Os mitos judaicos e a nossa realidade
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Ainda faltavam uns 500 ou 600 anos para o nascimento de Jesus de Nazaré, quando alguns teólogos de Jerusalém recolheram histórias que as pessoas contavam e escreveram vários desses textos que hoje estão na Bíblia Hebraica, no livro do Gênesis, nos capítulos 1 a 11.
Que textos são esses?
São muito conhecidos: a história da serpente que tenta Eva no paraíso, a árvore que produz um fruto proibido, Caim que assassina seu irmão Abel, Noé e sua arca cheia de animais sobrevivendo ao dilúvio, a torre de Babel que confunde as línguas…
Será que isto aconteceu desse jeito mesmo que é contado? Ou serão só lendas, contos ou mitos?
Às vezes a gente acha que só é verdadeira aquela história que reproduz os fatos fielmente, tim-tim por tim-tim, como eles aconteceram. Será? E aqueles fatos que acontecem com todo o mundo e que também podem acontecer em qualquer época e em qualquer lugar? E o sentido que um autor quer dar a um acontecimento não determina o jeito dele contar?
Pois isto é o mito. E o mito fala de uma experiência humana universal. E Gn 1-11 é recheado de mitos, contados por aqueles autores anônimos de Jerusalém há dois mil e quinhentos anos.
O paraíso nunca existiu. Nem mesmo uma serpente falante, um fruto proibido, os irmãos Caim e Abel, um dilúvio universal, uma arca de Noé ou uma torre de Babel. Mas todos eles existem sempre, exatamente porque não estão situados em nenhum tempo e lugar.
O paraíso é uma esperança, uma utopia, não uma saudade de um tempo passado. É uma esperança de harmonia e felicidade que a humanidade deve construir. E pode construir.
A serpente representava, na época dos reis de Israel, um sistema social e político que explorava as pessoas e provocava a sua infelicidade, destruindo o projeto de uma sociedade solidária e harmoniosa.
O fruto proibido é a tentação de possuir um poder absoluto que nos permita dominar os outros e escravizá-los aos nossos interesses.
Tanto Caim quanto Abel continuam hoje a se confrontar em sangrentos conflitos, seja em nossas ruas brasileiras, seja no Oriente Médio, ou em nossas casas.
A fidelidade de Noé, um homem correto, a um projeto de sociedade solidária, o transforma em símbolo de uma humanidade que renasce de enormes catástrofes porque acredita na vida.
Na cidade e torre de Babel as pessoas são confundidas por Iahweh quando queriam construir um poder imperialista onde todos falariam uma mesma língua – na política, na economia, na cultura – e, assim se tornariam absolutos, decretando o fim da liberdade humana.
Como se vê, esses temas tão antigos, contados na linguagem do mito, continuam extremamente atuais dois mil anos depois de Jesus de Nazaré. Devem ser lidos para fazer a gente pensar e tomar uma atitude. Não para pensarmos no que aconteceu antigamente, mas para enxergarmos melhor o está acontecendo hoje e ver o que é possível fazer para melhorar o mundo.
> Este artigo foi publicado em FAN, Ribeirão Preto, n. 13, p. 22, 1995. O texto está disponível também no Observatório Bíblico, publicado em 22.09.2007
Última atualização: 11.08.2020 – 10h47