Autores gregos antigos 2

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2. Os judeus são sírios e filósofos

Do século IV temos 4 autores: Teofrasto, Hecateu de Abdera, Clearco de Soli e Megástenes.

Teofrasto (Theófrastos), natural de Êresos, na ilha de Lesbos, nasce aproximadamente em 372 a.C. e morre em 288 a.C. Teofrasto é amigo e discípulo de Aristóteles e seu sucessor na Escola Peripatética de filosofia.

Das numerosas obras de Teofrasto possuímos ainda suas Investigações sobre as plantas, seu Crescimento das plantas, um tratado sobre metafísica e fragmentos de obras filosóficas e científicas[4] .

Um dos fragmentos de Teofrasto que trata dos judeus é de sua obra De Pietate (Perì Eusebeías). O fragmento é citado por Porfírio, De Abstinentia II,26:[5]

“E sem dúvida, diz Teofrasto, os sírios, de quem os judeus constituem uma parte, até hoje sacrificam vítimas vivas, segundo o seu antigo modo de sacrificar; se alguém nos mandasse sacrificar do mesmo modo, nós nos recusaríamos. Pois eles não comem as vítimas, mas queimam-nas totalmente de noite e, derramando sobre elas mel e vinho, eles rapidamente destroem a oferenda, para que o sol que tudo vê não possa olhar para a coisa terrível. E eles fazem isto jejuando em dias intercalados. Durante todo o tempo, sendo filósofos por raça, eles conversam entre si sobre a divindade e à noite eles observam as estrelas, contemplando-as e rezando para Deus. Eles foram os primeiros a instituir sacrifícios de seres vivos e de si mesmos; mas eles fazem isso por necessidade e não porque gostam”.

Teofrasto (ap. 372-288 a.C.)Teofrasto toma o holocausto como o único modo de sacrifício judaico. E nisto ele está enganado, porque há também sacrifícios nos quais a vítima não é toda queimada como no holocausto. Também está enganado quando diz que se queima a vítima com mel e vinho, pois Lv 2,11 diz: “Nenhuma das oblações que oferecerdes a Iahweh será preparada com fermento, pois jamais queimareis fermento ou mel como oferta queimada a Iahweh”. Talvez a proibição exista porque seria uma prática de cultos cananeus aos quais os israelitas se opõem.

Teofrasto também está enganado quando diz que eles sacrificam pessoas. Porque ele diz isso é que constitui problema: será por causa do relato do sacrifício de Isaac, narrado em Gn 22? Ou é por causa do costume fenício de sacrificar pessoas?

De modo geral, entretanto, o texto é favorável aos judeus, pois, segundo Teofrasto, eles fazem sacrifícios exóticos com relutância e porque são filósofos que conversam com Deus durante os sacrifícios e observam as estrelas. Para os filósofos gregos, uma das principais provas da existência de Deus é exatamente o movimento ordenado dos corpos celestes[6] .

 

O segundo autor do século IV a.C. que trata dos judeus é Hecateu de Abdera (Hecataíos ho Abdêrítês) situado por volta do ano 300 a.C., talvez um pouco antes.

Hecateu é natural de Abdera, cidade grega da costa da Trácia fundada por jônios. Hecateu estuda com o cético Pírron de Élis e torna-se etnógrafo, filósofo, crítico e gramático helenista. Visita o Egito na época de Ptolomeu I Soter. De suas muitas obras possuímos fragmentos de Sobre os hiperbóreos e de Sobre os egípcios, onde ele fala dos judeus.

Sobre os egípcios é citada em Diodoro Sículo (séc. I a.C.), Bibliotheca Historica. Esta obra de Hecateu é a principal fonte usada por Diodoro para descrever o Egito. No volume 40º de Diodoro – preservado através da Bibliotheca de Fótios, patriarca de 857 a 886 – temos boa descrição dos judeus feita por Hecateu. O texto em questão está em Diodoro, Bibliotheca Historica XL, 3. Como Diodoro sintetiza sua fonte, infelizmente não temos as “ipsissima verba” de Hecateu.

O texto diz que, quando nos tempos antigos uma peste toma conta do Egito, o povo acredita ser a doença causada pelos deuses. E a razão é que muitos estrangeiros moram no seu meio, praticam ritos e sacrifícios diferentes e, por isso, os cultos aos deuses egípcios estão abandonados. Diagnosticado o problema, os estrangeiros são expulsos. Muitos vão para a Grécia, liderados por Dânaos e Cadmos. E o texto continua:

“Mas o maior número foi para a região que é agora chamada Judeia, que não é muito distante do Egito e que era naquele tempo, totalmente desabitada. A colônia era liderada por um homem chamado Moisés, notável pela sabedoria e pela coragem. Tomando posse da terra, ele fundou, além de outras cidades, uma que é agora a mais renomada de todas, chamada Jerusalém. Além disso, ele construiu o templo, que eles veneram muito, instituiu suas formas de cultos e ritos, estabeleceu suas leis e organizou suas instituições políticas. Ele também dividiu-os em doze tribos (…) Mas ele não fez imagem alguma dos deuses para eles, sendo de opinião que Deus não tem forma humana; ao contrário, o Céu que circunda a terra é por si mesmo divino e governa o universo. Os sacrifícios que ele estabeleceu diferem daqueles de outras nações, assim como seu modo de vida, pois como resultado de sua própria expulsão do Egito ele introduziu um modo de vida antissocial e intolerante”.

O texto continua a dizer que Moisés faz dos homens mais hábeis sacerdotes e coloca-os como líderes e juízes do povo. Razão porque os judeus não têm rei e são governados pelo sacerdote mais sábio e virtuoso entre seus pares, o sumo sacerdote.

Moisés organiza também um exército, conquista territórios vizinhos e distribui a terra entre os cidadãos em lotes iguais e outros maiores para os sacerdotes, de modo que estes, recebendo maiores rendas, não se distraíssem e pudessem aplicar-se continuamente no serviço de Deus“. Os cidadãos comuns são proibidos de vender suas terras, para evitar que alguns comprem tudo e oprimam os pobres.

O texto termina dizendo que mais tarde, entretanto, quando eles são submetidos pelos persas e pelos macedônios, em virtude de sua mistura com outros povos muitas de suas práticas tradicionais se perdem.

Vamos observar algumas coisas na descrição de Hecateu. Diz ele que os estrangeiros que vão do Egito para a Grécia são liderados por Dânaos e Cadmos. “Dânaos, na mitologia grega, é descendente de Io, juntamente com Áigiptos, seu irmão. Áigiptos tinha 50 filhos e Dânaos 50 filhas. Áigiptos e Dânaos desentenderam-se, e Dânaos e suas filhas fugiram de seu lar no Egito para Argos, onde Dânaos tornou-se rei”[7]. E P. Harvey explica ainda: “Cadmos, na mitologia grega, filho de Agênor (rei de Tiro), irmão de Europe e tio de Minos, e consequentemente associado pela lenda à Fenícia e a Creta”[8] .

Aqui é interessante observar a perspectiva de Hecateu: ao associar os judeus aos imigrantes gregos através desta lenda, ele demonstra respeito e amizade por eles. Sobre a peste que toma conta do Egito e sobre suas causas, sabemos que há profecias egípcias que falam de campanhas estrangeiras no Egito que provocarão a abolição dos cultos, o abandono dos templos, a peste e a fome, até que um rei salvador apareça e expulse os estrangeiros, restabelecendo a antiga ordem. Estas profecias, em papiros demóticos, são a Profecia do Cordeiro e o Oráculo do Oleiro.

Passando a outro aspecto do texto de Hecateu, observamos que ele vê a formação dos judeus muito mais segundo o esquema grego de colonização – Moisés vem para a Judeia, funda Jerusalém e estabelece a constituição judaica – do que segundo o tradicional modo israelita. Aliás, esta visão grega parece que chega a ser defendida pela própria aristocracia helenizante de Jerusalém, para legitimar o estatuto de pólis de sua cidade[9] .

Hecateu ignora a época da monarquia israelita: nisto ele reflete a situação da Judeia de sua época, que na falta de um poder real, é governada pelo sumo sacerdote e pela Lei atribuída a Moisés. Aliás, “nós precisamos lembrar que, exceto Nicolau, que se refere a Davi, Pompeu Trogo, que fala de antigos reis judeus, e alguns escritores que se referem a Salomão, não há menção dos reis judeus bíblicos na literatura grega e romana do helenismo e do antigo período romano”[10]. A hierocracia é considerada a forma característica de governo judeu. Mesmo em Fílon de Alexandria e em Flávio Josefo, que tendem a ignorar a monarquia israelita.

Mais quatro observações:

. Hecateu conhece o monoteísmo judaico e sua oposição ao antropomorfismo.
. Ele sabe que o domínio estrangeiro, persa e macedônio, adultera as leis judaicas.
. Hecateu vê Moisés com simpatia e admiração.
. Hecateu não procura datar a saída dos judeus do Egito: coloca-a no passado mítico, na época de Dânaos e Cadmos.

 

O terceiro escritor grego do século IV a.C. a falar dos judeus é Clearco, cipriota da cidade de Soli. Comumente considerado como discípulo de Aristóteles, Clearco de Soli é contemporâneo de Hecateu, situando-se na passagem do século IV para o século III a.C.

Entre suas obras há o De Somno, uma discussão sobre a existência separada da alma, na qual um personagem dialoga com Aristóteles e este fala de um judeu que ele conhecera na sua viagem pela Ásia Menor. Naturalmente o diálogo é fictício e quem conhece algum judeu assim é Clearco. O texto de Clearco sobre os judeus é relatado por Flávio Josefo no Contra Apionem I, 176-183. Os §§ 179-181 dizem:

“‘Bem’, ele [Aristóteles] replicou, ‘o homem era um judeu da Celessíria. Este povo é descendente dos filósofos indianos. Os filósofos, eles dizem, são chamados na Índia calani, na Síria pelo nome territorial de judeus; pois o distrito que eles habitam é conhecido como Judeia. Sua cidade tem um nome extraordinariamente singular: eles a chamam de Jerusaléme, (Hierousalémên). Agora, o homem, que estava cercado por um grande círculo de amigos e estava viajando do interior para a costa, não só falava grego, mas tinha a alma de um grego. Durante minha estada na Ásia ele visitou os mesmos lugares que eu e conversou comigo e com outros estudiosos, para testar nossos conhecimentos. Mas como alguém que é íntimo de muitas pessoas cultas, era ele que, ao contrário, compartilhava algo de seu próprio conhecimento'”.

Apenas três observações:

. A forma Hierousalémên é única na literatura grega, que usa a forma plural mais comum de Hierosólyma.
. Este judeu do texto de Clearco parece ser o típico judeu helenizado da diáspora, pertencente à aristocracia: fala grego, pensa como grego, “tem alma de grego”, possui alta cultura…
. O tema do judeu como uma raça de filósofos aparece em outros autores, como Teofrasto e Megástenes.

 

E exatamente Megástenes é o nosso quarto e último autor do século IV a.C. Megástenes é um contemporâneo de Selêuco Nicator. Visita a Índia, onde fica de 302 a 288 a.C. Escreve a obra Índica e aí refere-se aos judeus, em fragmento citado por Clemente de Alexandria, Stromata I, 15,72,5:[11]

“Megástenes, o escritor que foi um contemporâneo de Selêuco Nicator, escreveu no terceiro livro de sua Índica: ‘Todas as opiniões emitidas pelos antigos sobre a natureza são encontradas também entre os filósofos fora da Grécia, alguns entre os brâmanes indianos e outros na Síria, entre aqueles chamados judeus'”.

Megástenes é de opinião que os judeus são sírios e são filósofos: a mesma noção se encontra em Teofrasto e Clearco de Soli, seus contemporâneos do fim do século IV e início do século III a.C.

 

3. Os judeus cultuam uma cabeça de asno

Do século III a.C. vale a pena conferir as opiniões de dois autores gregos: Maneton e Mnaseas de Patara.

Maneton (Mánethôs) é um sacerdote egípcio de Heliópolis, ligado à política dos Ptolomeus, especificamente à introdução do culto de Serápis no Egito. Os egípcios acreditam que o touro Ápis representa Osíris. A soma dos nomes Ápis e Osíris dá Osérapis, daí Serápis, para o qual se constroem os Serapeum. Mas Serápis é um deus que combina às suas características egípcias elementos tirados de deuses gregos como Zeus, Hades e Asclépios. Serápis é uma tentativa dos Ptolomeus de introdução de um deus comum a egípcios e gregos.

Maneton escreve a Aegyptiaca, em grego, na qual faz uma descrição da história passada do Egito, tornando-se, inclusive, o primeiro autor egípcio a fazer isso. Aí ele fala dos judeus. E fala mal. Ele é o primeiro escritor antissemita de uma série de escritores egípcios helenizados.

Seus textos sobre os judeus estão preservados no Contra Apionem de Flávio Josefo[12]. Em Contra Apionem I, 73-91 Maneton fala da invasão do Egito pelos hicsos e aí dá a sua célebre etimologia de “hicsos” como “reis-pastores”, aliás, equivocada. “Hicsos” significa “chefes de povos estrangeiros”. Os hicsos, pensávamos até recentemente, constituíam um conjunto de povos asiáticos, liderados por hurritas, que teriam invadido a Palestina e o Egito. No Egito eles se estabeleceram na região do delta, na capital Aváris, e governaram o Egito durante cerca de 100 anos (1670-1570 a.C.), constituindo as XV e XVI dinastias. A arqueologia defende hoje que esta “invasão” parece ter sido muito mais uma ocupação cananeia gradual e pacífica do delta do que uma operação militar.

Mas a informação de Maneton que nos interessa está no § 90: ao serem expulsos do Egito vão os hicsos para a Síria e aí

“temendo o poder dos assírios, que então eram os senhores da Ásia, eles construíram na terra, agora chamada Judeia, uma cidade grande o bastante para suportar todos aqueles milhares de pessoas, e lhe deram o nome de Jerusalém”.

Maneton supõe que hicsos e hebreus sejam os mesmos, ou, pelo menos, parentes. Entretanto, o retrato dos hicsos traçado por Maneton é o de um povo cruel e bárbaro que massacra os egípcios. Esta visão parece exagerada, já que os hicsos acabam assimilados à cultura egípcia.

Outro texto de Maneton que fala dos judeus está em Contra Apionem I, 228-252. Maneton conta que um certo rei Amenófis quer ver os deuses. Comunica seu desejo a um sábio e vidente que lhe aconselha limpar a terra de todos os leprosos e pessoas impuras, se quiser ver os deuses. O rei assim o faz e confina os leprosos e impuros, em número de 80 mil pessoas, nas pedreiras, onde eles vivem todo tipo de provação. Entre eles há muitos sacerdotes instruídos que têm lepra.

Algum tempo depois o rei lhes permite ir morar em Aváris, que está deserta. Aí eles se organizam e se revoltam, sob o comando de um sacerdote de Heliópolis chama­do Osarsef. Pedem auxílio aos hicsos de Jerusalém que invadem brutalmente o Egito.

E então vem o final grandioso, no § 250:

“Diz-se que o sacerdote que elaborou a sua constituição e suas leis era natural de Heliópolis, chamado Osarsef, segundo o deus Osíris, cultuado em Heliópolis; mas quando ele reuniu este povo, ele trocou seu nome e era chamado Moisés”.

O tema da expulsão dos leprosos – os judeus seriam egípcios leprosos – é um dos recorrentes antissemitismos da antiguidade. Está também em Diodoro, em Lisímaco, em Apião, em Pompeu Trogo, em Tácito…

Segundo Maneton, Moisés é um egípcio, sacerdote de Heliópolis. Estrabão também diz ser Moisés um sacerdote egípcio; Apião diz que ele é de Heliópolis, mas não diz que é sacerdote; e Queremon diz que ele e José são escribas sagrados.

Este nome atribuído a Moisés, Osarsef, só aparece em Maneton, e só neste texto, em toda a literatura antiga. Talvez Osarsef seja uma forma egípcia de José, em hebraico Yôsêf, no qual as letras Io (de Iahweh) são substituídas por Osíris.

 

O segundo escritor grego do século III a.C. é Mnaseas, da cidade de Patara, na Lícia. Discípulo de Eratóstenes, Mnaseas é autor de uma coleção de fábulas.

O texto sobre os judeus é citado por Flávio Josefo, Contra Apionem II, 112-114. Aí ele conta que durante uma guerra entre judeus e idumeus, um cidadão idumeu consegue, através de um ardil, entrar no templo dos judeus e roubar a cabeça de ouro de asno que ali é cultuada.

Não se sabe quando acontece esta guerra. Os Macabeus lutam e dominam os idumeus, mas Mnaseas escreve antes disso. As relações entre judeus e idumeus, entretanto, são conflitivas desde o começo da época pós-exílica, no século VI a.C.

Mnaseas é o primeiro escritor que menciona um culto judaico de uma cabeça de asno. Mais tarde, no século I d.C., Apião e Damócrito também o fazem. Parece que esta história nasce no Egito helenístico. O asno é um animal ligado a Tyfon-Seth, o inimigo de Osíris. Seth é o deus dos hicsos (e, segundo Maneton, judeus e hicsos são os mesmos…). A palavra Iao (Iahweh) é, além disso, semelhante à palavra egípcia para asno, o que certamente faz surgir a lenda do culto de uma cabeça de asno[13].

 

4. Os judeus descansam no sábado

Do século II a.C. citarei apenas dois autores: Agatarquides de Cnido e Possidônio.

Agatarquides, natural de Cnido, na Dórida, é historiador e seguidor de Aristóteles. Vai ao Egito durante os governos de Ptolomeu VI Filometor (181-145 a.C.) e Ptolomeu VIII Físcon (144-116 a.C.). Aí conhece os judeus. Suas duas obras principais são uma História da Ásia, em 10 livros, e uma História da Europa, em 49 livros.

De uma dessas obras vem a passagem sobre os judeus, citada por Flávio Josefo em Contra Apionem I, 205-211. Os §§ 209-210 dizem o seguinte:

“O povo conhecido como judeus, que habita a mais solidamente fortificada das cidades, chamada pelos nativos Jerusalém, tem o costume de se abster de trabalhar todo sétimo dia; nestas ocasiões eles não portam armas nem fazem trabalhos agrícolas, nem participam de nenhuma outra forma de serviço público, mas rezam com mãos estendidas nos templos até o anoitecer. Consequentemente, porque os habitantes, ao invés de proteger a sua cidade, perseveraram na sua loucura, Ptolomeu, filho de Lagos, conseguiu entrar com seu exército; o país então foi submetido a um senhor cruel e o defeito de uma prática ordenada pela lei ficou claro”.

Sabemos que Ptolomeu I Soter conquista a Palestina quatro vezes: em 320, 312, 302 e 301 a.C. Alguns estudiosos pensam que Agatarquides menciona a captura de 320 a.C., enquanto outros optam pela de 312 a.C. Na verdade, há testemunhos de grande número de prisioneiros feitos por Ptolomeu I, o primeiro rei de Alexandria.

Diz a Carta de Aristeias a Filócrates:

“Pensei então que havia chegado o momento oportuno para um assunto sobre o qual eu havia insistido muitas vezes com Sosíbio de Tarento e com André, os mais confiáveis de sua [do rei Ptolomeu II Filadelfo] escolta particular, em favor da libertação daqueles que haviam sido deportados da Judeia pelo rei seu pai [Ptolomeu I Soter] que, ao invadir toda a região da Celessíria e da Fenícia, com sua boa fortuna e sua valentia, a uns os deportava e a outros os fazia prisioneiros, submetendo e atemorizando a toda a região. Deportou para o Egito, naquela época, mais de cem mil do país dos judeus…”[14] .

Observe-se também que o conhecimento de Agatarquides sobre o judaísmo é bastante bom: ele conhece bem o costume do sábado e não faz como Estrabão de Amaseia que o julga um dia de jejum. Além do que não há traços de antissemitismo em sua descrição. Sua crítica à lei é motivada por sua pouca praticidade no caso da defesa de Jerusalém em dia de sábado, quando qualquer forma de trabalho, inclusive a guerra, era proibida.

 

O outro autor do século II a.C. a tratar dos judeus é Possidônio (Poseidônios). Vive aproximadamente de 135 a 51 a.C. Possidônio, “de Apameia, na Síria (…), que passou a maior parte de sua vida em Rodes e se tornou o chefe da escola estoica existente lá, era um historiador, cientista e filósofo”, explica P. Harvey[15] .

Possidônio é igualmente eminente geógrafo, etnólogo e astrônomo. Escreve uma continuação da História de Políbio em 52 livros. Provavelmente é desta história que vem sua menção dos judeus.

Temos duas passagens: uma, de Flávio Josefo, em Contra Apionem II, 79-80; 89; 91-96, onde Josefo o acusa, ao lado de Apolônio Mólon, de ter fornecido a Apião material anti-semita. O que Possidônio realmente fala não sabemos[16] .

A outra passagem está na Geographica de Estrabão (XVI, 2,43). Diz o seguinte:

“Mas, segundo Possidônio, o povo é feiticeiro e pretende usar encantamentos, tais como urina ou outros líquidos malcheirosos que eles derramam sobre a substância solidificada e espremem o asfalto e endurecem-no e o cortam em pedaços”.

Possidônio está descrevendo o que ele entende ser o processo judaico de retirada do asfalto, presumivelmente do Mar Morto. O que não espanta, pois há autores antigos como os romanos Plínio, o Velho, e Tácito que dizem ser o asfalto retirado com sangue menstrual[17].

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[4]. Cf. HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, verbete Teôfrastos.

[5]. Porfírio, um dos principais expoentes do neoplatonismo, discípulo de Plotino, vive aproximadamente de 233 a 301 d.C.

[6]. Cf. BRÉHIER, E. História da filosofia I/1, São Paulo: Mestre Jou, 1977.

[7]. HARVEY, P. o. c., verbete Dânaos. Cf. também DE SOUZA BRANDÃO, J. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 2014, verbete Dânao.

[8]. HARVEY, P. o. c., verbete Cadmos. Cf. também DE SOUZA BRANDÃO, J. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega, verbete Cadmo.

[9]. Cf. KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997, p. 82. Há um resumo no Observatório Bíblico.

[10]. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 31.

[11]. Clemente de Alexandria vive de aproximadamente 160 a 215 d.C., tornando-se um dos mais notáveis padres gregos da Igreja. Deve ter nascido em Atenas, mas vive e ensina em Alexandria. Stromata, “Miscelâneas”, é uma de suas obras.

[12]. Flávio Josefo, importante historiador judeu, nasce em Jerusalém, em 37 ou 38 d.C. O antissemitismo está em pleno florescimento no século I d.C. e se manifesta sobretudo entre escritores egípcios helenizados de Alexandria. É contra este antissemitismo que Josefo escreve o Contra Apião em 95 d.C., contestando como falsas várias ideias bastante difundidas em Roma por esse popular autor. Cf.  JOSEFO, F. História dos Hebreus: Obra Completa. Tradução do grego de Vicente Pedroso. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007. Uma excelente edição das obras de Flávio Josefo, com o texto original, tradução inglesa e notas é a da Loeb Classsical Library: THACKERAY, H. St. J.;MARCUS, R.; WIKGREN, A.; FELDMAN, L. H. Josephus I-XIII, Cambridge: Harvard University Press, 1926-1965. Este texto está disponível online.

[13]. Osíris é o mais importante deus egípcio, representando a vida e a fertilidade de toda a natureza. Seth é seu irmão e é mau: mata Osíris, mas Ísis, a esposa deste, e seu filho Horus vingam-se de Seth. Os gregos identificam Osíris com Dionísio e Seth com o monstro Tyfon, que tem cem cabeças de serpentes. Enquanto o touro simboliza Osíris, Seth é representado como um asno.

[14]. CARTA DE ARISTEAS A FILÓCRATES, 12, em DIAZ MACHO, A. Apócrifos del Antiguo Testamento II. Madrid: Cristiandad, 1983, p. 21.

[15]. HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina, verbete Poseidônios.

[16]. Cf., para a discussão sobre o assunto, STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 141-144.

[17]. Cf. STERN, M. o. c., p. 483; vol. II, p. 17-63.

Última atualização: 26.04.2019 – 22h14