Politizar a juventude sem experiência de luta de classes

Há uma luta de classes nas ruas, embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda. Devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. E a classe trabalhadora precisa se mover. E o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, o que levará a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagar a fatura no futuro.

Alguns trechos da entrevista de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes mobilizações em todo o país, publicada por Brasil de Fato em 25/06/2013. Reproduzida por Carta Maior em 29/06/2013.

Recomendo ler o texto completo: O significado e as perspectivas das mobilizações de rua.

:: Há uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É claro que há uma luta de classes nas ruas. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando  de uma luta ideológica. Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? E por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora. Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a Internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela Internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de pessoas. E aí se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria. Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o Departamento de Estado estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

:: E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar quaisquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do Estado brasileiro, que agora está em disputa. Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. Às vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. Às vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado, embora pequena, em são Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais. Certamente a maioria dos jovens nem sabe do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas. Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita, que suas bandeiras, além da PEC 37, são: saída do Renan do Senado; CPI e transparência dos gastos da Copa; declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam “Fora Dilma” e abaixo-assinados pelo impeachment. Felizmente essas bandeiras não têm nada a ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores.

:: Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio e os especuladores. Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária. Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma divida interna que nunca fizemos. Deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo? Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento publico exclusivo da campanha. Direito à revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados. Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS das exportações primárias e penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam. Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todos os  royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petrolífera, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões! Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte publico, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro, e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária. E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da conferência nacional de comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação.

:: O que o governo deveria fazer agora?
Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo. E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimentos pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e um plano de produção de alimentos voltado para o mercado interno. Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública. Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, o que levará a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagar a fatura no futuro.

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