que falo devo gritar: “violência, opressão”: a ação

4.1. Um desastre enorme se anuncia

Jr 1,9-10 é muito importante. Qualifica a missão de Jeremias como de denúncia e anúncio. Além de sublinhar sua abrangência.

O v. 9a, de maneira antropomórfica, diz que Iahweh tocou a boca de Jeremias. O gesto simbólico tem grande força para a época de Jeremias. Fala mais do que a própria palavra. Possui um poder de persuasão que mal podemos imaginar. Ter a boca “tocada” por Iahweh é transformar-se oficialmente na própria “boca” de Iahweh. É o profeta, o porta-voz do v. 5, que é aqui referendado.[14]

O v. 9b recorda Dt 18,18: “Vou suscitar para eles um profeta com tu (Moisés), do meio dos seus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar”.

Este é um texto chave da teologia deuteronômica e deuteronomista, que legitima os profetas como os verdadeiros porta-vozes de Iahweh, herdeiros de Moisés.

Ora, será que a vocação de Jeremias não terá sido redigida ou, pelo menos, “editada” por um teólogo deuteronomista, que quis apresentar o profeta como legítimo sucessor de Moisés?

No v. 10b encontramos quatro verbos no infinitivo que caraterizam a qualidade e a extensão da atuação jeremiânica. Inegavelmente poderosa.

Pois é preciso lembrar que, em hebraico, os verbos arrancar (nâthash) e plantar (nâta’) referem-se a plantas, enquanto destruir (nâthats) e construir (bânah) referem-se a casas. A missão profética é de denúncia (arrancar/destruir) e de anúncio (plantar/construir), dirigida ao mundo urbano e rural. Ou seja: atinge todos os ambientes, é abrangente, não fica fechada em um só espaço.

Os verbos do v. 10b possuem bela aliteração, o que reforça seu significado. O som das palavras conta, em hebraico, quase tanto quanto seu significado.[15]

O método profético de Jeremias é, por um lado, de crítica, destruição, análise e polêmica. E é, simultaneamente, de construção e síntese. É um processo dialético, já teorizado pela filosofia e pelas ciências sociais, que joga ao mesmo tempo com a “razão polêmica” e com a “razão arquitetônica”.[16]

Estes verbos reaparecem frequentemente em Jeremias, às vezes em outra ordem. Podem ser vistos em Jr 12,14-17; 18,7-9; 24,6; 31,28.40; 42,10; 45,4.

Finalmente, o v. 10a diz que Jeremias é o encarregado da palavra de Iahweh que arranca e destrói, constrói e planta. O verbo pâqadh, “instituir”, tem tal sentido. O pâqîdh é o inspetor, o encarregado.

Pois foi assim mesmo que Jeremias atuou, conferimos em seu livro: criticando, conscientizando, brigando com o rei, os funcionários da corte, os sacerdotes, os profetas interesseiros e fechando a cara até para Iahweh.

Prega a fidelidade a Iahweh em termos muito pessoais, usando muitas vezes imagens matrimoniais. Relembra com nostalgia os bons tempos do começo de Israel quando não havia idolatria e exploração. Invoca um julgamento para a nação, castigada por seus crimes, através da destruição que vem do norte. Rejeita qualquer aliança ou apoio estrangeiro, pois só a prática do javismo pode salvar Israel.

 

4.2. Tuas palavras eram para mim contentamento

A análise da vocação de Jeremias não pode se limitar a Jr 1,4-19. Parte deste condensado texto, mas precisa ir além. É preciso ver concretamente como foi que Jeremias atuou durante seus longos anos de profecia. Foram cerca de 50 anos de atividade profética. Toda uma vida, para um homem que viveu aproximadamente 70 anos.[17]

Jeremias nasceu no povoado de Anatot, pertinho de Jerusalém, entre 650 e 640 a.C. Era filho do sacerdote Helcias, da casa de Eli. Talvez descendesse de Abiatar, chefe dos levitas em Jerusalém na época do rei Davi, e que foi desterrado para Anatot por Salomão, segundo 1Rs 2,26-27. Mesmo sendo filho de sacerdote, parece que ele jamais assumiu qualquer função sacerdotal.

O significado de seu nome é incerto. Há duas possibilidades. Yirmeyâhû quer dizer “Iahweh exalta”, “Iahweh é sublime” ou “Iahweh abre (= faz nascer)”.

Jeremias de Rembrandt - Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda (1630)Embora nada saibamos de sua infância e formação, não existe nenhuma dúvida acerca da influência de Oseias sobre o pensamento de Jeremias. Além dos fatores geográficos – Anatot pertence à tribo de Benjamin – e familiares – Jeremias descendia, talvez, de Eli, sacerdote de Silo – é possível que a educação de Jeremias tenha incluído os ensinamentos de Oseias.

Jeremias atuou cerca de 50 anos, de 627 a ca. 580 a.C., sob os governos de Josias (640-609 a.C.), Joaquim (609-598 a.C.), Sedecias (597-586 a.C.) e Godolias/exílio (586/ca.580 a.C.). Por isso, costumamos dividir, didaticamente, sua atuação segundo estes quatro períodos.

É possível que Jeremias tenha começado a profetizar em Anatot, ainda muito jovem, talvez com 20 anos de idade, ou um pouco menos. Mas foi perseguido, quiseram matá-lo em sua própria terra, segundo Jr 11,18-12,6. Não conhecemos o motivo desse complô armado contra Jeremias por seus conterrâneos (Jr 11,21) e até por seus familiares (Jr 12,6). Esta situação fez com que ele se transferisse para Jerusalém, onde viveu a maior parte de sua vida.

 

4.3. Esta é a tua maldade, como é amarga

No tempo de Josias, 10 período de sua atuação, Jeremias proclamou um julgamento contra Israel por causa de sua infidelidade a Iahweh e sua adesão a outros deuses, especialmente os deuses que garantiam a fertilidade da natureza, os chamados baalim.

Os comentaristas reconhecem como sendo deste período Jr 2,1-4,4 e Jr 30,1-31,37.

Jr 2,1-37 é um bom exemplo das intervenções de Jeremias neste período. É um texto escrito em um gênero literário muito usado pelos profetas, o rîbh (= processo). Funciona assim: parte-se do pressuposto de uma aliança entre as duas partes em questão, Iahweh e Israel. Iahweh abre, então, através do profeta, um processo contra Israel, motivado por sua quebra do pacto. Como parte ofendida, Iahweh convoca a natureza como testemunha, questiona o comportamento de Israel, relembra os benefícios passados e ameaça com uma punição.

Neste texto, rico em imagens, à moda de Oseias, Jeremias relembra com nostalgia a fidelidade dos primeiros tempos e a contrapõe à infidelidade atual, pois Israel trocou Iahweh pelos ídolos que nada valem e não podem socorrê-lo na hora do aperto.

Nesta época, como pode ser visto em uma leitura de Jr 2,1-4,4, Jeremias responsabiliza quatro tipos de autoridades pela idolatria e pela desgraça em que caiu o país: são os reis, os príncipes, os sacerdotes e os profetas. A volta ao javismo é possível se Israel se comprometer a praticar a verdade (’emeth), o direito (mishpât) e a justiça (tsedhâqâh), diz Jr 4,2.

Entretanto há um coisa bastante estranha nesta fase da pregação de Jeremias: ele não faz nenhuma alusão à reforma social e religiosa empreendida pelo rei Josias naqueles anos (sobre a reforma, cf. 2Rs 22,1-23,27). É possível que, embora visse com muita expectativa a ação do governo, ele tenha se decepcionado com os escassos resultados de um movimento imposto de cima para baixo, pela força das armas. Assim, teria preferido manter prudente silêncio a respeito. Mas há outras hipóteses possíveis.

 

4.4. Eles cuidam da ferida de meu povo superficialmente

Quando Joaquim, de 25 anos de idade, assumiu, a mando do faraó do Egito, o governo de Judá, em 609 a.C., Jeremias rompeu, de vez, com as instituições do Estado.

Jeremias tornou-se, então, um ferrenho adversário da classe sacerdotal de Jerusalém, já que sob os desmandos do governo de Joaquim a reforma de seu pai Josias se perdeu totalmente, restando um culto superestimado como garantia da nação, consequência da centralização de todas as atividades religiosas no Templo de Jerusalém e na mão de seus sacerdotes. Culto agora usado para mascarar os males sociais e os crimes contra o povo.

Naquela que, talvez, tenha sido sua primeira intervenção pública na época de Joaquim, Jeremias fez um violento discurso contra o Templo. Este episódio foi transmitido pelo livro de Jeremias em duas versões: Jr 7,1-15 e Jr 26,1-24. O primeiro destaca o conteúdo, o segundo as circunstâncias do discurso.

Entre setembro de 609 e abril de 608 a.C., talvez durante uma festa, Jeremias coloca-se no pátio do Templo e denuncia a confiança da população judaíta no Templo de Iahweh como falsa e promete a destruição do santuário, tal qual outrora acontecera com Silo.

A morte de Josias no confronto com o faraó do Egito, o curto governo de seu filho Joacaz (3 meses), seu exílio, a dependência do Egito sob Joaquim: tudo isso criara um clima de incerteza e insegurança. O que faz o povo? Refugia-se na crença de que a presença de Iahweh no Templo garante a cidade e a sua liberdade.

Jeremias denuncia esta crença porque, segundo ele, só a aliança Iahweh-Israel poderia garantir o povo. Mas esta não funcionava, pois nos tribunais não se praticava o direito, oprimiam-se o estrangeiro residente, o órfão e a viúva, condenava-se o inocente e, além disso, seguiam-se deuses estrangeiros.

A ética profética que aí aparece é uma apaixonada defesa da fé javista como ortopráxis, como vivência da justiça social. E, por outro lado, uma violenta denúncia da ortodoxia como camuflagem de práticas antijavistas.

Conta-nos Jr 26,1-24 que Jeremias quase morre por fazer tal denúncia. Aos olhos do pessoal do Templo, como sacerdotes e profetas, Jeremias cometera duas blasfêmias: falara em nome de Iahweh e falara contra a casa de Iahweh. Perante o tribunal a que é levado, ele, porém, confirma suas palavras e só não morre porque alguém se lembrou do profeta Miqueias, que, um século antes, pregara destino parecido para o Templo e para a cidade e nada sofrera.[18]

Jeremias rompe também com a instituição real ao denunciar o governo de Joaquim como ganancioso, assassino e violento, segundo Jr 22,13-19, um dos mais duros oráculos proféticos já pronunciados contra um rei. Jeremias compara Joaquim ao seu pai Josias e denuncia o rei como antijavista, pois não cumpre sua função real de exercer a justiça e o direito e de proteger os mais fracos.

Parece que, no começo de seu governo, Joaquim preocupa-se em construir um novo palácio – ou um anexo ao antigo –, exatamente no momento em que a crise econômica se agravava. Dependente do Egito, a quem pagava tributo, colocou a população para trabalhar de graça na construção. Jeremias vai dizer ao rei que ele, quando morrer, nem merece ser sepultado, mas como um jumento deverá ser jogado para fora das muralhas de Jerusalém, pois, ao contrário de seu pai Josias, Joaquim “não conhece Iahweh”.

Segundo Jeremias, em Judá só vê rebeldia contra Iahweh, levando o povo a maldades e crimes sem conta. Não Jeremias de Michelangelo - Capela Sistina, Vaticano (1511)há o mínimo “conhecimento de Deus”, que só é possível através da prática do direito, da justiça, da solidariedade. Os poderosos tramam sistematicamente contra o povo, todos buscam desesperadamente a riqueza e não há paz. A mentira domina, desde o ensinamento dos profetas à lei dos sacerdotes, levando o país ao caos. Todos se tornam inimigos de todos. Impera a idolatria. O fim será trágico, segundo os capítulos 8 e 9 de Jeremias.

Percorrendo as ruas de Jerusalém, Jeremias constata a ausência do direito e da verdade entre as pessoas comuns (Jr 5,1), mas maior corrupção encontra entre os grandes e poderosos, que não agem mal por ignorância, senão por determinação consciente e persistente (Jr 5,4-5). Quanto mais a crise nacional se aprofunda, mais os líderes se recusam a encontrar soluções. Só procuram satisfazer seus interesses imediatos e deixam o país afundar: “Eles cuidam da ferida do meu povo superficialmente, dizendo: ‘Paz! Paz!’, quando não há paz“, diz Jr 6,14.

Com extremo realismo – válido para todas as épocas – em Jr 5,26-28 são descritos os poderosos e suas armadilhas de apanhar o povo e escravizá-lo impunemente.

Diz Jr 19,14-20,6 que, em outra ocasião, o profeta foi ao pátio do Templo e anunciou a destruição de Jerusalém. Acabou preso por Fassur, chefe da guarda do Templo, surrado e colocado no tronco por uma noite. Isto pode ter ocorrido possivelmente por volta de 605 a.C., quando Nabucodonosor venceu o faraó Necao II e ameaçou Judá. Depois disso, foi-lhe proibida, segundo Jr 36,5, a entrada no Templo.

Sem poder ir até o povo, o que faz Jeremias? Convoca o escriba Baruc e dita-lhe os oráculos de julgamento contra a nação. Este episódio da primeira escrita do livro, narrado em Jr 36,1-32, aconteceu no quarto ano do governo de Joaquim, em 605 a.C.

No ano seguinte, em dezembro de 604 a.C. Jeremias manda Baruc ler o livro (= rolo) no Templo. O momento é dramático: Nabucodonosor atacava, então, a cidade filisteia de Ascalon, vizinha de Judá. Por isso, talvez, Jeremias, tenha acreditado ter soado a hora da verdade para Judá. O “inimigo do norte” está às portas. Ou conversão ou destruição, alerta o profeta.

Segundo Jr 36,21-26, ao tomar conhecimento do manuscrito, o rei Joaquim queimou-o e mandou prender Jeremias e Baruc, que se esconderam e não puderam ser achados. Após algum tempo, Jeremias, que não é de desistir, manda que Baruc escreva tudo de novo e ainda acrescente ao livro outras palavras, diz Jr 36,27-32.

Observa-se, entretanto, que nem todos os profetas da época pensavam como Jeremias. Acreditam alguns especialistas que talvez o fato mais desorientador para Jeremias nesta época era a análise errada da situação feita por pessoas que se apresentavam para falar em nome de Iahweh como seus profetas.

Por isso, em Jr 14,13-16 e Jr 23,13-40 podemos ver como Jeremias luta para desmascarar os falsos profetas que, falando em seu próprio interesse, “fortalecem as mãos dos perversos, para que ninguém se converta de sua maldade“, que seduzem o povo com suas mentiras e seus enganos, roubando um do outro a palavra de Iahweh. Jeremias conclui que dos profetas de Jerusalém saiu a impiedade para todo o país.

Foi durante este período de sua vida, que Jeremias mais sentiu o peso de sua missão. Obrigado a ser do contra, a pregar a desgraça para o seu povo, a remar contra a corrente, ameaçado, rejeitado, caluniado, desprezado, ele se lamenta, amaldiçoando até mesmo o dia em que nasceu. Sabemos de seu desespero através de 5 célebres textos, conhecidos como as “confissões” de Jeremias: Jr 11,18-12,6; 15,10-11.15-21; 17,14-18; 18,18-23 ; 20,7-10.14-18.

São textos difíceis de ser datados. É possível que tenham sido escritos em 605 a.C. como um desabafo, não como oráculos previamente ditos ao povo. Talvez possam ser lidos como uma síntese das crises vividas pelo profeta desde o começo de sua atividade.

 

4.5. O rebanho de Iahweh é conduzido para o exílio

Em 600 a.C. Nabucodonosor tentou invadir o Egito e não conseguiu. Joaquim rebelou-se e morreu em dezembro de 598 a.C., provavelmente assassinado, enquanto os babilônios marchavam para tomar Jerusalém. Seu filho Joaquin, de 18 anos de idade, o substituiu, mas capitulou 3 meses depois, no dia 16 de março de 597 a.C. O rei foi deportado para a Babilônia com a corte e a classe dirigente.

No seu lugar, os babilônios deixaram seu tio, outro filho de Josias, de nome Sedecias, então com 21 anos de idade, para dirigir um Judá todo arruinado. Com várias cidades destruídas e com a economia do país desorganizada, pouco restava ao fraco Sedecias que pudesse ser feito.

Nesta época Jeremias critica as pretensões do novo governo através da visão dos dois cestos de figos de Jr 24,1-10. Segundo o profeta, os exilados correspondem a figos bons, enquanto o atual governo se parece com figos estragados. É possível que o novo governo se afirmasse como a solução para o país, já que os “maus”, os governantes anteriores, tinham sido exilados, pagando por seus crimes. Jeremias é de opinião contrária. Para ele o problema continua. Nada fora resolvido e a sombra do Templo não garantirá ninguém.

E ainda nos primeiros anos do governo de Sedecias Jeremias escreveu aos exilados de 597 a.C., segundo Jr 29,1-23. Ele tenta desfazer as ilusões alimentadas por falsos profetas, durante convulsões sociais acontecidas no império babilônico, de que o exílio estava para acabar. Segundo Jeremias, os exilados devem aprender a viver tranquilamente entre os babilônios, pois o exílio será longo.

Segundo Jr 27,1-22 e Jr 28,1-17 o profeta também se opõe radicalmente a uma rebelião contra a Babilônia, incitada em Jerusalém pelos pequenos reinos da Síria-Palestina que se encontravam na mesma situação de Judá. Colocando um jugo (= haste apoiada no pescoço e ombros para transportar carga) sobre o próprio pescoço, Jeremias simboliza o domínio babilônico a que estavam submetidos (Jr 27,2-3). Confrontando-se com o profeta Hananias, que, ao quebrar o jugo de Jeremias, simbolicamente prega a necessidade da rebelião e a libertação fácil, Jeremias consegue convencer o governo a se manter quieto.

Quando Jerusalém foi cercada pelas tropas babilônicas em janeiro de 587 a.C., Jeremias disse ao rei Sedecias que a vitória de Nabucodonosor era inevitável, pois Iahweh entregara a cidade nas mãos do inimigo, já que não houve conversão (Jr 34,1-7).

E, então, Jeremias acaba preso nesta época, porque, segundo Jr 37,11-16, ele tentou sair da cidade para ir a Anatot tomar posse de um campo que comprara de um primo. Como o Egito enviara um exército para ajudar Jerusalém, os babilônios tinham levantado temporariamente o cerco da cidade para enfrentá-lo. É nesta ocasião que Jeremias é acusado por oficiais do exército de passar para o lado dos babilônios, é preso e jogado numa cisterna de captação de água, onde quase morre. Já segundo Jr 38,1-13, Jeremias é preso, acusado de traição pelos nobres, ministros de Sedecias, porque estaria exortando o povo à rendição. É provável que temos aqui dois relatos diferentes do mesmo episódio.

 

4.6. E tu, devastada, que vais fazer?

Após a queda de Jerusalém em 19.07.586 a.C., assistimos ao crepúsculo do profeta. Deixado livre pelos babilônios, Jeremias escolheu ficar com o governador Godolias, neto de Safã, escriba chefe da reforma de Josias, membro de uma família que sempre apoiara Jeremias em Jerusalém. Assim, junto ao resto do povo pobre que ficou no país, Jeremias certamente alimenta ainda a esperança de “construir e plantar“, como conta o texto que fala de sua vocação em Jr 1,10.[19]

Jeremias de Donatello - Museo dell'Opera del Duomo, Firenze, Itália (ca. 1427)Mas a situação em Judá se complicou rapidamente, quando um príncipe davídico chamado Ismael, que escapara para Amon, voltou e assassinou Godolias, provavelmente em outubro de 586 a.C., segundo Jr 41,1-18. Os sobreviventes, entre eles Jeremias, fogem para o Egito, temendo uma represália babilônica (Jr 42,1-43,7).

Lá no Egito, em Táfnis, cidade situada a leste do delta do Nilo, o incansável profeta, que já devia ter uns 70 anos de idade, passa a repreender a idolatria que seus conterrâneos ali praticavam, segundo Jr 44,1-30.

Depois disso, nada mais sabemos sobre Jeremias. Diz a lenda que o profeta de Anatot foi apedrejado e morto por seus conterrâneos, lá no Egito. Esta lenda está no apócrifo Vida dos profetas, um texto escrito por um judeu da Palestina no século I d.C.

 

5. Então serei seu Deus e eles serão meu povo: a proposta

“Para arrancar e para destruir“: esta foi a principal missão de Jeremias. Mas também para “construir e para plantar“, como diz Jr 1,10. Na verdade, espalhados pelo livro de Jeremias, encontramos poucos textos que manifestam alguma esperança.

Jr 3,14-18, um apelo aos judaítas para que se convertam e uma promessa de restauração futura.

Há ainda Jr 23,7-8 que promete um novo êxodo aos israelitas, agora não mais do Egito, mas da “terra do norte e de todas as terras para onde os tinha dispersado”. Este texto é repetido, quase nos mesmos termos, em Jr 16,14-15. Duvida-se que seja de Jeremias, parecendo muito mais um acréscimo exílico ou pós-exílico.

Um extraordinário gesto de esperança é narrado em Jr 32,1-15. Preso no pátio da guarda, durante os últimos dias de Jerusalém, Jeremias resolve comprar um terreno em Anatot de seu primo Hanameel, que o procura para fazer o negócio.[20]

O texto descreve com minúcia os detalhes jurídicos da transferência do terreno. Jeremias estava agindo segundo as normas do direito israelita, como consta em Lv 25,25-31.

Mas a ênfase do texto de Jeremias está noutro ponto, está no v. 15 que explica o sentido do gesto inusitado: “Porque assim disse Iahweh dos Exércitos, o Deus de Israel: Ainda se comprarão casas, campos e vinhas nesta terra”.

Quer dizer: no momento de maior desespero, quando a cidade se encontra cercada por Nabucodonosor e o país devastado pela guerra, quando o próprio Jeremias repetidamente confirma o fim de Jerusalém, brilha uma esperança. No futuro haverá uma restauração deste povo e uma recuperação de seu território, diz o livro.

Porém, há também toda uma seção do livro de Jeremias dedicada ao tema da restauração. São 4 capítulos que falam de esperança: Jr 30,1-33,13. São capítulos heterogêneos na sua origem, mas aqui agrupados segundo um critério temático.

Nos capítulos 30 e 31, em belíssimos poemas, o profeta manifesta sua esperança de recuperação do povo e do país.

Muitos acreditam que estes oráculos foram proferidos durante a primeira fase da atuação de Jeremias e dirigidos ao norte do país, pois motivado pelas conquistas de Josias, que incorporou a seu reino as regiões de Samaria e da Galileia, Jeremias teria dirigido mensagens de esperança aos descendentes dos antigos israelitas do norte, dispersos fazia um século. Posteriormente foram adaptados ao sul pelo acréscimo de Judá ou Sião, onde antes se falava apenas de Israel.

Gostaria de comentar, destes capítulos, dois pequenos blocos. Pequenos, mas da maior importância: Jr 31, 31-34 e Jr 31,7-28.

Jr 31,31-34 é o famoso texto que fala da nova aliança, largamente retomado pela tradição cristã (cf. Lc 22,20; 1Cor 11,15; 2Cor 3,6; Hb 8,8-12).

Em geral, sua autenticidade tem sido contestada. Argumenta-se, por exemplo, que Jeremias nunca chegou a tais alturas teológicas, porque o texto é perfeito, completo e assim por diante.

Claro que o texto final, redigido em prosa, tem a mão de algum redator posterior, talvez deuteronomista. Mas isto não é suficiente para negar a paternidade da ideia a Jeremias.

Jr 31,31-34 faz uma contraposição entre a antiga aliança, feita após o êxodo, e a nova aliança, a ser feita no futuro. Enquanto a antiga aliança precisava de intermediários, a nova não precisará, pois a lei será colocada no íntimo (= coração, seio) do povo de Israel. Se a antiga aliança foi rompida pelos pais de Israel, a nova não o será jamais, porque haverá perfeita sintonia entre Iahweh e Israel.

O objetivo desta nova aliança: conhecer Iahweh. É o repetido tema do conhecimento de Iahweh que aqui volta. É um tema da maior importância e explica muitas das atitudes e palavras de Jeremias.

Jeremias chegou mais perto do que ninguém da compreensão do verdadeiro problema de Israel de sua época, que era a estrutura tributária do Estado. Sua rejeição de instituições como o Templo e seu aparelho cultual ou a corte e sua administração é, na verdade, a denúncia dos aparelhos do Estado tributário como antijavistas e perniciosos para o povo.

A proclamação de uma nova aliança, onde o javismo não precisaria de mediações para ser vivido, é a radicalização utópica de sua pregação. É o sonho de Jeremias.

O segundo texto que gostaria de lembrar é, como disse, Jr 31,27-28, texto que nos remete à vocação do profeta, nosso tema.

Aqui são retomados os já conhecidos quatro verbos de Jr 1,10: arrancar e destruir, construir e plantar. Somados a outros três, perfazem o número de sete, indicador, segundo a mentalidade semítica, da totalidade. Pois esta totalidade indica, com perfeito equilíbrio, a essência da pregação de Jeremias:

“E assim como velei sobre eles para arrancar, para arrasar, para demolir, para exterminar e para afligir, assim também velarei sobre eles para construir e para plantar, oráculo de Iahweh” (v. 28).

 

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>>Bibliografia atualizada em 31.08.2020

Este artigo foi publicado, em versão mais curta, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 15, p. 11-22, 1987. Revisto e atualizado em 31.08.2020.

Artigos


  1. Cf. BRIEND, j. O livro de Jeremias. São Paulus: Paulus, 1987, p. 31-35.
  2. Cf. DA SILVA, A. J. Nascido profeta: a vocação de Jeremias. São Paulo: Paulus, 1992, p. 13-22. Este livro que escrevi sobre Jeremias, e que está esgotado, utilizou a estrutura deste artigo. Revisando o artigo agora, em 2020, aproveito alguns coisas do livro, que são melhor desenvolvidas e atualizadas.
  3. O texto hebraico diz literalmente: “e a sua face é do norte”, o que permite várias leituras. A interpretação que dei ao texto ampara-se também na forma da panela do tempo de Jeremias. Em geral, as panelas tinham duas asas, fundo esférico e boca larga. A trempe era formada por três pedras, entre as quais acendia-se o fogo. Quando mal colocada, tal panela caía facilmente.
  4. Este tema da ira ou cólera divina, que se acende e se derrama e queima o povo de Israel é frequentíssimo nos profetas. Especialmente em Jeremias e Ezequiel que veem o exílio babilônico como punição pela quebra da aliança. Cf. Jr 4,4.26;7,29;17,4;32,31;36,7 etc. O tema é estudado, com detalhes, por J. FICHTNER, em KITTEL, G. (ed.) Theological Dictionary of the New Testament, vol V. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1967, p. 395-409, orgê.
  5. Cf. Os últimos dias de Judá, em minha História de Israel, disponível na Ayrton’s Biblical Page.
  6. Cf. o meu artigo O contexto da Obra Histórica Deuteronomista, disponível na Ayrton’s Biblical Page.
  7. Cf. Perguntas mais frequentes sobre o profeta Jeremias e O discurso de Jeremias contra o Templo, textos disponíveis na Ayrton’s Biblical Page.
  8. Cf. KIRST, N. Jeremias. Textos selecionados. S. Leopoldo: Comissão de publicações da Faculdade de Teologia da IECLB, 1984, p. 36-38; VON RAD, G. Teología del Antiguo Testamento II. Salamanca: Sígueme, 1972, p. 109-16; PROCKSCH, O. em KITTEL, G. (ed.) Theological Dictionary of the New Testament, vol IV. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1967, p. 91-100, légô.
  9. Cf. DA SILVA, A. J. Nascido profeta: a vocação de Jeremias, p. 48-58.
  10. Cf. SCHÖKEL, L. A.; SICRE DÍAZ, J. L. Profetas I: Isaías, Jeremias. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 437.
  11. Explico: uma proibição em hebraico é dita através da partícula negativa com o verbo no imperfeito. Nunca se usa a negação com o imperativo. Uma proibição permanente é dita por lo’, “não”, mais imperfeito, enquanto uma proibição imediata, que é o nosso caso, é dita por ‘al, “não”, mais imperfeito. O jussivo é uma forma abreviada de imperfeito que aparece junto com o ‘al para expressar uma taxativa proibição imediata. Cf. KAUTZSCH, E. (ed.) Gesenius’ Hebrew Grammar. Oxford: Oxford University Press, 1970, p. 321-323.
  12. Cf. KIRST, N. Jeremias, p. 52; LOHFINK, G. Agora entendo a Bíblia: para você entender a crítica das formas. São Paulo: Paulus, 1978, p. 39-41.
  13. O v. 8 termina com a fórmula “oráculo de Iahweh”, que será repetida no v. 15a e no v. 19. Esta expressão é usada para insistir na autenticidade do que está sendo dito, apontando Iahweh como sua fonte, e para enfatizar a validade e importância do discurso. É usada cerca de 372 vezes na Bíblia Hebraica, em grande parte nos livros proféticos.
  14. VON RAD, G. Teologia del Antiguo Testamento II. Salamanca: Sígueme, 1972, p. 127-128 chama a nossa atenção para a importância da ação simbólica em Israel, dizendo que ela, nas culturas antigas, “não só significava a realidade, mas lhe dava forma corpórea, ou seja, atuava como criadora”.
  15. A aliteração é a repetição de um ou mais sons semelhantes em palavras diferentes, causando um efeito de magia sonora e estranhamento poético muito especial.
  16. Esta distinção é de BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003, p. 13.
  17. Cf., para o que se segue, DA SILVA, A. J. Nascido profeta: a vocação de Jeremias, p. 59-104; Perguntas mais frequentes sobre o profeta Jeremias, texto disponível na Ayrton’s Biblical Page.
  18. Cf. O discurso de Jeremias contra o Templo, artigo disponível na Ayrton’s Biblical Page.
  19. Safã foi o escriba da reforma de Josias (2Rs 22,8-9) e foi ele quem levou o manuscrito “descoberto” no Templo ao rei Josias. Seu filho Aicam fazia parte do grupo que consultou a profetisa Hulda sobre o livro da Lei descoberto (2Rs 22,3-20). Foi ele quem protegeu Jeremias após o seu discurso contra o Templo (Jr 26,24). O filho de Aicam, Godolias, tornou-se o governador de Judá após 586 a.C. (Jr 40,5-6). Miqueias, neto de Safã, foi quem levou ao palácio a notícia da leitura das profecias de Jeremias por Baruc (Jr 36,11). Seu pai Gamarias tentou dissuadir o rei Joaquim de queimar o livro de Jeremias (Jr 36,25). Elasa, outro filho de Safã, foi quem levou a carta de Jeremias aos exilados (Jr 29,3).
  20. Este episódio deve estar, de algum modo, ligado ao de Jr 37,11-16, quando Jeremias tenta ir a Anatot resgatar um terreno.

Última atualização: 02.06.2022 – 16h29