Boff apoia Francisco contra Messori

Apoio ao Papa Francisco contra seus detratores

Esperava uma maior inteligência de fé e mais abertura de Vittorio Messori, não obstante seus méritos de católico, fiel a um modelo clássico de Igreja.

Está se articulando em várias partes do mundo, mas principalmente na Itália entre cardeais e pessoas da Cúria mas tambem entre grupos leigos conservadores uma dura resistência e demolição da figura do Papa Francisco. Escondendo-se atrás de um escritor leigo famoso, convertido, Vittorio Messori, mostram seu mal-estar.

Assim que com tristeza li um artigo de Vittorio Messori, no Corriere della Sera de Milão com o titulo:”As opções de Francisco: dúvidas sobre a virada do Papa Francisco”(24/12-2014). Esperou a véspera do Natal para atingir mais profundamente o Papa. O que lhe critica é especilmente a sua “imprevisibilidade que continua perturbando a tranquilidade do católico médio”. Ele admira a perspectiva linear “do amado Joseph Ratzinger”. E sob palavras piedosas instila insidiosamente muito veneno. E o faz, como confessa, em nome de muitos que não têm coragem de expor-se.

Quero propor um contraponto às dúvidas de Messori. Este não percebe os novos sinais dos tempos trazidos por Francisco de Roma. Ademais demonstra três insuficiências: duas de natureza teológica e uma de interpretação da relevância da Igreja do Terceiro Mundo.

Ele se escandalizou com a “imprevisibilidade” deste Pastor “que continua perturbando a tranquilidade do católico médio”. Há de se perguntar pela qualidade da fé deste “católico médio” que sente dificuldade de entender um pastor que tem “odor de ovelhas” e anuncia “a alegria do evengelho”. São geralmente católicos culturais, habituados à figura faraônica de um Papa com todos os símbolos do poder dos imperadores romanos pagãos. Agora comparece um Papa “franciscano”que confere centralidade aos pobres, não “veste Prada”, critica corajosamente o sistema econômico que produz tantos pobres no mudo, que abre a Igreja a todos os seres humanos sem julgá-los, mas acolhendo-os no espírito que ele chamou de “revolução da ternura”, falando aos bispos latinoamericanos.

Há um notável vazio no pensamento de Messori. Estas são as duas insuficiências teológicas: a quase ausência do Espírito Santo e o cristomonismo. Quer dizer: só Cristo conta. Não há propriamente um lugar para o Espírito Santo. Tudo na Igreja se resolve unicamente com Cristo, coisa que não corresponde ao que ensinou Jesus. Por que digo isso? Porque o que ele deplora na ação pastoral do Papa é a “imprevisibilidade”. Ora, esta é a caracterítisca do Espírito no dizer de São João:”Ele sopra onde quer e lhe ouves voz mas não sabes de onde vem nem para onde vai”(3,8). Sua natureza é a irrupção imprevista.

Messori é refém de uma visão linear, própria de seu “amado Joseph Ratzinger” e de outros Papas anteriores. Ora, importa reconhecer que foi exatamente esta visão linear que transformou a Igreja numa fortaleza, incapaz de comprender a complexidade do mundo moderno, isolada no meio das demais Igrejas e caminhos espirituais, sem dialogar e aprender dos outros, também iluminados pelo Espírito Santo. Seria blasfemar contra o Espírito imaginar que os outros somente pensaram erros. Por isso é sumamente importante uma Igreja aberta, como o quer o Papa Francisco, para perceber as irrupções imprevistas do Espíprito na história. Não sem razão alguns teólogos o chamam a “fantasia de Deus”, em razão de sua criatividade e novidade para a história e a Igreja.

Sem o Espírito Santo a Igreja se tornaria uma instituição pesada, e sem criatividade. No fundo, teria pouco a dizer ao mundo a não ser doutrinas sobre doutrinas, sem levar a um encontro vivo com Cristo e sem suscitar esperança e alegria de viver.

Significa um dom do Espírito o fato de que este Papa tenha vindo fora da velha e cansada cristandade européia. Não se apresenta como refinado teólogo, mas como um zeloso Pastor que realiza o mandato de Jesus a Pedro:”confirma os irmãos e as irmãs na fé”(Lc 22,31). Carrega consigo a esperiência das Igrejas do Terceiro mundo, particularmente, da América Latina.

Esta é outra insuficiência de Messori: o de não ter dimensionado o fato de que hoje por hoje, o Cristianismo é uma religião do Terceiro Mundo, como tantas vezes o tem enfatizado o teólogo alemão J. B. Metz. Na Europa os católicos não chegam a 25%, enquant que no Terceiro Mundo alcançam quase 73% e na América Latina cerca de 49%.

Por que não acolher a novidade que se deriva destas Igrejas já que não são mais Igrejas-espelho das velhas Igrejas européias, mas Igrejas-fonte com seus mártires, confessores e teólogos?

Podemos imaginar que num futuro não muito distante a sede do primado não continue mais em Roma com a Cúria, com todas as contradições recentemente denunciadas com coragem pelo Papa Francisco com palavras somente ouvidas da boca de Lutero e no meu livro Igreja: carisma e poder (1984), que lido na ótica de hoje é antes um livro inocente que crítico. Faria sentido que a sede primacial estivesse lá onde se encontra a maioria dos católicos que está na América Latina, Africa e Ásia. Seguramente seria um sinal inequívoco da verdadeira catolicidade da Igreja dentro da nova fase globalizada da humanidade.

Esperava, sinceramente, uma maior inteligência de fé e mais abertura de Vittorio Messori, não obstante seus méritos de católico, fiel a um modelo clássico de Igreja e de notório escritor. Este Papa trouxe esperança e ar fresco para tantos católicos e a outros cristãos que se orgulham dele.

Não percamos esse dom do Espírito por causa de análises antes negativas que positivas e que não reforçam a “alegria do evangelho” para todos.

Fonte: Leonardo Boff – Carta Maior: 19/12/2014

 

O texto de Vittorio Messori, no original italiano, pode ser lido no Corriere della Sera – 24 dicembre 2014: Le scelte di Francesco: I dubbi sulla svolta di Papa Francesco.

Bergoglio è imprevedibile per il cattolico medio. Suscita un interesse vasto, ma quanto sincero?

Credo sia onesto ammetterlo subito: abusando, forse, dello spazio concessomi, ciò che qui propongo, più che un articolo, è una riflessione personale. Anzi, una sorta di confessione che avrei volentieri rimandata, se non mi fosse stata richiesta. Ma sì, rimandata perché la mia (e non solo mia) valutazione di questo papato oscilla di continuo tra adesione e perplessità, è un giudizio mutevole a seconda dei momenti, delle occasioni, dei temi. Un Papa non imprevisto: per quanto vale, ero tra quelli che si attendevano un sudamericano e un uomo di pastorale, di esperienza quotidiana di governo, quasi a bilanciare un ammirevole professore, un teologo sin troppo raffinato per certi palati, quale l’amato Joseph Ratzinger. Un Papa non imprevisto, dunque, ma che subito, sin da quel primissimo «buonasera», si è rivelato imprevedibile, tanto da far ricredere via via anche qualche cardinale che era stato tra i suoi elettori.

Una imprevedibilità che continua, turbando la tranquillità del cattolico medio, abituato a fare a meno di pensare in proprio, quanto a fede e costumi, ed esortato a limitarsi a «seguire il Papa». Già, ma quale Papa? Quello di certe omelie mattutine a Santa Marta, delle prediche da parroco all’antica, con buoni consigli e saggi proverbi, con persino insistiti avvertimenti a non cadere nelle trappole che ci tende il diavolo? O quello che telefona a Giacinto Marco Pannella, impegnato nell’ennesimo, innocuo digiuno e che gli augura «buon lavoro», quando, da decenni, il «lavoro» del leader radicale è consistito e consiste nel predicare che la vera carità sta nel battersi per divorzio, aborto, eutanasia, omosessualità per tutti, teoria di gender e così via? Il Papa che, nel discorso di questi giorni alla Curia romana, si è rifatto con convinzione a Pio XII (ma, in verità, a san Paolo stesso) definendo la Chiesa «corpo mistico di Cristo»? O quello che, nella prima intervista a Eugenio Scalfari, ha ridicolizzato chi pensasse che «Dio è cattolico», quasi che la Ecclesia una, sancta, apostolica, romana fosse un optional, un accessorio da agganciare o meno, a seconda del gusto personale, alla Trinità divina? Il Papa argentino consapevole, per diretta esperienza, del dramma dell’America Latina che si avvia a diventare un continente ex cattolico, con il passaggio in massa di quei popoli al protestantesimo pentecostale? O il Papa che prende l’aereo per abbracciare e augurare buoni successi a un amico carissimo, pastore proprio in una delle comunità che stanno svuotando quella cattolica e proprio con il proselitismo da lui condannato duramente nei suoi?

Si potrebbe continuare, naturalmente, con questi aspetti che paiono – e forse sono davvero – contraddittori. Si potrebbe, ma non sarebbe giusto, per un credente. Questi, sa che non si guarda a un Pontefice come a un presidente eletto di repubblica o come a un re, erede casuale di un altro re. Certo, in conclave, quegli strumenti dello Spirito Santo che, stando alla fede, sono i cardinali elettori condividono i limiti, gli errori, magari i peccati che contrassegnano l’umanità intera. Ma capo unico e vero della Chiesa è quel Cristo onnipotente e onnisciente che sa un po’ meglio di noi quale sia la scelta migliore, quanto al suo temporaneo rappresentante terreno. Una scelta che può apparire sconcertante alla vista limitata dei contemporanei ma che poi, nella prospettiva storica, rivela le sue ragioni. Chi conosce davvero la storia è sorpreso e pensoso nello scoprire che – nella prospettiva millenaria, che è quella della Catholica – ogni Papa, consapevole o no che lo fosse, ha interpretato la sua parte idonea e, alla fine, rivelatasi necessaria. Proprio per questa consapevolezza ho scelto , per quanto mi riguarda, di osservare, ascoltare, riflettere senza azzardarmi in pareri intempestivi se non addirittura temerari. Per rifarci a una domanda fin troppo citata al di fuori del contesto: « Chi sono io per giudicare?». Io che – alla pari di ogni altro, uno solo escluso – non sono certo assistito dal «carisma pontificio», dall’assistenza promessa del Paraclito. E a chi volesse giudicare, non dice nulla l’approvazione piena, più volte ripetuta – a voce e per iscritto – dell’attività di Francesco da parte di quel «Papa emerito» pur così diverso per stile, per formazione, per programma stesso?

Terribile è la responsabilità di chi oggi sia chiamato a rispondere alla domanda: «Come annunciare il Vangelo ai contemporanei? Come mostrare che il Cristo non è un fantasma sbiadito e remoto ma il volto umano di quel Dio creatore e salvatore che a tutti può e vuole dare senso per la vita e la morte?». Molte sono le risposte, spesso contrastanti.

Per quel poco che conta, dopo decenni di esperienza ecclesiale, io pure avrei le mie, di risposte. Avrei, dico: il condizionale è d’obbligo perché niente e nessuno mi assicura di avere intravisto la via adeguata. Non rischierei forse di essere come il cieco evangelico, quello che vuole guidare altri ciechi, finendo tutti nella fossa? Così, certe scelte pastorali del «vescovo di Roma», come preferisce chiamarsi, mi convincono; ma altre mi lascerebbero perplesso, mi sembrerebbero poco opportune, magari sospette di un populismo capace di ottenere un interesse tanto vasto quanto superficiale ed effimero. Avrei da osservare alcune cose a proposito di priorità e di contenuti, nella speranza di un apostolato più fecondo. Avrei, penserei: al condizionale, lo ripeto, come esige una prospettiva di fede dove chiunque anche laico (lo ricorda il Codice canonico) può esprimere il suo pensiero, purché pacato e motivato, sulle tattiche di evangelizzazione. Lasciando però all’uomo che è uscito vestito di bianco dal Conclave la strategia generale e, soprattutto, la custodia del «depositum fidei». In ogni caso, non dimenticando quanto Francesco stesso ha ricordato proprio nel duro discorso alla sua Curia: è facile, ha detto, criticare i preti, ma quanti pregano per loro? Volendo anche ricordare che egli, sulla Terra, è il «primo» tra i preti. E, dunque, chiedendo, a chi critica, quelle preghiere di cui il mondo ride ma che guidano, in segreto, il destino della Chiesa e del mondo intero.

 

Leia o texto de Leonardo Boff, se preferir, em espanhol, em Religión Digital, de 30/12/2014:

Apoyo al Papa frente a un escritor nostálgico, Vittorio Messori

He leído con un poco de tristeza el artículo crítico de Vittorio Messori en el Corriere della Sera precisamente en el día menos adecuado: la noche feliz de Navidad, fiesta de luz y alegría: “Las opciones de Francisco: las dudas sobre el rumbo del Papa Francisco”.

El autor ha intentado dañar esta alegría del buen pastor de Roma y del mundo, el Papa Francisco. Pero en vano, porque no conoce el sentido de misericordia y de espiritualidad de este Papa, virtud que seguramente no demuestra Messori. El uso que él hace de las palabras compasión y comprensión, llevan por dentro veneno. Y lo hace en nombre de muchos otros que se esconden tras él y no tienen el coraje de aparecer en público.

Me propongo hacer otra lectura de Papa Francisco, como contrapunto a la de Messori, un converso que, en mi opinión, todavía debe llevar a término su conversión con la recepción del Espíritu Santo, para que no vuelva a decir las cosas que ha escrito…

:. Sobre Vittorio Messori

:. Sobre Leonardo Boff

:. Sobre Francisco

Jesus não nasceu em 25 de dezembro?

Esta pergunta sempre retorna nesta época do ano. Já escrevi sobre isto no blog. Recomendo:

Por que o Natal é celebrado em 25 de dezembro? – Observatório Bíblico – 18 de dezembro de 2011

Há também, em minha página, enquetes sobre o nascimento e morte de Jesus.

E acrescento mais um texto, deste ano:

Why is Christmas on Dec. 25? (It wasn’t always.) – Valerie Strauss: The Washington Post – 24 de dezembro de 2014

Frase do dia – 18.12.2014

Anunciado ontem, o reatamento de relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba tem uma utilidade suplementar no Brasil: coloca em seu devido lugar o anticomunismo primitivo que fez uma grande aparição na última campanha presidencial. 

Paulo Moreira Leite, A vitória dos bons princípios.

Como o Linux funciona?

Um livro para o usuário com alguma experiência que gosta de saber porque o Linux faz as coisas que faz e como as faz.

WARD, B. How Linux Works: What Every Superuser Should Know. 2. ed. San Francisco: No Starch Press, 2014, 392 p. – ISBN 9781593275679. Edição para Kindle aqui.

(…) How Linux Works deals less with practical day-to-day issues and deals more with what the operating system is doing under the surface while we are using it. While other texts talk about creating files or scanning through logs, How Linux Works deals with the methods programs use to talk to the Linux kernel and how files are organized and located on the hard drive. Other books discuss setting up permissions on files and directories, How Linux Works shows us how permissions are implemented. Recently we’ve been hearing debates over different types of init software, How Linux Works discusses how each init implementation works and goes over the benefits and drawbacks of each one.

Brian Ward’s book is for a specific sort of person, someone that is less interested in what their operating system does and more interested in why. Why is accessing swap space slow? What do inodes do and why do we have them? How do threads work? What goes on behind the scenes when the kernel is scheduling processes? Why do we need a boot loader to bring the operating system on-line? All good questions curious people want answers to and Ward has those answers (and many, many more).

Something I like about How Linux Works is there is a certain abstract approach to the text. There are relatively few practical examples or tutorials on display, most of the book is focused on explaining what goes on in the background when we do certain things (…) Admittedly, if you are new to Linux and trying to figure out web browsing and package management, then this book is probably going to provide more information than you want to digest right now. However, if you are curious as to how Linux (and similar operating systems) do the things they do, if you want to know (in gritty detail) how the pieces of your operating system fit together, then How Linux Works will answer your questions in clear, concise terms. (da resenha publicada por Jesse Smith em DistroWatch – 15/12/2014)

Diz o autor Brian Ward no prefácio do livro:
I wrote this book because I believe you should be able to learn what your computer does. You should be able to make your software do what you want it to do (within the reasonable limits of its capabilities, of course). The key to attaining this power lies in understanding the fundamentals of what the software does and how it works, and that’s what this book is all about. You should never have to fight with a computer.

Linux is a great platform for learning because it doesn’t try to hide anything from you. In particular, most system configuration can be found in plaintext files that are easy enough to read. The only tricky part is figuring out which parts are responsible for what and how it all fits together (…)

Although Linux is beloved by programmers, you do not need to be a programmer to read this book; you need only basic computer-user knowledge. That is, you should be able to bumble around a GUI (especially the installer and settings interface for a Linux distribution) and know what files and directories (folders) are. You should also be prepared to check additional documentation on your system and on the Web. As mentioned earlier, the most important thing you need is to be ready and willing to play around with your computer.

Sobre as duas edições do livro:
A primeira edição é de 2004, e sobre as novidades da segunda, publicada agora em novembro de 2014, diz o autor:  I have omitted some older and perhaps less relevant material… Of course, so much of the original subject matter in this book has changed over the years, and I’ve taken pains to sort through the material in the first edition in search of updates… I’ve also omitted some of the historical information that was in the first edition, primarily to keep you focused.

Quem é Brian Ward?
Brian Ward has been working with Linux since 1993. He has a Ph.D. in computer science from the University of Chicago, and currently works in San Francisco as a consultant and instructor.

Leia Mais:
Lista de etimologias de termos usados em computação

Descalço sobre a Terra Vermelha

A partir de hoje, 13 de dezembro, às 21h30, a TV Brasil apresenta a minissérie Descalço sobre a Terra Vermelha.

Em três episódios com 52 minutos, a produção conta a trajetória de vida do bispo emérito de São Félix do Araguaia, o catalão Dom Pedro Casaldáliga. O religioso é uma figura emblemática, tanto na Espanha quanto no Brasil, por sua incansável luta em favor dos desfavorecidos da região do Mato Grosso, no Centro-Oeste brasileiro.

Baseada na obra homônima de autoria do escritor Francesc Escribano, a série narra a relevante atuação do religioso – seja em conflitos entre latifundiários no Mato Grosso, contra o regime militar e lutando contra a miséria e opressão da população local – de forma delicada e profunda. Dirigida pelo cineasta catalão Oriol Ferrer, a obra é resultado da coprodução entre a TV Brasil, a espanhola TVE, a catalã TV3, a brasileira Raiz Produções e a Minoria Absoluta, produtora espanhola.

Três episódios de 52 minutos cada, nos dias 13, 20 e 27/12/2014, às 21h30, na TV Brasil.

Leia Mais:
Entrevista com Dom Pedro Casaldáliga

A condenação moral da corrupção não basta II

Continuação de A condenação moral da corrupção não basta I

Um procedimento recorrente nos estudos da corrupção é a concentração da atenção no comportamento dos funcionários do Estado que se desviam de suas funções. Essa abordagem do problema tem suas raízes na maneira como a lei brasileira caracteriza a prática da corrupção, mas conserva também as marcas de uma abordagem teórica, que privilegia o estudo dos desvios daqueles que estão diretamente ligados à máquina de Estado e à aplicação de suas determinações como inerente à constituição do objeto de estudo que deve interessar aos cientistas políticos. Embora esse seja um aspecto fundamental do problema, tem se revelado inadequado. Se não podemos descurar das práticas dos funcionários de Estado, a esfera pública e suas interfaces com a esfera dos interesses privados têm se mostrado um terreno bem mais complexo do que aquele sugerido por algumas análises correntes. É claro que a presença de funcionários públicos nos escândalos políticos não pode ser descurada, mas com alguma frequência ela é apenas a ponta de um processo que transcende não apenas os limites do serviço público, mas também as fronteiras dos Estados. Prestar atenção à dimensão pública da corrupção pode levar a obscurecer o fato de que ela afeta igualmente os domínios privados. O funcionário corrupto é apenas uma parte de uma engrenagem que envolve atores privados, que representam interesses econômicos ou políticos que não são explicitados na esfera pública.

Há um senso comum recorrente que associa o fenômeno da corrupção à própria identidade do brasileiro. Por essa visão, o Brasil seria inevitável e definitivamente corrupto devido a certos valores e práticas que, presentes desde a origem, tornaram-se parte de seu caráter e de seu jeito de ser. Tal explicação, além de incorporar uma boa dose de preconceito, essencializa a história e simplifica ao atribuir uma sobrecarga explicativa à cultura, em detrimento de suas articulações variadas com outras dimensões da vida social. Uma coisa é reconhecer que na formação do Estado nacional e na constituição de nosso regime republicano houve escassos valores públicos e forte privatismo, ambígua situação legal e baixa adesão a procedimentos impessoais. Outra é deixar de reconhecer a variação histórica dos padrões de corrupção, de sua intensidade, generalidade e profundidade, segundo as várias fases do desenvolvimento econômico e democrático do país. Uma coisa é identificar sentimentos de conformismo, na cultura das elites e na cultura popular, em relação ao fenômeno da corrupção. Outra é deixar de lado, desvalorizar as atitudes e movimentos de opinião pública que expressam a revolta contra a reiteração dos fenômenos da corrupção. Enfim, a explicação tautológica que o Brasil é corrupto em função de sua identidade quase prescinde de refletir teoricamente e estudar empiricamente o fenômeno da corrupção. Não deixa de ser, apesar da crítica aparente, uma forma de se conformar à sua realidade.

Uma das tarefas à qual o livro pretende se dedicar é a de oferecer um conjunto de reflexões e estudos que alarguem a compreensão do fenômeno da corrupção para além das fronteiras que lhe são assinaladas pelos procedimentos analíticos aos quais nos referimos. Para isso, deixamos de lado o estudo direto dos casos recentes de corrupção, que foram muito explorados tanto pelos meios de comunicação quanto pelos estudiosos da vida pública, para tentar oferecer ao leitor as ferramentas necessárias para uma abordagem que junta ao estudo do presente o de suas raízes históricas e culturais. Isso não quer dizer que o livro não pretenda realizar uma contribuição ao processo de combate à corrupção: ele pretende mostrar quais são os fundamentos culturais e históricos que determinaram uma trajetória que, muito provavelmente, está chegando ao seu final. Ele também aponta com muita clareza qual é o elemento ou o conceito-chave para a superação da corrupção: o resgate do conceito de interesse público (…).

A primeira seção do livro está voltada para as diversas teorias da corrupção. O ponto de partida é a investigação do pensamento de autores que desde a Antiguidade se dedicaram a estudar o problema (…) Na segunda seção estão reunidos estudos que dizem respeito à história brasileira e à cultura. No que se refere à história da corrupção no Brasil, os organizadores fizeram a opção por um conjunto pequeno, mas significativo, de ensaios e verbetes. Os ensaios sobre Brasil colonial, Brasil imperial e Brasil republicano têm o objetivo de dar uma perspectiva histórica sobre como a corrupção emergiu e foi tratada ou ignorada em todos estes períodos (…) Na última seção aparecem as análises de temas, problemas de atualidade e instituições que são imprescindíveis no combate à corrupção (…)

Não temos nenhuma dúvida de que, sob o ponto de vista do tratamento institucional da corrupção, o país passou por avanços significativos. No entanto, do ponto de vista da percepção do cidadão, o Brasil enfrenta um dilema: quanto mais a corrupção é combatida, mais ela é noticiada, e quanto mais ela é noticiada, maior é a sua percepção. Do ponto de vista do cidadão, o combate à corrupção gera a aparência de uma maior presença desta na vida administrativa do país. O objetivo deste livro é oferecer ao leitor um instrumental capaz de situá-lo no longo percurso de combate à corrupção nas democracias ocidentais e no Brasil. Esperamos que cada leitor se aproprie dele a partir da pluralidade de perspectivas inerente a um fenômeno que desperta mais paixões que qualquer outro na política brasileira contemporânea.

Participam do livro: Sérgio Cardoso, Helton Adverse, Marilena Chauí, Renato Janine Ribeiro, Cícero Araújo, Marcelo Santus Jasmin, Jessé Souza, Álvaro de Vita, Newton Bignotto, Juarez Guimarães, André Macedo Duarte, Wanderley Guilherme dos Santos, Leonardo Avritzer, Olgária Chain Féres Matos, Fernando Filgueiras, João Feres Júnior, Rubens Goyatá, José Maurício Domingues, Carlos Antônio Leite Brandão, Luciano Raposo Figueiredo, Evaldo Cabral de Mello, Lilia Moritz Schwarcz, José Murilo de Carvalho, Rodrigo Patto Sá Motta, Heloisa Maria Murgel Starling, Isabel Lustosa, Ram Mandil, Rosangela Patriota, Alcides Freire Ramos, Marcela Telles Elian Lima, Myrian Sepúlveda dos Santos, Maria Rita Kehl, Fátima Anastasia, Luciana Santana, Carlos Ranulfo Melo, André Marenco, Fábio Wanderley Reis, Cláudio Beato, Luiz Eduardo Soares, Jean Hébette, Raul da Silva Navegantes, Marlise Matos, Regis Moraes, Cristina Zurbriggen, Celi Regina Jardim Pinto,  Antônio César Bocheneck, Alberto Olvera, Enrique Peruzzotti, Francisco Gaetani, Aline Soares, Aaron Schneider, Venício A. de Lima, Rubem Barboza Filho, Maria Tereza Sadek, Bruno Speck, Marcelo Barros Gomes, Ricardo de Melo Araújo, Mário Spinelli, Vânia Vieira e  Ludovico Feoli.

A condenação moral da corrupção não basta I

Quando as dimensões concretas da sociedade não são levadas em conta, as questões políticas sofrem uma redução de seu conteúdo, perdendo sua autonomia. São consideradas de maneira abstrata, conduzidas ao espaço da ética, restritivamente, e resolvidas no moralismo.

Estive lendo AVRITZER, L. et alii (orgs.) Corrupção: ensaios e críticas. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, 503 p. – ISBN 9788570419651.

E acho que há aqui muitas coisas proveitosas nestes dias em que a palavra mais ouvida no Brasil é “corrupção”.

Esta obra, escrita especialmente por professores das áreas de ciências políticas e sociais, história, filosofia e direito, foi publicada pela primeira vez em 2008, reeditada em 2012, e é organizada por Leonardo Avritzer, Newton Bignotto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling.

Alguns trechos da introdução clareiam o objetivo e a importância dos mais de 60 ensaios que compõem o livro. O assunto foi aqui dividido em duas postagens, I e II. Algumas coisas podem ser vistas aqui.

A corrupção é hoje um tema central para todos os que se preocupam com os destinos das democracias ocidentais. Fenômeno recorrente na história de muitas nações, na América Latina, ele tem se mostrado resistente às mudanças institucionais, que contribuíram para que a vida pública de alguns países pudesse ser regida por parâmetros democráticos cuja ausência foi uma das responsáveis pela extensão das práticas corruptas a amplas esferas da vida pública ao longo do século 20. A história recente brasileira, particularmente depois da Constituição de 1988, mostra que a redemocratização do país tornou visíveis fatos que antes não chegavam ao conhecimento da opinião pública, mas não evitou que o fenômeno se repetisse. Dos escândalos do Governo Collor aos acontecimentos mais recentes envolvendo membros dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva [e Dilma Rousseff – acréscimo meu], as evidências de que a corrupção está longe de ser um acontecimento marginal no interior da vida pública se acumulam. Essa constatação povoa as páginas dos jornais, a cada vez que surgem fatos incriminadores envolvendo personagens centrais da República, mas não gera necessariamente uma melhor compreensão de seus efeitos e de suas raízes. À justa indignação contra aqueles que são responsáveis pelos atos corruptos, segue-se com frequência uma condenação moral que, embora essencial, não dá conta de toda a complexidade do fenômeno. Uma das ambições deste livro é fornecer para o leitor um conjunto de referências que, sem negar a pertinência das abordagens morais e sem recusar a indignação como uma manifestação política legítima, permita avançar na compreensão de algo que faz parte da longa história política do Ocidente e resiste a toda análise unilateral de suas determinações.

Com muita frequência, a corrupção é abordada pelos meios de comunicação, e por cientistas sociais, por intermédio de índices que medem a “percepção da corrupção” pela população. Tais índices revelam a importância concedida a fenômenos que possuem um peso negativo na avaliação geral das políticas públicas. Eles apontam para o fato de que a população em geral não apenas tem consciência do fenômeno, mas se preocupa com seus efeitos sobre suas vidas. Não podemos, entretanto, esquecer que eles aferem a percepção, mas não servem para esclarecer os mecanismos internos aos processos aludidos. Um segundo instrumento recorrente nas análises da corrupção são os estudos realizados por institutos, os quais classificam os países segundo uma tabela que permite a comparação entre experiências distribuídas por todos os continentes. Nesse caso, o que se torna patente é o caráter internacional da corrupção e o fato de que é possível tanto concordar com um diagnóstico da situação de uma dada nação que leve em conta parâmetros partilháveis com outros países, quanto instituir práticas de controle, cuja eficácia pode ser medida por meio das mesmas referências que servem para fixar o diagnóstico.

As duas fontes anteriormente citadas nos ajudam a aquilatar a importância do problema da corrupção, sobretudo quando pensamos numa avaliação de políticas públicas e das instituições estatais concernidas. Elas possuem, no entanto, algumas limitações que devem ser levadas em conta. A primeira delas é que, para chegar a resultados mensuráveis, elas deixam de lado a grande complexidade do fenômeno estudado. A corrupção existe tanto em países democráticos quanto em países não democráticos, assim como em países com ampla liberdade de imprensa e em países com quase nenhuma liberdade de opinião. Evidentemente, a existência de instituições democráticas e a revelação da corrupção estão profundamente associadas, e não é possível avaliar comparativamente o fenômeno sem levar em conta a maior ou menor possibilidade de percebê-lo. Tal constatação nos permite entender um pouco melhor onde situar o Brasil em uma perspectiva comparada: trata-se de um dos países que tem mudado fortemente os comportamentos públicos e privados em relação à corrupção. No que diz respeito a comportamentos públicos, todos esses atos fazem com que a opinião pública volte seus olhos para as práticas dos funcionários de Estado.

Continua em A condenação moral da corrupção não basta II

Uma história de Israel baseada na Bíblia fracassa

Estive lendo a introdução do livro de LEMCHE, N. P. Changing Perspectives 3: Biblical Studies and the Failure of History. New York: Routledge, 2013, 352 p. – ISBN 9781781790175 – Ebook Kindle na Amazon do Brasil.

Os 21 capítulos deste livro de Niels Peter Lemche retomam textos publicados em revistas e obras coletivas entre 1974 e 2003. Estão em ordem cronológica.

A introdução é de John Van Seters. E começa assim:

The author of the collection of essays in this third volume of the Changing Perspectives series is widely known as the founder of the ‘Copenhagen School,’ a term that has become synonymous with rather radical and ‘minimalist’ views to many in biblical scholarship, especially in North America, and often without any clear idea about Lemche’s contributions to scholarship. Niels Peter Lemche conducted his theological studies and graduate research at the University of Copenhagen during the period of 1964 to 1978, and from there he had his first teaching appointment at the University of Aarhus, during 1978 to 1986. It was there that he published his very important doctoral thesis, Early Israel: Anthropological and Historical Studi­es on the Israelite Society before the Monarchy (in Danish, 1984, and English, 1985), and shortly thereafter became Professor of Theology at the University of Copenhagen (1987), where he has remained even since. It was primarily through this work, Early Israel, with its strong emphasis on anthropological and sociological approaches to Israelite history, that he became known to the English-speaking world of scholarship.

I wish to call special attention to this period of the mid-1980s because in the chapters that follow in this collection, this time period constitutes a significant divide between the first six, which would appear to most scholars as rather conservative in method and conclusions, and the rest, which reflect the various themes for which he is now famous [sublinhado meu]. In this way this division reflects Lemche’s own ‘change in perspective’ and the fact that during this early period in his career he was fully conversant with all of the biblical scholarship that was associated with the pre-monarchical origins of ‘early Israel’ and the possibility of Late Bronze Age traditions being reflected in biblical texts. The fact is that because of the prevailing trend in biblical scholarship during the 1960s and 1970s, it was expected that one have expertise in Akkadian and Ugaritic, in addition to the biblical languages, as well as a command of the history and civilization of the Near East back to the third millennium, and this is reflected very well in these opening articles, in which he is a master of this material. It is to this first group of articles that we will now turn.

Para ler toda a introdução clique, na página da Routledge, em View Inside this Book.

Sobre o livro, diz a editora:
Until the 1970s biblical studies belonged to the historical-critical school and had reached a point where all problems were believed to have been solved. Then all assumptions began to be turned on their head. Previously, historical studies constituted the backbone of biblical studies; now, every aspect of biblical history began to be questioned. The idea of the Old Testament as a source of historical information was replaced by an understanding of the texts as a means for early Jewish society to interpret its past. Biblical Studies and the Failure of History brings together key essays which reflect the trajectory of this scholarly shift in order to illuminate the state of biblical studies today. The early essays present historical-critical studies tracing historical information. Further essays employ a more critical and interpretive perspective to examine seminal issues ranging from the Hellenistic contexts of biblical tradition to the functioning of Old Testament society.

 

Um aviso: alguns livros publicados pela Equinox foram para a Acumen em 2012. Estes livros estão agora na Routledge, que adquiriu a Acumen. É o caso dos estudos bíblicos.

Some books previously published by Equinox moved to Acumen Publishing in late 2012 as part of a demerger. Books affected by this  now reside with Routledge following their acquisition of Acumen.