SOTER ’96: Teologia e novos paradigmas

SOTER ’96: Teologia e novos paradigmas

 

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Belo Horizonte, 8 a 12 de julho de 1996: neste local e data um pouco mais de 100 teólogos e teólogas de todo o Brasil encontraram-se para mais um Congresso da SOTER, que teve como tema básico Teologia e Novos Paradigmas.

A SOTER, Sociedade de Teologia e Ciências da Religião, é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em julho de 1985 por um grupo de teólogos e teólogas católicos de várias regiões do Brasil.

Seus objetivos são incentivar e apoiar o ensino e a pesquisa no campo da Teologia e das Ciências da Religião; divulgar os resultados da pesquisa; promover o serviço dos teólogos a comunidades e organismos eclesiais na perspectiva da opção preferencial pelos pobres; facilitar a comunicação e a cooperação entre os sócios e defender sua liberdade de pesquisa, segundo o art.30 de seu Estatuto.

 

Interfaces da Teologia

No dia 8, à noite, após as apresentações, foi feita a Conferência de Abertura pelo presidente da SOTER, Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos. Márcio tratou da relevância do tema escolhido para o congresso “Teologia e Novos Paradigmas”. Em seguida foi lançado o livro Teologia e Novos Paradigmas. São Paulo: Loyola/SOTER, 1996, escrito por vários autores, que teve a função de orientar, tanto quanto possível, os participantes do congresso no tocante à temática em discussão. Um alegre coquetel, animado pelo reencontro de tantos colegas, encerrou este primeiro dia.

 

A emergência de novos paradigmas nas ciências

No dia 9, as conferências, debates e mesas redondas giraram em torno de um tema chave: a emergência de novos paradigmas nas ciências.

O Prof. Dr. Manfredo Araújo de Oliveira, da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza – CE, foi o primeiro a falar sobre a Emergência de novos paradigmas científicos na sociedade contemporânea. Manfredo destacou especialmente três eixos dominantes nas ciências atuais: a visão processual da mecânica quântica, a integração de todos os seres e a visão idealista da realidade que aí impera.

Em seguida o Prof. Dr. Hugo Assmann, da Universidade Metodista de Piracicaba (SP), abordou a questão das Novas epistemologias científicas e teologia, sublinhando o forte neoplatonismo presente nas biociências que planejam, até mesmo, um corpo descartável para o homem futuro, puro cérebro dinâmico, numa identificação da vida com o conhecimento.

Após estas duas palestras, dois debatedores teceram considerações sobre as ideias apresentadas, antes do plenário ampliar a discussão. Aqui, os dois debatedores foram o Prof. Eduardo Rodrigues Cruz (PUC-SP) e Rogério Valle, do CERIS, RJ.

Na parte da tarde aconteceu uma mesa redonda, da qual participaram José Comblin, Paulo Fernando C. Andrade e Jung Mo Sung. Esta mesa redonda foi seguida de debates, ampliando a participação para todo o plenário.

Ainda nesta tarde do 20 dia, aconteceu o simpósio, seguido de debates, sobre Diferenças de gênero e paradigmas, com as apresentações de Ana M. Tepedino, Luiza Tomita e Zilda Fernandes Ribeiro. Destaque para a fala de Luiza Tomita que, recusando a categoria de “Teologia feminina”, fez um rápido histórico da Teologia feminista em geral, nos USA e na Teologia da Libertação. Ana M. Tepedino, por sua vez, analisou o pensamento de Yvone Gebara (antropologia filosófica) e de Tânia Mara na sua leitura de Oseias feita na RIBLA.

 

Emergência de novos paradigmas na Teologia

O terceiro dia do congresso teve como tema orientador a Emergência de novos paradigmas na Teologia.

O Prof. Dr. Carlos Palácio (C.E.S. da Companhia de Jesus, Belo Horizonte) falou sobre as Incidências de novos paradigmas na sistematização teológica, onde defendeu uma teologia sem adjetivos, enquanto que a Profa. Dra. Maria Clara Bingemer, da PUC-RJ, abordou a Caracterização teológica da mística cristã nos tempos atuais chamando a atenção para três aspectos: o caminho da experiência do outro (corporeidade da mulher e conhecimento no sentido bíblico), o caminho da religião do outro (islamismo, judaísmo, cristianismo) e o caminho da pobreza do outro (mística e política na TdL), para concluir que a experiência mística cristã é alteridade e relação.

Desta feita os debatedores foram o Prof. Dr. Antônio Aparecido da Silva (ITESP; ITM – S. Paulo) e o Prof. Dr. José Antônio de Almeida, do Instituto Paulo VI, de Londrina – PR. Almeida apresentou três cenários futuros para a humanidade, falou de cinco desafios e de quatro modos de fazer teologia. Já Antônio Aparecido (Toninho) questionou o humanismo das novas ciências e trabalhou o tema dos novos paradigmas à luz da inculturação.

Comandada pelos Profs. Alberto Antoniazzi, Cleto Caliman e Rogério Valle aconteceu, às 14 hs. uma mesa redonda sobre Cidade, Teologia e Evangelização. As questões que mais se destacaram nesta mesa redonda foram: a pesquisa sobre a Igreja na cidade que está sendo feita pelo CERIS (Rogério), a necessidade de retomar o diálogo com o catolicismo popular e de passar a uma pastoral centrada no sujeito, invertendo Trento (Antoniazzi) e a constatação da inadequação entre o modelo tradicional de Igreja e a cidade moderna, levando ao desafio de refazer o caminho da experiência pessoal da fé, de observar as outras formas de organização da cidade e de agilizar a comunicação (Cleto).

Simultaneamente acontecia outra mesa redonda com os Profs. Pedro Ribeiro de Oliveira, Antonio G. Mendonça e José Queiroz sobre Pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião: Questões e Perspectivas

No final deste dia participamos de uma grande celebração e de uma confraternização em volta de um bom churrasco.

 

Prática da Teologia em novos paradigmas

No dia 11, o tema chave foi: Prática da Teologia em novos paradigmas sendo o primeiro conferencista o Prof. Dr. Alfonso García Rubio, da PUC-RJ. Rubio começou sua fala com a questão: A TdL deixou de ser adequada aos tempos atuais? Para distinguir entre sua superação em relação a determinados temas e sua validade em relação a outros, com o alargamento de horizontes. Rubio, naquela que foi a mais animada palestra de todo o congresso, concluiu pela necessidade de um trabalho coletivo dos teólogos, de mediações com as outras ciências e de interdisciplinaridade.

Na segunda palestra desta manhã do dia 11 o Prof. Dr. Benedito Ferraro, da FTCR da PUC-Campinas, tratou do tema Teologia em tempos de crise, com ênfase em três itens: Teologia e exclusão; opção pelos pobres/excluídos como chave hermenêutica da reflexão teológica e inculturação, Teologia e Magistério. Ferraro concluiu sua intervenção sublinhando a função do teólogo: traduzir a revelação para as várias culturas, pois todos os povos e culturas têm direito de expressar suas vivências de fé.

A seguir apresentaram-se os debatedores: Prof. Dr. Luiz Carlos Susin, da PUC-RS, e o Prof. Dr. Antônio Moser, do Instituto Franciscano de Pastoral, Petrópolis, RJ. Seguiu-se uma participação do plenário nos debates.

A parte da tarde foi reservada para mais de uma dezena de comunicações científicas previamente inscritas. Algumas destas comunicações: Luiz João Baraúna: Atuação do Brasil no Concílio Vaticano II; Mariano Foralosso: Teologia Jovem: Monografias de Bacharelado 1990-1995; Ênio José da Costa Brito: Novos Paradigmas para a Interpretação do Período Colonial; Arnaldo Lima Dias: Visão de Deus de uma ‘Ikerere’ (Mãe de Santo); Rudolf von Sinner: Projetos da Comissão ‘Fé e Constituição’, do Conselho Mundial de Igrejas

No final do dia, a SOTER instalou-se em Assembleia para definir o próximo congresso. Decidiu-se pela prorrogação do mandato da atual diretoria, pela realização do próximo congresso só em 1998 (pois muitos teólogos estarão em julho no Intereclesial de 97) e foram apresentados os temas preferenciais dos presentes para o Congresso de 98. O mais votado foi Teologia e experiência religiosa, seguido por Diálogo inter-religioso (com ênfase no messianismo e no fundamentalismo) e Cristologia e Pluralismo. Compete à diretoria a escolha do tema.

 

Avaliação do Congresso

Último dia, manhã do dia 12: quatro intervenções para avaliação final do que fora debatido. Fizeram as avaliações os Profs. João Batista Libânio (C.E.S. da Companhia de Jesus, Belo Horizonte), Maria da Conceição Correa Pinto (PUC-RJ), Airton José da Silva (CEARP de Ribeirão Preto e FTCR da PUC-Campinas), José Oscar Beozzo (CEHILA).

Finalmente falou o representante da Comissão de Doutrina da CNBB, Dom Dadeus Grings (Bispo de São João da Boa Vista), incentivando os teólogos a produzir mais e, com espírito fraterno, a colocar suas ideias em discussão. O almoço, às 12h00, encerrou o congresso. Congresso extremamente proveitoso, denso nas discussões e ousado na temática, com mais de 40 intervenções programadas e realizadas.

 

A publicação

Um livro com as palestras foi publicado, em 1997, pela Loyola/ SOTER. Teologia aberta ao futuro, organizado por Márcio Fabri dos Anjos, que faz a introdução, traz as intervenções de:

. Márcio Fabri dos Anjos, Interfaces da Teologia
. Manfredo Araújo de Oliveira, A Mudança de Paradigma nas Ciências Contemporâneas
. Hugo Assmann, Paradigmas ou Cenários Epistemológicos Complexos?
. Eduardo R. Cruz, Novas Epistemologias Científicas e Teologia
. Carlos Palácio, Novos Paradigmas ou Fim de uma Era Teológica?
. Maria Clara Lucchetti Bingemer, A Alteridade e seus Caminhos
. Luiz Carlos Susin, “Gloria Maior Deus Humilis”
. Airton José da Silva, A Expulsão do Paraíso. Sobre a Teologia e Novos Paradigmas
. Antonio José de Almeida, Os Desafios dos Novos Paradigmas para a Prática Teológica
. Luiza E. Tomita, A Teologia Feminista no Contexto de Novos Paradigmas
. Margarida Luiza Ribeiro Brandão, Gênero e Experiência das Mulheres
. Benedito Ferraro, Teologia em Tempos de Crise
. José Comblin, Nota sobre as Tarefas de uma Teologia da Libertação no Final do Século XX
. Hugo Assmann, Ecoteologia: um Ponto Cego do Pensamento Cristão?
. Antônio Moser, Mudança de Paradigmas e Crises na Teologia
. Alfonso García Rubio, Prática da Teologia em Novos Paradigmas.

Na última capa do livro há uma boa síntese do que se debateu na SOTER ’96 e se publicou nesta obra. Nas palavras de Márcio Fabri dos Anjos: “Na organização desta obra, os autores e autoras foram provocados para a elaboração de seus estudos por meio de três grupos de questões: a emergência de ‘novos paradigmas’ nas ciências, a emergência de ‘novos paradigmas’ na teologia e a prática da teologia segundo ‘novos paradigmas’.

Tentou-se levar em conta as raízes interdisciplinares da elaboração teológica, na convicção de que a questão dos paradigmas perpassa não só pelas formas de interpretar a vida e produzir ciência, mas pela própria forma de viver.

Como resultado dessa postura, os diversos temas analisados proporcionam uma visão das inquietações que movem a produção teológica.

Não passe despercebido que este volume expressa ainda o esforço conjunto de busca do diálogo e da participação em teologia. Assim, a virada de milênio nos encontra unidos a sondar os sinais dos tempos como teólogos e teólogas desafiados, mas não perplexos; sem respostas acabadas, mas com muitas expressões de uma construção em andamento”.

> Este artigo foi publicado inicialmente em Cadernos do Cearp, Ribeirão Preto, n. 6, p. 47-50, 1996.

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Última atualização: 27.04.2019 – 13h25

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