Autores gregos antigos 3

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5. Os judeus são leprosos expulsos do Egito

No século I a.C. temos seis autores gregos e suas opiniões sobre os judeus: Apolônio Mólon, Alexandre Poliístor, Diodoro Sículo, Nicolau de Damasco, Estrabão de Amaseia e Lisímaco.

Apolônio Mólon (Apollônios ho Mólôn) é um renomado retor. Nasce em Alabanda, na Cária. Mais tarde instala-se em Rodes, onde muitos romanos importantes são seus alunos, inclusive Cícero e César. O mais importante fragmento de sua obra De Iudaeis é preservado por Alexandre Poliístor que, por sua vez, é citado na Praeparatio Evangelica IX, 19, 1-3 de Eusébio[18].

Flávio Josefo, no Contra Apionem, acusa Apolônio de fanático antissemita e de ter sido uma das fontes usadas por Apião para falar contra os judeus.

No trecho citado por Eusébio não há qualquer traço de antissemitismo. Ele descreve o sobrevivente do dilúvio (Noé não é mencionado pelo nome), o nascimento e a descendência de Abraão (“este homem era sábio“) até José e Moisés, que é considerado por ele neto de José[19] .

Flávio Josefo em Contra Apionem II, 145; 148 diz o seguinte:

“Vendo, entretanto, que Apolônio Mólon, Lisímaco e outros, parte por ignorância, mas especialmente por má vontade, fizeram reflexões que não são nem justas nem verdadeiras, sobre nosso legislador Moisés e seu código, acusando-o de charlatão e impostor e afirmando que dele [do código] nós recebemos lições de vício e não de virtude, eu desejo dar, com minha melhor habilidade, uma breve narrativa de nossa constituição (…) Eu adoto esta linha mais legível porque Apolônio, diferente de Apião, não reuniu as suas acusações, mas espalhou-as aqui e ali em toda a sua obra, injuriando-nos em uma passagem como ateístas e misantropos, em outra repreendendo-nos como covardes, enquanto algures, ao contrário, ele nos acusa de temeridade e atrevida loucura. Ele acrescenta que nós somos os mais tolos de todos os bárbaros e, consequentemente, o único povo que não contribuiu com inventos úteis para a civilização”.

É instrutivo compararmos esta visão sobre o judaísmo de um grego tão culto como Apolônio, com a dos apologistas judeus que escrevem em grego. Ali veremos que eles respondem a este tipo de acusação – o único povo que não contribuiu com inventos úteis para a civilização” – falando da sabedoria de Moisés e de seu excepcional papel como legislador, da contribuição dos judeus para a humanidade (egípcios, fenícios e gregos) com o ensino do alfabeto, da astrologia, dos cultos etc.[20].

 

Alexandre Poliístor (Aléxandros ho Polyístôr), originário de Mileto, na Ásia Menor, nasce por volta de 105 a.C. É levado prisioneiro para Roma, tornando-se livre por volta de 80 a.C. e influente professor até a sua morte em aproximadamente 35 a.C.

Alexandre Poliístor coleta em suas obras, escritas em grego na metade do século I a.C., materiais de várias proveniências e autores, inclusive sobre os judeus e de autores judeus. No seu livro De Roma (Perì Rômês), conservado por Suda[21], encontramos a seguinte curiosidade:

“E nos seus cinco livros sobre Roma, nos quais ele diz que ali viveu uma mulher hebreia Mosó (hós gynê gégonen Hebraía Môsô), que compôs a Lei dos hebreus”.

Curioso é que, apesar de conhecer muito bem a tradição judaica sobre Moisés – como veremos no próximo capítulo -, Alexandre Poliístor não hesita em citar esta versão que contradiz a judaica. Mosó é Moisés e é mulher.

Talvez esta história tenha surgido por causa da Sibila. As Sibilas são profetisas inspiradas por Apolo ou outra divindade. Provenientes da cultura grega, consta que as Sibilas se difundem por várias regiões do mundo romano.

Os Livros Sibilinos são coletâneas de oráculos em grego, trazidos, segundo a lenda, da Grécia para Roma e guardados nos subterrâneos do templo de Júpiter Capitolino. São consultados, por ordem do Senado romano, por ocasião de grandes calamidades, para se descobrir como contornar a ira dos deuses. Existem coletâneas de oráculos sibilinos de origem judaico-helênica ou judaico-cristã[22]. Por ser Moisés, segundo a tradição, o autor da Lei, e, além disso, profeta, terá surgido a analogia com a Sibila, transformando-o afinal em mulher.

 

O terceiro autor do século I a.C. que examinaremos é Diodoro Sículo. Diodoro é um siciliano contemporâneo de César e de Augusto. Escreve em grego a Bibliotheca Historica em 40 livros, que abrangem a história do mundo desde os tempos mitológicos até a conquista da Gália por César. De sua obra ainda existem 15 livros.

Diodoro é o menos original dos antigos historiadores: sua obra é apenas uma compilação de obras de autores anteriores. E, para nós, aí está o seu valor: ele nos transmite muitas obras que hoje estão perdidas[23].

M. Stern explica que “sua principal narrativa sobre os judeus, sua história e sua religião está incluída na sua narrativa da primeira captura de Jerusalém pelos romanos em 63 a.C.”[24] .

Diodoro fala da circuncisão dos judeus e a explica como sendo trazida do Egito, já que os judeus emigraram de lá. Diz também que

“entre os judeus, Moisés atribuiu suas leis ao deus que é invocado como Iao”[25] .

É a primeira vez que Iáô aparece na literatura grega para designar Iahweh. O nome não aparece na LXX, mas está nos papiros de Elefantina[26] . Diodoro explica ainda, no mesmo parágrafo, que atribuir as leis à divindade, como o faz Moisés, é um modo de fazer o povo obedecê-las! Diodoro traz também a mais completa descrição do Mar Morto, e a extração do asfalto, que se conhece na literatura grega e latina.

Mas a descrição que mais nos interessa está em Bibliotheca Historica XXXIV-XXXV, 1,1-5. Aí se diz que quando Antíoco VII Sidetes (139-128 a.C.) sitia Jerusalém, seus amigos aconselham-no a destruir completamente os judeus porque eles não prestam, sendo inimigos de todos os homens e não se misturando com as outras nações.

“Eles disseram também que os ancestrais dos judeus tinham sido expulsos do Egito como homens ímpios e detestados pelos deuses. Pois, para purificar o país, todas as pessoas que tinham manchas brancas ou leprosas nos seus corpos foram reunidas e conduzidas além da fronteira, como sob maldição; os refugiados ocuparam o território nas cercanias de Jerusalém e, tendo organizado a nação dos judeus, fizeram do seu ódio à humanidade uma tradição e para isto introduziram leis completamente exóticas: não partir o pão com nenhuma outra raça, nem mostrar-lhes nenhuma boa vontade”.

Os amigos do rei lembram-lhe também de que, quando Antíoco IV Epífanes vence os judeus e entra no Santo dos Santos do Templo de Jerusalém, ele

“encontrou ali uma estátua de mármore de um homem extremamente barbado montado num asno, com um livro nas mãos, e ele supôs ser uma imagem de Moisés, o fundador de Jerusalém e organizador da nação, o homem, enfim, que determinou aos judeus os seus misantrópicos e ilegais costumes”.

E então Antíoco IV Epífanes, chocado com tal ódio dos judeus à humanidade, proíbe suas práticas tradicionais. O texto termina dizendo que os amigos de Antíoco Sidetes nada conseguem contra o judeus, porque ele apenas cobra o tributo devido, destrói as muralhas de Jerusalém e leva reféns, pois o rei é uma pessoa magnânima e misericordiosa.

As observações que devem ser feitas sobre este texto são as seguintes:

. Este cerco de Jerusalém, pelo rei selêucida Antíoco VII Sidetes, acontece no começo do governo de João Hircano I, em 133 a.C. Antíoco VII impõe um tributo a João Hircano e o obriga a combater ao seu lado contra os partos.
. A proibição das práticas judaicas, decretada por Antíoco IV Epífanes, acontece em 167 a.C.
. Aparece aqui mais uma vez, o tema do segregacionismo judaico, como já vimos em Apolônio Mólon.
. Aqui não aparece a lenda da cabeça de asno que seria cultuada no Templo de Jerusalém – como em Mnaseas de Patara (ap. 200 a.C.), Apião (séc. I d.C.) e Damócrito (séc. I d.C.) -, mas apenas a da estátua de Moisés cavalgando um asno com um livro nas mãos!
. Reaparece em Diodoro Sículo o tema dos judeus que são expulsos do Egito por serem leprosos, como em Maneton (séc. III a.C.), Lisímaco (séc. I a.C.) e Apião (séc. I d.C.).

 

Nicolau de Damasco (Nikólaos ho Damaskenós) é o quarto autor do século I a.C. a ser abordado. Nicolau nasce em Damasco por volta de 64 a.C. de uma importante família. Historiador, professor e escritor. Conselheiro de Herodes Magno a partir de 14 a.C. “Ele supervisionou a educação do rei e foi um de seus principais conselheiros, representando-o em várias ocasiões”[27] .

Antes disso, Nicolau fora professor dos filhos de Antônio e Cleópatra. Após a morte de Herodes, passa a representar os interesses de seu filho Arquelau. Parece que Nicolau termina seus dias em Roma, no começo do século I d.C.

Sua grande obra é a Historiae, em 144 livros. Os fragmentos que falam dos judeus nos são transmitidos através das Antiquitates Iudaicae de Flávio Josefo.

Ele escreve sobre o governo de Antíoco IV Epífanes, sobre a guerra de Antíoco VII Sidetes contra os partos, sobre as guerras de Ptolomeu Latiro, sobre as campanhas de Pompeu e Gabínio contra os judeus etc.

“Como se poderia naturalmente esperar de um historiador que foi amigo pessoal e servidor de um rei judeu e que defendeu os direitos judaicos diante de Agripa, Nicolau mostrou mais respeito para com o passado e as tradições judaicas do que a maioria dos escritores greco-romanos”, explica M. Stern[28] .

Flávio Josefo, em Antiquitates Iudaicae I, 159-160 diz:

“Nicolau de Damasco, no seu quarto livro das Historiae, faz a seguinte colocação: ‘Abrames reinou em Damasco, um estrangeiro que tinha vindo com um exército do país além da Babilônia, chamado a terra dos caldeus. Mas, não muito depois, ele deixou este país também, com o seu povo, para a terra chamada Canaã, mas agora Judeia, onde ele se estabeleceu, ele e seus numerosos descendentes’…”[29].

Sobre este texto, vou observar apenas o seguinte:

. há várias tradições midrashicas sobre Abraão como rei.
. deve existir uma tradição, em círculos judaicos da Síria, acerca da estada de Abraão em Damasco, da qual Nicolau se serve.
. a Bíblia não fala de Abraão em Damasco, mas a estrada que vai de Harã para Canaã passa por Damasco.

 

Estrabão de Amaseia nasce por volta de 64 a.C. e morre em 19 d.C. Natural de Amaseia, no Ponto, “um estoico e viajante, escreve em grego a ‘Geographica’ (Geographiké) em dezessete livros ( que sobreviveram com uma lacuna em um dos livros) descrevendo a geografia física dos principais territórios do mundo romano, e dando em grandes linhas as características principais de seu desenvolvimento histórico e econômico, além de mencionar os aspectos notáveis nos costumes de seus habitantes ou em sua vida animal e vegetal”[30] .

Estrabão escreve também uma história (Historica Hypomnemata) em 43 livros, cobrindo o período no qual para Políbio, a destruição de Corinto e Cartago em 146 a.C., até a captura de Alexandria por Otaviano (30 a.C.). Esta obra se perdeu, mas Flávio Josefo usa-a bastante nas Antiquitates Iudaicae. Aí ele fala dos judeus. Assim como fala na sua Geographica.

Na Geographica XVI, 2, 35 diz Estrabão:

“Moisés era um dos sacerdotes egípcios e governava uma parte do Baixo Egito, como era chamado, mas ele saiu dali para a Judeia, pois ele estava desgostoso com o estado das coisas por lá e foi acompanhado por muitas pessoas que cultuavam a Divindade. Pois ele dizia, e ensinava, que os egípcios estavam errados em representar a Divindade (tò Theion) em imagens de animais selvagens e domésticos, como faziam os líbios; e que os gregos também estavam errados por moldarem deuses em forma humana; pois, segundo ele, Deus é aquele que abarca todos nós e engloba terra e mar – aquilo que nós chamamos céu, ou universo, ou a natureza de tudo o que existe. Que homem, então, se ele tem inteligência, poderia ser temerário o suficiente para fabricar uma imagem de Deus imitando qualquer criatura entre nós?”

Estrabão continua dizendo que Moisés leva o povo para o local onde hoje está Jerusalém e ali estabelece as leis que o governam.

Fala igualmente da circuncisão e da excisão (das mulheres) como costumes supersticiosos introduzidos mais tarde por sacerdotes tirânicos. Além disso, ele pensa que o sábado é um dia de jejum, o que não é verdade.

Estrabão, assim como Hecateu, vê o céu como o Deus dos judeus. Mas Estrabão amplia o quadro para o universo e a natureza. Enfatiza o monoteísmo dos judeus e conhece sua oposição ao antropomorfismo. Não há excisão entre os judeus, embora outros povos a pratiquem[31].

 

Lisímaco (Lysímachon) é o último autor do século I a.C. a ser analisado. Um dos mais ferrenhos antissemitas entre os escritores greco-egípcios, ele vive no II ou I séculos a.C., um pouco antes de Apião, o maior anti-semita conhecido desta época[32] .

Na sua obra Aegyptiaca, que tem fragmentos preservados por Flávio Josefo no Contra Apionem, Lisímaco trata dos judeus. Vejamos um trecho. Em Contra Apionem I, 304-311 se diz que

“No reinado de Bocoris, rei do Egito, o povo judeu, que estava afligido com lepra, escorbuto e outras doenças, refugiou-se nos templos e vivia uma existência mendicante. As vítimas de doença sendo muito numerosas, uma escassez tomou conta do Egito”

Então o rei consulta o oráculo de Amon, continua o texto, e fica sabendo que deve mandar embora este povo para o deserto e matar os leprosos e com escorbuto, para que o Egito se recupere. As pessoas leprosas e com escorbuto são mortas no mar e as outras impuras levadas para o deserto.

Um homem entre eles, Moisés, atravessa com o povo o deserto, chega a uma terra habitada, onde eles maltratam a população, destroem os templos,

“até que eles chegaram no país chamado Judeia, onde eles construíram uma cidade na qual eles se estabeleceram. Esta cidade era chamada Jerósila (Hierósyla) por causa de suas tendências sacrílegas. Mais tarde, quando eles adquiriram poder, eles mudaram o nome, para ocultar a desgraça da imputação, e chamaram a cidade de Jerosólima (Hierosólyma) e a si mesmos de Jerosolimitas (Hierosolymítas).

Este o texto. Agora, sabemos que o faraó Bocoris (Bokchóreôs) é da 24ª dinastia e que governa no século VIII a.C. A tradição egípcia situa a Profecia do Cordeiro, que trata do governo de estrangeiros no Egito, durante o seu reinado. Daí talvez decorra a sua ligação com os judeus e o tema de sua expulsão.

Os judeus são descritos como doentes, impuros e terrivelmente maus: matam populações, destroem templos etc. Esta “destruição de templos” pode estar indiretamente se referindo à política dos Asmoneus na Palestina, quando judaízam à força várias cidades helenizadas.

 

6. Os judeus fazem sacrifícios humanos

Do século I d.C. abordarei quatro autores: Apião, Queremon, Damócrito e Nicarco.

Apião (Apíôn), que pode ser situado na primeira metade do século I d.C., “era um escritor e professor grego de origem egípcia, que exerceu um importante papel na vida cultural e política de seu tempo. Ele ficou famoso como um mestre em Homero e como autor de uma obra sobre a história do Egito”[33] .

Apião não nasce em Alexandria, mas torna-se cidadão alexandrino. Representa os gregos contra os judeus de Alexandria diante de Calígula, enquanto Fílon de Alexandria representa os judeus, no ano 40 d.C., na questão dos direitos cívicos dos judeus alexandrinos.

Apião é o mais ferrenho dos antissemitas do mundo helenístico e, como é um escritor muito popular, tem grande influência na formação da opinião pública culta de sua época.

Ele fala dos judeus nos livros 3 e 4 de sua Aegyptiaca. Flávio Josefo o escolhe como alvo entre todos os antissemitas e escreve o Contra Apionem por volta de 95 d.C., através do qual conhecemos as acusações que Apião faz aos judeus.

Diz Flávio Josefo que o tratamento de Apião a respeito dos judeus pode ser dividido em três seções:

a) o êxodo
b) o ataque aos direitos dos judeus alexandrinos
c) o ataque ao Templo e aos costumes religiosos judaicos[34] .

Em Contra Apionem II, 10-11 temos:

“No terceiro livro de sua História do Egito ele [Apião] faz a seguinte colocação: ‘Moisés, como eu ouvi de pessoas idosas no Egito, era um nativo de Heliópolis que abandonando os costumes de seu país, erigiu casas de oração (proseuchàs anêgen) ao ar livre, em vários distritos da cidade, todas voltadas para o leste; tal sendo também a orientação de Heliópolis. No lugar de obeliscos ele erigiu colunas, debaixo das quais havia um modelo de barco; e a sombra formada na sua base pela estátua desenhava um círculo correspondente ao curso do sol nos céus'”.

Esta ligação dos judeus com a cidade de Heliópolis, que acontece após a geração de Maneton, parece influenciada pela construção do templo na região por Onias IV, por volta de 150 a.C.

Onias IV, filho do sumo sacerdote Onias III, que fora morto por ordem de Menelau, um usurpador do partido helenizante, funda um templo semelhante ao de Jerusalém em Leontópolis. Pois com a ascensão dos Macabeus, os Oníadas, família que fornecia os sumos sacerdotes do Templo de Jerusalém, fica excluída. As casas de oração mencionadas por Apião são as sinagogas, em grego, proseuchê.

Sobre o êxodo, lemos em Contra Apionem II, 15:

“Sobre a questão da data em que ele [Apião] coloca o êxodo dos leprosos, cegos e coxos sob a liderança de Moisés…”.

Em Contra Apionem II, 20-21, lemos sobre o sábado:

“Ele [Apião] dá uma espantosa explicação para a etimologia da palavra ‘sábado’. ‘Após seis dias de marcha’, ele diz, ‘eles formaram tumores na virilha, e foi por isto, que depois de alcançarem em segurança o país agora chamado de Judeia, eles descansaram no sétimo dia e chamaram a este dia sábaton, preservando a etimologia egípcia, pois doença na virilha, no Egito, é chamada de sabátosis'”.

Sobre o culto do Templo, lemos em Contra Apionem II, 80:

“Apião tem a coragem de afirmar que, dentro deste santuário, os judeus conservam uma cabeça de asno, cultuando este animal e julgando-o merecedor da mais profunda reverência; o fato foi desvendado, ele sustenta, por ocasião do saque do templo por Antíoco Epífanes, quando a cabeça, feita de ouro e valendo um alto preço, foi descoberta”.

Em Contra Apionem II, 91-96 ele [Apião] diz que Antíoco encontra no Templo um homem, servido de todas as iguarias, e destinado ao sacrifício. A prática é repetida a cada ano, quando, diz o § 95,

“Eles raptavam um grego, engordavam-no durante um ano e então conduziam-no para uma floresta, onde eles o matavam, sacrificavam seu corpo de acordo com seus rituais costumeiros, partilhavam sua carne e, enquanto imolavam o grego, faziam um juramento de hostilidade contra todos os gregos. Os restos de sua vítima eram lançados num buraco”.

 

Segundo M. Stern, Queremon (Chairêmona), escritor greco-egípcio, “pode ser considerado um intelectual na tradição de Maneton – alguém que tinha grande apreço pelo passado e imemoriais tradições de seu país, descrevendo-as em grego. Ele estava também profundamente imbuído da cultura grega, e ele se tornou um de seus mais notáveis representantes no século I d.C.”[35].

Os fragmentos sobre os judeus que temos de sua Aegyptiaca Historia estão em Contra Apionem I, 288-292. Aí ele narra como Ísis aparece em sonhos ao faraó Amenófis e repreende-o por destruir seu templo em uma guerra. Um escriba aconselha-o então a purificar o Egito das pessoas contaminadas, para ficar em paz. Por isso ele as bane do país, milhares de pessoas. E o texto diz no § 290:

“Seus líderes eram escribas, Moisés e um outro escriba sagrado – José. Seus nomes egípcios eram Tisiteu (para Moisés) e Petesef (José)”.

Em Pelusium eles encontram milhares de pessoas que Amenófis proibira de entrar no Egito. Feita uma aliança entre os dois grupos, eles invadem o Egito, enquanto Amenófis foge para a Etiópia, deixando para trás sua mulher grávida. Seu filho, ao nascer e crescer, Ramsés, expulsa os judeus para a Síria e reconduz seu pai ao Egito.

 

Damócrito (Damókritos) é um historiador que escreve um livro sobre tática. Conhecemo-lo através de Suda, que afirma ter ele escrito um livro sobre os judeus. Não conhecemos com certeza sua data, mas deve ser do século I d.C. Quanto ao local, nenhuma pista.

O texto de Suda diz:

“Damócrito, um historiador. Ele escreveu um livro sobre tática em dois volumes, e um livro Sobre os judeus. Neste último ele assegura que eles costumavam cultuar uma cabeça de asno dourada e que a cada sete anos eles capturavam um estrangeiro e sacrificavam-no. Eles costumavam matá-lo, repartindo sua carne em pequenos pedaços”.

 

Nicarco (Níkarchos) é o nosso último autor. Ele parece ser um greco-egípcio, porque suas afirmações sobre Moisés, preservadas no léxico de Fótios[36], estão na linha dos escritores egípcios helenizados. Nada sabemos sobre ele.

“Alfa: uma cabeça de vaca era assim chamada pelos fenícios, e também Moisés o legislador dos judeus era assim chamado, porque ele tinha muitas manchas brancas de lepra (alfoús) no seu corpo. Esta maluquice é contada por Nicarco, o filho de Amônio, no seu livro sobre os judeus”.

 

Bibliografia

AUTORES CLÁSSICOS: recomendo The Perseus Collections, The Perseus Catalog e Loeb Classical Library.

DE SOUZA BRANDÃO, J. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 2014.

DIEZ MACHO, A. Apócrifos del Antiguo Testamento, vol. II.Madrid: Cristiandad, 1983.

HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

HOLLADAY, C. R. Fragments from Hellenistic Jewish Authors, vol. I: Historians. Chico, California: Scholars Press, 1983.

JOSEFO, F. História dos Hebreus: Obra Completa. Tradução do grego de Vicente Pedroso. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007. Uma excelente edição das obras de Flávio Josefo, com o texto original, tradução inglesa e notas é a da Loeb Classsical Library: THACKERAY, H. St. J.;MARCUS, R.; WIKGREN, A.; FELDMAN, L. H. Josephus I-XIII, Cambridge: Harvard University Press, 1926-1965. Este texto está disponível online.

KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997. Há um resumo no Observatório Bíblico.

LÉVÊQUE, P. O mundo helenístico. Lisboa: Edições 70, 1987.

STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I-III. Jerusalem: The Israel Academy of Sciences and Humanities, 1976-1984.

>> Bibliografia atualizada em 26.08.2015

Artigos


[18]. Depois de Hecateu de Abdera (séc. IV a.C.) parece ser Apolônio o primeiro grego a escrever uma obra exclusivamente dedicada aos judeus. Isto se Hecateu escreve mesmo uma obra sobre os judeus, pois o texto “Sobre os judeus” pode ser de um Pseudo-Hecateu. Eusébio vive entre 263 e 339 d.C. e é bispo de Cesareia, na Palestina. Escreve uma importante “História Eclesiástica”, em 10 livros. Alexandre Poliístor, originário de Mileto, na Ásia Menor, nasce por volta de 105 a.C. Morre em Roma em aproximadamente 35 a.C.

[19]. Segundo Ex 6,16-20, Moisés é descendente, de quarta geração, de Levi, irmão de José. A ordem é a seguinte: Levi – Caat – Amram – Moisés.

[20]. Só uma amostragem: Eupólemo (séc. II a.C.) diz que Moisés é o primeiro sábio e que ele dá o alfabeto para os judeus que o passam para os fenícios e estes para os gregos; o Samaritano anônimo (séc. II a.C.) diz que Abraão descobre a astrologia e que supera todos os homens em nobreza de nascimento e sabedoria; Artápano (séc. II a. C.) diz que Moisés inventa navios, armas, máquinas, filosofia… Cf. HOLLADAY, C. R. Fragments from Hellenistic Jewish Authors, vol. I: Historians. Chico, California: Scholars Press, 1983.

[21]. Suda ou Suída é “o nome de um grande léxico ou enciclopédia grega, compilada aproximadamente no final do século X e contendo muitos verbetes valiosos sobre a literatura e a história gregas”, explica HARVEY, P. o. c., verbete Suídas. Veja Suda On line.

[22]. Cf. HARVEY, P. o. c., verbetes Sibilas e Livros Sibilinos.

[23]. Cf. Idem, ibidem, verbete Diôdoros Sículo.

[24]. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 167.

[25]. DIODORO SÍCULO, Bibliotheca Historica I, 94,2.

[26]. Elefantina é uma ilha do Nilo, importante centro comercial e militar no sul do Egito. Desde o século V a.C. existe em Elefantina uma colônia militar judaica, com uma sinagoga e um templo. Os papiros de Elefantina, escritos em aramaico (e uns poucos em grego), descobertos a partir do fim do século passado, são importantes para a reconstrução da vida judaica na diáspora da época persa.

[27]. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 227.

[28]. Idem, ibidem, p. 231.

[29]. JOSEFO, F. História dos Hebreus: Obra Completa. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007. Antiguidades Judaicas, publicada em grego, é a segunda obra de Josefo e fica pronta em 93 d.C. Josefo, como qualquer judeu da época, sofre muito com a ignorância do mundo greco-romano acerca dos judeus e de seus costumes, tradições e crenças. Sua obra não tem, portanto, apenas o objetivo de informar, mas Josefo quer, através de uma história de milênios, defender seu povo e impressionar os romanos. Mostrar a antiguidade das origens é, na sua época, fundamental para qualquer povo que queira ser respeitado. Para nós, Antiguidades Judaicas é importante, especialmente quando trata da história dos Macabeus e do governo de Herodes Magno.

[30]. HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina, verbete Strábon.

[31]. Cf. TANNAHILL, R., O sexo na história. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983, p. 72. Sobre Estrabão, cf. também  COMBY, J./LEMONON, J.-P. Roma em face de Jerusalém. Visão de autores gregos e latinos. São Paulo: Paulus, 1987, p. 10-16.

[32]. Cf. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 382.

[33]. Idem, ibidem, p. 389.

[34]. Cf. JOSEFO, F. Contra Apionem II, 6-7.

[35]. STERN, M. Greek and Latin Authors on Jews and Judaism I, p. 417.

[36]. Fótios é patriarca em Constantinopla de 857 a 886.

Última atualização: 11.07.2019 – 18h27