Você sabe o que é delação premiada?

O regime democrático, ao contrário do que se pensa, não se fortalece com o emprego de meios inconstitucionais para obter eficiência na persecução penal. O regime democrático se fortalece precisamente quando os direitos fundamentais da pessoa são preservados, independentemente de seu caráter, de sua personalidade, de sua condição social, de seus antecedentes ou de seu comportamento. A democracia não é simplesmente o regime da maioria, a democracia é o regime no qual todos possam, como pessoas de direito, exercerem, livremente, sua real capacidade de concordância ou discordância. 

Leia o artigo O que se esconde na delação premiada, escrito por Juarez Tavares e Frederico Figueiredo e publicado em Carta Maior em 16/10/2014.

Um trecho:

Mesmo longe de períodos eleitorais, a delação premiada já é um instrumento extremamente controvertido dentro do direito processual penal. Se é defendido por uns, como modelo de eficiência, é também gritante sua incompatibilidade com certas garantias constitucionais inerentes a regimes democráticos. Há uma série de direitos fundamentais que não podem ser renunciados pelo indiciado ou acusado, como o de pleitear do judiciário a reparação de ato que o prejudique, de interpor recursos que lhe são assegurados, de se insurgir contra coação processual, de não se submeter aos ditames da outra parte, de ser tratado com isonomia e de ser considerado presumidamente inocente até a prolação de sentença condenatória definitiva.

A violação desses direitos transforma em prova ilícita todas as informações prestadas pelo delator, que devem ser, por isso mesmo, eliminadas dos autos. E como o direito brasileiro acolheu a teoria extrema da prova ilícita, pela qual ficam contaminados todos os atos que a ela se vinculem, o procedimento penal daí decorrente é também juridicamente imprestável. Cabe à autoridade judicial tomar medidas preventivas contra eventuais prejuízos causados por informações não comprovadas nas delações, protegendo-as por sigilo judicial — a violação desse sigilo constitui uma grave infração, a configurar o delito previsto no art. 10 da Lei 9.296/96.

No entanto, a delação premiada é uma realidade e sua utilização no auxílio de investigações parece uma prática cada vez mais generalizada no Brasil. Como se por trás do instituto houvesse uma lógica muito mais forte do que a defesa de direitos fundamentais. Não surpreende que ela obedeça aos mesmos ditames do mercado (…).

Tal como está ocorrendo, com a divulgação espetacular na grande imprensa dos nomes das pessoas acusadas pelo delator no processo que corre, em parte, em Curitiba, em parte, no Supremo Tribunal Federal, sob o beneplácito do judiciário, que faculta essa divulgação como se fosse o resultado de um processo público e democrático, o que se pretende é mais do que evidente: influir diretamente no pleito eleitoral, dando impressão de que tudo o que foi delatado corresponde à mais pura verdade. A imprensa e o judiciário, principalmente este, deveriam atender aos preceitos constitucionais de presunção de inocência e do devido processo legal, que exigem, antes de tudo, que a determinação da responsabilidade penal só pode se dar sob o pressuposto da proteção da pessoa, e não para atender a fins políticos ou ideológicos.

O regime democrático, ao contrário do que se pensa, não se fortalece com o emprego de meios inconstitucionais para obter eficiência na persecução penal. O regime democrático se fortalece precisamente quando os direitos fundamentais da pessoa são preservados, independentemente de seu caráter, de sua personalidade, de sua condição social, de seus antecedentes ou de seu comportamento. A democracia não é simplesmente o regime da maioria, a democracia é o regime no qual todos possam, como pessoas de direito, exercerem, livremente, sua real capacidade de concordância ou discordância. Se quisermos alcançar no Brasil os objetivos mais sublimes de um regime democrático centrado na proteção da dignidade da pessoa humana e orientado pela realização plena da cidadania, é hora de rever todos esses instrumentos perversos de delação, que alimentam o desrespeito a direitos fundamentais e, no fundo, conduzem a uma política estatal sem ética e sem compostura, bem ao gosto dos regimes ditatoriais.

Sobre os autores


Juarez Tavares é Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Professor Visitante na Universidade de Frankfurt am Main, Alemanha.


Frederico Figueiredo é Doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt am Main, Alemanha.

Os estudos bíblicos nos últimos 50 anos

Philip R. Davies, em artigo disponível em Academia.edu, avalia os últimos 50 anos dos estudos bíblicos. Ele escolheu, em sua análise, três dos principais temas da disciplina, especificamente secularização, colonização e ficcionalização.

Biblical Studies: Fifty Years of a Multi-Discipline

Diz o Abstract  do artigo:

The creation of an autonomous and secular discipline of biblical studies can be traced back through several stages, in particular to cultural changes brought about by the Reformation and the Enlightenment. But it is only in the last 50 years or so that this discipline (more accurately, a multidiscipline) can be truly said to have emerged as distinct from Scripture, which now ought to be treated as a separate discipline belonging to theology rather than the human sciences. This review traces some of the principal themes of this discipline, specifically secularization, colonization and fictionalization. These themes are traced through a number of developments, beginning with the fundamental issue of what constitutes the ‘meaning’ of a text. Finally, it is suggested that the relationship between humanistic biblical studies and theological Scripture is becoming, and will continue to be, more explicitly addressed, but that no clear resolution can be foreseen.