Ugarit e Baal

Ugarit (Ras Shamra), na região siro-fenícia, é importante para o estudioso de Bíblia por causa de sua grande literatura, relacionada com a literatura bíblica e sua língua, parente da hebraica. As escavações aí realizadas enriqueceram muito os estudos bíblicos nos últimos tempos.

Ugarit, na região siro-feníciaAssim se deu sua descoberta: em março de 1928, um lavrador alauita, arando sua propriedade a cerca de 12 km ao norte de Latakia, antiga Laodicea ad mare, remove uma pedra na qual seu arado bate e encontra os restos de uma tumba antiga. Colocado a par da descoberta, o Serviço de Antiguidades da Síria e do Líbano, na época sob mandato francês, encarrega um especialista, M. L. Albanese, que imediatamente notifica a presença de uma necrópole e identifica a tumba como sendo do tipo micênico, datável aí pelos séculos XIII ou XII a.C.

Uma necrópole supõe a existência de uma cidade. Por isso, Albanese e Dussaud prestaram atenção à colina vizinha, chamada Ras Shamra, de uns 20 metros de altitude, que tinha toda a aparência de ser um tell arqueológico, ou seja, um acúmulo de ruínas antigas, e que podia corresponder à cidade procurada.

Um ano mais tarde, no dia 2 de abril de 1929, sob o comando de Claude F. A. Schaeffer, começaram as escavações, primeiro da necrópole, e logo em seguida, no dia 8 de maio, no tell, que tem um extensão de uns 25 hectares e se encontra a cerca de 800 metros da costa. Ao norte se vê o Jebel Aqra’, “monte pelado”, ou Monte Zafon (o monte Casius, dos romanos) que separa a região dos alauitas do vale e da desembocadura do rio Orontes.

Poucos dias mais tarde, foram feitas as primeiras descobertas: tabuinhas de argila escritas em caracteres cuneiformes, objetos de bronze e de pedra.

A identificação do nome do local não foi difícil, pois os textos descobertos sugeriram imediatamente que se tratava de Ugarit (ú-ga-ri-it), já conhecida por referências da literatura egípcia e mesopotâmica, sobretudo pelas Cartas de Tell el-Amarna, onde se encontram algumas provenientes da própria Ugarit. Entre os textos encontrados aparece o nome da cidade.

Os textos foram encontrados todos no primeiro nível arqueológico (1500-1100 a.C.) , pertencendo, portanto, à última fase da cidade, que foi destruída pelos “povos do mar“. Os textos estavam principalmente na “Biblioteca” anexada ao templo de Baal e no “Palácio Real” ou “Grande Palácio”, que possuía diversas dependências para arquivos.

As tabuinhas estão redigidas em sete sistemas diferentes de escrita, correspondente a sete línguas diferentes: em hieróglifos egípcios, em hitita hieroglífico e cuneiforme, em acádico, em hurrita, em micênico linear e cipriota e em ugarítico. Os textos que nos interessam estão em ugarítico, um sistema cuneiforme alfabético, que foi decifrado em poucos meses por H. Bauer, E. Dhorme e Ch. Virolleaud. Nesta língua, que é uma forma do cananeu, foram encontrados cerca de 1300 textos.

Para nós é muito importante o Ciclo de Baal (ou Ba’lu). As tabuinhas do Ciclo de Baal foram encontradas todas nas campanhas arqueológicas de 1930, 1931 e 1933 e estão hoje no Museu do Louvre, Paris, e no Museu de Aleppo, na Síria.

São seis tabuinhas que trazem um ciclo mitológico composto de três mitos ou composições autônomas que giram cada uma em torno de um mitema particular: Luta entre Ba’lu e Yammu (1.1-2), O palácio de Ba’lu (1,3-4) e a Luta entre Ba’lu e Môtu (1.5-6).

E o mais interessante no Ciclo de Baal é que as seis tabuinhas têm a mesma “caligrafia”, ou seja, foram escritas pelo mesmo escriba que se identifica como Ilimilku em 1.6 e 1.16, junto com o nome do Sumo Sacerdote, Attanu-Purlianni, para quem trabalhou e que deve ter ditado o texto, e a quem deveremos considerar como o autor, redator ou, quem sabe, apenas o transmissor desta versão tradicional do mito de Baal e o nome do rei, Niqmaddu, que governou Ugarit de 1370 a 1335 a.C.

Baal é um jovem deus, filho de El, que é o pai de todos os deuses do panteão ugarítico, mas também é conhecido como filho de Dagan. Baal significa “senhor”. É chamado igualmente de Hadad ou Haddu e considerado como “Cavalgador das Nuvens”, “Príncipe”, “Senhor da Terra”, “Poderoso”, “Soberano”.

Diz o mito da Luta entre Baal e Môt que Môt (deus da morte e da esterilidade) se sente prejudicado pela vitória de Baal (deus da chuva e da fertilidade) sobre Yam (deus do mar), vitória que afeta seu poder. Baal declara sua submissão e é intimado por Môt a descer por sua goela, sendo, assim, morto. É que no mundo subterrâneo de Môt ninguém é capaz de resistir ao seu poder.

El, o pai de Baal, lamenta profundamente a morte do “Senhor da Terra”:

“Chegamos junto de Baal, ele estava caído por terra. Baal de Ugarit - Museu do Louvre, Paris
Baal, o muito Poderoso, estava morto
o Príncipe, Senhor da Terra, tinha perecido.
Então El, o Misericordioso de grande coração,
desce de seu trono, assenta-se no escabelo
e do escabelo vai assentar-se na terra.
Espalha sobre sua cabeça a cinza do luto,
sobre seu crânio, a poeira da aflição.
cobre seus rins com um saco,
golpeia sua pele com uma pedra,
corta com uma navalha suas duas tranças,
lacera três vezes suas faces e seu queixo (…)
Eleva sua voz e exclama:
‘Baal morreu! Que vai ser do povo?
O filho de Dagan morreu! Que vai ser da multidão?’”

Mas Anat, deusa do amor, da fecundidade e da guerra, companheira de Baal, vai à sua procura, resgata seu corpo e enfrenta Môt, matando-o.

“Os dias passaram
os dias tornaram-se meses;
Anat, a Donzela, o procurou.
Como o coração da vaca por seu bezerro,
como o coração da ovelha por seu cordeiro,
assim batia o coração de Anat por Baal.
Agarrou o divino Môt,
com uma faca o partiu,
com um ancinho o limpou,
no fogo o queimou,
com pedras de moinho o triturou,
no campo o espalhou,
sua carne os pássaros comeram,
seus pedaços as aves devoraram
a carne à carne foi convidada”.

Com a morte de Môt, Baal revive e isto provoca grande alegria:

“Está vivo Baal, o Vitorioso (…)
que os céus chovam azeite
que as torrentes fluam com mel (…)
Alegrou-se El, o Misericordioso de grande coração, apoiou seus pés no escabelo
iluminou-se seu semblante e começou a rir”.

E, finalmente, os campos ressequidos voltam a receber a chuva que os fertiliza, porque Baal, o Senhor da Terra, está vivo.

Os mitos de Ugarit podem ser lidos em DEL OLMO LETE, G. Mitos y leyendas de Canaan según la tradición de Ugarit. Madrid: Institución San Jeronimo/Ediciones Cristiandad, 1981.

Ugarit – Ras Shamra

Série Ras Shamra – Ougarit

Vários volumes estão disponíveis online e para download. Sobre Ugarit (Ras Shamra), confira aqui.

A série Ras Shamra – Ougarit foi iniciada por Marguerite Yon, diretora da Missão Arqueológica Francesa de Ras Shamra de 1978 a 1998. Dezesseis volumes (I a XVI) foram publicados sob sua responsabilidade. A série foi então dirigida por Yves Calvet, diretor francês da Missão Arqueológica Siro-Francesa de Ras Shamra de 1999 a 2008, e desde 2009, por Valérie Matoïan, diretora francesa da missão. A série, que visa entregar documentação inédita à comunidade científica, inclui monografias e trabalhos coletivos. O volume XXVII foi lançado em 2019.

A grande maioria dos textos é escrita em francês. Os resumos em inglês estão associados às contribuições do volume XVII e aos resumos em árabe do volume XXIII.YON M., SZNYCER M. et BORDREUIL P. (éds), 1995, Le pays d’Ougarit autour de 1200 av. J.C., Actes du Colloque International, Paris, 28 juin- 1er juillet 1993, Ras Shamra-Ougarit XI, ERC, Paris.

Desde a sua criação, esta publicação tem recebido apoio constante do Ministério das Relações Exteriores. Desde 1983 e até 2007, a série foi publicada pela Éditions Recherche sur les Civilizations (Paris), de 2008 a 2012 pela Publications de la Maison de l’Orient et de la Méditerranée (Lyon), e desde 2012 pela Éditions Peeters em Lovaina .

O índice é apresentado para cada volume. Os volumes I a XVI também estão disponíveis online e para download. A operação de digitalização desses volumes recebeu o apoio do Ministério das Relações Exteriores e do Departamento de TI da Maison de l’Orient et de la Méditerranée. Para os volumes a seguir, os resumos das contribuições estão disponíveis online.

 

La série Ras Shamra – Ougarit a été initiée par Marguerite Yon, directrice de la Mission archéologique française de Ras Shamra de 1978 à 1998. Seize volumes (I à XVI) sont parus sous sa responsabilité. La direction de la série a ensuite été assurée par Yves Calvet, directeur français de la Mission archéologique syro-française de Ras Shamra de 1999 à 2008, et depuis 2009, par Valérie Matoïan, directrice française de la mission. La série, dont l’objectif est de livrer à la communauté scientifique la documentation inédite, comprend des monographies et des ouvrages collectifs. Le volume XXVII est paru en 2019.

La très grande majorité des textes sont rédigés en langue française. Des résumés en langue anglaise sont associés aux contributions depuis le volume XVII et des résumés en langue arabe depuis le volume XXIII.
Depuis sa création, cette publication reçoit un soutien constant du Ministère des Affaires étrangères. Depuis 1983 et jusqu’en 2007, la série est parue aux Éditions Recherche sur les Civilisations (Paris), de 2008 à 2012 aux Publications de la Maison de l’Orient et de la Méditerranée (Lyon), et depuis 2012 aux Éditions Peeters à Leuven.

La table des matières est présentée pour chaque volume. Les volumes I à XVI sont de plus consultables en ligne et téléchargeables. L’opération de numérisation de ces volumes a reçu le soutien du Ministère des Affaires étrangères et du Service informatique de la Maison de l’Orient et de la Méditerranée. Pour les volumes suivants, les résumés des contributions sont consultables en ligne.