Francisco, a pandemia e a pós-pandemia

O Papa Francisco, a pandemia e pós-pandemia: metáforas e encruzilhada – Por Wagner Fernandes de Azevedo | IHU: 25 Julho 2020

Francisco desde o início do pontificado comunica com simplicidade, utilizando-se de metáforas para falar pedagogicamente a todos sobre o projeto de Igreja que deseja construir.

Muitas vezes reiterou o sonho de uma “Igreja em Saída”, para dizer uma Igreja missionária, de acompanhamento próximo, machucada nas ruas e calcada na vida do PovoMomento extraordinário de oração em tempo de epidemia presidido pelo Papa Francisco - Adro da Basílica de São Pedro - 27 de março de 2020 de Deus. E de fato, o Papa nos últimos sete anos viajava às periferias e acolhia em sua casa, os pobres, os migrantes, os refugiados, os indígenas, as vítimas de abusos sexuais…

Expressou também, desde sua primeira encíclica, a necessidade da “cultura do encontro” contra a “cultura do descarte”. Reforçava assim uma sociedade inclusiva, de valorização e participação de todos os pobres do mundo, superando as agruras geradas por um sistema econômico financeirizado em crise.

A pandemia do coronavírus atravancou o caminho da “normalidade”, de toda a sociedade, incluindo também o papado ao “estilo Francisco”. O mundo, e a Igreja que nele está inserida, depararam-se com o desafio de se transformar e repensar. O Papa, em entrevista por videoconferência, afirmou: “Tenho esperança na humanidade. Vamos sair melhores”.

Porém, contra Francisco, a pandemia freou uma agenda de viagens e os rotineiros encontros com o público, limitando o Papa das periferias, do encontro e da Igreja em saída, à reclusão entre a paredes do Vaticano – e à comunicação on-line, com transmissão do Ângelus, Audiência Geral e das missas matinais.

Contudo, a leitura de mundo, e da Igreja, que Francisco soube fazer e divulgar em sete anos de pontificado gerou outra metáfora ainda mais pertinente no atual tempo: a Igreja como hospital de campanha. O teólogo Tomáš Halík destaca no artigo “Igrejas fechadas: um sinal de Deus?”:

“Se a Igreja deve ser um ‘hospital de campanha’, obviamente ela deve continuar oferecendo a mesma assistência sanitária, social e caritativa que ofereceu desde as origens da sua história. Mas, como qualquer bom hospital, a Igreja também deve realizar outras tarefas. Deve fazer diagnósticos (identificando os ‘sinais dos tempos’), fazer prevenção (criando um ‘sistema imunológico’, em uma sociedade em que dominam os vírus malignos do medo, do ódio, do populismo e do nacionalismo), e fazer convalescença (ultrapassando os traumas do passado com o perdão)”.

Halík compreende o fechamento das Igrejas como uma oportunidade de provar um futuro que poderia em breve acontecer. E é ao confinamento no vazio (agora forçado por uma emergência sanitária) que a metáfora da Igreja em saída faz-se antítese. Para ele, o “ser Igreja” e “ser Cristão” não é estático, imutável, e a história de Cristo e os apóstolos demonstrara isso.

“Do tesouro da tradição que nos foi confiada, queremos tirar coisas novas e velhas e fazê-las participar de um diálogo com os que buscam, um diálogo no qual possamos e devamos aprender uns com os outros. Devemos aprender a ampliar radicalmente os limites da nossa visão da Igreja. Já não nos basta abrir, magnanimamente, um ‘pátio dos gentios’. O Senhor já bateu à porta a partir ‘de dentro’ e saiu – e cabe a nós buscá-lo e segui-lo. Cristo atravessou a porta que nós havíamos trancado por medo dos outros. Pulou o muro que tínhamos erigido à nossa volta. Abriu um espaço cuja amplitude e profundidade nos dão vertigens”.

Em 21-12-2019, dias antes de o novo coronavírus ser sequenciado e meses antes de a OMS declarar pandemia, Francisco reforçava à Cúria Romana as rápidas transformações de um novo mundo:

“Estamos a viver, não simplesmente uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Encontramo-nos, portanto, num daqueles momentos em que as mudanças já não são lineares, mas epocais; constituem opções que transformam rapidamente o modo de viver, de se relacionar, de comunicar e elaborar o pensamento, de comunicar entre as gerações humanas e de compreender e viver a fé e a ciência”

A pandemia colocou o Francisco definitivamente na encruzilhada “do velho que está morrendo e do novo que ainda não nasce”. Relembramos abaixo alguns eventos e algumas análises desse período e o futuro do pontificado.

Leia.

Somos vibrações fugazes entre bilhões de estrelas

“Somos vibrações fugazes, entre bilhões de estrelas”. Entrevista com Carlo Rovelli – IHU: 24 julho 2020

O universo é um lugar imenso e misterioso, cheio de maravilhas insólitas e de uma rara beleza. Nele há explosões gigantescas, arabescos primorosos e arco-íris com bilhões e bilhões de galáxias e bilhões e bilhões de estrelas. Perto de uma dessas estrelas são emitidas algumas vibrações fugazes entre tantas: nós. Somos nós com nossas ideias, sonhos, alegrias e aflições e nossa contemplação atônita da imensidão. Somos apenas um lampejo.

L’univers és un lloc immens i misteriós, ple de meravelles insòlites i d’una rara bellesa. En ell hi ha explosions gegantines, arabescos delicats i arcs de Sant Martí amb bilions i bilions de galàxies i bilions i ­bilions d’ estrelles. A prop d’una d’aquestes estrelles s’emeten unes vibracions fugaces entre tantes: nosaltres. Som nosaltres amb les nostres idees, somnis, alegries i penes i la nostra contemplació atònita de la immensitat. Som just un esclat.

A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia em 23 de julho de 2020.

Carlo Rovelli - Verona, 03.05.1956
A entrevista

Doutor Rovelli, acredita que sabe e envelhece ou quer saber e rejuvenesce?

Para começar, com os anos, tenho menos vontade de romper com tudo. Mas acredito que ocorre o contrário: são os jovens que acreditam que já sabem tudo. Porque nós mais velhos fomos descobrindo que não sabíamos nada. Quando eu era jovem, estava muito mais certo de minhas opiniões, mas não perco a curiosidade. Tenho o problema oposto: devo me esforçar para contê-la, porque, do contrário, leria tudo, iria para todas as partes e falaria com todo mundo e não ficaria nada. Por isso, muitas vezes, surpreendo a mim mesmo lendo um livro que não tem nada a ver com o meu [tema] e me censuro: “Carlo, para já, não pode aprender tudo. Deixa esse livrinho”.

Descreva o universo em cinco linhas.

Grande desafio. O universo é um lugar imenso e misterioso, cheio de maravilhas insólitas e de uma rara beleza. Nele há explosões gigantescas, arabescos primorosos e arco-íris com bilhões e bilhões de galáxias e bilhões e bilhões de estrelas. Perto de uma dessas estrelas são emitidas algumas vibrações fugazes entre tantas: nós. Somos nós com nossas ideias, sonhos, alegrias e aflições e nossa contemplação atônita da imensidão. Somos apenas um lampejo.

Mas somos.

Somos e queremos saber.

E se o universo fosse um caos a respeito do qual não podemos saber mais do que sabemos?

Tudo é possível. Mas seria brincadeira que fosse justamente agora o momento em que já compreendemos tudo o que pode ser compreendido e que teríamos percebido que não podemos compreender mais. Parece mais provável que estejamos na mesma situação de sempre: há coisas que já entendemos e outras que são difíceis de entender, mas as entenderemos.

Quando?

É uma pergunta que na pureza científica quer dizer também: onde?

Por quê?

Veja: agora, tenho dois relógios: um acima e outro abaixo. São relógios que custam milhares de euros por sua exatidão. Pois bem, no relógio de cima, o tempo passa mais devagar que no relógio de baixo. E isso é uma constatação do que observo nesse momento, não é nenhuma teoria.

O relógio de cima está atrasado?

Não. Está em outro lugar, ou seja, outro tempo. Outro lugar é outro tempo. Se agora passássemos perto de uma estrela muito densa, o tempo transcorreria mais devagar até parar, e se nos aproximássemos de um buraco negro, tão denso que absorve tudo, inclusive a luz, o tempo pararia, o tempo deixaria de transcorrer. O agora é uma dimensão tão local como o aqui, não é global.

Por que é difícil para nós entendermos isso?

Também custou muito aos clássicos entender que a Terra girava, porque seus olhos lhes diziam que estava parada. E hoje, de qualquer satélite, a vemos girar no espaço.

Hoje, só é preciso acreditar em seus olhos.

E, quando um pai pegar uma nave espacial e voltar, após toda uma vida de viagens, ver que seu filho é mais velho do que ele, perceberemos que o tempo é diferente em cada lugar. E isto será dito pelos nossos olhos.

Estamos imersos em espaço-tempo?

Pense em uma medusa feita de espaço-tempo que treme e se agita: estamos dentro. Se nos movimentamos, mudamos de espaço e tempo. Os militares que enviaram os primeiros satélites GPS não acreditavam. E puseram neles dois medidores. O seu, ainda newtoniano, e o outro, com as correções da relatividade de Einstein.

Menos mal.

Sim, porque agora você pode saber onde está em seu celular, graças aos cálculos de Einstein.

Poderia agora, então, estar morto em cima e vivo em baixo?

Isso já é quântico. A mecânica quântica demonstra que as partículas elementares não estão aqui, mas que podem estar aqui e ali.

O que é estar em dois lugares ao mesmo tempo?

Porque as partículas da matéria que também nos forma não são. Não estão paradas em um lugar, mas são saltos de uma interação a outra.

Mas por que a realidade parece fixa?

É outra ilusão, como a de enxergar a Terra plana e parada, sendo que gira. É como um lago, que nos parece parado, mas pelo microscópio veremos que é composto de moléculas em constante agitação.

Isso soa muito hippie.

É que o universo não é composto por materiais sólidos, regidos por leis invariáveis, mas por ondas, vibrações, energias que interagem constantemente. Hoje, tentamos juntar a relatividade e a quântica. E eu participei na teoria do loop que explica isso.

O universo é tão feio como no modelo padrão, com dezenas de partículas?

Para mim, já me parece harmônico que o que vemos seja a combinação de só algumas dezenas de partículas. Mas, sim, talvez alguém um dia encontre uma ordem nelas. Eu trabalho agora na compreensão das propriedades quânticas de espaço e tempo. Ainda que seja verdade que a teoria geral da relatividade é mais bela que o modelo padrão e essa é uma de minhas razões para trabalhar nela.

O confinamento se tornou longo para você?

Não confundamos o tempo de nossa percepção com o da física.

É melhor gastar o dinheiro público para buscar vida extraterrestre em outras coisas?

Nossa galáxia é tão imensa que é muito improvável que a vida na Terra seja algo único ou sequer especial. Encontrar vida extraterrestre seria tão relevante, ao menos, como as descobertas de Copérnico ou Darwin. Investir em descobri-la é muito mais rentável que a maioria das pesquisas científicas em curso.

Quem é Carlo Rovelli?

Livros de Carlo Rovelli

 

“Som vibracions fugaces entre bilions d’estrelles” – Lluís Amiguet – La Vanguardia: 23/07/2020

Descrigui l’univers en cinc línies.

Gran repte. L’univers és un lloc immens i misteriós, ple de meravelles insòlites i d’una rara bellesa. En ell hi ha explosions gegantines, arabescos delicats i arcs de Sant Martí amb bilions i bilions de galàxies i bilions i ­bilions d’ estrelles. A prop d’una d’aquestes estrelles s’emeten unes vibracions fugaces entre tantes: nosaltres. Som nosaltres amb les nostres idees, somnis, alegries i penes i la nostra contemplació atònita de la immensitat. Som just un esclat…