A leitura massorética tiberiana da Bíblia Hebraica

Esta é uma tradução do capítulo I, The Tiberian Masoretic Tradition, do livro de KHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. – ISBN 9781463202460.

O capítulo I ocupa as páginas 1-11. As 8 notas de rodapé foram omitidas aqui, o mesmo ocorrendo com alguns elementos do texto. Os subtítulos foram acrescentadosKHAN, G. A Short Introduction to the Tiberian Masoretic Bible and its Reading Tradition. 2. ed. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2013, 156 p. por mim.

A intenção é oferecer aos meus alunos, e a outros potenciais leitores, uma ideia de como chegou até nós o texto da Bíblia Hebraica / Antigo Testamento mais utilizado hoje.

O livro é de uma clareza impressionante e recomendo a sua leitura completa para quem quiser ter um primeiro contato com o tema. Está disponível para download gratuito na página do autor em Academia.edu

O autor, o britânico Geoffrey Khan, é um conhecido especialista em línguas semíticas da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Diz o autor no prefácio:

Este livro pretende fornecer uma breve visão introdutória da tradição massorética tiberiana da Bíblia Hebraica e seus antecedentes. Foi esta tradição que produziu os grandes códices massoréticos da Idade Média, que constituem a base das modernas edições impressas da Bíblia Hebraica. A apresentação dá especial destaque à natureza multifacetada da tradição massorética. Essas camadas incluem os vários componentes do texto escrito que sobreviveu nos manuscritos massoréticos medievais, bem como a tradição de leitura que foi transmitida oralmente na Idade Média. É dada especial atenção à tradição de leitura tiberiana.

This small book is intended to provide a short introductory overview of the Tiberian Masoretic tradition of the Hebrew Bible and its background. It was this tradition that produced the great Masoretic codices of the Middle Ages, which form the basis of modern printed editions of the Hebrew Bible. The presentation gives particular prominence to the multi-layered nature of the Masoretic tradition. These layers include the various components of the written text surviving in the medieval Masoretic manuscripts as well as the reading tradition that was transmitted orally in the Middle Ages. Particular attention is given to the Tiberian reading tradition.

Diz o capítulo I:

A tradição massorética tiberiana

As edições impressas da Bíblia Hebraica atualmente em uso baseiam-se em manuscritos medievais provenientes da escola dos massoretas de Tiberíades. Os massoretas eram estudiosos que se dedicavam a preservar as tradições de escrita e leitura da Bíblia. O seu nome deriva do termo hebraico masorah ou masoret, cujo significado é “transmissão de tradições”. Os massoretas tiberianos atuaram durante vários séculos na segunda metade do primeiro milênio d.C.

As fontes medievais referem-se a diversas gerações de massoretas, alguns deles pertencentes à mesma família. A mais famosa destas famílias é a de Aharon ben Asher (século X), cujos antepassados estiveram envolvidos em atividades massoréticas durante cinco gerações. Os massoretas continuaram o trabalho dos soferim (“escribas”) dos períodos talmúdico e do Segundo Templo, que também estavam ocupados com a transmissão correta do texto bíblico.

Os massoretas tiberianos desenvolveram o que pode ser chamado de tradição massorética tiberiana. Este foi um corpo de tradição que gradualmente tomou forma ao longo de dois ou três séculos e continuou a crescer até ser finalmente consolidado e as atividades dos massoretas cessarem no início do segundo milênio.

Durante o mesmo período existiam círculos de massoretas também na região da antiga Babilônia, atual Iraque. Entretanto, foi a tradição dos massoretas tiberianos que se tornou virtualmente a tradição massorética exclusiva no judaísmo no final da Idade Média e tem sido seguida por todas as edições impressas da Bíblia Hebraica.

A tradição massorética tiberiana está registrada em vários manuscritos medievais. A maioria deles foi escrita depois de 1100 d.C. e são cópias de manuscritos mais antigos feitos em várias comunidades judaicas.

As primeiras edições impressas são baseadas nesses manuscritos medievais tardios. A mais confiável dessas primeiras edições foi a chamada segunda Bíblia Rabínica (ou seja, o texto bíblico combinado com comentários e traduções, conhecido como Miqraʾot Gedolot) editada por Jacob ben Ḥayyim ben Adoniyahu e impressa na gráfica de Daniel Bomberg em Veneza entre 1524 e 1525. Essas primeiras Bíblias Rabínicas parecem ter sido baseadas em mais de um manuscrito. Este passou a ser considerado um textus receptus e foi usado como base para muitas edições subsequentes da Bíblia Hebraica.

Um pequeno número de manuscritos sobreviventes são registros de primeira mão da tradição massorética tiberiana. Foram escritos no Oriente Médio antes de 1100 d.C., quando os massoretas ainda estavam ativos. São, portanto, as testemunhas mais confiáveis da tradição massorética tiberiana. Todos eles vêm do fim, ou perto do fim, do período massorético, quando a tradição massorética se tornou fixa na maioria dos seus detalhes. O manuscrito datado mais antigo neste corpus foi escrito no século IX. Depois de 1100 d.C., a tradição fixa foi transmitida por gerações de escribas.

Algumas das edições modernas da Bíblia são baseadas nesses manuscritos antigos, por ex. a Biblia Hebraica a partir da terceira edição (1929–1937) em diante (cuja última edição é a Biblia Hebraica Quinta, 2004–), The Hebrew University Bible (1975–), as edições de A. Dotan (1973, revisada em 2001) e M. Breuer (1977–1982) e a edição moderna da Bíblia Rabínica de M. Cohen (conhecida como Ha-Keter, Ramat-Gan, 1992—).

 

Os oito componentes da tradição massorética tiberiana

A tradição massorética tiberiana pode ser dividida nos seguintes componentes:
1. O texto consonantal da Bíblia Hebraica
2. A diagramação do texto e a forma codicológica dos manuscritos
3. As indicações de divisões de parágrafos (conhecidas em hebraico como pisqaʾot ou parashiyyot)
4. Os sinais de acento, que indicavam a cantilena musical do texto e também a posição do acento principal de uma palavra
5. A vocalização, que indicava a pronúncia das vogais e alguns detalhes da pronúncia das consoantes na leitura do texto
6. Notas sobre o texto, escritas nas margens do manuscrito
7. Tratados massoréticos: alguns manuscritos possuem apêndices no final do texto bíblico contendo vários tratados sobre aspectos dos ensinamentos dos massoretas
8. Tradição de leitura transmitida oralmente.

Os primeiros sete desses componentes são escritos, enquanto o oitavo existia apenas oralmente.

Geoffrey Khan (1958-)A tradição de leitura transmitida oralmente foi transmitida de geração em geração durante o período massorético. Esta tradição de leitura é parcialmente representada em forma gráfica pelos sinais de acento e pelos sinais de vocalização e é descrita até certo ponto nos tratados massoréticos. Esses componentes escritos da tradição massorética, porém, não registram todos os detalhes da tradição de leitura, especialmente no que diz respeito à pronúncia das consoantes. A tradição de leitura tiberiana transmitida oralmente, portanto, deve ser tratada como um componente adicional da tradição massorética tiberiana. Esta tradição de leitura complementava o texto consonantal, mas era independente dele até certo ponto, como mostra o fato de que os sinais de vocalização às vezes refletem uma leitura diferente daquela representada pelo texto consonantal. Nesses casos, a terminologia massorética tradicional distingue entre qere (“o que é lido”) e ketiv (“o que está escrito”).

 

Componentes herdados e componentes criado pelos massoretas

É este complexo de componentes, escritos e orais, que formou a tradição massorética tiberiana. Uma distinção cuidadosa deve ser feita entre os componentes desta tradição: em alguns casos os massoretas tiveram um papel direto na sua criação, e em outros casos os componentes foram herdados de um período anterior.

Os componentes principais que foram herdados da tradição anterior incluem o texto consonantal, as divisões de parágrafos, a tradição de leitura oral e alguns dos conteúdos das notas textuais.

Os outros componentes, ou seja, os sinais de pronúncia e vocalização e a maioria das notas textuais e tratados, foram desenvolvidos pelos massoretas no período massorético.

No final do período massorético os componentes escritos da tradição massorética tiberiana tornaram-se fixos e foram transmitidos nesta forma fixa por escribas posteriores. Em contraste, o componente oral, ou seja, a tradição de leitura tiberiana, foi rapidamente esquecida e parece não ter sido transmitida muito depois do século XII.

 

As várias correntes de tradição da escola tiberiana

Os massoretas tiberianos não desenvolveram uma tradição completamente uniforme. Dentro da escola tiberiana havia várias correntes de tradição que diferiam umas das outras em pequenos detalhes. Essas diferentes correntes foram associadas aos nomes de massoretas individuais.

As diferenças que mais conhecemos foram entre Aharon ben Asher e Moshe ben Naftali, que pertencia à última geração de massoretas no século X.

Os pontos de desacordo entre estes dois massoretas estão registrados em listas no final de muitos dos primeiros manuscritos da Bíblia tiberiana. Eles foram coletados por Mishaʾel ben ʿUzziʾel em um tratado árabe conhecido como Kitāb al-Khilaf “O livro das diferenças”.

Essas diferenças são apenas em detalhes muito pequenos. Aproximadamente três quartos dizem respeito à colocação do chamado sinal gaʿya (mais tarde conhecido como meteg), que complementa os sinais de acento principalmente com o propósito de marcar o acento secundário nas palavras.

Há concordância no texto consonantal e também, em praticamente todos os casos, na vocalização e nos sinais de acento. A existência destas listas de diferenças reflete o processo de fixação e padronização da tradição massorética.

Sabemos de outras fontes sobre uma série de diferenças entre os massoretas das gerações anteriores ao século IX. Novamente, estes dizem respeito apenas a pequenos detalhes.

No encerramento do período massorético, após a geração de Aharon ben Asher, a tradição massorética tiberiana não havia se fixado na escola de um massoreta específico. Uma fonte do século XI refere-se à possibilidade de seguir a escola de Ben Asher ou a de Ben Naphtali, sem qualquer avaliação.

A escola Ben Asher finalmente tornou-se dominante somente quando foi adotada pelo influente estudioso judeu Moses Maimonides (1135-1204). Quando residia no Egito, Maimônides examinou um manuscrito com vocalização e acentos escrito pela mão de Aharon ben Asher e declarou que era o modelo que deveria ser seguido.

É provável que “O livro das diferenças” entre Ben Asher e Ben Naphtali (Kitāb al-Khilaf) tenha sido composto por Mishaʾel ben ʿUzziʾel logo após este pronunciamento de Maimônides.

 

A adoção do codex

Os manuscritos massoréticos tiberianos são códices, ou seja, livros que consistem em coleções de folhas duplas costuradas (conhecidas em fontes hebraicas como miṣḥaph <árabe muṣḥaf).

A Bíblia Hebraica começou a ser produzida em forma de codex durante o período islâmico. Os primeiros códices sobreviventes com colofões explicitamente datados foramInício do livro do Gênesis no Codex de Leningrado escritos no século X d.C. Todos eles se originam das comunidades judaicas no Oriente Médio.

Há evidências indiretas de algumas fontes rabínicas de que o codex já havia sido adotado para Bíblias hebraicas no século VIII d.C.

Antes disso a Bíblia Hebraica era sempre escrita em rolos (de pergaminho). Após a introdução do codex, os rolos continuaram a ser usados para escrever a Bíblia Hebraica. Cada tipo de manuscrito, porém, tinha uma função diferente.

Os rolos eram usados para leitura litúrgica pública nas sinagogas, enquanto os códices eram usados para fins de estudo e leitura não litúrgica.

O rolo era a antiga forma de manuscrito consagrada pela tradição litúrgica e era considerado inaceitável pelos massoretas mudar o costume de escrever o rolo, adicionando os vários componentes escritos da tradição massorética que eles desenvolveram, como vocalização, acentos e notas marginais. O codex não tinha tal tradição no Judaísmo e, portanto, os massoretas sentiram-se livres para introduzir nesses tipos de manuscrito os componentes massoréticos escritos recentemente desenvolvidos.

O desejo de colocar por escrito, na Idade Média, os muitos componentes da tradição massorética que haviam sido anteriormente transmitido oralmente foi sem dúvida uma das principais motivações para a adoção do codex neste período.

O codex estava disponível como formato de produção de livros desde o período romano. Começou a ser usado para a escrita de bíblias cristãs já no século II. Os primeiros códices datáveis do Alcorão existentes são anteriores aos códices datados da Bíblia Hebraica em cerca de dois séculos. O fato de o termo hebraico medieval para Bíblia, miṣḥaph, ser um empréstimo do árabe musṣḥaf sugere, de fato, que os judeus tomaram emprestado o formato dos muçulmanos.

Podemos dizer que o rolo litúrgico permaneceu o núcleo da tradição bíblica, enquanto o codex massorético foi concebido como auxiliar desta. Esta distinção de função entre rolos litúrgicos sem vocalização, acentos ou notas massoréticas, por um lado, e códices massoréticos, por outro, continuou nas comunidades judaicas até os dias atuais.

Ocasionalmente, na Idade Média, eram feitos acréscimos massoréticos aos rolos de pergaminho se eles, por algum motivo, se tornassem impróprios para uso litúrgico. O fato de as folhas de um codex terem sido escritas em ambos os lados, ao contrário dos pergaminhos bíblicos, e o seu formato prático geral significava que todos os 24 livros da Bíblia podiam ser encadernados num único volume, como é o caso do Codex de Aleppo e do Codex de Leningrado.

O formato de rolo, menos prático, significava que os livros da Bíblia tinham de ser divididos em uma série de rolos separados. Em muitos casos, porém, os códices consistiam apenas em seções da Bíblia, seguindo as três divisões principais do Pentateuco (Torá), Profetas (Neviʾim) e Escritos (Ketuvim), ou até unidades menores.

Muitos deles estão entre aqueles que deveriam ser classificados como “manuscritos populares”.

Os rolos geralmente diferiam dos códices massoréticos não apenas na falta de vocalização, acentos e notas massoréticas, mas também na adição de traços ornamentais chamados taggin (‘coroas’) às letras hebraicas shin, ʿayin, ṭet, nun, zayin, gimel e ṣade.

A tarefa de escrever códices era geralmente dividida entre dois escribas especializados. A cópia do texto consonantal era confiada a um escriba conhecido como sopher, que também escrevia rolos. A vocalização, os acentos e as notas massoréticas, por outro lado, eram geralmente acrescentados por um escriba conhecido como naqdan (vocalizador) ou por um massoreta. Isto reflete o fato de que a tradição de transmissão do texto consonantal e a tradição de transmissão dos componentes massoréticos não estavam completamente integradas.

Até agora fizemos uma distinção entre os manuscritos da Bíblia Hebraica escritos em rolos e os escritos em códices massoréticos, e também entre os primeiros códices tiberianos datáveis de antes de 1100 e códices posteriores.

 

Os vários tipos de códices

No período inicial, coincidindo ou próximo à época em que os massoretas estavam ativos, podemos distinguir entre vários tipos de códices da Bíblia Hebraica.

O tipo de codex mencionado na discussão anterior é o que pode ser chamado de codex “modelo”, que foi cuidadosamente escrito e preservou com precisão os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Tais manuscritos geralmente estavam em posse de uma comunidade, como mostram seus colofões, e eram mantidos em local público de estudo e culto para consulta e cópia (para produzir tanto códices quanto rolos). Referências a vários códices modelo e suas leituras são encontradas nas notas massoréticas, por exemplo, Codex Muggah, Codex Hilleli, Codex Zambuqi e Codex Yerushalmi. Às vezes, manuscritos escritos com precisão também contêm o texto de um targum aramaico.

Além destes modelos de códices massoréticos, existiam numerosos códices bíblicos chamados “populares”, que geralmente estavam na posse de particulares. Estes não foram escritos com tanta precisão como os códices modelo e geralmente não incluíam todos os componentes escritos da tradição massorética tiberiana. Freqüentemente, eles não contêm acentos ou notas massoréticas, mas apenas vocalização, e isso pode divergir do sistema tiberiano padrão de vocalização em vários detalhes.

Uma característica notável de alguns códices populares é que eles adaptam o texto consonantal escrito para fazê-lo corresponder mais de perto à tradição de leitura. Um caso extremo disso é representado por um corpus de manuscritos da Bíblia Hebraica que contém uma transcrição árabe da tradição de leitura. Estes foram usados por alguns judeus caraítas.

Alguns manuscritos bíblicos populares não passam de memorandos da tradição de leitura, na medida em que são escritos em uma forma taquigráfica conhecida como serugin. Nestes textos, a primeira palavra de um versículo é escrita por extenso, seguida por uma única letra de cada uma das outras palavras importantes do versículo.

Alguns manuscritos bíblicos populares eram acompanhados de um targum aramaico ou de uma tradução e comentário em árabe.

Mas nem todos os manuscritos populares foram necessariamente escritos de forma descuidada. A característica crucial de sua produção era que os escribas se sentiam menos limitados pela tradição do que pela cópia dos manuscritos modelo. Muitos deles se distinguem dos manuscritos modelo também por suas dimensões menores.

Havia, portanto, três classes de manuscritos da Bíblia Hebraica no início da Idade Média: (1) rolos de pergaminhos usados para leitura pública na liturgia; (2) modelos de códices massoréticos, cujo objetivo era preservar toda a tradição bíblica, tanto a tradição escrita como a tradição de leitura; (3) manuscritos populares que auxiliavam as pessoas na leitura do texto.

Vamos descrever aqui brevemente dois dos modelos de códices massoréticos tiberianos sobreviventes que passaram a ser considerados entre os mais importantes e foram usados ​​em edições críticas modernas, ou seja. o Codex de Aleppo (século X d.C.) e o Codex de Leningrado (datado de 1009 d.C.).

Ambos os manuscritos são originários do Oriente Médio, assim como a grande maioria dos primeiros códices. Os primeiros manuscritos orientais começaram a chamar a atenção dos estudiosos no século XIX, principalmente devido à coleção de manuscritos orientais reunida por Abraham Firkovitch (1787-1874), a maioria dos quais foram vendidos para o que hoje é a Biblioteca Nacional da Rússia em São Petersburgo.

Um avanço importante foi também a descoberta da Genizah do Cairo no final do século XIX, que continha muitos fragmentos dos primeiros manuscritos bíblicos orientais, a maioria dos quais estão agora na posse da Biblioteca da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Os primeiros códices sobreviventes escritos na Europa datam do século XII. Todos os códices medievais refletem uma tradição massorética basicamente uniforme, embora não haja dois manuscritos completamente idênticos. As diferenças às vezes são resultado de erros dos escribas e outras vezes devido a um sistema ligeiramente diferente de marcação de vocalização ou acentos.

 

O Codex de Aleppo

No cólofon deste manuscrito afirma-se que o massoreta Aharon ben Asher (século X d.C.) acrescentou a vocalização, os acentos e as notas massoréticas. Isto é confirmado pela comparação com as declarações relativas à tradição de Ben Asher no ‘Livro das diferenças’ (Kitāb al-Khilaf) de Mishaʾel ben ʿUzziʾel.Js 1,1 no Codex de Aleppo

Na verdade, acredita-se que seja o manuscrito que Maimônides examinou quando declarou que a tradição de Ben Asher era superior à de outros massoretas. Deveria ser considerada, portanto, como a edição autorizada na tradição judaica. Quando Maimônides viu o manuscrito, ele estava guardado no Egito, possivelmente na sinagoga Ben-Ezra em Fusṭāṭ, que mais tarde se tornou famosa por sua genizah [a Genizah do Cairo]. A partir do final da Idade Média, porém, foi mantido em Aleppo.

Em 1948 a sinagoga onde estava guardado em Aleppo foi incendiada e apenas cerca de três quartos do manuscrito original foram preservados. As porções sobreviventes são agora mantidas em Jerusalém, na biblioteca do Instituto Ben-Zvi.

Foi publicado em uma edição fac-símile por Goshen-Gottstein (1976). Este manuscrito forma a base de uma série de edições israelenses da Bíblia Hebraica, incluindo a Bíblia da Universidade Hebraica (Goshen-Gottstein 1975), a edição de M. Breuer (Jerusalém 1977-1982, reeditada em 1996-1998 com inclusão de novas informações sobre as divisões da parashah) e a moderna Bíblia Rabínica (Ha-Keter) editada por M. Cohen (1992–).

 

O Codex de Leningrado

O cólofon do manuscrito afirma que foi escrito em 1009 e posteriormente corrigido “de acordo com os textos mais exatos de Ben Asher”. Não foi, portanto, o trabalho original de uma autoridade massorética, ao contrário do Codex de Aleppo, que foi produzido diretamente pelo massoreta Aharon ben Asher.

O Codex de Leningrado difere ligeiramente do Codex de Aleppo em alguns pequenos detalhes. O manuscrito foi preservado em sua totalidade e contém o texto completo da Bíblia. Paul Kahle fez disso a base da terceira edição da Bíblia Hebraica (Stuttgart 1929-1937) e tem sido usado em todas as edições subsequentes. É também a base da edição da Bíblia Hebraica de A. Dotan (Tel-Aviv 1976)

 

Os sistemas babilônico, palestino e tiberiano-palestino

Na Idade Média, os manuscritos da Bíblia Hebraica também foram escritos com sistemas de vocalização e acentuação que diferiam daqueles da tradição massorética tiberiana.

Alguns desses sistemas são adaptações do sistema tiberiano, como o sistema tiberiano-palestino. Outros sistemas usam diferentes conjuntos de sinais. Estes incluem os sistemas de vocalização palestinos e babilônicos, encontrados em numerosos manuscritos da Idade Média. Não há uniformidade entre os sistemas palestino e o babilônico e é possível identificar uma série de subsistemas.

No final da Idade Média esses sistemas foram quase completamente suplantados nos manuscritos pela tradição massorética tiberiana padrão. Uma questão importante é: qual era o seu estatuto em relação à tradição tiberiana na Idade Média?

Tanto quanto pode ser estabelecido, eles exibem uma convergência com o sistema tiberiano no decurso do seu desenvolvimento. As primeiras formas dos sistemas de vocalização palestino e babilônico têm muitas características que são independentes do sistema tiberiano, mas gradualmente a tradição tiberiana exerceu sua influência e, de fato, alguns manuscritos são pouco mais do que transcrições da tradição tiberiana em sinais vocálicos babilônicos ou palestinos.

O Codex de Leningrado

O Codex de Leningrado está na Biblioteca Nacional da Rússia, em São Petersburgo.

Embora a cidade tenha mudado seu nome de Leningrado para São Petersburgo, o livro ainda é chamado de Codex de Leningrado (B 19A). É o manuscrito completo mais antigo da Bíblia Hebraica do mundo.

(…)

O Codex de Leningrado, ou L, para abreviar, pode ser datado por volta de 1008 a 1010 d.C. Como o próprio nome indica, é um livro com páginas, ou folhas, e não umO Codex de Leningrado (1008 d.C.) - Biblioteca Nacional da Rússia, São Petersburgo pergaminho. Já no primeiro século d. C. os estudiosos cristãos começaram a transmitir suas obras sagradas em Codex, em vez de pergaminhos, e no século terceiro o Codex era o padrão. No mundo judaico, contudo, o Codex só foi adotado por volta do século sétimo.

(…)

O Codex de Leningrado possui dois colofões. De uma palavra grega κολοφών que significa “cume”, “topo”, “final”, cólofon é uma inscrição que contém o título, o nome do escriba ou impressor e a data e local da composição [ou seja, o cólofon trazia as informações agora fornecidas na página de rosto de uma publicação]. O Codex de Leningrado tem um cólofon no início e outro no final (fólio [ou folha] 1a e fólio 491b).

L também é a mais antiga Bíblia Hebraica completa com sinais indicando vogais. O hebraico geralmente é escrito apenas com consoantes. Infelizmente, isto frequentemente deixa espaço para ambiguidade e incerteza; muitas vezes são possíveis várias vogais diferentes e, portanto, várias leituras alternativas.

Para remediar esta situação, vários sistemas de sinais vocálicos subscritos e sobrescritos foram criados por diferentes escolas na Palestina por volta do século X. O sistema mais conhecido, e o que prevaleceu, foi concebido em Tiberíades pelos massoretas, ou escribas, associados à família Ben Asher. Esses escribas também anotavam seus textos com notas marginais – na parte superior, inferior e nas laterais da página. As notas de L são quase tão importantes quanto o seu texto.

O texto preparado por esses massoretas é conhecido como Texto Massorético. Permanece até hoje o texto padrão da Bíblia Hebraica.

O escriba que escreveu o Codex de Leningrado identificou-se nos dois colofões e no centro de uma estrela em uma das requintadas páginas decoradas do manuscrito (fólio 474a). Ele é Shemu’el ben Ya’aqov, ou Samuel, filho de Jacó.

No primeiro cólofon, o escriba nos conta que o manuscrito foi escrito no Cairo (medinat misrayim, que significa capital do Egito). O homem que encomendou o manuscrito também é identificado — quatro vezes, na verdade — como Mevorak ha-Kohen ben-Netan’el. Mevorak significa o Abençoado. Ele é sacerdote (ou descendente de um – o nome judaico “Kohen” denota uma família sacerdotal), filho de Natanael.

A data do manuscrito é dada de cinco maneiras diferentes: 4.770 anos desde a criação do mundo, 1.444 anos desde o exílio do rei Joaquim (586 a.C.), 1.319 anos desde o “domínio grego” (a era selêucida, começando em 309 a.C.), 940 anos desde a destruição romana do Segundo Templo (70 d.C.) e 399 anos desde a Hégira (a fuga de Maomé de Meca para Medina para escapar da perseguição em 622 d.C.).

Quando convertemos estas datas para o nosso calendário, surgem datas ligeiramente diferentes: de 1008 a 1010.

Uma nota no final do primeiro cólofon nos diz que o manuscrito foi comprado em 1489 pelo chefe de uma yeshiva, ou academia rabínica (não sabemos nada sobre o manuscrito entre 1010 e 1489). São fornecidos o nome do comprador e o nome da yeshiva. Três meses após esta compra, foi doado à sinagoga caraíta de Damasco, como aprendemos em outra nota do primeiro cólofon. Como o nome do comprador é o mesmo do doador – é traduzido tanto em judaico-árabe (Ishaq ibn Musa) quanto em hebraico (Yishaq ben-Moshe ben-Eliyahu ben-Alula) – o Codex provavelmente chegou a Damasco pelo época em que foi comprado em 1489.

Assim como nada sabemos sobre as peregrinações do manuscrito de 1010 a 1489, nada sabemos sobre ele depois disso, até que foi adquirido em meados do século XIX por um dos grandes heróis-bandidos da história dos manuscritos: Abraham Firkovich.

Firkovich era caraíta, e isso é importante para a nossa história. Os caraítas aparentemente se originaram na Babilônia e romperam com o judaísmo rabínico por volta de 760 d.C. A principal diferença doutrinária entre os rabanitas e os caraítas era que estes últimos rejeitavam a chamada Lei Oral incorporada no Talmud, sustentando que somente a Bíblia deveria ser seu guia.

Como tantas vezes acontece com os irmãos, a hostilidade entre os caraítas e os rabanitas era muitas vezes intensa. No entanto, até ao final do século XVIII, ambos se consideravam judeus e consideravam até as suas polêmicas mais destemperadas como assuntos judaicos internos.

Codex de Leningrado - Início do livro do GênesisEm 1795, porém, a Rússia conquistou a Crimeia, que abrigava uma grande comunidade caraíta. Os russos logo aliviaram os caraítas do duplo imposto cobrado dos judeus. Os caraítas também foram autorizados a adquirir terras, ao contrário dos judeus não-caraítas. Em 1827, os caraítas foram isentos do temido recrutamento militar, novamente ao contrário dos judeus. Para melhorar ainda mais a sua situação política, os caraítas começaram a impressionar o governo com as suas diferenças fundamentais em relação aos judeus, isto é, aos rabanitas.

Finalmente, em 1840, os caraítas foram colocados em pé de igualdade legal com os muçulmanos, um avanço significativo. Nessa época, os caraítas eram ricos proprietários de terras; seus primos de classe baixa, os judeus rabanitas, eram em grande parte vendedores ambulantes e artesãos.

É neste contexto histórico que devemos compreender Abraham Firkovich. Ele nasceu em 1786 em Lutsk (Luck), Polônia, centro das comunidades caraítas na Lituânia. Embora tenha escrito uma autobiografia, sabemos muito pouco sobre seus primeiros anos – principalmente que ele era o hazzan, ou cantor, em uma sinagoga caraíta em Lutsk.

Ele viajou durante vários anos pelas regiões do sudoeste da Rússia, zeloso em seu esforço para descobrir as origens dos caraítas. Ele estava determinado a provar que eles descendiam de um grupo antigo de judaítas que migraram para a Crimeia após o exílio babilônico (século VI a.C.) – e, portanto, muito antes da Era Comum e muito antes do advento do Judaísmo Rabínico. Se isto fosse verdade, teria fornecido a base para melhorias ainda maiores no status dos caraítas.

Em fevereiro de 1839, Firkovich escreveu uma carta ao seu patrono, Simhah Bobowich, o chefe hakham (homem sábio) dos caraítas russos, na qual reconhecia que os caraítas se separaram dos rabanitas por volta de 640 d.C .(esta data é um pouco anterior). “Assim”, escreveu ele, “teríamos sido participantes do assassinato de Jesus, o que não é bom para nós”.

Firkovich esperava provar que os caraítas estavam na Crimeia muito antes dos judeus, mesmo antes da época de Jesus, extraindo evidências de manuscritos antigos, que ele começou a coletar no início de sua vida. (Ironicamente, recentes descobertas arqueológicas indicam que os judeus podem ter vivido na Crimeia pelo menos já no primeiro século d.C.)

Em 1822 ele fez sua primeira viagem a Jerusalém para coletar manuscritos. Em 1830 fez uma segunda viagem à Palestina, desta vez acompanhado por Bobowich. De 1831 a 1832, Firkovich viveu em Istambul, mas logo retornou à Crimeia para servir a comunidade caraíta em Eupatória, que foi a maior comunidade caraíta da Rússia durante o século 19 e a residência do principal hakham caraíta da Rússia.

Então, em 1839, Firkovich viajou em busca de novas aquisições, desta vez encomendadas pelo governador-geral da Crimeia. Ele até realizou algumas escavações arqueológicas nas montanhas do Cáucaso, bem como na Crimeia, em busca dos primeiros caraítas. Ele encontrou algumas lápides caraítas, mas evidentemente falsificou datas para provar seu caso. Na carta a Bobowich citada anteriormente, ele mencionou quão benéfico seria tal descoberta: “Se, no entanto, pudéssemos encontrar uma pedra [túmulo] do ano 4300 [após a criação], então os cristãos nos dariam muita honra e louvor.”

Não há dúvida de que Firkovich era um especialista em reconhecer e avaliar manuscritos antigos e que possuía uma vasta coleção.

Em 1859, ele se ofereceu para vender o que ficou conhecido como a Primeira Coleção de Manuscritos Firkovich à Biblioteca Imperial de São Petersburgo por 25.000 rublos de prata. Esta oferta foi finalmente aceita, com a condição de que a coleção fosse aumentada por alguns manuscritos que Firkovich havia doado anteriormente à Sociedade de História e Antiguidades de Odessa. Em 1862, esta estipulação foi acordada. Aparentemente, o Codex de Leningrado fazia parte da coleção da Sociedade de Odessa.

Firkovich fez outra viagem mais extensa ao Oriente Médio, de 1863 a 1865, onde reuniu uma coleção ainda maior de manuscritos.

Ele passou os últimos anos de sua vida em Chufut-Kale, na Crimeia, e morreu lá aos 87 anos, em 7 de junho de 1874. Durante esses anos, Firkovich viveu em uma casa magnífica e era conhecido como líder caraíta e empresário de sucesso. Ele até mandou fazer seu retrato: um homem próspero e patriarcal, envolto em uma capa cara e ostentando uma barba branca esvoaçante, senta-se severamente ereto; o cajado que ele carrega pode lembrar o bíblico Abraão, homônimo de Firkovich, o pastor-guardião de seu rebanho.

Mas esse grande velho também era um pouco canalha. Vários estudiosos questionaram a autenticidade de alguns itens de sua coleção. Alguns manuscritos sãoJames A. Sanders (1927-2020) falsificações e outros contêm emendas e interpolações forjadas – parte do esforço de Firkovich para estabelecer o assentamento precoce dos caraítas na Crimeia. Felizmente, as falsificações constituem uma parte pequena e identificável da gigantesca coleção. Aparentemente, ele também mudou as datas de algumas lápides que supostamente provavam a antiguidade dos caraítas na Crimeia; infelizmente, ninguém sabe onde estão essas lápides hoje. Ainda assim, apesar dos seus esforços para estabelecer uma data antiga para os registos – ou, como disse um eminente estudioso, para os “karaizar” – não há qualquer contestação quanto ao fato de ele ter conseguido adquirir a maior coleção de manuscritos hebraicos jamais reunida até esse ponto.

Desde 1988 os estudiosos ocidentais têm tido acesso contínuo e cooperativo à Biblioteca Nacional Russa em São Petersburgo, antiga Biblioteca Pública Estadual Saltykov-Shchedrin e antes disso conhecida simplesmente como Biblioteca Imperial. Uma equipe de Israel, liderada pelo professor Malachi Beit-Arie, professor de codicologia e paleografia na Universidade Hebraica de Jerusalém, está microfilmando praticamente toda a coleção, aparentemente a maior do mundo. Existem mais de 15.000 manuscritos hebraicos somente nas coleções de Firkovich, que são estimados em cerca de 600.000 fólios (1.200.000 páginas). Beit-Arie prevê que serão necessárias gerações para que tal coleção seja avaliada de forma abrangente.

“Na minha opinião”, escreve Beit-Arie, “as coleções de Firkovich contêm muitas centenas de manuscritos ou restos consideráveis ​de Codex (principalmente bíblicos) produzidos nos séculos X e XI. Para compreender plenamente o extraordinário significado desta quantidade, é preciso compará-la com os provavelmente não mais de 30 manuscritos hebraicos daquele período, mantidos em todas as bibliotecas do mundo!”

Firkovich classificou o Codex de Leningrado como a mais importante de suas aquisições, um elogio nada pequeno considerando a extensão e a qualidade de suas coleções. No entanto, nem na sua autobiografia, Livro das Pedras Memoriais (Sefer Avnei Zikkaron), nem nas suas cartas existentes ele nos diz onde, quando ou sob que circunstâncias adquiriu o Codex de Leningrado; ele nem sequer discute este Codex. Ele o trouxe para a Sociedade de História e Antiguidades de Odessa, entretanto. Talvez tenha sido por isso que a Biblioteca Imperial de São Petersburgo insistiu que as doações de Firkovich à Sociedade de Odessa fossem incluídas na compra da Primeira Coleção de Firkovich.

Uma questão intrigante permanece: como o Codex de Leningrado foi escrito no Cairo? Embora esta parte da história do Codex seja tão incerta quanto o seu paradeiro depois de ter sido copiado em 1010, e novamente depois de ter sido comprado e doado à sinagoga de Damasco em 1489, há indícios intrigantes. Se estivermos certos, poderemos até aprender algo sobre os Manuscritos do Mar Morto.

Por volta de 800 d.C. alguns manuscritos hebraicos foram descobertos perto de Jericó. De acordo com uma carta escrita por Timóteo I (726-819 d.C.), o patriarca nestoriano de Selecia, ao arcebispo de Elam, um cão caçador árabe perseguiu um animal até uma gruta perto do Mar Morto. Quando o caçador foi procurar seu cachorro, encontrou “uma gruta na rocha e nela muitos livros”. O caçador levou então o seu saque para Jerusalém, onde pelo menos alguns dos manuscritos foram identificados como livros da Bíblia escritos em hebraico.

Com toda a probabilidade, estes manuscritos vieram do mesmo conjunto de grutas em que os Manuscritos do Mar Morto foram encontrados em circunstâncias semelhantes em 1947 e durante a década seguinte.

No século IX Jerusalém tornou-se o centro espiritual dos caraítas, e vários estudiosos caraítas se estabeleceram lá. Na verdade, os caraítas daquela época eram muito mais influentes em questões espirituais do que os rabanitas de Jerusalém. Os estudiosos caraítas estavam interessados ​em olhar além dos ensinamentos orais das autoridades rabínicas codificados na Mishná e desenvolvidos no Talmud; eles esperavam encontrar o próprio texto bíblico original. Assim, estudaram avidamente antigos manuscritos bíblicos e devem ter ficado intensamente entusiasmados com os textos mencionados por Timóteo I.

À medida que o caraísmo se espalhou, os seus adeptos foram encontrados não apenas em Jerusalém e Constantinopla, mas também, em grande número, no Egito. Lá eles rastrearam seus ancestrais até o remanescente de judeus que fugiram para o Egito com o profeta Jeremias após a destruição de Judá pela Babilônia em 586 a.C. ( Jeremias 43, 4-7 ). A maioria dos manuscritos caraítas nas bibliotecas de Paris e São Petersburgo vem do Egito. No Cairo, os caraítas residiam perto do Nilo, perto de Fostat (Antigo Cairo).

Tendo estabelecido uma ligação entre os manuscritos hebraicos bíblicos encontrados em cavernas perto de Jericó por volta de 800 d.C. e os caraítas no Egito (através dos caraítas de Jerusalém que teriam examinado os textos antigos), vamos ver se conseguimos estreitar o vínculo.

Há uma sinagoga no Cairo Antigo, conhecida como Sinagoga Ben Ezra, que é famosa por sua célebre genizah, um depósito para documentos sagrados desgastados. Por alguma razão, na Sinagoga Ben Ezra, todos os tipos de documentos, não apenas documentos sagrados, foram jogados no que ficou conhecido como Genizah do Cairo; estes documentos aí permaneceram durante séculos, até à sua descoberta no final do século XIX. Na verdade, algumas das primeiras compras de Firkovich provavelmente vieram do Genizah do Cairo.

Em 1897, um estudioso da Universidade de Cambridge chamado Solomon Schechter encontrou dois documentos estranhos no Genizah do Cairo que publicou em 1910 sob o título “Fragmentos de uma Obra Sadoquita”. Eles tinham afinidades com documentos caraítas, e muitos sugeriram que os fragmentos de Schechter eram de fato caraítas. Schechter, no entanto, acreditava que eram cópias de uma obra muito mais antiga composta antes da destruição romana de Jerusalém em 70 d.C. Ele observou, por exemplo, que o hebraico dos fragmentos, ao contrário do hebraico usado pelos rabinos depois de 70 d.C., se assemelha muito ao hebraico dos livros mais recentes da Bíblia.

A conjectura de Schechter mostrou-se espantosamente correta quando diversas cópias da mesma obra surgiram entre os Manuscritos do Mar Morto.

Mas como é que esta obra, agora conhecida como Documento de Damasco, foi de Qumran, onde os Manuscritos do Mar Morto estavam escondidos, até a Genizah do Cairo? Provavelmente estava entre os documentos encontrados por volta de 800 d.C. e levados para Jerusalém. Lá teria sido estudado por estudiosos caraítas, que certamente teriam admirado o sacerdócio sadoquita, especialmente sua rejeição ao sacerdócio de Jerusalém, e os regulamentos estritos do Documento de Damasco relativos à comunidade da Nova Aliança, muito semelhantes à rejeição caraíta da doutrina do judaísmo rabínico. O documento foi, sem dúvida, copiado repetidas vezes pelos caraítas, e duas cópias finalmente chegaram à Genizah do Cairo, para serem descobertas em 1897.

Esta suposição é apoiada por outra estranha conexão manuscrita. O interesse de Schechter na Genizah do Cairo foi desencadeado por algumas folhas de uma cópia hebraica do Livro do Eclesiástico (Sirácida) que veio da Genizah do Cairo. Antes dessa época, apenas cópias gregas do Sirácida haviam sido encontradas, e era incerto se o original estava escrito em hebraico ou em grego (resposta: hebraico). Fragmentos hebraicos do Sirácida também foram posteriormente encontrados entre os Manuscritos do Mar Morto. Aparentemente, uma cópia hebraica do Sirácida estava entre as descobertas de cerca de 800 d.C., e cópias delas chegaram à Genizah do Cairo.

Astrid B. Beck (1943-)Portanto, uma trilha caraíta da Palestina ao Cairo não é tão difícil de imaginar. Como isso nos ajuda a explicar por que o Codex de Leningrado foi encomendado e escrito no Cairo?

Assim como o Documento de Damasco e o Sirácida hebraico chegaram de Jerusalém ao Egito como resultado do interesse acadêmico caraíta, o mesmo aconteceu, muito provavelmente, com cópias da recensão rabínica da Bíblia Hebraica criada no século X em Tiberíades, no sudoeste do país, costa do Mar da Galileia.

Como já observamos, no século X, os escribas conhecidos como massoretas acrescentaram vogais e acentos ao texto consonantal hebraico, padronizando-o e comentando seu trabalho em notas marginais. Obviamente isto foi de grande importância para os caraítas.

Cópias deste novo texto sem dúvida circularam rapidamente e algumas foram levadas para o Cairo para servir às necessidades da comunidade caraíta local. Lá, Shemu’el ben Ya’aqov provavelmente fez uma cópia de um dos manuscritos autorizados preparados pelo próprio Aarão ben Moisés ben Asher em Tiberíades. Eventualmente, como vimos, esta cópia chegou a Damasco. Firkovich o adquiriu em uma de suas viagens mais distantes, talvez até em Damasco.

Existe apenas um outro manuscrito ao qual o Codex de Leningrado pode ser comparado: o Codex de Aleppo. Tanto o Codex de Aleppo como o Codex de Leningrado preservam o texto da escola de massoretas de Ben Asher. O Codex de Aleppo, no entanto, é ainda mais antigo, datando de cerca de 935 d.C. De 1478 a 1947, esteve instalado na Sinagoga Mustaribah, em Aleppo – daí o seu nome. Há uma tradição de que Maimônides, o grande filósofo judeu e estudioso da Bíblia do século XII, viu o Codex de Aleppo, pois se refere a ele como o codex autorizado para o estudo textual.

Em 2 de dezembro de 1947, quatro dias depois de as Nações Unidas aprovarem uma resolução para dividir a Palestina, criando assim o Estado de Israel, multidões árabes em Aleppo (e em outros lugares da Síria) iniciaram um ataque violento contra judeus sírios e suas propriedades. Entre os alvos estava a Sinagoga Mustaribah, um marco desde o século IV. Miraculosamente, porém, 294 das 380 folhas do Codex de Aleppo foram recuperadas. Na sequência elas foram transferidas para Israel e agora são propriedade da Fundação Yitzchak Ben-Zvi em Jerusalém.

Mas mesmo antes do desastre de 1947, o Codex de Aleppo era em grande parte inacessível aos estudiosos.

Na década de 1920 o grande crítico textual alemão Paul Kahle quis usar o Codex de Aleppo como texto base para a terceira edição da Bíblia Hebraica (BH).

BH é a edição crítica da Bíblia Hebraica usada por estudiosos de todo o mundo desde que a primeira edição foi publicada em 1905. É também a base textual a partir da qual foram feitas a maioria das traduções, para qualquer orientação religiosa. As duas primeiras edições usaram o texto tradicional da Bíblia rabínica, impressa na Itália no início do século XVI. Desde então, tornou-se claro que tanto o Codex de Aleppo como o Codex de Leningrado são testemunhas superiores.

Kahle sabia que o Codex de Aleppo era mais antigo e provavelmente ainda mais autêntico que o Codex de Leningrado. Infelizmente, porém, ele não conseguiu persuadir os funcionários da sinagoga em Aleppo nem sequer a permitir-lhe estudá-lo na sinagoga, muito menos emprestá-lo ou fotografá-lo.

Por outro lado, em 1926 Kahle foi autorizado a levar o Codex de Leningrado para Leipzig. Lá, seu aluno, Gottfried Quell, preparou copiosas notas para Rudolf Kittel — o ilustre editor das duas primeiras edições de BH — que então preparava uma terceira edição.

Assim, o Codex de Leningrado tornou-se o texto base da terceira edição de BH (1937), chamada pelos estudiosos de BHK (Biblia Hebraica Kittel).

O Codex de Leningrado é também o texto base da quarta edição da BH (1976/7), conhecida como BHS, Biblia Hebraica Stuttgartensia. Esse é o texto agora usado em todo o mundo para estudo acadêmico e tradução.

A quinta edição da BH, referida como BHQ (Biblia Hebraica Quinta), que está atualmente sendo preparada por uma equipe internacional de estudiosos, também usa como base o Codex de Leningrado. Sua publicação começou em 2004.

Embora o Codex de Leningrado tenha sido fotografado e microfilmado, a maioria das fotografias e filmes originais desapareceram e as cópias restantes são menos que satisfatórias. Até mesmo algumas consoantes hebraicas não são claras nessas cópias, e as minúsculas notas marginais são em sua maioria ilegíveis. Claramente, um novo conjunto de fotografias era necessário.

Após negociações cuidadosas e politicamente sensíveis, a equipe da Ancient Biblical Manuscript Center (ABMC), de Claremont, Califórnia, recebeu permissão para viajar em maio/junho de 1990 para Leningrado (agora São Petersburgo novamente) para fazer o tedioso trabalho de filmar todas as 982 páginas do Codex de Leningrado, incluindo notas finais e páginas com gravuras, em filme colorido e preto e branco. Cópias das novas fotografias foram fornecidas aos estudiosos que preparam a quinta edição da Bíblia Hebraica. Uma edição fac-símile do Codex de Leningrado foi publicada em 1998.

Com as novas fotografias do Codex de Leningrado, a BHQ incluirá, pela primeira vez, todas as notas marginais (masorot) da Bíblia Hebraica completa mais antiga do mundo.

Compreender o valor desses masorot requer um pouco de compreensão de alguma história acadêmica.

As notas massoréticas preservam as primeiras tradições orais sobre como o texto escrito deve ser lido. Até recentemente, estas notas eram consideradas secundárias em relação ao próprio texto consonantal. Este princípio remonta pelo menos até Martinho Lutero. No início do século 16, Lutero foi confrontado com discrepâncias nos vários textos da Bíblia Hebraica que estavam disponíveis para ele. Ele era extremamente cético em relação ao que considerava inovações massoréticas adicionadas às consoantes do texto hebraico. Os estudos modernos do Antigo Testamento têm seguido essa visão desde então – até o período pós-moderno, que começa em meados do século XX.

Agora o paradigma da crítica textual mudou, como pode ser visto claramente na BHQ, Vemos agora a tradição de leitura – isto é, a contribuição dos massoretas – tão autêntica quanto as letras (consoantes).

Assim, as novas fotografias do Codex de Leningrado, tal como publicadas na edição fac-símile e incorporadas na quinta edição da Bíblia Hebraica , estão, pela primeira vez, disponibilizando todas as riquezas da tradição incorporadas neste famoso manuscrito a todos os que se dedicam aos estudos bíblicos.

Fonte: James A. Sanders, Astrid Beck, The Leningrad Codex: Rediscovering the oldest complete Hebrew Bible. Bible Review, Volume 13, Number 4, August 1997.

O texto original do artigo, em inglês, pode ser baixado clicando aqui.

Sobre os autores: James A. Sanders (1927-2020) e Astrid B. Beck (1943-).

Veja imagens do Codex de Leningrado clicando aqui e aqui.

O estudo dos fragmentos de manuscritos da Bíblia Hebraica

O estudo da Bíblia, como de qualquer outro texto antigo, baseia-se em manuscritos que registram várias etapas de sua transmissão textual.

Quando os fundadores da abordagem crítica do texto bíblico hebraico – Benjamin Kennicott (1718-1783) em Oxford e Giovanni Bernardo de Rossi (1742-1831) na Itália – reuniram suas respectivas comparações de manuscritos, as mais antigas testemunhas do texto que eles possuíam eram do século XII d.C.

Desde as publicações deles no final do século XVIII, o estudo da Bíblia Hebraica beneficiou-se felizmente da descoberta de manuscritos importantes até entãoATTIA, E.; PERROT, A. (eds.) The Hebrew Bible Manuscripts: A Millennium. Leiden: Brill, 2022 desconhecidos.

A primeira grande descoberta foi A Genizah do Cairo, termo que abrange cerca de 300 mil fragmentos de uma variedade de escritos literários e documentais, mantidos hoje em setenta e duas coleções diferentes em todo o mundo, que foram recuperados por estudiosos, viajantes e antiquários da genizah da sinagoga Ben Ezra em Fustat, de outras sinagogas e do cemitério judaico de Basâtîn no Cairo Antigo.

A partir de 1947, os altamente fragmentados Manuscritos do Mar Morto foram descobertos em cavernas em wadis e nos penhascos do lado ocidental do Mar Morto e do deserto da Judeia, bem como nas antigas fortalezas de Masada e Hircânia.

Finalmente, nos últimos trinta anos, uma busca sistemática em bibliotecas e arquivos recuperou milhares de manuscritos hebraicos reciclados como matéria-prima nas encadernações de outros livros e arquivos notariais; estas descobertas são referidas como “Genizah Europeia” ou, como diremos neste artigo, como Livros dentro de Livros.

Uma grande proporção de cada corpus contém textos bíblicos e relacionados à Bíblia (traduções, antologias e textos litúrgicos compostos de trechos bíblicos, reescritas, glossários etc.) que mapeiam grandes áreas de sua história: os primeiros manuscritos judeus conhecidos do século IV a.C. ao século II d. C na Judeia / Palestina para os Manuscritos do Mar Morto, os primeiros manuscritos medievais conhecidos, principalmente das comunidades orientais e norte-africanas na Genizah do Cairo, e a variedade de Bíblias medievais posteriores no corpus “Livros dentro de Livros”.

Cada um destes grandes corpora tem as suas características distintivas e coloca desafios científicos específicos: as versões, por vezes muito diferentes, do texto representado nos Manuscritos do Mar Morto, que mudaram radicalmente a nossa avaliação da história redacional versus história de transmissão de alguns livros bíblicos, a história do cânon, a fluidez do texto e as principais famílias de textos medievais (Massorética, LXX, Samaritana); as duas grandes revoluções na produção de livros judaicos que ocorreram no início do período medieval: a adoção do formato de códice para manuscritos bíblicos e a introdução de sinais gráficos para registrar a pronúncia da Bíblia e seu aparato escriba e textual (Massorá).

Os três corpora, no entanto, partilham uma característica comum: são todos compostos por fragmentos e este estado de conservação necessita de um conjunto de métodos de análise diferentes daqueles utilizados para descrever e estudar unidades codicológicas mais completas.

Em particular, os principais desafios em todos os casos são a reconstrução das unidades maiores – sejam pergaminhos ou folhas de códice, cadernos, livros ou partes de livros – a partir de peças dispersas para decifrar a sua escrita (que é muitas vezes ilegível), identificar os seus conteúdos textuais (que quase nunca contêm título ou mesmo cabeçalho ou incipit identificável de seção), identificar os escribas, caracterizar o registro da escrita e possível Sitz im Leben e, por fim, propor uma data e, no caso da Genizah do Cairo e “Livros dentro de livros”, área geográfica onde o manuscrito foi copiado (informação que quase nunca aparece nos próprios fragmentos porque os colofões finais raramente são preservados).

Apesar da semelhança dos desafios, os estudiosos que trabalham em Qumran e os que trabalham em fragmentos medievais raramente se encontram. Essa falta de diálogo é causada pela história das disciplinas, cada uma delas seguindo um caminho independente devido à complexidade e massa de material. Cada lote exigiu seus próprios métodos e conhecimento contextual necessário para compreender os resultados.

O presente encontro visa fortalecer o diálogo entre os dois grupos no que diz respeito aos manuscritos bíblicos. Em vez de discutir questões gerais de história e afinidades religiosas, concentrar-nos-emos nos estudos de manuscritos e nas suas diferentes aplicações em Qumran e na investigação medieval.

Neste artigo introdutório, gostaríamos de propor uma breve visão geral das questões e métodos utilizados no estudo dos respectivos corpora fragmentários, a fim de avaliar o seu possível uso através das fronteiras disciplinares das tradições acadêmicas dos qumranólogos versus as tradições acadêmicas dos medievalistas. Tomaremos como ponto de encontro a metodologia do estudo da materialidade dos manuscritos e não a contribuição dos fragmentos para o estudo do texto.

Alguns dados apresentados pelos autores na p. 377:

1. Número total de fragmentos nos 3 corpora:
Manuscritos de Qumran: entre 15 e 20 mil fragmentos de cerca de 1.000 manuscritos
Manuscritos do Mar Morto além de Qumran: fragmentos de cerca de 1000 manuscritos
Genizah do Cairo: cerca de 300.000 fragmentos pertencentes a 30-40 mil unidades originaisJudith Olszowy-Schlanger (1967-), França
Livros dentro de Livros: cerca de 15.000 fragmentos já identificados na Europa, Israel e EUA

2. Número de manuscritos com textos bíblicos:
Manuscritos de Qumran: de 170 a 200
Manuscritos do Mar Morto além de Qumran: cerca de 30
Genizah do Cairo: cerca de 50 mil
Livros dentro de Livros: cerca de 4 mil

Fonte: OLSZOWY-SCHLANGER, J.; BEN EZRA, D. S. Qumran, the Dead Sea Scrolls, Cairo Genizah, and Books within Books: Towards a Comparative Study of the Manuscript Fragments of the Hebrew Bible. In: ATTIA, E.; PERROT, A. (eds.) The Hebrew Bible Manuscripts: A Millennium. Leiden: Brill, 2022, p. 374-376.

* As 5 notas de rodapé deste início de capítulo foram omitidas.

Judith Olszowy-Schlanger is professor of Hebrew and Judaeo-Arabic Palaeography and Manuscript Studies at the Ecole Pratique des Hautes Etude, PSL, Paris, President of the Oxford Centre for Hebrew and Jewish Studies and Professorial fellow of Corpus Christi College, Oxford University.

Daniel Stökl Ben Ezra is Professor of Ancient Hebrew and Aramaic at the EPHE, PSL-University in Paris. He works on Dead Sea Scrolls, Early Rabbinic literature, Jewish-Christian relations and Computational and Digital Humanities.

 

The study of the Bible, like any other ancient text, is based on manuscripts recording various stages of its textual transmission.

When the founders of the critical approach to the Hebrew biblical text—Benjamin Kennicott (1718–1783) in Oxford1 and Giovanni Bernardo de Rossi (1742–1831) in Italy—put together their respective collations of manuscripts, the most ancient witnesses of the text they possessed dated from not earlier than the twelfth century ce. Since their work in the late eighteenth century the study of the Hebrew Bible has fortunately benefitted from the discovery of major hitherto unknown manuscript
sources.

The first major discovery was the “Cairo Genizah,” the term which covers some 300,000 fragments of a variety of literary and documentary writings, kept today in seventy-two different collections across the world, which were recovered by scholars, travelers, and antique dealers from the Genizah of the Ben Ezra synagogue in Fustat, from other synagogues, and from the Jewish cemetery of Basâtîn in Old Cairo.

From 1947 the highly fragmentary Dead Sea Scrolls were discovered in caves in wadis and the cliffs on the Western side of the Dead Sea and the Judean Desert, as well as in the former fortresses Masada and Hyrkania.

Finally, in the past thirty years a systematic search in libraries and archives has recovered thousands of Hebrew manuscripts recycled as raw material in the bindings of other books and notarial files; these findings are referred to as the “European Genizah” or, as we will do in this paper, as “Books within Books” (the title of an international project and a website containing a catalogue of the fragments).

Daniel Stökl Ben Ezra (1970-), AlemanhaA large proportion of each corpus contains Bible and Bible-related texts (translations, anthologies, and liturgical texts composed of biblical excerpts, rewritings, glossaries, etc.) which chart large areas of its history: the earliest known Judean manuscripts from the fourth century bce to the second century ce in Judea/Palestine for the Dead Sea Scrolls, the earliest known medieval manuscripts mostly from the Oriental and North African communities in the Cairo Genizah, and the variety of later medieval Bibles in the “Books within Books” corpus.

Each of these major corpora has its distinctive characteristics and poses specific scientific challenges: the sometimes vastly different versions of the text represented in the Dead Sea Scrolls which have radically changed our evaluation of the redactional versus transmission history of some biblical books, the history of the canon, the fluidity of the text, and the major medieval text families (Masoretic, lxx, Samaritan); the two major revolutions in Jewish book making which occurred in the early medieval period: the adoption of the codex format for biblical manuscripts and the introduction of graphic signs to record the pronunciation of the Bible and its scribal and textual apparatus (Masorah).

The three corpora, however, share one main feature: they are all composed of fragments and this state of conservation necessitates an array of methods of analysis which differ from those used to describe and study more complete codicological units.

In particular, the main challenges in all cases are a reconstruction of the larger units—be it scrolls, sheets or codex leaves, quires, books or parts of books—from scattered pieces to decipher their writing (which is often illegible), identify their textual contents (which almost never contain a title or even an identifiable heading or incipit of a section), identify the scribal hands, characterize the script register and possible Sitz im Leben, and, finally, propose a date and, in the case of the Cairo Genizah and “Books within Books,” a geographical area where the manuscript was copied (information which almost never appears in the fragments themselves because the final colophons are only rarely preserved).

Despite the similarity of challenges, scholars working on Qumran and those working on medieval fragments rarely meet. This lack of dialogue is caused by the history of the disciplines, each of which followed an independent path due to the complexity and mass of material. Each lot required its own methods and contextual knowledge necessary to understand the findings.

The present meeting aims to strengthen the dialogue between the two circles with regard to biblical manuscripts. Rather than discussing general questions of history and religious affinities, we will focus on manuscript studies and their different applications in Qumran and medieval research.

In this introductory paper we would like to propose a brief overview of the issues and methods used in the study of the respective fragmentary corpora in order to assess their possible use across the disciplinary boundaries of Qumranologists’ versus medievalists’ scholarly traditions. We will take as a meeting point the methodology of the study of the manuscripts’ materiality rather than the fragments’ contribution to the study of the text.

O Codex Amiatinus

O Codex Amiatinus é considerado o manuscrito mais bem preservado da versão latina da Bíblia feita por Jerônimo, conhecida como Vulgata.

Foi produzido por volta de 700 no nordeste da Inglaterra, no mosteiro de Wearmouth-Jarrow, no Reino da Nortúmbria, e levado para a Itália como um presente para oCodex Amiatinus - Biblioteca Medicea Laurenziana, Firenze, Italia Papa Gregório II em 716.

O Codex Amiatinus é uma das três bíblias em um só volume então feitas em Wearmouth–Jarrow e a única que sobreviveu integralmente.

Tem o nome do local onde foi encontrado nos tempos modernos, monte Amiata, na Toscana, Itália, na Abadia de San Salvatore. Desde 1786 é mantido em Firenze na Biblioteca Medicea Laurenziana.

É considerado como o manuscrito que fornece a representação sobrevivente mais confiável do texto da Vulgata de Jerônimo para os livros do Novo Testamento e a maior parte do Antigo Testamento.

Veja imagens do Codex Amiatinus.

Recomendo algumas leituras para quem quiser conhecer melhor o Codex Amiatinus:

ARREGUI, M. O. El “Codex Amiatinus”: El manuscrito más antiguo de la Vulgata. ArtyHum, 49, 2018, p. 35-51. Disponível, em espanhol, em Academia.edu.

CASTALDI, L. Il Codex Amiatinus. The City and The Book, Florence, 2001. Disponível em italiano e inglês.

DE HAMEL, C. Manuscritos notáveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, 680 p. Capítulo 2: O Codex Amiatinus. Leia um resumo do capítulo clicando aqui.

DHWTY El Códice Amiatino: Se utilizaron las pieles de 500 terneros para crear esta Biblia medieval. Post publicado em Ancient Origins, em 29 de dezembro de 2023.

HOUGHTON, H. A. G. The Latin New Testament: A Guide to its Early History, Texts, and Manuscripts. Oxford: Oxford University Press, 2016, 304 p. Disponível para download gratuito em pdf. Página do Codex Amiatinus - Evangelho de Marcos, capítulo 1

HOUGHTON. H. A. G. (ed.) The Oxford Handbook of the Latin Bible. Oxford, Oxford University Press, 2023, 536 p.

MARSDEN, R.; MATTER, E. A. (eds.) The New Cambridge History of the Bible. Vol. 2: From 600 to 1450. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, 1068 p. Capítulo 4: The Latin Bible, c. 600 to c. 900.

MEYVAERT, P. Bede, Cassiodorus, and the Codex Amiatinus. Speculum 71, 1996, p. 827-883.

PEARSE, R. Searching for the Vulgate: one genuine text and two “fakes”. Post publicado em Roger Pearse, em 27 de janeiro de 2020.

STOPPACCI, P. La lunga storia del Codex Amiatinus, s/d. Disponível, em italiano, em Academia.edu.

Uma parábola, dois filhos, três leituras: Mt 21,28-32

De repente, meus alunos encontraram duas versões da parábola dos dois filhos de Mt 21, 28-32. Examinamos a questão na sala de aula. Descobrimos que há três leituras possíveis para esta parábola.

:. Diz o texto da Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 2002):Bíblia de Jerusalém e Bíblia do Peregrino

28“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha’. 29Ele respondeu: ‘Não quero’; mas depois, pego pelo remorso, foi. 30Dirigindo-se ao segundo, disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Eu irei, senhor’; mas não foi. 31Qual dos dois realizou a vontade do pai?” Responderam-lhe: “O primeiro”. Então Jesus lhes disse: “Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus. 32Pois João veio a vós, num caminho de justiça, e não crestes nele. Os publicanos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, vendo isso nem sequer tivestes remorso para crer nele.

:. Diz o texto da Bíblia do Peregrino (São Paulo: Paulus, 2002):

28 Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigiu-se ao primeiro: Filho, vai hoje trabalhar na minha vinha.

29Repondeu-lhe: Sim, senhor. Mas não foi. 30Depois foi dizer o mesmo ao segundo. Este respondeu: Não quero. Mas logo se arrependeu e foi. 31Qual dos dois cumpriu a vontade de seu pai?

Dizem-lhe:

– O último.

E Jesus lhes diz:

-Eu vos asseguro que os coletores e as prostitutas entrarão antes de vós no reino de Deus. 32Porque veio João, ensinando o caminho da honradez, e não crestes nele, ao passo que os coletores e as prostitutas creram. E vós, mesmo depois de ver isso, não vos arrependestes nem crestes nele.

Nos versículos 29 e 30 a ordem das repostas está invertida nos dois textos:

Bíblia de Jerusalém: o primeiro filho disse não, mas foi; o segundo filho disse sim, mas não foi. Quem realizou a vontade do pai? O primeiro.

Bíblia do Peregrino: o primeiro filho disse sim, mas não foi; o segundo filho disse não, mas foi. Quem realizou a vontade do pai? O último.

 

Explica Bruce M. Metzger em A Textual Commentary on the Greek New Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft/United Bible Societies, 2. ed., 2006:

METZGER, B. M. A Textual Commentary on the Greek New Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft/United Bible Societies, 2. ed., 2006A transmissão textual da parábola dos dois filhos é muito confusa.

O filho que recusa, mas que depois obedece, é mencionado em primeiro ou em segundo lugar?

Qual dos dois filhos os judeus pretendiam afirmar ter cumprido a ordem do pai e que palavra eles usaram em sua resposta à pergunta de Jesus (πρῶτος ou ἔσχατος ou ὕστερος ou δεύτερος)?

Existem três formas principais de texto:

(a) De acordo com א [Sinaiticus] C* [Ephraemi Rescriptus] K W Δ II itc.q vg syrc.p.h al, o primeiro filho diz “não”, mas depois se arrepende e vai. O segundo filho diz “sim”, mas não faz nada. Qual deles fez a vontade do pai? Resposta: ὁ πρῶτος [o primeiro].

(b) De acordo com D [Bezae Cantabrigiensis] ita.b.d.e.ff2.h.l syrs al, o primeiro filho diz “não”, mas depois se arrepende e vai. O segundo filho diz “sim”, mas não faz nada. Qual deles fez a vontade do pai? Resposta: ὁ ἔσχατος [o último].

(c) De acordo com B [Vaticanus] Θ, f13 700 syrpal arm geo al, o primeiro filho diz “sim”, mas não faz nada. O segundo diz “não”, mas depois se arrepende e vai. Qual deles fez a vontade do pai? Resposta: ὁ ὕστερος (B) [o último], ou ὁ ἔσχατος (© [12 700 arm) [o último], ou ὁ δεύτερος (4 273) [o segundo], ou ὁ πρῶτος (geo*) [o primeiro].

Como (b) é a mais difícil das três formas de texto, vários estudiosos (Lachmann, Merx, Wellhausen, Hirsch) pensaram que ela deve ser preferida, explicando as outras duas como correções inseridas pelos copistas para dar maior coerência ao texto.

Mas (b) não é apenas difícil, é absurda – o filho que diz “sim”, mas não faz nada, é quem obedece à vontade do pai?

Jerônimo, que conhecia, em sua época, manuscritos que continham respostas absurdas, sugeriu que, por meio da perversidade, os judeus deram intencionalmente uma resposta absurda, a fim de estragar o sentido da parábola.

Mas esta explicação requer a suposição adicional de que os judeus não só reconheceram que a parábola era dirigida contra eles próprios, mas escolheram dar uma resposta absurda em vez de simplesmente permanecerem em silêncio.

Como tais explicações atribuem aos judeus, ou a Mateus, motivos psicológicos rebuscados ou literários, excessivamente sutis, o Comitê julgou que a origem da leitura (b) se deve a copistas que, ou cometeram um erro de transcrição, ou que foram motivados por tendências antifarisaicas (ou seja, visto que Jesus caracterizou os fariseus como aqueles que dizem, mas não praticam, eles devem ser representados como aprovadores do filho que disse “eu vou” e não foi).

Deste modo, ficamos com as leituras (a) e (c), sendo a leitura (a), mais provavelmente, a original.

Não só os testemunhos que apoiam (a) são ligeiramente melhores do que aqueles que leem (c), mas haveria uma tendência natural para transpor a ordem de (a) para a de (c) porque:

(1) poderia argumentar-se que se o primeiro filho obedecesse, não havia razão para convocar o segundo

(2) era natural identificar o filho desobediente com os judeus em geral ou com os principais sacerdotes e anciãos (v. 23) e o filho obediente com os gentios ou com os cobradores de impostos e as prostitutas (v. 31) – e de acordo com qualquer uma das linhas de interpretação, o filho obediente deveria vir por último na sequência cronológica.

Também pode ser observado que a inferioridade da forma (c) é demonstrada pela grande diversidade de leituras no final da parábola.

 

B. M. Metzger classifica os textos analisados nesta obra com as letras A, B, C e D entre colchetes. Este texto da parábola dos dois filhos está classificado como {C}.Bruce Manning Metzger (1914 - 2007)

O que significa isso?

{A} significa que o texto é confiável

{B} significa que o texto é quase certo

{C} indica que o Comitê** teve dificuldades para decidir qual variante deveria aparecer no texto

{D} que raramente aparece, indica que o Comitê teve muitas dificuldades para chegar a uma decisão.

** O Comitê responsável pela edição de The Greek New Testament, Fourth Revised Edition. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft/United Bible Societies, 1994 era composto por Barbara Aland, Kurt Aland, Johannes Karavidopoulos, Carlo M. Martini e Bruce M. Metzger.

 

Roger L. Omanson, Variantes textuais do Novo Testamento: Análise e avaliação do Aparato Crítico de “O Novo Testamento Grego” . Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010, que é uma versão simplificada do comentário de Bruce M. Metzger, diz:

Nesses três versículos [Mt 21,29-31], há muitas diferenças entre os manuscritos, sendo que as principais delas são as seguintes:

(1) Em alguns manuscritos, o primeiro filho diz “Não”, mas depois se arrepende e vai trabalhar na vinha. O segundo filho diz “Sim”, mas não vai trabalhar. A pergunta que é feita é esta: “Qual dos dois fez a vontade do pai”? A resposta é: “o primeiro”.

Esta leitura, adotada por quase todas as traduções, tem tudo para ser original, pelas seguintes razões:

(a) Faz sentido que, no momento em que o primeiro filho disse “não”, o pai tenha pedido ao segundo filho para que fosse.

(b) Essa leitura tem um apoio de manuscritos levemente superior ao das outras variantes.

(2) Em alguns outros manuscritos, o primeiro filho diz “sim”, mas depois se recusa a ir trabalhar na vinha. O segundo filho diz “não”, mas posteriormente se arrepende e vai trabalhar. “Qual dos dois fez a vontade do pai”? Esses manuscritos têm as seguintes respostas diferentes: “O último” (ὁ ὕστερος), “O último” (ὁ ἔσχατος), “O segundo” (ὁ δεύτερος), e “O primeiro”‬ (ὁ πρῶτος).

OMANSON, R. L. Variantes textuais do Novo Testamento: Análise e avaliação do Aparato Crítico de "O Novo Testamento Grego" . Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010. Entretanto, esta leitura não faz tanto sentido quanto a anterior, apresentada acima (a leitura 1). Se o primeiro filho disse “sim”, não haveria por que o pai solicitar ao segundo filho que fosse trabalhar.

Provavelmente, esta leitura reflete o esforço dos copistas para fazer com que a ordem cronológica, no texto, coincidisse com os acontecimentos históricos.

Em outras palavras, o primeiro filho é visto com o representante dos judeus em geral, ou, mais diretamente, dos principais sacerdotes e anciãos (v. 23) e o segundo filho é visto como sendo os gentios ou os cobradores de impostos e as prostitutas (v. 31).

(3) Em alguns outros manuscritos, o primeiro filho diz “não”, mas depois se arrepende e vai trabalhar na vinha. O segundo filho diz “sim”, mas não vai trabalhar. “Qual dos dois fez a vontade do pai”? A resposta é: “o último”.

Alguns intérpretes entendem que, por ser a mais difícil, esta leitura é a original, e que os copistas teriam alterado o texto para as formulações que aparecem em (1) e (2).

Entretanto, esta leitura é tão difícil que, no contexto, não faz sentido nenhum.

 

Bibliografia

Centro para o estudo dos manuscritos do Novo Testamento. Post publicado no Observatório Bíblico em 22.03.2006.

KONINGS, J. Traduções bíblicas católicas no Brasil (2000-2015). Revista Pistis & Praxis, 8(1), p. 89–102, 2016.

Lista de manuscritos unciais do Novo Testamento – Wikipedia.

METZGER, B. M. A Textual Commentary on the Greek New Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft/United Bible Societies, 2. ed., 2006 [existe uma versão em espanhol].

OMANSON, R. L. Variantes textuais do Novo Testamento: Análise e avaliação do Aparato Crítico de “O Novo Testamento Grego” . Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010.

O Codex Sassoon

O texto da Bíblia Hebraica já está fixado no século II d.C. Nos séculos seguintes os escribas copiam novos rolos, procurando limitar os erros de transcrição ao mínimo. Para a compreensão correta do texto eles começam a fazer anotações nas margens, assinalar palavras duvidosas etc.

No século V entram em ação os chamados massoretas. O termo vem do hebraico masar = “transmitir” e os massoretas são os “transmissores” do texto. Além de fazer anotações sobre o texto, estes sábios judeus sentem a necessidade de vocalizá-lo e acentuá-lo, para se obter um texto mais uniforme e fixo.

Neste processo cada escola segue um método diferente, como a oriental, sediada na Mesopotâmia e a ocidental, na Palestina. Depois de muitas peripécias, prevalece a escola de Tiberíades (Palestina) aí pelo ano 900 d.C. E em Tiberíades as famílias Ben Neftali e Ben Asher.

Desta última temos dois manuscritos importantíssimos: o Codex do Cairo, escrito e vocalizado por Moisés ben Asher, data do ano 895, mas só contém os profetas (anteriores e posteriores).

O Codex de Aleppo, quase completo, foi escrito e vocalizado por Aarão ben Moisés ben Asher, até 930. Pertencia à sinagoga de Aleppo e é salvo da destruição em 1948, sendo levado para Israel.

Um terceiro manuscrito importante é o Codex de Leningrado, baseado nos manuscritos de Aarão ben Moisés ben Asher. Este contém todo o AT e é escrito em 1008. A melhor edição crítica que possuímos hoje – que é a Bíblia Hebraica Stuttgartensia – baseia-se principalmente neste manuscrito.

Leia:

As diferentes tradições do hebraico bíblico – Observatório Bíblico: 08.02.2018

Lista de manuscritos do AT disponíveis online – Observatório Biblico: 06.05.2016

Agora a notícia do dia é sobre o Codex Sassoon, um texto massorético que pode ser datado por volta de 900 d.C. e que contém a Bíblia Hebraica quase completa.Códice Sassoon

Porém, há muitas imprecisões e exageros nos noticiários. Por isso recomendo, depois de ler a notícia abaixo, conferir o segundo texto indicado, que aponta os exageros e as meias-verdades da cobertura da mídia sobre o Códice Sassoon.

Afirmações como “Codex Sassoon: a Bíblia Hebraica mais antiga e completa” são absurdas e enganosas. O mais antigo manuscrito massorético completo da Bíblia Hebraica que sobreviveu em sua totalidade ainda é o Codex de Leningrado, de 1008 d.C.

 

A Bíblia leiloada por R$ 190 milhões que virou o manuscrito mais valioso do mundo – Por David Gritten – BBC News Brasil: 19 maio 2023

A Bíblia hebraica mais antiga e completa já registrada foi comprada nesta quinta-feira (18/5) na casa de leilões Sotheby’s, em Nova York, nos Estados Unidos, por US$ 38,1 milhões (cerca de R$ 190 milhões), tornando-se o manuscrito mais valioso já vendido em leilão.

O Códice Sassoon, a mais antiga cópia sobrevivente do manuscrito contendo os 24 livros da Bíblia hebraica, teria sido escrito há cerca de 1.100 anos.

O ex-embaixador americano Alfred Moses comprou o texto para o Museu do Povo Judeu (ANU) em Tel Aviv, Israel (…).

“Fico feliz em saber que pertence ao povo judeu. Minha missão, percebendo o significado histórico do Códice Sassoon, era fazê-lo residir em um local globalmente acessível para todos.”

(…)

O Códice Sassoon deve seu nome ao seu proprietário anterior, David Solomon Sassoon, que o adquiriu em 1929 e reuniu em sua casa em Londres, no Reino Unido, a maior e mais importante coleção particular de manuscritos hebraicos do mundo.

(…)

De acordo com a casa de leilões Sotheby’s, faltam apenas 12 páginas ao Códice Sassoon, cuja datação por carbono indica que foi criado por volta do ano 900.

“Esta é a primeira vez que um livro quase completo da Bíblia Hebraica apareceu com as vogais, cantilena e notas de rodapé que dizem aos escribas como o texto deve ser redigido corretamente”, disse em março Sharon Mintz, principal especialista sobre os itens da casa de leilões.

Os séculos de anotações e inscrições revelam que o manuscrito foi vendido por um homem chamado Khalaf ben Abraham a Isaac ben Ezekiel al-Attar, que mais tarde transferiu a propriedade para seus dois filhos, Ezekiel e Maimon.

No século 13, a obra foi entregue a uma sinagoga em Makisin, no nordeste da Síria.

Após a destruição da cidade pelos mongóis no final do século 13 ou pelos timúridas no início do século 15, o manuscrito foi entregue a Salama ibn Abi al-Fakhr. Depois disso, desapareceu por 500 anos.

O último proprietário do Códice Sassoon foi a investidora suíça Jacqui Safra, que o comprou por US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 12,4 milhões) em um leilão realizado em Londres em 1989.

 

Is the Earliest, Most Complete Hebrew Bible Going on Auction? – By Kim Phillips – Text & Canon Institute, Phoenix Seminary – February 22, 2023

The sale of Codex Sassoon raises questions about what’s real and what’s hype about this important manuscript.

(…)

What is the Sassoon Codex?

The Sassoon Codex is a Hebrew Bible. Christians refer to the same text as the Old Testament. Many early mediaeval Hebrew Bible manuscripts only contain part of the scriptures: perhaps the Pentateuch only, or the prophetic books, or the Psalms. Relatively few early Hebrew Bible manuscripts contain the entire Hebrew Bible. Codex Sassoon is one of them. That turns out to be rather important later on.

The word “codex” basically means: book, that is, something with pages connected to a spine that you can turn to quickly find your place. This is different to a scroll. If you want to read the last chapter of a story written in a scroll, you have no option but to laboriously unroll the entire thing until you get to the final part. So, codices have some significant advantages over scrolls, particularly if you want a quick peek at the end to see if he marries the girl, or if it really was the butler, in the drawing room, with the candlestick.

Nonetheless, the scroll (rather than the codex) occupies a very special role in Jewish liturgy, and Jewish communities were rather slow to adopt the codex alongside the scroll, for writing the biblical text. In fact, it wasn’t until towards the end of the first millennium AD that Hebrew Bibles began to appear in codex form. So, this manuscript is part of the early shift to codex form. We’ll come back to that point in a bit.

For a long time, this particular Hebrew Bible Codex was part of the massive Judaica collection belonging to David Sassoon, whence the name “Sassoon codex” (or Sassoon 1053, for those who like an extra slice of nerd with their nomenclature).

Finally, it is important to explain that the Sassoon Codex—together with every other Hebrew Bible Codex from about AD 800 onwards—is a Masoretic Bible Codex. This simply means that it contains the Masoretic Text.

Now we are in a better position to address some of the exaggerations and half-truths in the media coverage of the Sassoon Codex.

O texto continua explicando os exageros e as meias-verdades da cobertura da mídia sobre o Códice Sassoon.

Descoberto um fragmento siríaco do Evangelho de Mateus

Palimpsesto (do grego antigo παλίμψηστος, transl. “palímpsêstos”, “aquilo que se raspa para escrever de novo”: πάλιν, “de novo” e ψάω, “arranhar, raspar”) designa um pergaminho ou papiro cujo texto foi eliminado para permitir a reutilização.

Descoberto no Vaticano fragmento do Evangelho de 1.750 anos

Com ajuda de fotografia ultravioleta, pesquisador encontra um dos manuscritos mais antigos do Novo Testamento encoberto sob outros textos.Palimpsesto - Foto: Vatican Library/ÖAW/APA/dpa/picture alliance

Um pesquisador da Academia Austríaca de Ciências (ÖAW, na sigla em alemão) descobriu na Biblioteca do Vaticano um fragmento único de uma tradução de 1.750 anos do Novo Testamento.

Um pequeno fragmento de manuscrito – uma tradução siríaca do grego, escrita no século 3 e copiada no século 6 – foi encontrado encoberto sob outros manuscritos com a ajuda de fotografia ultravioleta [o texto é Mt 11,30-12,26].

A língua siríaca é um dialeto aramaico que surgiu durante o século 1 d.C. de um dialeto aramaico local, tendo papel importante na literatura religiosa e em textos cristãos.

Cerca de 1.300 anos atrás, um escriba na Palestina pegou um livro dos Evangelhos inscrito em siríaco e o apagou”, afirmou o comunicado da ÖAW. O pergaminho era escasso na Idade Média, então os manuscritos eram frequentemente reutilizados. Esses documentos sobrescritos são chamados de palimpsestos.

Palimpsesto duplo

“A tradição do cristianismo siríaco conhece várias traduções do Antigo e do Novo Testamento”, afirmou o especialista em história medieval Grigory Kessel, responsável pela descoberta e cujo trabalho sobre o achado foi publicado na revista especializada New Testament Studies [o artigo pode ser acessado aqui].

Graças à tecnologia moderna, Kessel identificou o texto como a terceira camada de escrita, ou seja, um palimpsesto duplo.

De acordo com o historiador, o manuscrito oferece uma “abordagem única para a fase inicial da história da transmissão textual dos Evangelhos”. Conforme a ÖAW, quanto mais traduções são conhecidas, mais a ciência aprende sobre o texto original dos Evangelhos.

“Até recentemente, apenas dois manuscritos eram conhecidos por conter a tradução siríaca antiga dos evangelhos”, ressalta Kessel. Enquanto um deles está agora preservado na Biblioteca Britânica em Londres, outro foi descoberto como um palimpsesto no Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai. Fragmentos de um terceiro manuscrito foram recentemente identificados pelo Sinai Palimpsests Project.

Descobrindo velhos escritos

O Sinai Palimpsests Project visa tornar novamente legíveis e disponíveis em formato digital os valiosos manuscritos de palimpsestos centenários do famoso Mosteiro de Santa Catarina no Sinai, Egito. Até agora, 74 manuscritos foram decifrados.

Claudia Rapp, diretora do Instituto de Pesquisa Medieval da ÖAW e também integrante do Sinai Palimpsests Project, destacou que a tradução siríaca do século 3 foi escrita pelo menos um século antes dos mais antigos manuscritos gregos remanescentes, como o importante Codex Sinaiticus.

“A descoberta de Kessel prova quão produtiva e importante pode ser a interação das tecnologias digitais mais modernas na pesquisa ao encontrar manuscritos medievais”, disse Rapp.

Fonte: DW – 06/04/2023

Dirk Obbink: da cátedra à confusão

Dirk Obbink, famoso papirologista de Oxford, suspeito de vender fragmentos do Novo Testamento que não lhe pertenciam, está, mais uma vez, nos noticiários. Poderia até ser um caso para o Inspetor Morse.

Ele se tornou conhecido do público quando, em 2012, foi divulgado que um fragmento de papiro do evangelho de Marcos por ele estudado, poderia ser, extraordinariamente, do século I d.C.

Veja os links no final deste post para entender o caso do fragmento de Marcos.

Diz a reportagem publicada em Christianity Today, em 15 de dezembro de 2021, que Dirk Obbink se esquivou dos investigadores particulares que tentavam entregar-lheDirk D. Obbink (nascido em 13 de janeiro de 1957 em Lincoln, Nebraska, USA) uma intimação legal em agosto e setembro e não respondeu à carta oficial notificando-o de que era obrigado a responder às alegações de que havia fraudado Hobby Lobby ao vender à loja de artesanato, por 7 milhões de dólares, papiros antigos que não lhe pertenciam.

Um escrivão do tribunal federal dos Estados Unidos certificou, então, uma sentença à revelia contra o famoso papirologista (…) O ex-professor da Universidade de Oxford e pesquisador visitante da Universidade de Baylor, antes proclamado por suas incríveis descobertas de textos antigos, incluindo as primeiras cópias dos Evangelhos e poemas desconhecidos de Safo, agora deve a Hobby Lobby um reembolso total.

A resolução da ação civil deixa, entretanto, muitas perguntas sem resposta. A principal delas: onde estão os outros 81 fragmentos antigos que desapareceram da biblioteca da Egypt Exploration Society (EES) em Oxford quando Obbink, então chefe do projeto de digitalização de papiros da biblioteca, pegou 32 fragmentos e os vendeu para Hobby Lobby?

(…)

Obbink disse à EES que mostrou os fragmentos do Novo Testamento a alguns visitantes associados à Hobby Lobby e à Green Collection, de Steve Green, mas afirmou que nunca lhes disse que estavam à venda (…) A Hobby Lobby então enviou uma cópia de seu contrato de compra para a EES, e a biblioteca realizou uma verificação sistemática de sua coleção de mais de 500.000 artefatos. Mais de 120 estavam desaparecidos, e alguém havia adulterado os catálogos de fichas e registros fotográficos para esconder o fato de que eles tinham sumido. Sete foram recuperados de um colecionador evangélico na Califórnia. Mais de 80 parecem ainda estar faltando. Segundo o diretor do EES, os itens podem ter sido vendidos por milhões, mas na verdade não têm preço.

(…)

Obbink foi preso em 2020 e processado em 2021. Foi pouco depois disso, mostram os registros do tribunal, que ele se mudou para uma casa flutuante no Tâmisa, em Oxford, e começou a se esconder dos investigadores particulares que tentavam lhe entregar a intimação (…) Obbink também enfrenta acusações criminais na Inglaterra. A investigação está em andamento.

 

Missing Papyri Professor Must Return $7 Million to Hobby Lobby – Daniel Silliman: Christianity Today: December 15, 2021

Dirk Obbink has lost a federal lawsuit over the fraudulent sale of Gospel fragments.

Dirk Obbink didn’t answer the door of his Oxford, England, houseboat docked in the Thames. He dodged the private investigators trying to serve him a legal summons in August and September and failed to answer the official letter notifying him that he was required to respond to allegations he had defrauded Hobby Lobby by selling the craft store $7 million worth of ancient papyri that he didn’t actually own.

A clerk of the United States federal court has certified a default judgment against the famed papyrologist, noting in late November that “defendant Dirk D. Obbink has not filed any answer or otherwise moved with respect to the complaint herein.”

The former Oxford University professor and visiting scholar at Baylor University, once heralded for his amazing discoveries of ancient texts, including early copies of the Gospels and unknown poems of Sappho, now owes Hobby Lobby a full refund.

The resolution of the civil lawsuit leaves a lot of questions unanswered, though. Chief among them: Where are the other 81 ancient fragments that went missing from the Egyptian Exploration Society (EES) library at Oxford at the same time that Obbink, then head of the library’s papyri digitization project, took 32 fragments and sold them to Hobby Lobby?

“I think many of us hoped that a trial might bring to light further information on the whereabouts of the roughly 80 Oxyrhynchus papyri that still seem to be missing,” wrote history of religions scholar Brent Nongbri on his blog.

According to the lawsuit, Obbink worked as a private antiquities dealer in addition to his academic work. He sold Hobby Lobby four lots of papyri between 2010 and 2013, as the Oklahoma-based company invested in an expansive collection that it would use to launch the Museum of the Bible in Washington, DC, in 2017. The fragments were discovered in a rubbish heap near a vanished city in Egypt in the early 20th century.

A sales record shows that Obbink claimed four of them were first-century copies of Matthew, Mark, Luke, and John—which would have made them the oldest known pieces of the New Testament.

In 2017, Obbink contacted Hobby Lobby to say he had made a mistake and mixed up the EES fragments with his fragments he was selling as part of his antiquities business. He promised to pay the money back but asked for patience, as he had already spent it.

At the same time, Obbink told EES he had showed the New Testament fragments to some visitors associated with Hobby Lobby and owner Steve Green’s “Green Collection,” but claimed he never told them it was for sale.

“Professor Obbink insists that he never said the papyrus was for sale, and that while he did receive some payments from the Green Collection for advice on other matters, he did not accept any payment for or towards purchase of this text,” an official statement said. “The EES has never sought to sell this or any other papyrus.”

Hobby Lobby then sent a copy of its purchase agreement to EES, and the library launched a systematic check of its collection of more than 500,000 artifacts. More than 120 were missing, and someone had tampered with the card catalogues and photographic records to hide the fact they were gone.

Seven were recovered from an evangelical collector in California. More than 80 appear to still be missing.

According to the director of the EES, the items may have been sold for millions, but they are actually priceless.

Obbink, for his part, spoke of the fragments in the EES collection in rhapsodic terms.

“For me personally,” he once told a British audience, “working on these texts … was like being shipwrecked on a desert island with Marilyn Monroe.”

Obbink was arrested in 2020 and then sued in 2021. Shortly after that, court records show, he moved to a houseboat named the James Brindley and started hiding from the private investigators attempting to serve him summons.

A neighbor signed an affidavit that she saw Obbink on the boat a little before 4:30 p.m. on Saturday, September 11, and the summons had been removed from the houseboat door.

“The main cabin door was open,” the affidavit says. “Mr. Obbink would have had to remove the envelop to open the door.”

The British woman helpfully photographed Obbink for the investigators, who presented it to the US federal court as evidence and asked for a default judgment.

Obbink is also facing criminal charges in England. The investigation is ongoing.

 

Em ordem cronológica, links para as postagens publicadas no Observatório Bíblico sobre o fragmento de Marcos:

Descoberto fragmento de Marcos do século I? – 06.02.2012

Esclarecimentos sobre o fragmento de Marcos do século I – 10.02.2012

Fragmento de Marcos foi escrito entre 150 e 250 d.C. – 31.05.2018

Ainda sobre o fragmento de Marcos – 02.07.2019

A saga do fragmento do evangelho de Marcos – 09.01.2020

Quem dividiu a Bíblia em capítulos e versículos?

Uma resposta rápida:
. a divisão em capítulos foi feita por Stephen Langton, em Paris, em 1204-1205. Em 1226 a divisão foi usada em um texto da Vulgata.
. a divisão em versículos foi feita por Robert Estienne (citado, em latim, como Robert Stephanus) a partir de 1551, em Paris e Genebra.

Outras propostas de divisão da Bíblia em capítulos e versículos foram feitas, mas estas duas acabaram prevalecendo.Stephen Langton (c. 1150 – 9 de julho de 1228)

E são as que utilizamos hoje.

Uma síntese honesta do tema, em português, pode ser encontrada aqui.

Mas esta é uma resposta rápida.

Então pergunto: Como sabemos disso? Há documentos que comprovam estas afirmações?

Há sim.

Robert Estienne (Paris, 1503 – Genebra, 7 de setembro de 1559)Para uma ótima abordagem do tema, com referências primárias e secundárias, recomendo conferir, em inglês:

Stephen Langton and the modern chapter divisions of the bible – By Roger Pearse: June 21, 2013

É, obviamente, um pouco complicado, pois estamos lidando com manuscritos e textos impressos antigos.

Agora, para quem sabe alemão, uma boa referência do século XIX, também usada por Roger Pearse, disponível no Google books, é:

SCHMID, O. Über verschieden Einteilungen der heiligen Schrift, insbesondere über die Capitel-Einteilung Stephan Langtone im XIII Jahrhunderte [Sobre as divisões da Sagrada Escritura especialmente a divisão em capítulos de Stephen Langton no século 13], Graz, 1892, p. 56-106.

A partir da página 106 Otto Schmid trata da divisão em versículos feita por Robert Estienne.

Ele aborda também as propostas de predecessores de Robert Estienne, como:

. o rabino Isaac Nathan, em sua Concordância da Bíblia Hebraica, publicada em Veneza em 1523 [confira também aqui e aqui];

. e São Pagnino, de Lucca, Itália, em sua tradução da Bíblia, publicada em 1527: Veteris ac Novi Testamenti nova translatio per Rev. S. Theol. Doct. Sanct. Pagninum Lucensem nuper edita; impressa est Lugduni per Antonium de Ry chalcographum Anno D. 1527.

Um guia para o estudo da Septuaginta

ROSS, W. A. ; GLENNY, W. E. (eds.) T&T Clark Handbook of Septuagint Research. London: T&T Clark, 2021, 512 p. – ISBN 978-0567680259.

Hoje estudantes e estudiosos reconhecem a grande importância da Septuaginta para a história da língua grega, o desenvolvimento textual da Bíblia e para a vida religiosa judaica e cristã tanto no mundo antigo quanto no mundo moderno. Este manual foi elaborado para aqueles que desejam se envolver com a Septuaginta em suas pesquisas, mas não têm certeza de onde buscar orientação ou discussão concisa e atualizada. Os colaboradores quebram as barreiras envolvidas nos debates técnicos e subespecialidades, tanto quanto possível, equipando os leitores com as ferramentas e o conhecimento necessários para conduzir suas próprias pesquisas.

Cada capítulo é escrito por um importante estudioso da Septuaginta e enfoca uma área relevante de pesquisa na disciplina, fornecendo uma visão geral do tópico,ROSS, W. A. ; GLENNY, W. E. (eds.) T&T Clark Handbook of Septuagint Research. London: T&T Clark, 2021 os principais debates e pontos de vista, os métodos envolvidos e o rumo das pesquisas em andamento. Ao explorar origens, linguagem, texto, recepção, teologia, tradução e comentários, este manual incentiva o envolvimento ativo com as questões mais importantes no campo e fornece um recurso essencial para especialistas e não especialistas.

 

Students and scholars now widely recognize the importance of the Septuagint to the history of the Greek language, the textual development of the Bible, and to Jewish and Christian religious life in both the ancient and modern worlds. This handbook is designed for those who wish to engage the Septuagint in their research, yet have been unsure where to turn for guidance or concise, up-to-date discussion. The contributors break down the barriers involved in the technical debates and sub-specialties as far as possible, equipping readers with the tools and knowledge necessary to conduct their own research.

Each chapter is written by a leading Septuagint scholar and focuses upon a major area of research in the discipline, providing an overview of the topic, key debates and views, a survey or demonstration of the methods involved, and pointers towards ongoing research questions. By exploring origins, language, text, reception, theology, translation, and commentary, with a final summary of the literature, this handbook encourages active engagement with the most important issues in the field and provides an essential resource for specialists and non-specialists alike.

 

SUMÁRIO

Lists of Tables and Figures
Preface – William A. Ross and W. Edward Glenny
Foreword – Robert P. Gordon
Lists of Abbreviations and Sigla

Introduction – William A. Ross

I. ORIGINS
The Origins and Social Context of the Septuagint – James K. Aitken
Septuagint Translation Technique and Jewish Hellenistic Exegesis – Marieke Dhont

II. LANGUAGE
Septuagint Transcriptions and Phonology – Pete Myers
Septuagint Lexicography – Patrick Pouchelle
The Septuagint and Discourse Grammar – Christopher J. Fresch
The Septuagint and Greek Style – Eberhard Bons
The Septuagint and Biblical Intertextuality – Myrto Theocharous

III. TEXT
The Septuagint and Textual Criticism of the Greek Versions – José Manuel Cañas Reíllo
The Septuagint and Textual Criticism of the Hebrew Bible – John Screnock
The Septuagint and Qumran – Gideon R. Kotzé
The Septuagint and the Major Recensions – Ville Mäkipelto
The Septuagint and the Secondary Versions – Claude Cox
The Septuagint and Origen’s Hexapla – Peter J. Gentry
The Septuagint and the Biblical Canon – John Meade

IV. RECEPTION
The Septuagint and Second Temple Judaism – Benjamin G. Wright III
The Septuagint in the New Testament – Steve Moyise
The Septuagint in Patristic Sources – Edmon L. Gallagher
The Septuagint in Byzantine Judaism – Cameron Boyd-Taylor
The Septuagint in the Eastern Orthodox Tradition – Mikhail G. Seleznev
The Septuagint in Early Modern Europe – Scott Mandelbrote

V. THEOLOGY, TRANSLATION, AND COMMENTARY
The Septuagint and Theology – W. Edward Glenny
The Septuagint and Modern Language Translations – William A. Ross
The Septuagint: The Text as Produced – Robert J. V. Hiebert
The Septuagint: A Greek-Text Oriented Approach – Stanley E. Porter

VI. SURVEY OF LITERATURE
The Septuagint and Contemporary Study – Jennifer Brown Jones

Glossary
List of Contributors
References
Indices

 

William A. Ross is assistant professor of Old Testament at Reformed Theological Seminary in Charlotte, NC, USA. W. Edward Glenny is professor of New Testament and Greek at the University of Northwestern – St. Paul, MC, USA.